terça-feira, 31 de agosto de 2021

PROVAS TERRESTRES DOS HOMENS EM MISSÃO[1]

 



Allan Kardec

 

(Douay, 8 de março de 1867 – Médium: Sra. M...)

 

...É preciso, meus filhos, que o sangue depure a Terra; terrível luta, ainda mais horrível pelo esplendor da civilização em cujo meio ela rebenta.

Que, Senhor! Quando tudo se prepara para apertar os laços dos povos de um extremo a outro do mundo! Quando na aurora da fraternidade material se veem as linhas de demarcação de raças, costumes e linguagem tenderem para a unidade, chega a guerra com seu cortejo de ruínas, de incêndios, de profundas divisões, de ódios religiosos. Sim, tudo isto porque nada em nosso progresso foi segundo o Espírito de Deus; porque vossos laços não foram apertados nem pela bondade, nem pela lealdade, mas apenas pelo interesse; porque não é a verdadeira caridade que impõe silêncio aos ódios religiosos, mas a indiferença; porque as barreiras não foram diminuídas em vossas fronteiras pelo amor de todos, mas pelos cálculos mercantis; enfim, porque as vistas são humanas e instintivas, e não espirituais e caridosas; porque os governantes só buscam os seus proveitos, e cada um, entre os povos, faz outro tanto.

Sublime desinteresse de Jesus e de seus apóstolos, onde estás?

– Ficais tristes, meus filhos, quando algumas vezes pensais na rude missão desses Espíritos sublimes, que vêm levantar a coragem da Humanidade e morrer na tarefa, depois de ter esvaziado o cálice amargo das ingratidões humanas. Gemeis por ver que o Senhor, que os enviou, parece abandoná-los no momento em que sua proteção parece mais necessária.

Não vos falaram das provas que sofrem os Espíritos elevados no momento de transpor um degrau mais alto na iniciativa espiritual? Não vos disseram que cada grau da hierarquia celeste se compra pelo mérito, pelo devotamento, como entre vós, no exército, pelo sangue derramado e pelos serviços prestados? Pois bem! É o caso em que se encontram os Messias nesta terra de dores; são sustentados enquanto dura sua obra humanitária, enquanto trabalham pelo homem e para Deus, mas, quando só eles estão em jogo, quando sua prova se torna individual, o socorro visível se afasta, a luta se mostra áspera e rude quando o homem deve sofrê-la.

Eis a explicação desse aparente abandono, que vos aflige na vida dos missionários de todos os graus de vossa Humanidade. Não penseis que Deus abandone jamais a sua criatura por capricho ou impotência; não, mas no interesse de seu adiantamento ele a deixa às suas próprias forças, ao completo emprego de seu livre-arbítrio.



[1] Revista Espírita – Maio/1867 – Allan Kardec

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

EILEEN J. GARRETT[1]

 

 

Garrett nasceu em Beauparc, County Meath, na Irlanda, em 17 de março de 1893. Seus pais se suicidaram e Garrett foi morar com sua tia. Garrett admitiu que ela teve uma infância muito desagradável e por causa da raiva de sua tia "se separou em um mundo próprio", onde ela poderia se dissociar de seu ambiente. Ela alegou ter desenvolvido habilidades psíquicas em sua juventude. Mais tarde, ela se casou e afirmou ouvir vozes e mostrar sintomas de um transtorno dissociativo de identidade. Garrett e seu marido acreditavam que ela estava à "beira da loucura", no entanto, Garrett veio a aceitar sua condição e assumiu a mediunidade de transe. O psicólogo Jan Ehrenwald escreveu que as afirmações de Garrett sobre habilidade psíquica poderiam ser facilmente explicadas por “megalomania... Ideias de grandeza", pois ela experimentou dissociação mental, alucinações e teve uma disposição excêntrica desde a infância.

Garrett se casou três vezes. Seu primeiro casamento foi com Clive Barry e eles tiveram três filhos, todos eles morreram jovens, e uma filha, Eileen Coly, que se interessou por parapsicologia. Garrett trabalhou em um albergue para soldados feridos durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1931 ela foi convidada para os Estados Unidos pela American Society for Psychical Research e realizou experimentos com vários pesquisadores psíquicos na América e na Europa até a década de 1950. Garrett não era uma proponente da hipótese espiritualista e atribuiu sua mediunidade não aos espíritos, mas à atividade de um "campo magnético". Garrett escreveu:

Em todos os meus anos de mediunidade profissional, não tive nenhum sinal, teste ou a menor evidência que me fizesse acreditar que entrei em contato com outro mundo.

Ela considerou que seus controles de transe eram personalidades de seu subconsciente e admitiu para o parapsicólogo Peter Underwood:

Eu não acredito na sobrevivência individual após a morte.

Os principais controles de transe de Garrett eram conhecidos como "Abdul Latif" e "Uvani". Em 1934, Garrett voluntariamente submeteu-se a uma análise pelo psicólogo William Brown e por testes de associação de palavras pelo pesquisador psíquico Whately Carington. Os testes provaram que seus controles eram personalidades secundárias de seu subconsciente, organizadas em torno de material reprimido. O pesquisador psíquico Hereward Carrington com seus colegas também examinou os controles de transe em muitas sessões espíritas. Eles utilizaram instrumentos para medir tudo, desde a resposta galvânica da pele à pressão arterial e concluiu a partir dos resultados que os controles nada mais eram do que personalidades secundárias de Garrett e não havia espíritos ou telepatia envolvidos.

Garrett considerava seus controles de transe como "princípios do subconsciente" formados por suas próprias necessidades internas. Ela fundou a Fundação de Parapsicologia na cidade de Nova York em 1951.

Garrett fundou a editora Creative Age Press, que mais tarde ela vendeu para Farrar, Straus and Young. Ela também editou a revista Todorov.

Garrett morreu após uma longa doença em 15 de setembro de 1970, em Nice, França.

 

Testes de clarividência

Garrett participou de testes de " clarividência ". Um dos testes foi organizado por Joseph Rhine na Duke University em 1933, envolvendo cartas Zener. Certos símbolos que foram colocados nos cartões e selados em um envelope, e os participantes foram convidados a adivinhar seu conteúdo. Ela teve um desempenho ruim e mais tarde criticou os testes, alegando que as cartas careciam de uma energia psíquica chamada "estímulo energético" e que ela não podia realizar a clarividência sob encomenda.

O parapsicólogo Samuel Soal e seus colegas testaram Garrett em maio de 1937. A maioria dos experimentos foi realizada no Laboratório de Psicologia da University College London. Um total de mais de 12.000 suposições foram registradas, mas Garrett falhou em produzir acima do nível de chance. Em seu relatório, Soal escreveu:

No caso da Sra. Eileen Garrett, falhamos em encontrar a mais leve confirmação das notáveis ​​afirmações do Dr. J.B. Rhine relativas a seus alegados poderes de percepção extra-sensorial. Ela não apenas falhou quando eu assumi o comando dos experimentos, mas também falhou quando quatro outros experimentadores cuidadosamente treinados tomaram meu lugar.

