quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Considerações sobre o pós-mortem e a diversidade de esferas[1]



Sir Arthur Conan Doyle


Leva o Espiritualista uma grande vantagem sobre os das velhas dispensações. Quando entra em comunicação com inteligências do Outro Lado e que já viveram em corpos terrenos, naturalmente as interroga, curioso, sobre suas atuais condições, bem como sobre os efeitos de suas ações terrenas sobre a sua sorte posterior. As respostas a estas últimas perguntas, de um modo geral, justificam os pontos de vista sustentados em muitas religiões, e mostram que o caminho da virtude também é a estrada para a felicidade final. Entretanto um sistema definido é apresentado à nossa consideração, o qual elucida a vacuidade das velhas cosmogonias. Esse sistema apareceu em vários livros que descrevem a experiência dos que viveram a nova vida. Devemos lembrar que tais livros não são produzidos por escritores profissionais. Deste lado está o chamado escritor “automático”, que recebe a inspiração; do outro lado, a inteligência que o transmite. Mas nem foi dotado pela Natureza com a menor capacidade literária, nem jamais fez a experiência de reunir narrativas.
Também devemos ter em mente que o que quer que venha é resultado de um processo complicado, que em muitos casos deve ser incômodo para o compositor. Se pudéssemos imaginar um escritor terreno que tivesse de usar uma ligação interurbana em vez da pena, poderíamos estabelecer uma grosseira analogia com as dificuldades do operador. E ainda, a despeito dessas grandes inconveniências, em muitos casos as narrativas são claras, dramáticas, intensamente interessantes. Raramente deixam de o ser, desde que o caminho que descrevem hoje é o que teremos que palmilhar amanhã.
Tem­se dito que essas narrativas variam enormemente e são contraditórias. O autor não achou tal. Num longo período de leitura, no qual examinou muitos volumes de supostas experiências póstumas, e também num grande número de mensagens obtidas particularmente em famílias e sem público, ele ficou chocado com a sua concordância geral. Aqui e ali aparece alguma história contendo erros claros e, ocasionalmente há lapsos no sensacionalismo; mas em geral as descrições são elevadas, razoáveis e concordantes, entre si, mesmo quando diferem nas minúcias. As descrições de nossas próprias vidas naturalmente seriam diferentes nos detalhes e um crítico de Marte que recebesse histórias de um camponês hindu, de um caçador esquimó ou de um professor de Oxford bem poderia recusar­se a crer que tão divergentes experiências se encontrassem no mesmo planeta. Essa dificuldade não existe no Outro Lado; e não há, tanto quanto o saibamos, tão extremos contrastes na mesma esfera de vida — na verdade deve dizer-se que a característica da vida presente é a mistura de tipos diversos e dos graus de experiência, enquanto que a da outra vida é a subdivisão e a separação dos elementos humanos. O céu é diverso do inferno.
 Neste mundo e atualmente o homem devia fazer — e por vezes o consegue por algum tempo — o céu. Mas há longos períodos que são muito intoleráveis imitações do inferno, enquanto purgatório deve ser o nome dado à condição normal.
No Outro Lado as condições devem ser, esquematicamente, divididas em três. Há os que se acham presos à Terra e que trocaram os seus corpos mortais por corpos etéricos, mas que são mantidos na superfície deste mundo, ou próximos dela, pela grosseria de sua natureza ou pela intensidade de seu interesse mundano. Tão áspera deve ser a contextura de sua forma extraterrena, que devem ser reconhecidos mesmo por aqueles que não possuem o dom especial da clarividência. Nessa infeliz classe errante está a explicação de todos aqueles fantasmas, espectros e aparições, as casas assombradas que têm chamado a atenção da humanidade em todas as épocas. Essa gente, até onde podemos compreender a sua situação, ainda não começou a sua vida espiritual, nem boa, nem má. Somente quando se rompem os fortes laços da Terra é que se inicia uma vida nova.
Os que realmente começaram aquela existência encontram-se naquela faixa da vida que corresponde à sua própria condição espiritual. É o castigo do cruel, do egoísta, do fanático, do frívolo, que se encontram em companhia de seu semelhante e em mundos de luz que, variando do nevoeiro à escuridão, tipifica o seu próprio desenvolvimento espiritual. Esse ambiente, entretanto, não é permanente. Os que não fizeram um esforço ascensional, entretanto, ficarão aí indefinidamente, enquanto outros que dão ouvidos ao ensino de Espíritos auxiliadores, mesmo de baixos círculos da Terra, cedo aprendem a lutar para subir a zonas mais brilhantes. Em comunicações dadas na própria família do autor, ele aprendeu o que era ter contato com esses seres das trevas exteriores e teve a satisfação de receber os seus agradecimentos por uma visão mais clara de sua situação, as suas causas e os meios de cura[2].
Tais Espíritos pareceriam uma ameaça constante à humanidade porque se a aura protetora do indivíduo fosse de certo modo defeituosa, aqueles poderiam tornar-se parasitas, estabelecendo-se nela e influenciando as ações de seu hospedeiro. É possível que a ciência do futuro possa verificar que muitos casos de inexplicável mania, de insensata violência, de súbita inclinação para hábitos viciosos tenham essa causa, o que oferece um argumento contra a pena capital, de vez que o resultado deve ser dar mais forças para o mal do criminoso. Deve admitir-se que o assunto ainda é obscuro, que é complicado pela existência de pensamentos­forma e de formas de memória, e que, em todo caso, todos os Espíritos presos à Terra não são necessariamente maus. Parece, por exemplo, que os monges devotos de qualquer venerável Glastonbury deveriam estar presos às suas ruínas assombradas pela simples força de sua devoção.
Se o nosso conhecimento das exatas condições dos que estão presos à Terra é defeituoso, maior ainda é o dos Círculos de punição. Há uma história de certo modo sensacional em “Gone West”, de Mr. Ward; há outra mais temperada e crível na “Vida Além do Véu”, do Reverendo Vale Owen; e há muitas corroborações nas visões de Swedenborg, no “Espiritualismo”, do Juiz Edmonds e em outros volumes. Nossa falta de informações de primeira mão é devida ao fato de que não somos Hamlets e que não temos contato direto com os que vivem nessas esferas inferiores. Delas temos notícias indiretamente, através dos mais altos Espíritos que nelas realizam trabalhos missionários, trabalhos que parecem ser realizados com tamanhas dificuldades e perigos quanto os que rodeariam o homem que tentasse evangelizar as mais selvagens raças da Terra. Lemos histórias da descida de Espíritos elevados às mais baixas esferas, de seus combates com as forças do mal, de grandes príncipes do mal que são formidáveis em seus próprios reinos e de toda uma imensa cloaca de almas nas quais os esgotos psíquicos do mundo são derramados incessantemente. Entretanto tudo isto deve ser considerado antes do ponto de vista do remédio do que do castigo. Essas esferas são as salas de espera — hospitais para almas doentes — onde a experiência punitiva é intentada para trazer o sofredor à saúde e à felicidade.
