sábado, 29 de setembro de 2018

UM CÉPTICO[1]



Humberto de Campos (13/12/1935)


Ainda não me encontro bastante desapegado desse mundo para que não me sentisse tentado a voltar a ele, no dia que assinalou o meu desprendimento da carcaça de ossos.
Se o vinte e sete de outubro marcou o meu ingresso no reino das sombras, que é a vida daí, o cinco de dezembro representou a minha volta ao país de claridades benditas, cujas portas de ouro são escancaradas pelas mãos poderosas da morte.
Nessa noite, o ambiente do cemitério de São João Batista parecia sufocante. Havia um "quê" de mistérios, entre catacumbas silenciosas, que me enervava, apesar da ausência dos nervos tangíveis no meu corpo estranho de espírito. Todavia, toquei as flores cariciosas que a Saudade me levara, piedosa e compungidamente. O seu aroma penetrava o meu coração como um consolo brando, conduzindo-me, num retrospecto maravilhoso, às minhas afeições comovidas, que haviam ficado a distância.
E foi entregue a essas cogitações, a que são levados os mortos quando penetram o mundo dos vivos, que vi, acocorado sobre a terra, um dos companheiros que me ficavam próximos ao bangalô subterrâneo com que fui mimoseado na terra carioca.
‒ O senhor é o dono desses ossos que estão por aí apodrecendo? - interpelou-me.
‒ Sim, e a que vem a sua pergunta?
‒ Ora, é que me lembro do dia de sua chegada ao seu palacete subterrâneo. Recordo-me bem, apesar de sair pouco dessa toca para onde fui relegado há mais de trinta anos...
– O senhor se lembra? A urna funerária, portadora dos seus despojos, saiu solenemente da Academia de Letras, altas personalidades da política dominante se fizeram representar nas suas exéquias e ouvi sentidos panegíricos pronunciados em sua homenagem. Muito trabalho tiveram as máquinas fotográficas na camaradagem dos homens da imprensa e tudo fazia sobressair à importância do seu nome ilustre. Procurei aproximar-me de si e notei que as suas mãos, que tanto haviam acariciado o espadim acadêmico, estavam inermes e que os seus miolos, que tanto haviam vibrado, tentando aprofundar os problemas humanos, estavam reduzidos a um punhado de massa informe, onde apenas os vermes encontrariam algo de útil. Entretanto, embora as homenagens, as honrarias, a celebridade, o senhor veio humildemente repousar entre as tíbias e os úmeros daqueles que o antecederam na jornada da Morte. Lembra-se o senhor de tudo isso?
‒ Não me lembro bem... Tinha o meu espírito perturbado pelas dores e emoções sucessivas.
‒ Pois eu me lembro de tudo. Daqui, quase nunca me afasto, como um olho de Argos, avivando a memória dos meus vizinhos. O senhor conhece as criptas de Palermo?
‒ Não.
‒ Pois nessa cidade os monges, um dia, conjugando a piedade com o interesse, inventaram um cemitério bizarro. Os mortos eram mumificados e não baixavam à sepultura. Prosseguiam de pé a sua jornada de silêncio e de nudez espantosa. Milhares de esqueletos ali ficaram, em marcha, vestidos ao seu tempo, segundo os seus gostos e opiniões. Muito rumor causou essa parada de caveiras e de canelas, até que um dia um inspetor da higiene, visitando essa casa de sombras da vida e enojado com a presença dos ratos que roíam displicentemente as costelas dos traspassados ricos e ilustres que se davam ao gosto de comprar ali um lugar de descanso, mandou cerrar-lhe as portas pelo ministro Crispi, em 1888. Ora bem: eu sou uma espécie dos defuntos de Palermo. Aqui estou sempre de pé, apesar dos meus ossos estarem dissolvidos na terra, onde se encontraram com os ossos dos que foram meus inimigos.
‒ A vida é assim disse-lhe eu; mas, por que se dá o amigo a essa inglória tarefa na solidão em que se martiriza? Não teria vindo do orbe com bastante fé, ou com alguma credencial que o recomendasse a este mundo cujas fileiras agora integramos?