Os experimentos de Rhine e as cartas Zener usados ​​na década de 1930 foram descobertos para conter erros de procedimento e falhas, os resultados não foram replicados quando os experimentos foram conduzidos em outros laboratórios. O escritor de ciência Terence Hines escreveu "os métodos usados ​​para evitar que os indivíduos obtivessem sugestões e pistas sobre o design dos cartões estavam longe de ser adequados". Leonard Zusne e Warren Jones escreveram "a manutenção de registros nas experiências de Rhine era inadequada. Às vezes, o sujeito ajudava na verificação de suas ligações em relação à ordem dos cartões. Em alguns experimentos de telepatia de longa distância, a ordem dos cartões passava pelas mãos de o percipiente antes de chegar de Reno ao agente ".

sábado, 28 de agosto de 2021

NO TEMPLO DA CARNE[1]

 

Emmanuel

 

O corpo físico é sempre o equipamento de ação que o espírito – romeiro do progresso – é capaz de receber com proveito, consoante as necessidades e méritos que lhe caracterizam a experiência.

Qual acontece, na esfera humana, em que se atribuirá a cada criatura o instrumento que possa manejar para o bem comum, cada espírito, em se materializando na Terra, usa o veículo carnal que lhe seja adequado à luta imprescindível.

Entre os homens não se confiará o leme da usina elétrica ao adolescente irresponsável, nem se colocará o explosivo, destinado a cinzelar as formas da natureza, nas mãos da criança, incapaz de apreender-lhe o perigo.

Ninguém se lembrará de entregar o tesouro da coletividade ao delinquente que a penitenciária recolhe, nem se dará o tribunal à cabeça do analfabeto.

Assim é que na reencarnação, cada alma detém os recursos que mereceu.

É por isso que, embora identificados na espécie, não existem dois corpos humanos perfeitamente iguais.

A justiça funciona para cada ser, na pauta dos prêmios que conquista ou dívidas que amontoa.

Conserva a tua vestimenta de carne, acima de tudo, o uniforme de trabalho que o Senhor te concede à vida para que te refaças do passado obscuro na direção de luminoso porvir.

Ainda mesmo agravado de achaques ou deformado por dolorosas mutilações, incompleto ou enfermiço, aleijado ou desagradável à vista, teu corpo é bênção de Deus em teu próprio favor, buril com que te cabe aprender e servir, sofrer e lutar, dignamente, aprimorando a própria alma que, um dia, se quiseres viver no padrão de Jesus, comparecerá, liberada em pleno Céu, na condição de obra-prima.



[1] Mãos Marcadas – Francisco C. Xavier e Espíritos Diversos

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

CULPA E ESPIRITISMO[1]

 

Marisa Fonte

 

Então, aproximando-se dele, disse-lhe Pedro:

Senhor, quantas vezes perdoarei a meu irmão, quando houver pecado contra mim? Até sete vezes?

Respondeu-lhe Jesus:

Não vos digo que perdoeis até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes.

(S. MATEUS, 18:15, 21 e 22.) - O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo 10

 

Perdoemos sempre. E como disse o nosso Mestre, Jesus, não sete vezes, mas até setenta vezes sete. Essa é uma atitude realmente nobre, pois muitas vezes o outro erra conosco simplesmente por desconhecer uma forma diferente de fazer as coisas. Mas, será que aplicamos esse mesmo ensinamento de Jesus a nós mesmos? Será que perdoamos as nossas faltas ao menos sete vezes a fim de não vivermos nos acusando por havermos feito coisas das quais nos arrependemos e por causa das quais muitas vezes amargamos uma existência inteira de infortúnio? Será que perdoarmos a nós mesmos é difícil? Tudo indica que sim, pois a multidão de seres que se arrastam pela vida carregando culpas por vezes inexistentes e sempre inúteis é bem numerosa.

Por um lado, é o desconhecimento de como se fazer de modo diferente ou de como fazer melhor que nega a nós mesmos o perdão. Outras vezes é a falta de olhar para si usando da mesma compaixão que se aplica ao nosso próximo que nos impede de oferecermos a nós mesmos o tão necessário perdão das nossas faltas. E lá vamos nós carregando um fardo muito maior do que aguentamos levar, colocado em nossas costas por nós mesmos, que sem analisarmos os fatos simplesmente nos julgamos e condenamos, ou – ainda pior – muitas vezes apenas nos condenamos e sem qualquer julgamento ou análise, a carregar miseravelmente uma culpa que nunca deveria estar nas nossas costas.

A culpa é, na verdade, algo que nasce por entendermos que alguém errou, e, normalmente, não se para a fim de entender que cada um oferece apenas aquilo que possui. Ora, se eu errei foi por não saber fazer de modo diferente, ou por pensar que estava fazendo o mais acertado, uma vez que segundo o meu entender aquele era o melhor a fazer naquele momento.

Todos nós temos um lado chamado de sombra, que fica oculto no nosso inconsciente. Essa ideia da sombra foi desenvolvida pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), e podemos definir a sombra como o lado da nossa personalidade que engloba tudo o que julgamos negativo, seja por pensarmos assim, seja por aprendermos assim. Dessa forma, raiva, ciúme, inveja, entre outros sentimentos, ficam ocultos em nós, e a culpa por sentirmos coisas consideradas erradas ou menos nobres começa a pesar na nossa vida, assim como coisas que sabemos que poderíamos ter feito melhor, mas não sabíamos como, ou coisas que outros julgam que deveríamos ter feito de outro modo, mas que também não fizemos por não sabermos na ocasião, agir de modo diferente. O fato é que não podemos contentar a todos, e se indagarmos a várias pessoas sobre como teriam agido em nosso lugar, muitas teriam feito exatamente como fizemos e outras teriam agido de forma totalmente distinta.

Para muitos, esse lado sombrio é sinônimo de algo ruim de que não queremos nos lembrar, ou que evitamos reconhecer que temos. Porém, é preciso reconhecer esse lado da nossa personalidade, a fim de que possamos olhar tudo de frente e controlar e também equilibrar essas “qualidades negativas” que escondemos às vezes até de nós mesmos, e que se rejeitamos pode eclodir em algum momento da nossa vida.

E o sentimento de culpa? Ele também faz parte desse nosso lado sombra. E como lidar com esse sentimento nocivo? Antes de qualquer coisa, pare de se deixar sentir culpado, pois a culpa é o idealismo, o “eu deveria”. Nós erramos por ignorância, pois ignoramos como fazer de modo diferente. Concorda que se soubesse teria feito diferente? Pois é, fez como soube, como acreditou que seria melhor na ocasião. E, vamos parar de usar aquela ideia que sempre nos vem à mente quando sentimos que gostaríamos de ter feito diferente: “se eu soubesse teria feito diferente”. Aí está. Não sabia, não fez, fez o que soube, e é impossível voltar ao passado para mudar qualquer coisa. O importante é aprender com as lições e fazer melhor daqui em diante usando a experiência e o conhecimento que adquiriu. E aceite que haverá de errar ainda muitas vezes no decorrer da vida. E aqui cabe dizer que não falamos de erros absurdamente grandes, mas até de simples “foras” que damos a todo o momento. Então, aprenda a se perdoar e tenha a humildade de aceitar que não sabe tudo.

Segundo os preceitos espíritas, há duas causas psicológicas da culpa: a que procede da sombra escura do passado devido a males praticados contra outras pessoas e a que tem a sua origem na infância.

O espírito Nise da Silveira, diz que precisamos utilizar a culpa para o nosso crescimento. Segundo ela, é preciso reconhecer a culpa, arrepender-se e de, pois se transformar. Portanto, é preciso refletir e agir.