 Nossa informação é mais completa quando nos voltamos para regiões mais felizes, nas quais parece que a beleza e a felicidade são graduadas conforme o desenvolvimento espiritual dos seus habitantes.
A coisa se torna mais clara se substituirmos a bondade e o altruísmo pela expressão “desenvolvimento espiritual”, pois nessa direção se encontra todo o crescimento da alma. Por certo que é um assunto muito diverso do intelecto, embora a união das qualidades intelectuais com as espirituais naturalmente produzam efeitos mais perfeitos.
As condições de vida no além-normal — e seria um reflexo da justiça e da misericórdia da Inteligência Central se o além-normal não fosse também o feliz além — são descritos como extraordinariamente felizes. O ar, as vistas, as casas, o ambiente, as ocupações, tudo tem sido descrito com tantos detalhes e geralmente com o comentário de que as palavras não são capazes de lhes pintar a gloriosa realidade. Pode ser que haja algo de parábola e de analogia nessas descrições, mas o autor se inclina a lhes dar inteiro valor e acredita que a “Summerland”, como Davis a chamou, é tão real e objetiva aos seus habitantes quanto o nosso mundo para nós. Fácil é levantar uma objeção: “Por que, então, não a vemos?” Mas devemos imaginar que uma vida etérica se exprime em termos etéricos e que, exatamente como nós, com cinco sentidos materiais, nos afinamos com o mundo material, eles com seus corpos etéricos, se afinam com as vistas e os sons do mundo etérico. Aliás o vocábulo “éter” só é usado por conveniência, para exprimir algo muito mais sutil que a nossa atmosfera.
Absolutamente não temos prova de que o éter dos físicos seja também o meio no mundo espiritual. Pode haver outras essências finas, muito mais delicadas que o éter, como é o éter em comparação com o ar.
O céu espiritual, pois, pareceria uma sublimada e etérica reprodução da Terra e da vida terrena, em condições melhores e mais elevadas. “Embaixo — como em cima, dizia Paracelso, e fez soar a nota fundamental do universo, quando o proclamou. O corpo leva, consigo, suas qualidades espirituais e intelectuais, imutáveis pela transição de uma sala da grande mansão universal para a vizinha. É inalterado na forma, salvo que o jovem e o velho tendem para uma expressão normal de completa maturidade. Garantindo que assim é, devemos admitir a racionalidade da dedução de que tudo o mais deve ser do mesmo modo e que as ocupações e o sistema geral de vida deve ser tal que permita oportunidades para os talentos especiais do indivíduo. O artista sem arte e o músico sem música seriam figuras trágicas e o que se aplica a tipos extremos deve estender-se a toda a humanidade. Há, de fato, uma sociedade muito complexa, na qual cada um encontra o trabalho a que mais se adapta e que lhe causa maior satisfação. Por vezes há uma escolha. Assim, em “O Caso de Lester Coltman”, escreve o estudante morto: “Algum tempo depois que eu tinha passado, tinha dúvidas sobre qual seria o meu trabalho: se música ou se ciência. Depois de muito pensar determinei que a música deveria ser um passatempo e minha maior atividade deveria dirigir-se para a ciência em todos os aspectos”.
 Depois de uma tal declaração naturalmente a gente deseja detalhes de como um trabalho científico era feito e em que condições.
Lester Coltman é claro em todos os pontos: “O laboratório sob a minha direção é inicialmente ligado ao estudo dos vapores e fluídos que formam a barreira que, penso, por meio de profundo estudo e experiência, somos capazes de atravessar. O resultado dessa pesquisa, pensamos nós, provará o ‘Abre-te Sésamo’ da porta de comunicação entre a Terra e essas esferas [3]”.
Lester Coltman dá outra descrição de seu trabalho e do ambiente, que bem[4] pode ser citada como um modelo de muitas outras. Diz ele : “O interesse mostrado por seres terrenos em relação ao caráter de nossas casas e dos estabelecimentos onde se realiza o nosso trabalho é, aliás, natural, mas a descrição não é muito fácil de ser feita em termos terrenos. Meu estudo servirá como um exemplo, do qual deduzirei o modo de vida de outros, conforme o temperamento e o tipo de mente. Meu trabalho continuou aqui como tinha começado na Terra, por canais científicos e a fim de prosseguir meus estudos, visitei com frequência um laboratório que possuía extraordinárias e completas facilidades para a realização de experiências. Tenho a minha casa, extremamente agradável, completada por uma biblioteca com livros de referência — histórica, científica e médica — e, de fato, com todos os tipos de literatura. Para nós tais livros são tão substanciais, quanto os usados na Terra. Tenho uma sala de música, contendo todos os modos de expressão dos sons. Tenho pinturas de rara beleza e móveis de desenho esquisito. Atualmente vivo só, mas frequentemente os amigos me visitam, assim como os visito, e se um pouco de tristeza por vezes se apodera de mim, visito aos que mais amei na Terra. Da minha janela se avista um campo ondulante de grande beleza e a pouca distância da casa existe uma comunidade, onde boas almas que trabalham em meu laboratório vivem em feliz concórdia… Um velho chinês, meu assistente­chefe, de grande valor nas pesquisas químicas, é o diretor, como o era, da comunidade. É uma alma admirável, de grande simpatia e dotado de enorme filosofia.”
Eis outra descrição que trata do mesmo assunto[5]:
É muito difícil dizer­vos a cerca do trabalho no mundo espiritual. A cada um é designada a sua tarefa, conforme o progresso que haja realizado. Se uma alma tiver vindo diretamente da Terra, ou de algum mundo material, então deve aprender tudo quanto haja desprezado na passada existência, a fim de desenvolver o seu caráter para a perfeição. Como tiver feito sofrer na Terra, assim sofrerá. Se tiver muito talento, levá-lo-á à perfeição aqui. Porque se tiverdes muito talento musical ou qualquer outro, nós os temos aqui e maiores. A música é uma das forças motoras do nosso mundo. Mas, conquanto as artes e os talentos sejam desenvolvidos ao máximo, o grande trabalho das almas é o seu aperfeiçoamento para a vida eterna. Há grandes escolas que ensinam os Espíritos­criança. Além de aprenderem tudo acerca do universo e de outros mundos, acerca de outros reinos sob as leis de Deus, aprendem lições de altruísmo, de verdade e de honra. Os que aprenderam antes como Espíritos­criança, se tiverem que voltar ao mundo, aparecem como os mais elevados caracteres. Os que passaram a existência material em menores trabalhos físicos tem que aprender tudo quando aqui chegam. O trabalho é uma coisa maravilhosa e os que se tornam mestres de almas aprendem consideravelmente. As almas de literatos se tornam grandes oradores e falam e ensinam em linguagem eloquente. Há livros mais de forma muito diversa dos vossos. Um que estudou as vossas leis terrenas entraria na escola espírita como professor de justiça. Um soldado que tenha aprendido as lições da verdade e da honra, guiará e ajudará, as almas, de qualquer esfera ou mundo, a luta pela correta fé em Deus. No grupo doméstico do autor, o Espírito íntimo falou de sua vida no além, respondendo à pergunta:
— ‘Que faz você?’
— ‘Ocupo­me de música, de criança, amando e cuidando de uma porção de outras coisas. Mais muito mais do que na velha Terra. Nada aborrece a gente aqui. E isto torna tudo mais feliz e mais completo.’
— ‘Fale acerca da morada.’
— ‘É bonita nunca vi uma casa na Terra que se comparasse com ela. Tantas flores! Um mundo de cores em todas as direções; e tem perfumes tão maravilhosos, cada qual diferente, mas tão agradáveis!’
— ‘Vê outras casas?’
— ‘Não; se o fizesse estragaria a paz. A gente só as vezes procura a natureza. Cada casa é um oásis, se assim posso dizer. Além, há cenários maravilhosos e outras casas cheias de gente querida, suave, brilhante, risonha, alegre, pelo simples fato de viver em tão maravilhoso ambiente. Sim, é belo. Nenhuma mente terrena pode conceber a luz e a maravilha disso tudo. As cores são muito mais delicadas e, de um modo geral, a vida doméstica é muito mais radiosa’.”
Outro resumo do Grupo Doméstico do autor, talvez seja permitido, de vez que as mensagens foram misturadas com muitas provas que inspiram a mais completa confiança naqueles que estão ligados aos fatos.
 Pelo amor de Deus sacuda essa gente, esses cabeçudos que não querem pensar. O mundo necessita desse conhecimento. Se ao menos eu tivesse tido tal conhecimento na Terra! Ele teria alterado a minha vida — o Sol teria brilhado sobre o meu caminho sombrio, se eu tivesse conhecido o que está à minha frente. Nada é chocante aqui. Não há atravessadores. Estou interessado em muitas coisas, a maioria delas humanas, o desenvolvimento do progresso humano e, acima de tudo, a regeneração do plano terreno. Sou um dos que trabalham pela causa braço a braço convosco. Nada temais. A luz será tanto maior quanto maior a escuridão que tiverdes atravessado. Voltarei muito breve, se Deus quiser. Nada poderá opor-se. Nem as forças das trevas prevalecerão um minuto contra a Sua luz. Todo o trabalho em massa será varrido. Apoiai­vos ainda mais em nós, porque a nossa capacidade de ajuda é muito grande.
— ‘Onde estais?’
—‘É tão difícil explicar-vos as condições aqui. Estou onde mais desejava estar, isto é, com os meus entes queridos, onde posso estar em íntimo contato com todos no plano terreno’.
— ‘Tendes alimento?’
— ‘Não no vosso sentido, mas muito mais fino. Tão amáveis essências e tão maravilhosos frutos, além de outras coisas que não tendes na Terra!
Muita coisa vos espera com as quais ficareis surpreendidos — tudo belo e elevado e tão suave e luminoso. A vida foi uma preparação para esta esfera. Sem aquele treinamento não teria sido capaz de entrar neste mundo glorioso de maravilhas. É na Terra que aprendemos as lições e neste mundo está a nossa maior recompensa o nosso verdadeiro e real lar e a vida — o Sol depois da chuva”.
O assunto é tão enorme que apenas pode ser tocado em termos gerais num só capítulo. O leitor é remetido para a maravilhosa literatura que se desenvolveu, dificilmente conhecida pelo mundo, em torno do assunto. Livros como o “Raymond”, de Oliver Lodge; “A Vida Além do Véu”, de Vale Owen; “A Testemunha”, de Mrs. Platts; “O Caso de Lester Coltman”, de Mrs. Walbrook e muitos outros dão uma clara e sólida ideia dessa vida do Além.
Lendo essas numerosas descrições da vida depois da morte, a gente naturalmente pergunta até onde podem ser acreditadas. É confortador verificar quanto são concordes, o que constitui um argumento em favor da verdade. Poderiam contestar que tal concordância se deve ao fato de derivarem, todas, conscientemente ou não, de uma fonte comum. Mas é uma suposição inconsistente. Muitas delas vêm de gente que absolutamente não podia conhecer os pontos de vista dos outros, mas ainda concordam, até nos mínimos detalhes.
Por exemplo, na Austrália o autor examinou tais relatos escritos por homens que viviam em lugares remotos, que honestamente se contentavam com aquilo que haviam escrito. Um dos mais notáveis casos é o de Mr. Herbert Wales [6].
Esse cavalheiro, que tinha sido, e talvez ainda seja, um céptico, leu uma história do autor, sobre como são as condições além da morte; e foi rebuscar um trabalho que havia escrito há anos, mas que recebera com incredulidade. E escreveu: “Depois de ler o vosso artigo fiquei chocado, quase estatelado, pelas circunstâncias de que as coisas imaginadas por mim e relativas às condições da vida de além-túmulo — penso que até nos menores detalhes — coincidem com as que descreveis como resultado de vossa coleção de materiais obtidos de várias fontes.”
O resto das conclusões de Mr. Wales se acham no Apêndice5.
Tivesse essa filosofia girado sobre os grandes altares recebendo uma adoração perpétua, poderiam dizer que era um reflexo daquilo que nos ensinaram na infância. Mas é muito diferente — e, certamente, muito mais razoável. Um campo aberto é apresentado para o desenvolvimento de todas as capacidades com que fomos dotados. A ortodoxia permitiu a continuada existência de tronos, de coroas, de harpas e de outros objetos celestes. Não será mais sensato admitir que se algumas coisas podem sobreviver, todas o poderão, em formas tais que se adaptem ao ambiente? Como examinamos todas as especulações da humanidade, talvez os Campos Elísios dos Antigos e as felizes regiões de caça dos Peles-vermelhas estejam mais próximas dos fatos atuais do que essas fantásticas representações do céu e do inferno, descritas nas visões extáticas dos teólogos.
Um céu tão vulgar e caseiro pode parecer material a muitas mentes, mas devemos lembrar que a evolução foi muito lenta no plano terreno e ainda o é no espiritual. Em nossa presente baixa condição, não podemos atingir o que é celestial. Será trabalho de séculos — possivelmente de anos. Ainda não estamos preparados para uma vida puramente espiritual. Como, porém, nós mesmos nos tornamos mais finos, também se transformará o nosso ambiente e nós evoluiremos de céu a céu, até que o destino da alma se perca no fogo da glória, onde não pode ser acompanhada pelos olhos da imaginação.