‒ Credenciais? Trouxe muitas. Além da honorabilidade de velho político do Rio de Janeiro, trazia as insígnias da minha fé católica, apostólica romana. Morri com todos os sacramentos da igreja; porém, apesar das palavras sacramentais, da liturgia e das felicitações dos hissopes, não encontrei viva alma que me buscasse para o caminho do Céu, ou mesmo do inferno. Na minha condição de defunto incompreendido, procurei os templos católicos, que certamente estavam na obrigação de me esclarecer. Contudo, depressa me convenci da inutilidade do meu esforço. As igrejas estão cheias de mistificações. Se Jesus voltasse agora ao mundo, não poderia tomar um átomo de tempo pregando as virtudes cristãs, na base, luminosa da humildade. Teria de tomar, incontinenti, ao regressar a este mundo, um látego do fogo e trabalhar anos afio no saneamento de sua casa. Os vendilhões estão muito multiplicados e a época não comporta mais o Sermão da Montanha. O que se faz necessário, no tempo atual, no tocante a esse problema, é a creolina de que falava Guerra Junqueiro nas suas blasfêmias.
‒ Mas, o irmão está muito cético. É preciso esperança e crença...
‒ Esperança e crença? Não acredito que elas salvem o mundo, com essa geração de condenados. Parece que maldições infinitas perseguem a moderna civilização. Os homens falam de fé e de religião, dentro do esnobismo e da elegância da época. A religião é para uso externo, perdendo-se o espírito nas materialidades do século. As criaturas parecem muito satisfeitas sob a tutela estranha do diabo. O nome de Deus, na atualidade, não deve ser evocado senão como máscara para que os enigmas do demônio sejam resolvidos. Não estamos nós aqui dentro da terra da Guanabara, paraíso dos turistas, cidade maravilhosa? Percorra o senhor, ainda depois de morto, as grandes avenidas, as artérias gigantescas da capital e verá as crianças famintas, as mãos nauseantes dos leprosos, os rostos desfigurados e pálidos das mães sofredoras, enquanto o governo remodela os teatros, incentiva as orgias carnavalescas e multiplica regalos e distrações. Vá ver como o câncer devora os corpos enfermos no hospital da Gamboa; ande pelos morros, para onde fugiu a miséria e o infortúnio; visite os hospícios e leprosários. Há de se convencer da inutilidade de todo o serviço em favor da esperança e da crença. Em matéria de religião, tente materializar-se e corra aos prédios elegantes e aos bangalôs adoráveis de Copacabana e do Leblon, suba a Petrópolis e grite a verdade. O seu fantasma seria corrido a pedradas. Todos os homens sabem que hão de chocalhar os ossos, como nós, algum dia, mas um vinho diabólico envenenou no berço essa geração de infelizes e de descrentes.
‒ Por que o amigo não tenta o Espiritismo? Essa doutrina representa hoje toda nossa esperança.
‒ Já o fiz. É verdade que não compareci em uma reunião de sabedores da doutrina, conhecedores do terreno que perquiriam; mas estive em uma assembleia de adeptos e procurei falar-lhes dos grandes problemas da existência das almas. Exprobrei os meus erros do passado, penitenciando-me das minhas culpas para escarmentá-los; mostrei-lhes as vantagens da prática do bem, como base única para encontrarmos a senda da felicidade, relatando-lhes a verdade terrível, na qual me achei um dia, com os ossos confundidos com os ossos dos miseráveis. Todavia, um dos componentes da reunião interpelou-me a respeito das suas tricas domésticas, acrescentando uma pergunta quanto à marcha dos seus negócios. Desiludi-me. Não tentarei coisa alguma. Desde que temos vida depois da morte, prefiro esperar a hora do Juízo Final, hora essa em que deverei buscar um outro mundo, porque, com respeito à Terra, não quero chafurdar-me na sua lama. Por estranho paradoxo vivo depois da morte, serei adepto da congregação dos descrentes. .
‒ Então, nada o convence?
‒ Nada. Ficarei aqui até à consumação dos evos, se a mão do Diabo não se lembrar, de me arrancar dessa toca de ossos moídos e cinzas asquerosas. E, quanto ao senhor, não procure afastar-me dessa misantropia. Continue gritando para o mundo que lhe guarda os despojos.
‒ Eu não o farei.
E o singular personagem, recolheu-se à escuridão do seu canto imundo, enquanto pesava no meu espírito a certeza dolorosa da existência dessas almas vazias e incompreendidas na parada eterna dos túmulos silenciosos para onde os vivos levam de vez em quando as flores perfumadas da sua saudade e da sua afeição.