Concluindo, o primeiro passo para se livrar do peso da culpa é aceitar você sem se deixar sentir errado/a. Se insistir em sentir culpa a energia gira contra você. Então, seja melhor para você e dê força para você! Aceite os seus pontos fracos, assuma o seu poder e procure melhorar os seus pontos fortes e fortalecer os pontos fracos. Siga a sua intuição, o seu eu interior e a sua essência espiritual. Seja verdadeiro/a com você e assim se torne imune ao mal. Essa é a sua melhor proteção e a sua melhor defesa.

Fique do seu lado sempre, pois se ficar contra você, qual a reação que espera que os outros tenham em relação a você?

 

Fonte:Blog Letra Espírita

 

Referências:

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução e redação final de Matheus Rodrigues de Camargo. 43ª Reimpressão. Capivari-SP. Editora EME. 2019.

XAVIER, Francisco Cândido. Pensamento e vida. Pelo espírito Emmanuel, psicografia, edição FEB

NORONHA, Iraci Campos. Reconstruindo Emoções. Pelo espírito Nise da Silveira, psicografia, Consciência/Intelítera

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

AUDIÇÃO DE PALAVRAS SEM NEXO[1]

 

Miramez

 

Parece-nos, às vezes, ouvir em nosso íntimo palavras pronunciadas distintamente, e que não têm nenhuma relação com o que nos preocupa. De onde vêm elas?

‒ Sim, e até mesmo frases inteiras, sobretudo quando os sentidos começam a se entorpecer. É, às vezes, o fraco eco de um Espírito que deseja comunicar-se contigo.

Questão 408/O Livro dos Espíritos

 

Qual a razão de ouvirmos palavras sem que nelas estejamos pensando? Essas palavras, às vezes frases inteiras, que percebemos pelos sentidos espirituais, são, certamente, ditas por Espíritos que querem se comunicar com os encarnados. É esse processo que ocorre na mediunidade. Às vezes, o Espírito fala como se fosse dentro da cabeça ou, muito raro, usando mesmo a audição dos companheiros encarnados. Isso acontece todos os dias com muitas pessoas no lar, no trabalho, nas ruas e frequentemente no lazer.

Não é muito comum entre os encarnados se avistarem vultos ou ter a impressão que há alguém por perto? São os sentidos marcando a presença de alguém. Todos somos médiuns, tanto na carne quanto fora dela. O exercício da mediunidade se faz ver em todos os lugares e o intercâmbio existe em todos os reinos da natureza, provando, assim a existência do Espírito.

A razão de ouvirmos essas vozes é que o Espírito sobrevive à morte do corpo. No futuro, as comunicações vão ficar cada vez mais nítidas, para a glória da própria vida, e encher os corações de esperanças, mas para tanto, necessário se faz que os homens preparem o coração, no sentido de saberem que a vida continua melhor do que antes.

Quando se está deitado para o devido sono, ao relaxar o corpo, eventualmente ouvem-se palavras e veem-se vultos em torno de si; isso comprova, para quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir, a existência do Espírito, e que a vida continua além do túmulo. Tudo que acontece tem uma razão de ser. A Doutrina Espírita está preparando os homens já maduros para essa revelação em massa. Pedimos a Deus que seja breve.

Jesus, em Seu tempo, abalou o mundo com as Suas curas, com as Suas profecias, com o Seu encanto espiritual. Se o Espiritismo é Ele voltando, deve fazer o mesmo para acordar criaturas que dormem. É isso que esperamos, que seja o mesmo Cristo servindo-Se dos homens de bem, como instrumentos, para alegrarem o mundo inteiro, para mostrar aos povos que existe a felicidade, qual anunciada nas escrituras, a Nova Jerusalém, um novo mundo onde a paz e o amor sejam uma realidade como o ar que se respira.

Quando chegar esse tempo, as comunicações dos Espíritos livres da matéria com os homens será acontecimento corriqueiro, natural, qual conversar com os companheiros de trabalho, de lazer e os familiares. As vidas sucedem vidas, e o medo da morte desaparece dos homens para dar lugar à esperança e à fé, nas lides com o amor. Agradecemos a Deus e Jesus, por esses feitos, e agradecemos igualmente ao novo “apóstolo” de Jesus, Allan Kardec, pelos trabalhos que fez em favor da nossa felicidade. Estamos juntos, dando as mãos aos homens, e igualmente, dando as mãos a Jesus, em nome de Deus. Pedimos ao Senhor que possamos continuar na tarefa, e que ela sirva, para os homens, de meio para meditarem em como melhorar seus sentimentos e iluminar os corações.



[1] Filosofia Espírita – Volume 8 – João Nunes Maia

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

A MISTERIOSA PANDEMIA QUE DEIXOU MILHÕES DE PESSOAS COMO ESTÁTUAS VIVAS DURANTE DÉCADAS[1]

 

Rebecca Kesby - BBC World Service - 17 dezembro 2019

 

Na década de 1920, uma misteriosa epidemia matou cerca de um milhão de pessoas e deixou quase quatro milhões no que parecia ser um estado catatônico por décadas, incapazes de falar ou de se mover de forma independente.

Eram como estátuas vivas.

Os pacientes permaneceram assim por décadas, até que, no fim dos anos 1960, um experimento médico "os despertou".

Conhecido como "Tempo de Despertar", esse experimento mudou nossa compreensão sobre as condições neurológicas e revolucionou o atendimento a pacientes.

 

Adormecidos

Logo após a Primeira Guerra Mundial, em 1917, e até por volta de 1927, a misteriosa epidemia se espalhou pelo mundo.

Sua origem era um mistério, mas se sabia que era uma doença que atacava o cérebro, deixando suas vítimas sem fala e movimentos voluntários.

Na Suíça, uma noiva adormeceu no altar; na França, nem as dores do parto despertaram uma mãe, informava a BBC, em seus primeiros anos de transmissão.

O conjunto de sintomas já havia sido descrito várias vezes no passado, inclusive por Hipócrates, o grande médico da Grécia Antiga, que batizou o fenômeno de lethargus:

Febre, tremor, forte fraqueza física com a preservação da inteligência, que afeta indivíduos com mais de 25 anos, sobretudo quando está frio, e que pode levar à morte por pneumonia terminal.

No início do século 1920, quando a neurologia dava os primeiros passos como disciplina científica, a condição foi chamada de encefalite letárgica ou "doença do sono", e quem escreveu o manuscrito mais preciso sobre ela foi o austríaco Constantin von Economo.

... desde o Natal, tivemos a oportunidade de observar uma série de casos na clínica psiquiátrica que não atendem aos critérios de nossos diagnósticos habituais. Apesar disso, mostram semelhança na forma como começaram e na sintomatologia, o que nos obriga a agrupá-los em uma única entidade clínica", escreveu o médico.

Aqueles que sobreviveram foram "congelados" no tempo, presos em corpos quase sem vida por anos.

 

'Tem alguém vivo lá dentro?'

Em 1966, Oliver Sacks, um jovem neurologista britânico, chegou ao Hospital Beth Abraham, no Bronx, em Nova York, onde havia dezenas de pacientes com encefalite letárgica.

Eu nunca tinha visto nada assim: tantos pacientes como aqueles imóveis, às vezes pareciam estar congelados em posições inusitadas, e você se perguntava: o que está acontecendo? Tem alguém vivo lá dentro?", disse Sacks à BBC nos anos 1970.

Sacks começou a observar seus novos pacientes e percebeu que havia sinais de consciência... principalmente quando um assistente do hospital tocava piano para os residentes.