[2] Em “Trinta Anos Entre os Mortos”, do Senhor Wickland, e no Apêndice de “Glimpses of the Next State”, do Almirante Lisborne Moore, temos um relato completo da situação dos que se acham presos à Terra.
[3] “Case of Lester Coltman”, by Lilian Walbrook, página 34.
[4] “Case of Lester Coltman”, by Lilian Walbrook, páginas 32­33.
[5] “Thought Lectures from The Spiritualist Reader ”, página 53.
[6] “The New Revelation”, página 146.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Burilamentos Morais[1]


Leonardo[2]


A luminosidade sideral, nas noites em que o céu se encontra despido de nuvens, convida-nos à admiração da beleza do zimbório, a contemplarmos as estrelas iridescentes e a meditarmos sobre as muitas “Moradas da Casa do Pai”.
Encontramo-nos em uma dessas residências materiais, reservadas para Espíritos em aquisição de experiências, que necessitam passar por Expiações e Provações, com a finalidade de acertar as contas com a Contabilidade Divina, devido às intrigas, às infâmias, aos desrespeitos que induziram às quedas morais, aos acumpliciamentos com os crimes, em etapas anteriores dos périplos reencarnatórios, para assimilarmos o significado profundo e a essência das oportunidades evolutivas.
Vencida essa etapa reencarnatória e de retorno à Pátria de Origem, com méritos e deméritos, seremos avaliados pela própria consciência e entenderemos melhor as abençoadas ensanchas reencarnatórias que as sábias Leis Divinas nos concederam.
Em caso de conquistas meritórias e se tivermos atingido as demarcações morais e intelectuais para merecermos ascender à outra Casa do Pai, mais avançada em termos evolutivos, onde residem Espíritos detentores dessas superiores conquistas, receberemos oportunidade para iniciarmos novo ciclo de aprendizado.
Caso contrário, em que não tenhamos conquistado as conquistas morais e intelectuais, certamente, receberemos nova oportunidade reencarnatória para voltarmos a nos revestir de matéria orgânica neste Orbe Terra ou seremos remanejados para outras esferas que nos receberão para continuarmos o aprendizado que já estamos desenvolvendo há muitos séculos.
Neste rosário reencarnatório, de conquistas em conquistas, vamos aprimorando nosso desenvolvimento espiritual, efetuando recapitulações – quando necessário – e avançando em novas disciplinas, até o momento em que deixaremos o reino hominal para adentrarmos no reino angelical.
Neste campo de experiências em que estamos inseridos, cabe-nos a tarefa de “aprender a amar” para libertarmo-nos deste ciclo de reencarnações em um Orbe de Provações e Expiações.
O curriculum-vitae terrestre convida-nos ao esforço de aformoseamento da inteligência através dos constantes estudos, pesquisas, crescimento moral, compreensão das dificuldades existenciais, ajudando-nos a desbastar gradativamente as imperfeições morais.
Diante deste gigantesco mosaico de experiências carnais e as vivenciadas nos interregnos reencarnatórios, vamos adquirindo a consciência da grandiosidade das Leis Morais da Vida, sentindo, a cada dia, maior desejo de vivenciá-las através das tarefas de amor ao próximo.
O desenvolvimento da responsabilidade em nossas atitudes, ao lado da movimentação da Vontade para vencermos as imperfeições morais que ainda nos caracterizam, amadurece-nos nos campos da Lógica e do Bom-senso, despertando-nos o sentimento de caridade, que nos impulsionará pelas sendas da humildade e altruísmo para conquistarmos o Conhecimento Superior, possibilitando-nos alcançar a libertação das dívidas éticas contraídas com nossos semelhantes em etapas reencarnatórias anteriores.
Compreendido todo esse processo de ascensão espiritual, pela vivência do Amor, sentimos imenso agradecimento a Deus, por já termos o discernimento que nos abre as fronteiras da compreensão para servirmos incondicionalmente, desculpando sempre as ocorrências infelizes que nos visitam, perdoando indefinidamente aqueles que nos causam danos materiais e morais, respeitando os limites da dignidade, enfim, vivenciando as exemplificações do Mestre Galileu.
Neste momento turbulento que nosso planeta atravessa, início de século XXI, temos a obrigação moral de difundirmos a veneranda Doutrina dos Espíritos, para que os irmãos ainda prisioneiros das ilusões da matéria despertem para os valores éticos, que realmente interessam ao Espírito Eterno.
Nossa Pátria – Brasil – necessita desse amparo amoroso para, através do labor intensivo, superar as dificuldades políticas e os desafios econômicos, possibilitando à Nação retomar o caminho da “Ordem e Progresso”, para que a população brasileira reequilibre-se emocionalmente, diminua a ansiedade decorrente das incertezas futuras por falta de condições de trabalho.
Com determinação, firmeza e cuidadoso planejamento econômico, inspirado pelos Espíritos detentores de conhecimentos específicos nessa área, o País voltará a produzir em seus campos agrícolas, a tecnologia científica disponível melhorará acentuadamente, os desenvolvimentos industriais retornarão e a normalidade política possibilitará o asserenamento dos impulsos intempestivos, geradores dos conflitos de toda ordem que tumultuam a população brasileira, gerando o descompasso econômico, sinalizando-nos dias esperançosos.
O amparo celestial, através das abençoadas mãos da Misericórdia Divina, restaurará a paz social, a qualidade de vida, a alegria de viver, garantirá a felicidade, para que todos, esforçando-se nos domínios da Reforma Íntima, vejam nos irmãos de caminhada terrena, a grande família espiritual que o Pai Amoroso nos concedeu.
Em “Obras Póstumas” está registrado: “Por melhor que seja uma instituição social, sendo maus os homens, eles a falsearão e lhes desfigurarão o Espírito para a explorarem em proveito próprio.”
Esta tarefa individual de transformação ética impulsionará a coletiva, porque sedimentadas a solidariedade e a fraternidade – bases sólidas para a superação dos sentimentos egoístas e orgulhosos -, possibilitará o desenvolvimento do altruísmo, a conquista da humildade, o entendimento da essência da vida, diminuindo a ânsia do exercício do poder, da ganância, da ambição, desarticulando todas essas engrenagens mafiosas da corrupção e desvio do dinheiro público, possibilitando o reequilíbrio na finança nacional, melhores condições de vida na área da Saúde, Instrução Profissional e Educação Moral.
A Renovação Social exige a transformação moral do ser humano, pois só aperfeiçoaremos o Organismo Social com os gradativos aperfeiçoamentos individuais.
Allan Kardec, em “Obras Póstumas” registra: “A questão social não tem, pois, por ponto de partida, a forma de tal ou qual instituição; ela está toda no melhoramento moral dos indivíduos e das massas. Aí é que se acha o princípio, a verdadeira chave da felicidade do gênero humano, porque então os homens não mais cogitarão de se prejudicarem reciprocamente.”
Rogando, ao Senhor Jesus, esta bênção de suave transição para a realidade do Mundo de Regeneração, efetuando a parte que nos cabe redimindo-nos perante a própria consciência, esforcemo-nos para, através da vivência diária, nos conduzirmos com dignidade e benevolência, amor e conhecimento, pelos campos do aprendizado amoroso, que este formoso Planeta Azul nos concede, sob o amparo da luz imperecível do “Evangelho Restaurado”.
Agradeçamos a Allan Kardec, o missionário de Jesus encarregado de trazer à Terra a Revelação Espírita, por compreendermos melhor os sábios Códigos da Soberana Justiça.