[1] Crônicas de Além-Túmulo – Francisco C. Xavier

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

MILITANTES POLÍTICO PARTIDÁROS, DEIXEM O ESPIRISTISMO EM PAZ[1]



Wellington Balbo


É muito natural, dentro do contexto que estamos vivendo em questões políticas, que o brasileiro e, claro, o espírita, debata, discuta e argumente em favor do seu candidato ou partido político.
Faz parte do jogo democrático toda discussão saudável, que não extrapole os limites do respeito ao outro. Mas, se o espírita pode e deve exercer o seu direito de cidadão, ele deve, também, guardar respeito ao Espiritismo no que concerne ao tema político partidário.
Pode-se debater, argumentar, defender seu candidato, deve fazê-lo longe das lides espíritas, porque o Espiritismo não se vincula a questões político partidárias. Também está fora do campo de ação do Espiritismo informar se quem vota no candidato A é bom ou mau caráter, ou se quem defende o partido B tem o nível moral elevado. Aliás, são as ações e não a escolha do candidato que dirá se alguém é ou não um indivíduo moralizado.
São diretrizes de Kardec que nas reuniões espíritas não se discuta política, economia e religião. O objetivo do Espiritismo é outro, bem outro, e é muito mais abrangente do que saber em quem ou qual partido nós votamos ou apoiamos.
O que vemos hoje, porém, é um cenário bem diferente do que pediu Kardec. Em face da polarização e do grande interesse do brasileiro/espírita por política, há um movimento que engloba gente de todas as preferências políticas e partidárias a recortar frases de Kardec e dos Espíritos e adequar conforme as suas conveniências, de modo a colocar o outro, ou seja, o adversário político como alguém “malvadão”, ruim, uma espécie de subgrupo da humanidade porque não “reza” em sua cartilha.
Os adversários políticos são justamente aqueles que devem ser combatidos pelo motivo de “faltarem” com a caridade que, diga-se, é uma das bandeiras defendidas por Kardec ao longo de sua obra.
Quem assim age desconhece a postura serena de Kardec a sinalizar que o campo espírita não é palco para este tipo de jogo, até porque a caridade anunciada por Kardec é muito mais profunda do que proposta de partido político ou qualquer outro plano de governo.
Há muito a fazer no campo espírita, muito a trabalhar, a divulgar, a levar adiante a doutrina tal como foi concebida por Kardec e os Espíritos. Enquanto gastamos fôlego, tinta, tempo e energia tentando provar quem dos políticos fez mais ou menos, uma infinidade de pessoas atenta contra a própria vida, sedentas que estavam do genuíno conhecimento espírita que poderia dar-lhes uma melhor qualidade de vida, poupando-lhes o triste ato.
Paro por aqui nos exemplo, pois vão aos milhares…
Por essas e outras é que peço:
Militantes político partidários, deixem o espiritismo em paz!




quinta-feira, 27 de setembro de 2018

A desforra é perdoar[1]



J. Herculano Pires


Psicólogos modernos sustentam que o ódio é uma necessidade que tanto devemos amar como odiar. E alguns, mais ferozes, na sua concepção da vida, chegam mesmo a afirmar que devemos odiar com o máximo de intensidade e externar o ódio para que ele não nos envenene. O conceito do homem que essa psicologia nos apresenta é em si mesmo um grave sintoma de enfermidade mental. A imagem desse homem animalesco decorre de uma visão mórbida da criatura humana esmagada pelos instintos animais. Não obstante, a própria Psicanálise, imantada inicialmente ao conceito da libido, já desde Freud encontrou a válvula da sublimação. E seus avanços posteriores, ao lado de progressos notáveis da Psiquiatria e das pesquisas psicológicas em vários campos, confirmaram a teoria espírita dos instintos espirituais que orientam a nossa formação humana,

Querer extinguir o ódio com a prática da odiosidade é o mesmo que pretender apagar o fogo com gasolina. Ódio gera ódio. Por isso, como Cornélio Pires ilustra nas suas quadras, o incêndio do ódio, que alimentarmos em nós e nos outros, terá de ser apagado pelos princípios da vida através da reencarnação. O Evangelho do Cristo substituiu a lei bíblica do olho por olho e dente por dente pela lei do amor ao próximo, incluindo no próximo os próprios inimigos. Onde não existir a luz do perdão as reencarnações dolorosas se processarão em círculo vicioso. Ficaremos presos à roda viva dos resgates penosos, por séculos e milênios, até aprendermos a amar os inimigos.