O que ele viu é que, quando tocava uma música, algumas pessoas se levantavam e dançavam. Havia algo na música que penetrava e estimulava o sistema motor delas a ponto de entrarem em ação... Era incrível: não conseguia entender como era possível, lembra a médica Concetta Tomaino, diretora e cofundadora do Instituto de Música e Função Neurológica de Nova York.

 

Uma solução musical

Na década de 1970, Tomaino tinha acabado de começar sua carreira em musicoterapia, que na época era uma área de pesquisa nova.

Oliver Sacks me escreveu um bilhete que dizia: “Toda doença é um problema musical, toda cura, uma solução musical”.

Despertou minha curiosidade e perguntei quem ele era. As pessoas diziam: “É um louco britânico excêntrico que escreve os atestados médicos mais surpreendentes; você precisa conhecê-lo”.

Connie Tomaino e Oliver Sacks iniciaram assim uma parceria de trabalho pioneira nos estudos de musicoterapia e nos efeitos neurológicos da música.

Os pacientes pareciam catatônicos, parecia que estavam em estado semivegetativo, mas quando havia música por perto, você via que eles estavam mentalmente presentes: eles conseguiam tocar tambor com ritmo e cantar, mesmo sem ser capaz de falar.

 

Um milagre

Antes de Connie Tomaino chegar ao hospital Beth Abraham, Oliver Sacks havia começado a testar um novo medicamento que é usado para tratar pessoas com doença de Parkinson.

Ele pensava que a "doença do sono" poderia ser uma forma extrema de Parkinson. E deu a medicação, levodopa, aos pacientes — os efeitos foram, em alguns casos, imediatos e dramáticos.

Lola havia passado décadas em estado catatônico e seu despertar ocorreu em segundos. Ela pulou da cadeira e começou a falar. Foi uma cena incrível, e eu duvidaria da minha própria memória, se não fosse respaldada por todas as outras pessoas que também se lembram, recordou Sacks.

Parecia um milagre. Os pacientes de Sacks podiam conversar, caminhar e sentir alegria novamente.

O clima no pavilhão do hospital era de carnaval, era de festa. Era um sentimento de euforia: as pessoas se apaixonavam, queriam sair e fazer coisas, explorar o mundo. Havia realmente um sentimento de magia e milagre... e provavelmente uma expectativa um tanto alarmante, afirmou o neurologista.

Muitos haviam contraído a doença do sono na infância e despertaram como adultos de meia-idade em um mundo completamente diferente.

Quando conseguiram entender quanto tempo havia se passado, ficaram com medo e estupefatos. Alguns ficaram amargurados por terem perdido tanto tempo, mas a maioria queria viver cada segundo que tinha, disse Tomaino à BBC.

Às vezes, isso era um desafio para a equipe do hospital, completou rindo.

Sacks, por sua vez, se sentia muito responsável por eles e, às vezes, se perguntava se havia feito a coisa certa, porque quem eram eles agora que estavam acordados? Acrescentou a terapeuta.

 

Fim da magia

A euforia durou pouco. O levodopa começou a perder efeito. E, depois de algumas semanas, em alguns casos, a medicação parou de funcionar, o que levou à piora de saúde dos pacientes.

Alguns mantiveram mais funções que outros, mas nenhum se recuperou completamente novamente.

Durante aquele breve período de despertar, Sacks encorajou os pacientes a descrever como tinha sido viver imóvel em um limbo; os relatos foram valiosos para se entender mais tarde muitas condições neurológicas.

Tomaino foi uma das pessoas que leram os diários escritos pelos pacientes.

Eles descreveram como os cuidados eram horríveis quando estavam incapacitados, e isso me ajudou a mudar a maneira como os tratávamos.

E a música permaneceu sendo uma solução.

Lembro-me de uma paciente, Lola, que adorava cantar e dançar. Mas quando ela piorou, não tinha controle da língua ou das mãos. No entanto, quando tocava tambor, conseguia acompanhar o ritmo com a voz, ela fazia isso tão bem que desfrutava e acabava sempre caindo na gargalhada.

Lilian era um pouco mais autista e gostava do aspecto mais intelectual da música. Ela amava Rachmaninoff e, quando escutava, movia os dedos como se estivesse tocando piano.

O que Concetta Tomaino e Oliver Sacks estavam descobrindo por meio de pesquisas e observações práticas era inovador, mas naquela época alguns cientistas tratavam com ceticismo.

Na década de 1980, os neurologistas não acreditavam que alguém pudesse se recuperar de uma lesão cerebral, e ainda assim podíamos ver as mudanças diante de nossos olhos, diz.

Pesquisas subsequentes mostraram que a musicoterapia pode melhorar e até ajudar a reparar lesões cerebrais.

A música é tão complexa — tom, ritmo, padrões complexos de sons que ocorrem simultaneamente —, que se você vê o cérebro quando está ouvindo uma melodia, muitas de suas redes são ativadas e compartilhadas por outras formas de funções cognitivas.

Essa é a beleza da música: permite que algumas funções da área onde ocorreu a lesão retornem, explica Tomaino.

Oliver Sacks, falecido em 2015, publicou vários livros, incluindo um chamado “Tempo de Despertar”, que deu origem ao filme homônimo, protagonizado por Robert De Niro e Robin Williams.

terça-feira, 24 de agosto de 2021

SENTIDO ESPIRITUAL[1]

 

Allan Kardec

 

Uma segunda carta do doutor Gregóry contém o seguinte:

Numa comunicação, Erasto enunciou uma ideia que me surpreendeu e me fez refletir. O homem, diz ele, tem sete sentidos: os sentidos bem conhecidos da audição, do olfato, da visão, do gosto e do tato e, além destes, o sentido sonambúlico e o sentido mediúnico.

Acrescento a estas palavras que estes dois últimos não existem senão por exceção, bastante desenvolvidos nalgumas naturezas privilegiadas, caso existam em todo homem em estado rudimentar. Ora, há em mim uma convicção adquirida por mais de uma observação e por uma experiência bastante longa dos poderes homeopáticos: é que nossos medicamentos, bem escolhidos e tomados por longo tempo, podem desenvolver essas duas admiráveis faculdades.

Em nossa opinião seria erro considerar o sonambulismo e a mediunidade como o produto de dois sentidos diferentes, considerando-se que não passam de dois efeitos resultantes de uma mesma causa. Essa dupla faculdade é um dos atributos da alma e tem por órgão o perispírito, cuja irradiação transporta a percepção além dos limites da ação dos sentidos materiais. A bem dizer é o sexto sentido, que é designado sob o nome de sentido espiritual.

O sonambulismo e a mediunidade são duas variedades da atividade desse sentido que, como se sabe, apresentam inúmeros matizes e constituem aptidões especiais. Fora destas duas faculdades, mais notáveis porque mais aparentes, seria erro crer que o sentido espiritual não exista senão em estado rudimentar. Como os outros sentidos, é mais ou menos desenvolvido, ou mais ou menos sutil conforme os indivíduos, mas todo o mundo o possui, e não é o que presta menos serviços, pela natureza toda especial das percepções das quais é a fonte. Longe de ser a regra, sua atrofia é exceção, e pode ser considerada como uma enfermidade, assim como a ausência da vista ou da audição. É por este sentido que recebemos os eflúvios fluídicos dos Espíritos, que nos inspiramos, mal grado nosso, em seus pensamentos, que nos são dados os avisos íntimos da consciência, que temos o pressentimento e a intuição das coisas futuras ou ausentes, que se exercem a fascinação, a ação magnética inconsciente e involuntária, a penetração do pensamento, etc. Essas percepções são dadas ao homem pela Providência, assim como a visão, a audição, o olfato, o gosto e o tato, para a sua conservação; são fenômenos muito vulgares, que ele apenas os nota pelo hábito que tem de experimentá-los, e dos quais não se deu conta até hoje, devido sua ignorância das leis do princípio espiritual, da própria negação, em alguns, da existência desse princípio. Mas, quem quer que leve sua atenção sobre os efeitos que acabamos de citar, e sobre muitos outros da mesma natureza, reconhecerá quanto eles são frequentes e como são completamente independentes das sensações percebidas pelos órgãos do corpo.