[2] Página recebida, psicograficamente, por Renato Mautoni, no entardecer de 04 de maio de 2016, no Instituto Espírita Léon Denis, em Juiz de fora, Minas Gerais.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Fascinação e o respeito à Ciência na atualidade[1]


 ALEXANDRE FONTES DA FONSECA[2] - Campinas, SP (Brasil)

Introdução 
O capítulo XXIII de O Livro dos Médiuns[3] (LM) trata de um tema importante para o movimento espírita, que é a obsessão. Definida por Kardec, no item 237 do capítulo acima, como “o domínio que alguns Espíritos logram adquirir sobre certas pessoas”, a obsessão é analisada desde sua forma mais simples (chamada de obsessão simples) até a situação mais grave em que a vontade daquele que sofre essa influência se torna fraca demais para evitá-la. A obsessão nunca é praticada por um bom Espírito, e quando maus Espíritos dominam um indivíduo, “identificam-se com o Espírito deste e o conduzem como se fora verdadeira criança”. Por essa razão, Kardec considera que a obsessão é o mais difícil  escolho da prática do Espiritismo. Se de um lado a obsessão é algo com o qual devemos nos preocupar, de outro, as soluções para evitá-la são bem simples como a que foi apresentada pelos bons Espíritos no item 252 do LM, ao qual remetemos o Leitor interessado.
Não é nosso propósito aqui repetir o conteúdo do referido capítulo do LM a respeito da obsessão. Nosso objetivo é fazer uma importante observação ao relacionar a forma de obsessão chamada fascinação, a um comportamento que vem surgindo no meio espírita, qual seja o de rejeitar ou rechaçar o conhecimento científico ortodoxo e atual em nome de defender-se certas ideias, teorias ou práticas espíritas que não são respaldadas pela Ciência. Veremos, adiante, que Kardec não esteve alheio a esse tipo de problema e que ele mesmo faz diversas recomendações de como proceder perante novidades que surgem no meio espírita que parecem deslumbrar pela aparência científica, mas que não tem, de fato, respaldo da Ciência. 

Que é fascinação?
Primeiro, relembremos o conceito de  fascinação. Diferente da obsessão simples, a fascinação “É uma ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium e que, de certa maneira, lhe paralisa o raciocínio, relativamente às comunicações”. (Kardec, item 239, LM3) Como explica Kardec, o problema com a fascinação é que o médium não acredita que sofre essa influência perniciosa, e que “o Espírito tem a arte de lhe inspirar confiança cega, que o impede de ver o embuste e de compreender o absurdo do que escreve, ainda quando esse absurdo salte aos olhos de toda gente. A ilusão pode mesmo ir até ao ponto de o fazer achar sublime a linguagem mais ridícula”. (idem). Um fator que nos interessa aqui é o comentário de Kardec de que dessa influência “não se acham isentos nem os homens de mais espírito, os mais instruídos e os mais inteligentes  sob outros aspectos...” (idem, grifos meus).
Kardec considera muito graves as consequências da fascinação porque podem levar a pessoa a “a aceitar as doutrinas mais estranhas, as teorias mais falsas, como se fossem a única expressão da verdade. Ainda mais, pode levá-lo a situações ridículas, comprometedoras e até perigosas”. (idem)
A tática dos Espíritos que se prestam à fascinação consiste de se fazer parecer um bom Espírito ao usar termos como “caridade, humildade, amor de Deus” que, como diz Kardec, “lhe servem como que de carta de crédito, porém, através de tudo isso, deixa passar sinais de inferioridade, que só o fascinado é incapaz de perceber”. (idem, grifo do original.)
Por temer as pessoas que têm conhecimento um pouco mais aprofundado, esses Espíritos inspiram “ao seu intérprete o afastamento de quem quer que lhe possa abrir os olhos”. (idem). Esse último aspecto também é de nosso maior interesse no tema deste artigo. 

Perfil do Espírito fascinador
No item 246 do capítulo XXIII do LM, Kardec descreve o perfil de um tipo de Espírito obsessor que, dominado pelo orgulho, tem a pretensão de transmitir um falso saber. Esse tipo de perfil é justamente o que gera a fascinação: além de não terem escrúpulos na utilização de nomes respeitáveis, “Procuram deslumbrar por meio de uma linguagem empolada, mais pretensiosa do que profunda, eriçada de  termos técnicos e recheada das retumbantes palavras –– caridade e moral”. (Kardec, item 246, LM[4], grifos meus.) E mais: “A moral, porém, para esses Espíritos é simples passaporte, é o que menos os preocupa. O que querem, acima de tudo, é impor suas ideias por mais disparatadas que sejam. (idem, grifos meus.) 
Vemos acima que na fascinação, em meio a conceitos e termos bons, o Espírito enganador faz a sugestão de ideias “disparatadas” através da utilização de “termos técnicos”. Usam de termos respeitados como “caridade e moral” para nos fazerem pensar que ele, o Espírito comunicante, é bom e que os termos técnicos ou as ideias disparatadas que eles divulgam seriam avanços no conhecimento. A importância, portanto, de se fazer passar toda comunicação mediúnica sob o crivo da razão foi apresentada de modo bem claro por Kardec no item 248 do LM.
É no item 250 do LM que encontramos um comentário de Kardec que indica a relação entre a fascinação e o respeito à Ciência. Neste item, para ajudar o médium fascinado, Kardec propõe o esclarecimento dos erros contidos nas ideias do Espírito obsessor. Ele diz: “A única coisa a fazer-se com a vítima é convencê-la de que está sendo ludibriada e reconduzir-lhe a obsessão ao caso da obsessão simples”. (item 250, LM4). 