O ódio é destruidor, é o ácido corrosivo da inferioridade espiritual. O homem que odeia se animaliza, rebaixa-se ao nível das feras. O amor é a força criadora que distingue o homem dos bichos. A desforra do homem inferior é a injúria, a agressão, a vingança, o assassinato. A desforra do homem superior é o perdão. Quando perdoamos, desarmamos o adversário, ajudamo-lo a fazer-se criatura humana, a ser gente. Toda a cultura humana se assenta no amor: O ódio é a negação da cultura, o domínio da barbárie, como vemos diariamente no mundo do crime. Só os loucos defendem e pregam o ódio, porque a mente desequilibrada semeia o desequilíbrio.




[1] Astronautas do Além – Francisco C. Xavier, J. Herculano Pires e Espíritos Diversos.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

REENCARNAÇÃO, LEI BIOLÓGICA NATURAL[1]


Marlene Nobre


O princípio da reencarnação é uma consequência natural da lei do progresso porque, com os retornos sucessivos ao plano físico, o Espírito consegue alcançar a perfeição. Desde o seu estágio nos seres unicelulares, até o momento em que deu seus primeiros passos humanos no Planeta, o princípio espiritual percorreu um longo caminho, construindo seus próprios envoltórios, os sutis e o mais denso; mas ainda tem muito que caminhar, até chegar ao estágio conhecido no mundo cristão como angelitude. Embora tenha adquirido faculdades intelectuais muito desenvolvidas, suas conquistas no campo do sentimento são ainda muito insatisfatórias, situando-o mais próximo de sua natureza animal, com o predomínio do egoísmo, em suas atitudes.
Só a conquista do Amor universal, condensando a caridade no seu conceito mais amplo, poderá libertar o ser humano dos grilhões da carne e fazê-lo feliz.
No século XX, tivemos importantes pesquisadores da reencarnação.
Recordemos os nomes de alguns desses pioneiros.
Hamendras Nath Banerjee, professor da Universidade de Rajastan, na índia, investigou cerca de 1.000 casos de reencarnação, tanto em seu país, como nos EUA, contribuindo com seus trabalhos pioneiros para que ela fosse inserida no campo da pesquisa científica.
O engenheiro Hernani Guimarães Andrade, no Brasil, pesquisou 75 casos de reencarnação, publicando oito deles no livro “Reencarnação no Brasil” e um em “Renasceu por Amor”.
Ian Stevenson , professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Virgínia, EUA, tem cerca de 2.600 casos pesquisados, em vários países. Depois de publicar “Vinte Casos Sugestivos de Reencarnação” e “Cases of Reincarnation Type”, em quatro volumes, em que coletou expressivos casos em diferentes países, lançou, em 1997, dois alentados volumes, cerca de 2.300 páginas, “Reincarnation and Biology”, abordando, especialmente, Marcas de Nascença e Defeitos Congênitos, os quais vão influir muitíssimo, em futuro próximo, nos novos rumos a serem seguidos pela Ciência Médica. Essa importante obra merece um estudo aprofundado de todos os que se interessam em saber qual o verdadeiro significado da vida na Terra. Lamentamos não poder comentá-la, aqui, mas fica o registro para todos os que desejam aprofundar-se no assunto.
Todos esses trabalhos estão a merecer exames apurados por parte dos que fazem Ciência, para que esta não se restrinja aos acanhados compartimentos reducionistas, incapaz de alçar voos mais altos.
Com os Espíritos Instrutores, no século XX, obtivemos informações detalhadas e únicas em todo o mundo, com relação ao processo reencarnatório.
Dada a impossibilidade de descrevê-lo aqui, recomendamos os livros “Missionários da Luz” e “Entre a Terra e o Céu”, de André Luiz.
Vamos oferecer, aqui, muito resumidamente, alguns dados sobre este importante processo: um laço do perispírito liga o reencarnante ao óvulo e, a partir da fecundação, ele recomeça a nova existência; do zigoto ao feto, o ser parte de uma única célula, para a extraordinária complexidade multicelular do recém-nascido, passando, nas primeiras semanas, do desenvolvimento embrionário por todas as etapas principais que atravessou, ao longo da filogênese, repetindo-as: ser unicelular, peixe, anfíbio, réptil, ave, e, finalmente, mamífero superior. Esse fenômeno de recapitulação, para o qual os cientistas não têm uma explicação satisfatória, pode ser compreendido se se admite que algo vinculado ao ser vivo conservou a memória de toda a sua história pregressa e repete-a, de forma resumida, durante a ontogênese. Esse algo, é o Modelo Organizador Biológico (MOB), uma das funções do perispírito. Este, para retornar à Terra, necessita deixar a "matéria" do mundo espiritual, tornando-se mais maleável, adquirindo maior plasticidade. Para a reencarnação, dizem os Instrutores, basta o magnetismo dos pais associado ao forte desejo do Espírito reencarnante[2]; este, uma vez ligado ao óvulo, por laços perispirituais, inicia, na concepção, a modelagem do novo corpo, promovendo, automaticamente, através do MOB, a recapitulação das várias fases pelas quais passou na filogênese, adaptando-se, paulatinamente, à matéria física[3].
Como vimos, o princípio espiritual construiu o corpo humano e seus envoltórios ao longo de bilhões de anos de evolução:
"Desde a ameba, na tépida água do mar, até o homem, vimos lutando, aprendendo e selecionando...[4]".
Foi uma longa caminhada:
“Quantos séculos consumiu (o princípio espiritual) revestindo formas monstruosas, aprimorando-se, aqui e ali, ajudado pela interferência indireta das Inteligências superiores?