A vista espiritual, vulgarmente chamada dupla vista ou segunda vista, é um fenômeno menos raro do que se pensa; muitas pessoas têm esta faculdade sem o suspeitar; apenas é mais ou menos acentuada, e é fácil certificar-se de que ela é estranha aos órgãos da visão, pois que se exerce sem o auxílio desses órgãos e até os cegos a possuem. Existe em certas pessoas no mais perfeito estado normal, sem o menor traço aparente de sono nem de estado estático. Conhecemos em Paris uma senhora na qual ela é permanente, e tão natural quanto a vista ordinária; ela vê sem esforço e sem concentração o caráter, os hábitos, os antecedentes de quem quer que dela se aproxime; descreve as doenças e prescreve tratamentos eficazes com mais facilidade que muitos sonâmbulos ordinários; basta pensar numa pessoa ausente para que a veja e a designe. Um dia estávamos em sua casa e vimos passar na rua alguém com quem temos relações, e que ela jamais tinha visto.

Sem ser provocada por qualquer pergunta, fez-lhe o mais exato retrato moral e nos deu a seu respeito conselhos muito sensatos.

E, contudo, essa senhora não é sonâmbula. Fala do que vê, como falaria de qualquer outra coisa, sem se desviar de suas ocupações. É médium? Ela mesma não sabe, porque até pouco tempo atrás nem mesmo conhecia de nome o Espiritismo. Assim, nela essa faculdade é tão natural e tão espontânea quanto possível.

Como ela percebe, senão pelo sentido espiritual?

Devemos acrescentar que essa senhora tem fé nos sinais da mão, examinando-a quando a interrogam e dizendo aí ver o indício das doenças. Como vê certo e é evidente que muitas das coisas que diz não podem ter nenhuma relação fisiológica com a mão, estamos persuadidos de que para ela é simplesmente um meio de se pôr em relação e desenvolver sua vista, fixando-a num ponto determinado; a mão faz o papel de espelho mágico ou psíquico; ela aí vê como outros veem num vaso, numa garrafa ou noutro objeto.

Sua faculdade tem muita relação com a do Vidente da floresta de Zimmerwald, mas lhe é superior em certos aspectos. Aliás, como não tira disto nenhum proveito, esta consideração afasta toda suspeita de charlatanismo e, considerando-se que dela só se serve para prestar serviço, deve ser assistida por Espíritos bons. (Vide a Revista de outubro de 1864: O sexto sentido e a visão espiritual; outubro de 1865: Novos estudos sobre os espelhos psíquicos. O vidente da floresta de Zimmerwald).



[1] Revista Espírita – Junho/1867 – Allan Kardec

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

WILLIAM ROMAINE NEWBOLD[1]

 


William Romaine Newbold nasceu em Wilmington, Delaware, em 20 de novembro de 1865, filho de William Allibone Newbold e Martha Smith Baily.

Newbold frequentou a Academia Militar de Cheltenham, no subúrbio da Filadélfia. Ele se matriculou na Universidade da Pensilvânia no outono de 1884 como aluno do segundo ano com a Classe de 1887.

Newbold foi um aluno de honra durante cada um de seus anos de graduação e rapidamente se destacou como talento acadêmico, graduando-se com prêmios em latim e filosofia. Deu uma aula informal de hebraico apenas em seu segundo semestre no campus. Ele também foi membro do Comitê Sênior do Livro e do Seminário Filosófico.

Depois de obter um diploma de bacharel em artes, Newbold voltou para a Academia Militar de Cheltenham, onde ensinou latim enquanto fazia doutorado na Universidade da Pensilvânia. Em 1889, deixou a academia militar para ingressar no corpo docente da Universidade da Pensilvânia como instrutor de latim. No ano seguinte, foi nomeado professor de filosofia enquanto mantinha sua posição como professor de latim. Ele obteve seu Ph.D. em 1891 com uma dissertação intitulada "Prolegômenos para uma teoria da crença". Depois de obter seu Ph.D., deixou temporariamente a universidade para estudar na Alemanha na Universidade de Berlim.

Newbold retornou aos Estados Unidos e à Universidade da Pensilvânia em 1892 e reassumiu suas funções como instrutor de latim e professor de filosofia. Em 1894, foi promovido a professor assistente de latim. Dois anos depois, em 1896, foi nomeado reitor da Escola de Pós-Graduação. Durante sua gestão como reitor, Newbold trabalhou para elevar o status e o prestígio da Escola de Pós-Graduação, elevando os padrões de admissão e melhorando os aspectos administrativos. Em 1903, foi promovido a professor de filosofia e em 1907 foi nomeado Professor Adam Seybert de Filosofia Intelectual e Moral. Ele foi nomeado membro honorário da Sociedade Filomatiana durante a celebração do centenário desse órgão em 1913. Durante a Primeira Guerra Mundial, ensinou as causas políticas e históricas da guerra ao Corpo de Treinamento de Oficiais da Reserva. A Universidade homenageou Newbold com o título honorário de Doutor em Direito (LL.D.) em 1921.

As paixões de Newbold ao longo de sua vida foram todas coisas antigas e misteriosas. No final da década de 1890, ele se interessou pela psicologia da religião e pesquisou amplamente o tópico, escrevendo uma série de artigos sobre hipnose, alucinações, telepatia e transes e como eles se relacionavam com as experiências religiosas. Ele foi membro da Sociedade de Pesquisas Psíquicas (SPR) e serviu como editor de psicologia do American Naturalist por um ano, 1895-1896.

No início do século 20, ele voltou sua atenção para a filosofia grega antiga. Ele traduziu muitas obras de Aristóteles e Plotino, mas por razões desconhecidas nunca as enviou para publicação. No entanto, ele publicou um artigo bem recebido sobre o filósofo Filolau em 1905.

Após a Primeira Guerra Mundial, Newbold voltou seus interesses para a teologia cristã primitiva. Em 1920, ele proferiu uma série de palestras sobre o gnosticismo valentiniano na Filadélfia, na Bohlen Foundation Lectureship, uma série anual de palestras sobre temas cristãos na Igreja da Santíssima Trindade. O corpo de conhecimento de Newbold sobre a teologia cristã primitiva tornou-se tão grande que, em certo ponto da década de 1920, o Seminário Teológico Episcopal de Nova York ofereceu-lhe uma posição como cadeira de história eclesiástica. Embora a oferta tenha sido considerada uma grande honra para um leigo, Newbold optou por permanecer na Universidade da Pensilvânia.