Dificuldade em se lidar com o médium fascinado
Kardec reconhece a dificuldade de se conseguir libertar um médium fascinado a tal ponto que ele, muitas vezes, se torna “surdo a toda sorte de raciocínio, podendo chegar até, quando o Espírito comete alguma grossa heresia científica, a pô-lo em dúvida sobre se não é a ciência que se acha em erro. (idem, grifos meus). Aqui está o elo entre a fascinação e o respeito que devemos ter pelo conhecimento formal da Ciência! Quando, em nome de acreditar numa ideia, chegamos a ponto de negar o conhecimento bem estabelecido da Ciência, estamos correndo o risco de estarmos fascinados pela ideia ou seu autor.
Embora a análise de Kardec, acima, diga respeito à influência perniciosa de Espíritos desencarnados, observamos que a situação é idêntica se a fascinação provier de um encarnado. Quando, em nosso meio espírita, abrimos mão do exercício da fé raciocinada em nome de defendermos ideias só porque elas são oriundas de companheiros que respeitamos, abrimos uma brecha à fascinação. Isso acontece principalmente com conceitos, teorias e práticas que se dizem científicas e que são propostas ao movimento espírita. A seguir, expomos algumas recomendações importantes de Kardec.
Na biografia de Kardec incluída na edição da Federação Espírita Brasileira da obra O Que É o Espiritismo[5] (QE), em discurso aos espíritas lioneses, Kardec faz importante recomendação a respeito de Espíritos fascinadores no sentido descrito no LM, isto é, dos que usam palavras como caridade,  fraternidade e  humildade, para fazer passar “os mais grosseiros absurdos”

A recomendação feita por Kardec
Kardec disse: “É preciso, pois, evitar o deixar-se seduzir pelas aparências, tanto da parte dos Espíritos, quanto da dos homens; ora, eu o confesso, aí está uma das maiores dificuldades; (...). Para escapar à cilada, é preciso, antes de tudo, fugir ao entusiasmo que cega, ao orgulho que leva certos médiuns a acreditarem-se os únicos intérpretes da verdade; é preciso que tudo seja friamente examinado, maduramente pesado, confrontado, e, se desconfiamos do próprio julgamento, o que é muitas vezes mais prudente, é preciso recorrer a outras pessoas (...)”. (grifos em negrito e sublinhado, meus.) Isto é, Kardec recomenda um exame muito criterioso de todas as ideias e novidades, sejam elas oriundas de Espíritos desencarnados, “quanto da dos homens” como sublinhamos acima, isto é, sejam elas oriundas de irmãos nossos encarnados.
Na Revista Espírita (RE) de Julho de 1868[6] , Kardec recomenda: “Pelo fato de o Espiritismo assimilar todas as ideias progressistas,  não se segue que se faça campeão cego de todas as concepções novas, por mais sedutoras que sejam à primeira vista, com o risco de receber, mais tarde, um desmentido da experiência e de  se expor ao ridículo  de haver patrocinado uma obra inviável”. (grifos em negrito, meus.) Aqui vemos o cuidado de Kardec com relação às novidades, e que não é porque o Espiritismo é uma doutrina progressista, que aceitará, sem critério, qualquer ideia nova, qualquer ideia ou teoria que apenas parece fazer sentido. Kardec se preocupou com a exposição do Espiritismo e do movimento espírita ao ridículo de se divulgar ideias que parecem boas, “sedutoras à primeira vista” como ele disse, mas que não têm base científica.
Nisso, quando uma ideia nova baseada em conceitos da Ciência surge no meio espírita, além do bom senso, o critério de validade das respectivas áreas da Ciência deve ser adotado na análise da ideia. Se não sabemos analisar essas ideias com conhecimento profundo dessas ciências, é bom que consultemos mais de um especialista. Isso significa que “tudo seja friamente examinado, maduramente pesado, confrontado” como disse Kardec em QE. 

É preciso cuidado com as novidades
Evitar dar publicidade a uma novidade em nome do Espiritismo é uma forma de cuidar para que o Espiritismo não corra o risco de “se expor ao ridículo” de haver incentivado uma ideia inviável. Nisso, o rigor científico tem um papel fundamental para avaliar a ideia nova que use conceitos científicos, e ela só deve ser divulgada em nome do Espiritismo quando a Ciência, de fato, a aprovar e comprovar. Isso é exatamente o que Kardec diz na referência da RE de Julho de 1868: “Eis por que não aceita imediatamente  as ideias novas, mesmo as que lhe pareçam justas, senão sob muita reserva, e de maneira definitiva apenas quando chegaram ao estado de verdades reconhecidas. (grifos em negrito meus.)
Eis a recomendação sábia e prudente de Kardec com relação às novidades, mormente àquelas que envolvem conceitos da Ciência.
Há no movimento espírita um pouco de entusiasmo na adoção de teorias, práticas e ideias que parecem ser científicas, mas não o são de fato. Reconhecemos publicamente a boa intenção daqueles que propõem essas ideias, teorias e práticas, mas a recomendação de Kardec é bem clara: que busquemos analisar de modo que “tudo seja friamente examinado, maduramente pesado, confrontado”. Exemplos de análises de algumas teorias antigas e recentes são dados nas referências[7] [8] [9] [10]. Incluem-se aqui temas que embora sejam sérios e de interesse científico, não são da alçada do Espiritismo como, por exemplo, práticas alternativas de medicina, tratamento e cura; o estudo de objetos voadores não identificados; e doutrinas outras que utilizam conceitos científicos como os da Física Quântica. 

A prudência é sempre louvável
Assim, convidamos o Leitor a observar como tem enxergado as objeções científicas que podem ser feitas com relação a ideias espiritualistas que “parecem justas” mas que não são capazes de “encarar a razão face a face” da Ciência na atualidade. Será que estamos agindo como o médium fascinado que põe “em dúvida sobre se não é a ciência que se acha em erro” (item 250, LM[11]
Não nos consideramos donos da Verdade, mas é por isso mesmo que a Doutrina Espírita nos convida ao exercício da fé raciocinada. Vivemos num momento de avanço científico e tecnológico, onde a qualidade na divulgação do Espiritismo não pode sofrer com um tipo de “zelo mais ardente do que refletido”  (Kardec, Revista Espírita, Julho 1860[12]). Um zelo ardente é aquele que pensa estar ajudando por entusiasmo, mas que, por não ser  refletido, pode se enganar e comprometer o ideal que se deseja defender e divulgar.
Para quem pensa que, talvez, isso seja um excesso, e que essa postura cuidadosa seja prejudicial ao progresso do Espiritismo, vejamos novamente o pensamento de Kardec com relação à divulgação de novidades: “O excesso em tudo é prejudicial, mas, em semelhante caso,  vale mais pecar por excesso de prudência do que por excesso de confiança”. (Capítulo “Impressões Gerais”, Viagem Espírita em 1862 [13], grifos em negrito, meus.) Por fim, essa postura reflete simplesmente uma das mais sábias recomendações d´O Evangelho segundo o Espiritismo (ESE): “Fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade”. (Kardec, item 7 do cap. XIX de ESE[14]