Acolheu-se no seio tépido das águas; através dos organismos celulares, que se mantinham e se multiplicavam por cissiparidade. Em milhares de anos, fez longa viagem na esponja, passando a dominar células autônomas, impondo-lhes o espírito de obediência e de coletividade, na organização primordial dos músculos. Experimentou longo tempo, antes de ensaiar os alicerces do aparelho nervoso, na medusa, no verme, no batráquio, arrastando-se para emergir do fundo escuro e lodoso das águas, de modo a encetar as experiências primeiras, ao sol do meridiano[5].
Na descrição dos Amigos Espirituais, "viajou de simples impulso para a irritabilidade, da irritabilidade para a sensação, da sensação para o instinto, do instinto para a razão". E, nessa viagem fantástica, em trânsito da animalidade primitiva para a espiritualidade humana, construiu o cérebro, órgão sagrado de manifestação da mente.
Segundo essas revelações, publicadas no ano de 1947, o cérebro, no homem, evoluiu de modo a constituir-se em um castelo de três andares, que tem nos lobos frontais, no córtex motor e na medula espinhal, elementos importantes de cada uma dessas estruturas. Trata-se de um único cérebro que se divide, porém, em três regiões distintas[6]. No primeiro andar, está o cérebro inicial, repositório dos movimentos instintivos; onde moram hábitos e automatismos. É a sede do Subconsciente. Armazém do passado, localiza-se, aí, o porão da individualidade, onde são arquivadas todas as experiências e registrados os menores fatos da vida.
No segundo andar, está a sede das conquistas atuais, representada pelo córtex motor, zona intermediária entre os lobos frontais e os nervos.
Nele, localiza-se o Consciente, a possibilidade de manifestação do ser, no atual momento evolutivo, contando, para isso, com duas ferramentas fundamentais ‒ o esforço e a vontade.
No terceiro andar, localiza-se a parte mais nobre do cérebro, representada pelos lobos frontais. Nele, configura-se o Superconsciente, através do qual chegam os estímulos do futuro, com ênfase para o ideal e a meta superior.
Esse modelo é muito semelhante ao do neurocientista Paul MacLean, que assim se expressava:
Somos obrigados a olhar para nós mesmos e para o mundo através dos olhos de três mentalidades muito diferentes", referindo-se aos três cérebros que havia detectado em suas pesquisas[7].
O livro de MacLean, “The Triune Brain in Evolution”, traz uma figura esquemática sobre a evolução do cérebro com a seguinte explicação do autor, em 1968: "Em sua evolução, o cérebro humano expande-se seguindo as linhas de três formações básicas que anatômica e bioquimicamente refletem relacionamento ancestral, respectivamente, com os répteis, mamíferos primitivos e recentes. As três formações estão no encéfalo, constituem os hemisférios cerebrais, e os elementos compreendidos do telencéfalo ao diencéfalo.
Com relação à esquizofrenia, as revelações espirituais afirmam que ela tem origem em perturbações sutis do perispírito, que se traduzem, no corpo físico, em um conjunto de moléstias variáveis e, muitas vezes, indeterminadas.
Os transtornos mentais, quase na sua totalidade, começam nas consequências de faltas graves que o ser humano pratica, tendo por base a impaciência ou a tristeza. Uma vez instaladas no campo íntimo, essas forças desequilibrantes desintegram a harmonia mental.
Como fica a questão da Consciência, neste início do século XXI? Com os extraordinários avanços da Física Quântica, fica difícil continuar sustentando que o cérebro nos dá consciência, inteligência, e demais atributos.
Sabe-se, hoje, que o observador é necessário, porque ele converte as ondas de possibilidades, os objetos quânticos, em eventos e objetos reais.
Como lembra o professor Amit Goswami, da Universidade de Oregon, EUA, a Física Quântica trouxe três conceitos revolucionários: "movimento descontínuo, interconectividade não localizada e, finalmente, somando-se ao conceito de causalidade ascendente da ciência newtoniana normal, o conceito da causalidade descendente a consciência escolhendo entre as possibilidades, o evento real[8]".
Quando coloca esses três conceitos, o professor Goswami argumenta:
... se a consciência é um fenômeno cerebral, obedece à Física Quântica, como a observação consciente de um evento pode causar o colapso da onda de possibilidades levando ao evento real que estamos vendo? A consciência em si é uma possibilidade. Possibilidade não pode causar colapso na possibilidade[9].
Foi raciocinando dessa forma que ele abandonou o pensamento materialista com o qual tinha convivido durante 45 anos e abraçou o espiritualismo.
Como bem assinalou Jean Guitton, com a física quântica:
... as interpretações objetivistas e deterministas do Universo, conformes ao bom senso, não se podem manter. Que deveremos admitir no lugar delas? Que a realidade 'em si' não existe; que ela depende do modo pelo qual decidimos observá-la; que as entidades elementares que a compõem podem ser uma coisa (uma onda) e ao mesmo tempo outra (uma partícula). E que, de qualquer modo, essa realidade é, num sentido profundo, indeterminada. (Deus e a Ciência, p.9)
Assim, a visão materialista do mundo desvanece-se diante dos nossos olhos.
Entramos, definitivamente, na Era do Espírito. Preparemo-nos para uma espiral vertiginosa de novas descobertas, nunca antes imaginadas por nossos espíritos imperfeitos.