Newbold também tinha grande interesse em quebra-cabeças, códigos e criptografia. Esse interesse o levou ao último grande empreendimento de sua vida profissional. Ele trabalhou para decifrar um famoso texto codificado, comumente referido como o Manuscrito Voynich. Ele acreditava que tinha sido escrito por Roger Bacon, um monge, cientista, astrólogo e inventor inglês do século XIII. De acordo com o complexo sistema de Newbold para decifrar o código, Bacon havia feito inúmeras descobertas científicas que ninguém mais iria “redescobrir” por séculos. Newbold morre antes de poder decifrar todo o manuscrito, mas a decifração parcial foi publicada postumamente como “The Cipher of Roger Bacon” (1928).

Nos anos imediatamente após a morte de Newbold, sua versão do significado do código no Manuscrito Voynich foi vista como verdadeira. Vários anos depois, no entanto, outros especialistas começaram a olhar para o método de Newbold com um olhar crítico. Eles observaram corretamente que seu sistema estava com defeito, pois se baseava em várias hipóteses não comprovadas. A interpretação de Newbold do Manuscrito Voynich acabou sendo completamente desconsiderada, com alguns especialistas até mesmo questionando se Roger Bacon era o autor do manuscrito. Nenhuma dessas questões sobre a validade de sua decifração surgiu durante sua vida.

William Romaine Newbold morreu em 8 de setembro de 1926. Um serviço memorial foi realizado em sua homenagem no College Hall, no campus da Universidade da Pensilvânia. Ele deixou sua esposa Ethel Sprague Kent Packard, com quem ele se casou em 1896.

sábado, 21 de agosto de 2021

SOCIEDADE[1]

 

Emmanuel

 

A sociedade humana pode ser comparada a imensa floresta de criações mentais, onde cada espírito, em processo de evolução e acrisolamento, encontra os reflexos de si mesmo.

Aí dentro os princípios de ação e reação funcionam exatos.

As pátrias, grandes matrizes do progresso, constituem notáveis fulcros da civilização ou expressivos redutos de trabalho, em que vastos grupos de almas se demoram no serviço de autoeducação, mediante o serviço à comunidade, emigrando, muita vez, de um país para outro, conforme se lhes faça precisa essa ou aquela aquisição nas linhas da experiência.

O lar coletivo, definindo afinidades raciais e interesses do clã, é o conjunto das emoções e dos pensamentos daqueles que o povoam. Entre as fronteiras vibratórias que o definem, por intermédio dos breves aprendizados “berço-túmulo”, que denominamos existências terrestres, transfere-se a alma de posição a posição, conforme os reflexos que haja lançado de si mesma e conforme aqueles que haja assimilado do ambiente em que estagiou.

Atingida a época de aferição dos próprios valores, quando a morte física determina a extinção da força vital corpórea, emprestada ao espírito para a sua excursão de desenvolvimento e serviço, reajuste ou elevação, na esfera da carne, colhemos os resultados de nossa conduta e, bastas vezes, é preciso recomeçar o trabalho para regenerar atitudes e purificar sentimentos, na reconstrução de nossos destinos.

Dessa forma, os corações que hoje oprimem o próximo, a se prevalecerem da galeria social em que se acastelam, na ilusória supremacia do ouro, voltam amanhã ao terreno torturado da carência e do infortúnio, recolhendo, em impactos diretos, os raios de sofrimento que semearam no solo das necessidades alheias. E se as vitimas e os verdugos não souberem exercer largamente o perdão recíproco, encontramos no mundo social verdadeiro círculo vicioso em que se entrechocam, constantemente, as ondas da vingança e do ódio, da dissensão e do crime, assegurando clima favorável aos processos da delinquência.

Sociedades que ontem escravizaram o braço humano são hoje obrigadas a afagar, por filhos do próprio seio, aqueles que elas furtaram à terra em que se lhes situava o degrau evolutivo. Hordas invasoras que talam os campos de povos humildes e inermes, neles renascem como rebentos do chão conquistado, garantindo o refazimento das instituições que feriram ou depredaram. Agrupamentos separatistas, que humilham irmãos de cor, voltam na pigmentação que detestam, arrecadando a compensação das próprias obras. Citadinos aristocratas, insensíveis aos problemas da classe obscura, depois de respirarem o conforto de avenidas suntuosas costumam renascer em bairros atormentados e anônimos, bebendo no cálix do pauperismo os reflexos da crueldade risonha com que assistiram, noutro tempo, à dor e à dificuldade dos filhos do sofrimento.

Em todas as épocas, a sociedade humana é o filtro gigantesco do espírito, em que as almas, nos fios da experiência, na abastança ou na miséria, na direção ou na subalternidade, colhem os frutos da plantação que lhes é própria, retardando o passo na planície vulgar ou acelerando-o para os cimos da vida, em obediência aos ditames da evolução.



[1] Pensamento e Vida – Francisco C. Xavier

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

FILHOS ADOTIVOS E PROCESSO REENCARNATÓRIO[1]

 

Fernanda Oliveira

 

Não habitou meu ventre, mas mergulhou nas entranhas da minha alma.

Não foi plasmado do meu sangue, mas alimenta-se no néctar de meus sonhos.

Não é fruto de minha hereditariedade, mas molda-se no valor de meu caráter.

Se não nasceu de mim, certamente nasceu para mim.

E se mães também são filhas, e se filhos todos são duplamente abençoado és, meu filho do coração.

(Autor desconhecido)

 

Adoção do latim adoptio, do verbo adoptare, escolher, adotar. A adoção cria o vínculo de parentesco civil semelhante ao da paternidade-maternidade e filiação legítimas, análogo ao que resulta da filiação biológica. Constitui um parentesco eletivo, pois decorre exclusivamente de um ato de vontade. Modalidade de filiação construída no amor, constituindo vinculo de parentesco por opção e afeto, enraizado no exercício da liberdade.

Kardec esclarece em O Evangelho segundo o Espiritismo[2]:

Os laços do sangue não criam forçosamente os liames entre os Espíritos. O corpo procede do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito, porquanto o Espírito já existia antes da formação do corpo. Não é o pai quem cria o Espírito de seu filho; ele mais não faz do que lhe fornecer o invólucro corpóreo, cumprindo-lhe, no entanto, auxiliar o desenvolvimento intelectual e moral do filho, para fazê-lo progredir.

A genética define o físico, não o espírito.

Reencarnação significa o retorno do espírito em um novo corpo carnal. Vivemos uma única vida, já que somos, cada um, apenas um espírito. Ocorre que pela pluralidade de existências corpóreas, temos a oportunidade de inúmeras passagens pela Terra como encarnado para podermos evoluir. Durante essas inúmeras encarnações experimentamos uma serie de biótipos físicos, nascemos ora homem, ora como mulher; ora rico; ora pobre; ora saudável; ora doentes etc.

Para nós, a vida começa quando Deus nos criou como espíritos. Nosso nascimento na verdade é um novo renascimento, uma nova chance de aprendizagem, Já nascemos e morremos inúmeras vezes antes dessa nova vida atual. Reencarnação é uma benção, é uma lei natural da evolução espiritual.

Grande parte dos fatos que ocorrem em nossa encarnação fazem parte do nosso planejamento reencarnatório, nada é por acaso, tudo foi planejado e elaborado pela espiritualidade para promover as alterações cármicas e de evolução necessárias paras as pessoas envolvidas. Porém durante a caminhada podemos através do nosso livre-arbítrio modificar e alterar esse planejamento com nossas escolhas e atitudes.