[3] A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Editora FEB, 71a edição, Rio de Janeiro (2003).
[4]   A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Editora FEB, 71a edição, Rio de Janeiro (2003).
[5] A. Kardec, O Que É o Espiritismo, Editora FEB, 56a ed. Brasília (2013).
[6] A. Kardec, “A Geração Espontânea e  A Gênese”, Revista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos, Julho, p. 285 (1868) Editora FEB.
[8] A. F. da Fonseca, “Análise Científica da Teoria da Apometria”, FidelidadESPÍRITA  118, p. 9 (2013). Link para obter uma cópia autorizada deste exemplar da revista:  http://nossolarcampinas.org.br/site/wp-content/uploads/2015/02/Apometria.pdf
[9] A. F. da Fonseca, “O que a física quântica tem a ver com o espiritismo? (versão ampliada)”, Correio Fraterno, link:  http://correiofraterno.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1279:o-que-a-fisica-quantica-tem-a-ver-com-o-espiritismo-versao-ampliada&catid=14:entrevista&Itemid=2
[10] A. F. da Fonseca, “Uma análise científica de algumas afirmações de A Grande Síntese”, Jornal de Estudos Espíritas 2, 010203 (2014). Acesso gratuito através do link:  https://sites.google.com/site/jeespiritas/volumes/volume-2---2014/resumo---art-n-010203
[11] A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Editora FEB, 71a edição, Rio de Janeiro (2003)
[12] A. Kardec, “Observação Geral, após Exame Crítico das várias Comunicações Espontâneas do Espírito Charlet, na Sociedade de Paris”, Revista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos, Julho, p. 325 (1860) Editora FEB.
[13] A. Kardec, Viagem Espírita em 1862, Editora O Clarim, 2a edição, Matão (1968).
[14] A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Editora FEB, 120a edição, Rio de Janeiro (2002).

sábado, 27 de agosto de 2016

VÍCIO DE ROUBAR - DEPOIMENTO DE UM DESENCARNADO[1]


Richard Simonetti


 “Há muito luto contra o vício de roubar. Pertences alheios fascinam-me. Já fui pobre, rico e não venci o vício. Na pobreza dou sempre desculpas de que me falta tudo. Porém, encarnado rico, roubei, apoderei-me de bens de minha mãe, irmãos, organizei quadrilha e muito roubei. Ainda bem que distribuí muita esmola e ajudei a muitos, porém, não anulei minhas faltas. Minha vida tem sido assim, roubo, sofro, arrependo, faço propósito de corrigir-me, volto à carne e tudo recomeça. No corpo se esquece muito das orientações e ensinamentos. Vou pedir, e espero conseguir, reencarnar sem os dois braços físicos. Sei que não provarei que estou curado do vício se não puder fazê-lo. Mas acredito se ficar uma encarnação sem as mãos, darei valor a elas, para o uso do bem”. (Depoimento de um desencarnado)
“Se vossa mão ou vosso pé é objeto de escândalo, cortai-os e lançai-os longe de vós; melhor será para vós que entreis na vida tendo um só pé ou uma só mão, do que terdes dois e serdes lançados no fogo eterno. – Se vosso olho vos é objeto de escândalo (tropeço), arrancai-o e lançai-o longe de vós; melhor para vós será que entreis na vida tendo um só olho, do que terdes dois e serdes precipitados no fogo do inferno”.
Segundo a expressão evangélica, “entrar na vida”, equivale ao nascer de novo, ou reencarnar.
O espírito poderá reencarnar com limitações físicas e mentais que inibem suas tendências inferiores e impõem o resgate de seus débitos, a fim de que se liberte do “inferno” da consciência culpada.
Isso não significa que cairemos numa fogueira onde as almas ardem em sofrimento perene, sem jamais se consumirem.
As chamas do inferno simbolizam os tormentos da “consciência culpada”, na Terra ou no Além, é ela que nos precipitarão ao “fogo do inferno”.
Essas labaredas ardentes chamam-se angústia, insatisfação, tristeza, desequilíbrio, enfermidade, que nos perturbam em face de nossos desvios do passado ou do presente.
As afirmativas de Jesus são exageradas ou enérgicas para que o indivíduo comprometido com o mal se redima.
É como alguns termos que usamos hoje:
Comer o fígado de alguém - significa grande raiva.
Derramar rios de lágrimas - significa chorar muito.
Coração de pedra - significa grande insensibilidade etc..
Todos temos débitos do passado que justificam quaisquer limitações. Portanto, elas se manifestam em maior ou menor intensidade, segundo programas instituídos por Deus, guardando compatibilidade com necessidades e nossa capacidade de enfrentar desafios.




sexta-feira, 26 de agosto de 2016

A MALDADE INFANTIL[1]


Guilherme Rosa[2]


Psiquiatra explica como as crianças podem ser tão ou mais cruéis do que os adultos