A cada encarnação trazemos em nossa “bagagem” o necessário para que nossa experiência seja a mais adequada ao que precisamos viver. Deus nos criou a todos iguais, simples e ignorantes, deixou-nos livres para escolhermos nosso caminho no bem ou no mal. Somos o resultado de múltiplas vivências em diferentes séculos.

Somos seres gregários viemos ao mundo para nos relacionar, o ser humano possui a necessidade de pertencer. Toda oportunidade nos conduz a um aprendizado novo, tornando-nos diferentes do que fomos. O bom vínculo é afetivo, comunicativo – o fato de alguém carregar o seu sangue não implica que não possa prejudicá-lo com o seu comportamento. Os genes estabelecem um vinculo hereditário que não implica um vinculo de afinidade. No conceito espírita de família importam o amor e a afinidade, não apenas a genética. O organograma da família atualmente é diferenciado com vários tipos e ramificações.

Família espiritual são aqueles que possuem afinidade conosco, que pensam e agem de forma parecida. A vida em família é um importante aprendizado para a vida em sociedade. A felicidade vem dos pequenos gestos éticos, pelo exemplo de atitudes de luz e da capacidade de mantermos relações empáticas.

 Procurando o bem para os nossos semelhantes, encontramos o nosso. (Platão)

Adotar é um processo de procura, encontros e resultados. Ato de amor, aceitação, desprendimento e empatia. Vontade que vem da mente e do coração resgatando em nós o afeto, a compaixão e fraternidade. Na maioria das vezes é um encontro de seres planejado pela superioridade com muitas possibilidades de aprendizado e evolução.

A adoção não precisa necessariamente estar no planejamento de reencarnação dos envolvidos; pois gestos de afeto não estão condicionados necessariamente a outras encarnações ou dividas anteriores; ou ser necessariamente um acerto de contas ou resgate. Podem ser espíritos comprometidos pela lei do retorno e de ação e reação, que combinaram de forma planejada esse reencontro de forma madura e coerente. Há espíritos que reencarnam para serem filhos adotivos e em seu planejamento podem ou não escolherem seus pais. Cada nova encarnação é uma nova oportunidade para crescermos e superarmos imperfeições, a adoção é uma grande e iluminada oportunidade de elevação moral e aprendizado.

Não nos lembramos das nossas escolhas anteriores, que fazem parte da dinâmica natural da vida espiritual, se um acontecimento está no planejamento, ele fará tudo para ser realizado e será sempre para o bem e para o crescimento; mas a maneira que cada indivíduo irá agir será de acordo com as suas escolhas no momento das ocorrências, do uso do seu livre-arbítrio. A consciência pelos atos é proporcional ao entendimento e intenção. Através das escolhas o espírito é autor do seu próprio desenvolvimento.

Os espíritos superiores trabalham intensamente para que esses encontros sejam bem-sucedidos já que a adoção envolve fraternidade, afeto e é uma valorosa atitude de amor.

A doutrina espírita é favorável a tudo que reforce o amor, a caridade, solidariedade, as relações empáticas e de auxilio ao próximo. A gente é mais feliz quando caminha promovendo a felicidade dos outros.

Vamos caminhando com pequenos gestos do querer baseados no afeto e no respeito com muitas energias positivas.

Somos feitos de átomos, mas a nossa essência tem que ser o amor. (Samanta Merlin)

 

 

REFERÊNCIAS

 

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famílias. Editora Juspodium.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Editora EME.

NETO, Alexandre Caldini. A vida na visão do espiritismo. Editora Sextante.

https://ospontosdevista.blogs.sapo.pt/frases-do-facebook-se-nao-nasceu-de-1415083  (acesso em 12 de junho de 2021)



[2] KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Editora Boa Nova.

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

DEUS É ESPÍRITO[1]

 

Miramez

 

Os que professam esta doutrina pretendem nela encontrar a demonstração de alguns dos atributos de Deus. Sendo os mundos infinitos, Deus é, por isso mesmo, infinito; o vácuo ou o nada não existindo em parte alguma, Deus está em toda parte; Deus estando em toda parte, pois que tudo é parte integrante de Deus, dá a todos os fenômenos da Natureza uma razão de ser inteligente. O que se pode opor a este raciocínio?

‒ A razão. Refleti maduramente e não vos será difícil reconhecer-lhe o absurdo.

Esta doutrina faz de Deus um ser material que, embora dotado de inteligência suprema, seria em ponto grande aquilo que somos em ponto pequeno. Ora, a matéria se transformando sem cessar, Deus, nesse caso, não teria nenhuma estabilidade e estaria sujeito a todas as vicissitudes e mesmo a todas as necessidades da humanidade; faltar-lhe-ia um dos atributos essenciais da Divindade: a imutabilidade. As propriedades da matéria não podem ligar-se à ideia de Deus, sem que o rebaixemos em nosso pensamento, e todas as sutilezas do sofisma não conseguirão resolver o problema da sua natureza íntima. Não sabemos tudo o que ele é, mas sabemos aquilo que não pode ser, e este sistema está em contradição com as suas propriedades mais essenciais, pois confunde o criador com a criatura, precisamente como se quiséssemos que uma máquina engenhosa fosse parte integrante do mecânico que a concebeu.

A inteligência de Deus se revela nas suas obras, como a de um pintor no seu quadro; mas as obras de Deus não são o próprio Deus, como o quadro não é o pintor que o concebeu e executou.

Questão 16 / O Livro dos Espíritos

 

Se Deus é perfeito e é Espírito, não podemos compará-lo com as formas mutáveis. E sob o empuxo do progresso, tudo que existe na imensidão indescritível do universo, do átomo ao ninho cósmico, é, pois, criação ideada pelo seu poder fantástico, que ainda não podemos perceber por nos faltarem sentidos para isso.

Estamos limitados, ou condicionados, no mínimo das nossas forças, que por enquanto dormem no centro da nossa consciência, sem poder participar dos nossos mais profundos interesses.

Somos crianças em comparação às grandes almas. Crivamos de perguntas, por vezes, de pouco interesse, aqueles que achamos situados em grau mais elevado do que nós, com fome e sede de saber, em se referindo às coisas do Espírito, e nem sempre avaliamos a luz que realmente suportamos pelas trevas que ainda nos circundam. Se todo pedido é uma oração, na filosofia do Espírito, a resposta não se faz esperar e vem gota a gota para nos conscientizar da existência da bondade divina e do amor que Ele dispensa a todas as criaturas.

Já falamos muitas vezes, repetindo a fala dos benfeitores maiores, que Deus é uma personalidade individual, e não o conjunto de todas as coisas criadas por Ele.

Entretanto, Ele, a majestosa força divina, está em toda parte por meios que desconheces, por se tratarem de fluídos sutis operando em uma faixa que somente as grandes almas poderão constatar, pelos poderes inerentes às suas perfeições.

A primeira ideia de se comparar a natureza como sendo diretamente Deus, é que ela manifesta em todas as suas nuances, perfeita harmonia em todos os sentidos da sua atuação, porém, cabe a nós pesquisar e entender, descobrir e divulgar, que toda essa simetria é participação das leis criadas por Ele, no vigor da sua mente incomparável. É, pois, a sua imagem, como um canal de televisão que reflete no vídeo a perfeita estrutura do real, sendo que, no caso com a Divindade, a perfeição é a tônica do ambiente. As imagens do Senhor são vivas e demonstram os seus mais puros atributos, nunca falhando nos seus mais delicados cinetismos[2], no sustentar da vida. O visual do infinito não é Deus na sua unidade perfeita, como o quadro não é o pintor.

Comparando a obra com o autor, a primeira constitui um pálido reflexo da sua personalidade, viva e distinta no lugar que ocupa.

Parece que estamos falando muito sobre o Grande Arquiteto do Universo, mas esse é o nosso interesse, porque falar de Deus e viver na sua vibração constante é a coisa mais sublime da vida. Admiramos muito o Deus lhe pague, o Deus lhe ajude, o vai com Deus e a Paz do Senhor seja convosco, muito usados pelos homens. São mantras sagrados que nos cobrem de luz, quando pronunciados com amor e respeito. A Doutrina que faz de Deus um ser material, o faz por falta de notícias do mais além, ou por medo de pesquisar a verdade e seguir as rotas do progresso, que faz caírem os véus na gradação das forças humanas e espirituais.

Nada devemos temer, desde que estejamos em planos de mutações para o nosso próprio bem.

O mundo espiritual que nos dirige, nos atende de acordo com as nossas necessidades, e não deixa de guiar e instruir quem verdadeiramente deseja aprender.

Não devemos esquecer que Deus é um sol de vida, que alimenta e dirige todas as vidas saídas das suas mãos luminosas e perfeitas.



[1] Filosofia Espírita – Volume 1 – João Nunes Maia

[2] Corrente na área das artes plásticas caracterizada pela elaboração de formas e efeitos visuais que geram movimento ou ilusão de ótica.

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

As crianças que ouvem vozes assustadoras em suas cabeças ‒ e como lidar com elas[1]

 

James Melley - Do programa da BBC Victoria Derbyshire

 

"É como estar em uma sala cheia de gente. Só o que você escuta são múltiplas vozes gritando com você", conta a britânica Laura Moulding, hoje com 21 anos, sobre a experiência de ter passado anos da sua infância escutando vozes em sua cabeça ‒ e que vêm à sua mente até hoje.

O caso de Moulding é, na verdade, mais comum do que se imagina: levantamento feito no Reino Unido estimou que cerca de 8% das crianças ouvem com alguma frequência vozes que não existem no mundo real, ou seja, alucinações auditivas. Trata-se, segundo a pesquisadora Sarah Parry, da Universidade Metropolitana de Manchester, de algo que chega a ser tão comum quanto asma ou dislexia.

Mas a forma como os pais e os demais adultos reagem a isso pode ter grande influência no futuro dessas crianças.

No caso de Laura, as vozes começaram a povoar sua mente aos 3 anos de idade. Ela estava sentada nas escadas da casa de seus avós e escutou um leão e um urso de um programa infantil lhe dizendo: "vou pegar você, vou pegar você", repetidamente.

Foi uma experiência assustadora, diz Laura.

"Elas são uma combinação de vozes masculinas e femininas, de crianças e de adultos", conta ela à BBC. "Praticamente o tempo todo elas me dizem que eu não valho nada".

 

Automutilação

Na primeira vez em que Laura contou aos pais o que ouvia, eles acharam que ela estava falando de amigos imaginários.

Depois disso, ela passou anos sem falar sobre o assunto, mas continuou sendo perturbada pelas vozes em sua cabeça.

Até que, aos 15 anos, decidiu pedir ajuda a sua mãe, que a levou ao médico.

"Eu estava me automutilando, foi uma época terrível", lembra Laura. "Era difícil porque as vozes eram altas, intimidadoras, abusivas. Era algo com o que eu não conseguia lidar".

Agora, a pesquisadora Sarah Parry está compilando casos como o de Laura em um amplo estudo com crianças que sofram esse tipo de alucinação. Ela dá ideias sobre como lidar com a questão.

"As crianças veem essas vozes como parte delas mesmas, então quando um adulto lhes diz que as vozes são um problema, pode causar estresse. E isso pode fazer com que essas vozes se tornem mais incômodas", explica ela, citando o exemplo de uma criança que disse que "as vozes que ouvia ficaram mais assustadas porque ninguém acreditou nelas".

O que Parry sugere é que, em vez de deixar a criança pensar que "está ficando louca" ou se sentir mal por não conseguir controlar as vozes ‒ o que pode levar à automutilação ou ao uso de drogas ‒, os adultos devem abordar o tema com "curiosidade" e "aceitação", além de buscar orientação psicológica especializada caso a criança esteja sendo afetada negativamente pela experiência.

 

Motivos por trás das vozes

Estudos acadêmicos mostram que, em alguns casos, essas alucinações auditivas podem ser causadas por momentos de estresse ou trauma na vida das crianças e adolescentes ou por consequência de problemas médicos, como distúrbios do sono, desequilíbrios metabólicos ou enxaquecas.

Uma pesquisa publicada em 1998 no Journal of Child Neurology, nos EUA, associou essas alucinações a uma prevalência maior de crises de pânico ou dores de cabeça nas crianças.

E alguns episódios podem estar associados a "sintomas prematuros de reações esquizofrênicas" nas crianças ou a algum tipo de psicopatologia que requer atenção médica cuidadosa para não evoluir ou derivar em comportamentos perigosos ‒ pensamentos suicidas, por exemplo.

"A observação das alucinações em crianças e adolescentes requer exame clínico e psicológico para descartar (possíveis) causas médicas e identificar os fatores psicopatológicos, psicossociais ou culturais associados a essas experiências", diz estudo de 2014 de coautoria do pesquisador francês Renaud Jardri, que estuda o tema no Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Lille.

Em muitos casos, porém, os pais descobrirão que não há motivo para preocupação: as vozes podem ser um fenômeno isolado em crianças saudáveis e desaparecer espontaneamente, conclui a pesquisa de Jardri.

 

'A voz da minha mãe'

Dentro desse universo, há crianças que relatam ouvir vozes que as trazem conforto ou as divertem.

É o caso de Tia (nome fictício), de 13 anos, que ouviu vozes a partir dos 7 anos ‒ e teve uma experiência muito mais positiva do que Laura com as vozes em sua cabeça.

"Eu ouvia muito a voz da minha mãe", lembra. Ela também escutava gritos distantes de homens ou torres de alta tensão cantando, coisas que, em vez de incomodá-la, a faziam dar risada.

A ponto de ela levar bronca durante as aulas na escola porque "uma das vozes estava brincando comigo, me fazendo rir muito".

Assim como em muitas crianças, a causa por trás das vozes ouvidas por Tia parece ser uma experiência traumática relacionada à saúde de sua mãe, que sofre de uma doença crônica e acha que o estresse que isso impôs na família afetou sua filha profundamente.

"Tia passou por muita coisa e agora está expressando isso (com as vozes)", diz a mãe.

Ela decidiu não levar a filha para ser examinada por médicos, mas buscou ajuda de um grupo de apoio britânico chamado Hearing Voice Network.

Até que, certo dia, as vozes deixaram de aparecer na cabeça de Tia.

"Foi tipo, 'ei, não tem nada na minha mente ‒ ninguém está falando comigo. Posso ouvir meus próprios pensamentos’", lembra. "E não sinto saudades delas (vozes)".

Laura, por sua vez, ainda escuta as vozes, mas aprendeu a lidar com elas com a ajuda de medicamentos. Também ouve música quando quer abafá-las.

"Hoje me sinto mais forte, melhor comigo mesma, embora as vozes continuem aqui", conta. "Elas não me controlam mais. Eu as controlo".