A maldade não é mais segredo para ciência. Hoje em dia, os pesquisadores já sabem que a crueldade se manifesta de forma biológica, como uma falha nos circuitos cerebrais, e que pode ter fatores sociais e genéticos. O psiquiatra Fábio Barbirato, chefe do setor de Neuropsiquiatria da Infância e da Adolescência da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, explicou à revista GALILEU como essa maldade aparece nas crianças.
GALILEU: Uma criança pode ser tão maldosa quanto um adulto?
Barbirato: Maldade pode ser definida como falta de empatia. Quando você provoca algo mal a alguém, é porque você não está muito preocupado com que essa pessoa venha se machucar fisicamente ou emocionalmente. Isso significa que você não se importa com o outro. A gente sabe que essa falta de empatia está ligada a algumas áreas do cérebro, como o córtex frontal. Ela também está ligada, em seus casos mais extremos, ao que os antigos chamavam de psicopatia e hoje nós chamamos de personalidade antissocial. O termo utilizado para definir essa mesma falta de empatia em uma criança é transtorno de conduta.
Esse transtorno começa na infância e pode ser diagnosticado até os 17 anos. Ele se caracteriza justamente pela falta de empatia e remorso. Um paciente meu, por exemplo, foi proibido pela mãe de sair de casa porque tirou notas baixas. Ele pegou o cachorro da mãe e enfiou várias agulhas nele. Outro paciente pegou o cachorro da mãe e colocou dentro do micro-ondas. E eles não se arrependem disso, falam sem nenhum tipo de remorso. A violência dessa criança pode ser física, ele pode ser aquele garoto que junta uma galera pra bater em outro menino porque ele é mais pobre ou negro, ou tem características homossexuais. Mas essa violência pode aparecer de outras formas – ele pode ser aquela criança que rouba a prova do amigo, por exemplo. Essa violência pode ser observada partir dos 5 anos de idade.
Por que só conseguimos perceber esse transtorno a partir dos 5 anos?
Barbirato: A gente só pode fazer o diagnóstico a partir dos 5 anos de idade porque as áreas do cérebro ligadas ao comportamento inibitório só se desenvolvem a partir dessa idade. Depois disso, a criança já sabe o que é errado e certo. Sabe que, se machucar alguém, esse alguém vai sentir dor. Ela já consegue se colocar no lugar do outro e já tem a capacidade de inibir seu comportamento se perceber que vai fazer mal a alguém. Depois do diagnóstico, temos que incentivar a família, para não reforçar esse comportamento agressivo e não ser modelo dele.
Que tipo de características iremos ver em uma criança com transtorno de conduta?
Barbirato: São crianças que têm comportamentos perversos, agressivos. São aquelas que, quando podem roubar um brinquedo de alguém, vão lá e roubam. Aquelas que batem ou mordem os amigos, mas que fazem de modo que ninguém veja. São crianças que manipulam os adultos. Normalmente, elas são muito sedutoras, conseguem transformar a situação a seu favor. São extremamente inteligentes.
Essa criança vai levar essas características para a vida adulta?
Barbirato: De 70% a 90% dessas crianças desenvolvem uma personalidade antissocial.
Temos como prevenir isso?
Barbirato: Quanto mais precoce for a identificação do transtorno, melhor. É importante perceber que seu filho está muito agressivo, não demonstra grandes arrependimentos. E aí procurar ajuda. Não há medicação nenhuma que mostre resultado nesses casos. São quadros que precisam de uma reestruturação familiar. A ideia não é ensinar e educar seu filho, mas mudar a dinâmica da família. Comportamentos positivos trazem benefícios muito maiores do que comportamentos negativos.
Então o papel dos pais é importante no surgimento desses casos?
Barbirato: Não vou falar que eles são causadores, porque está provado que é uma questão orgânica, uma alteração do funcionamento normal do cérebro. Como a criança não tem freio inibitório, acaba tendo comportamentos inadequados. Mas, se o jovem tiver uma família que é mais próxima, que o ajude a perceber que esses atos são danosos aos outros, que o faça notar que o outro se sente incomodado pelas suas atitudes, é possível mudar seu comportamento. Para que, no futuro, esses jovens não tenham que passar por uma intervenção médica ou até mesmo uma internação em uma instituição correcional, como as antigas FEBEM. Porque, provavelmente, muitos dos jovens que estão internados nestas instituições são jovens com transtorno de conduta que não tiveram a facilidade de um diagnóstico precoce e uma ajuda familiar.
A internação nesse tipo de instituição pode ajudar a recuperar a criança?
Barbirato: Os estudos mostram que é muito importante ter a família junto, para reforçar positivamente cada memória que o jovem tenha. É importante ele estar num ambiente que seja estimulante à melhora do comportamento. Nessas instituições, pelo contrário, ele está convivendo com jovens que também são agressivos, também são violentos e não mostram nenhum tipo de arrependimento. Isso só vai reforçar aquela atitude.
Por parte de família, que tipo de comportamento poderia aumentar a empatia da criança?
Barbirato: Não existe uma regra, uma receita de bolo. A família tem que prestar atenção se o filho tem pouca empatia, pouco arrependimento, rouba coisinhas da creche. Eles não devem ter preconceitos e procurar uma ajuda o mais rápido possível. Devem procurar um profissional, psiquiatra ou psicólogo especializado nisso, porque assim podem prevenir que no futuro ele venha a ter problemas graves, desde agressividade até abuso de drogas.
 
Gert Bolten Maizonave[3] comenta:
 A RESPONSABILIDADE DOS PAIS NA EDUCAÇÃO DOS FILHOS
A maldade nunca foi segredo para nós espíritas. Sabemos que o corpo físico, apesar de ter sua formação gerenciada pela combinação dos cromossomos dos seus genitores, tem sua configuração final largamente influenciada pelo perispírito, que por sua vez mantém registradas todas características psíquicas do indivíduo.
Esse efeito não se limita às predisposições da psique. Segundo pesquisadores atuais, como o canadense Ian Stevenson e o brasileiro Hernani Guimarães Andrade, até mesmo certos ferimentos adquiridos na existência anterior, principalmente quando auto-infligidos, mostram-se de diversas maneiras no veículo material que se forma providencialmente a serviço do encarnado, segundo seu merecimento e suas necessidades.
Os genitores do reencarnante, quando conscientes de que seu filho recém-nascido já possui numerosos séculos de experiências na terra, sabem que cabe a eles, como se fossem jardineiros, buscar podar o quanto seja possível das más tendências que possam detectar nos seus rebentos, no momento em que venham à tona, seja através da imposição de limites, enquanto lhes seja possível representar alguma autoridade, ou através do bom exemplo, que fala alto até mesmo às almas menos sensíveis.
             Há um trecho de O Livro dos Espíritos que trata do tema:
208. O Espírito dos pais não exerce influência sobre o do filho após o nascimento?
— Exerce, e muito, pois, como já dissemos, os Espíritos devem concorrer para o progresso recíproco. Pois bem: o Espírito dos pais tem a missão de desenvolver o dos filhos pela educação; isso é para ele uma tarefa. Se nela falhar, será culpado.
209. Por que pais bons e virtuosos têm filhos perversos? Ou seja, por que as boas qualidades dos pais não atraem sempre, por simpatia, bons Espíritos como filhos?
— Um mau Espírito pode pedir bons pais, na esperança de que seus conselhos o dirijam por uma senda melhor, e muitas vezes Deus o atende.
210. Os pais poderão, pelos seus pensamentos e as suas preces atrair para o corpo do filho um bom Espírito, em lugar de um Espírito inferior?
— Não. Mas podem melhorar o Espírito da criança a que deram nascimento e que lhes foi confiada. Esse é o dever; filhos maus são uma prova para os pais."
O mais importante é salientar que a causa do transtorno sócio-emocional patológico está longe de ser biológica, como supõe a ciência médica atual, que aos poucos se aproxima da já secular Ciência Espírita. O diagnóstico realizado através do corpo físico aponta simplesmente uma consequência da raiz do problema que só se pode solucionar através do aprendizado nas encarnações sucessivas, onde o ser que é desenvolvido intelectualmente, mas ainda bruto nos seus sentimentos, vai aprendendo, preferencialmente com a ajuda do seu pai, de sua mãe e dos educadores, a dar valor às necessidades alheias, incorporando em si as leis naturais de amor e caridade.



[2] Matéria publicada na Revista Galileu, em 27 de junho de 2011.
[3] Gert Bolten Maizonave é gaúcho de Bento Gonçalves, estudante de eletrônica, trabalhador espírita desde 2000 e participa das atividades do Serviço de Perguntas e Respostas do Espiritismo.net desde 2004.