[1] A Alma da Matéria – Marlene Nobre - FE Editora Jornalística Ltda.
[2] Missionários da Luz, de André Luiz, cap. XIII, e ver também Espírito, Perispírito e Alma de Hernani G. Andrade
[3] Ver No Mundo Maior, de André Luiz, caps. III e IV
[4] Idem.
[5] Idem.
[6] Ver caps. 12, 16, e outros, in No Mundo Maior, de André Luiz.
[7] Citado por Carl Sagan, in Os Dragões do Éden , cap. 3
[8] Entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, São Paulo, e mais a tese desenvolvida pelo professor Goswami, em seu livro  Universo Autoconsciente.
[9] Idem.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

O VERDADEIRO[1]

(Thionville – Médium: Dr. R...)


 

Disse um poeta: “Nada é mais belo que o verdadeiro; só o verdadeiro é agradável”.
Reconheci neste verso uma das mais belas inspirações jamais dadas ao homem. O verdadeiro é a linha reta; é a luz, cujo esplendor não precisa ser velado pelos homens justos, cujo espírito é maravilhosamente predisposto a compreender seus imensos benefícios.
Por que, na nossa sociedade atual, a luz custa tanto a ser percebida pela maioria dos homens? Por que o ensino da verdade é cercado de tantos obstáculos? É que até agora a Humanidade não fez progressos bastante marcados, desde a origem do Cristianismo.
Desde o Cristo, seus ensinamentos tiveram de ser velados sob a forma de alegoria e de parábola e os que tentaram propagar a verdade não foram mais ouvidos que seu divino Mestre; é que a Humanidade devia progredir com sábia lentidão, para que sua marcha fosse mais segura; é que necessitava de um longo noviciado, para tornar-se apta a se conduzir por si mesma.
Mas tranquilizai-vos! O sol da regeneração, há muito tempo na sua aurora, não tardará a espalhar sobre vós a sua deslumbrante claridade; a verdadeira luz vos aparecerá e sua influência benfeitora estender-se-á a todas as classes da sociedade.
Quantos, então, se surpreenderão por não terem acolhido mais cedo esta verdade, que data da mais remota antiguidade, e que um sentimento de orgulho lhes fez sempre caminhar ao lado sem a ver!
Ao menos desta vez não tereis de sofrer nenhum desses horríveis cataclismos, que parecem outras tantas balizas destinadas a marcar, através dos séculos, a marca da verdadeira luz. Mais bem instruídos, os homens compreenderão que as perturbações que deixam atrás de si uma esteira de fogo e sangue não se enquadrariam hoje nos nossos costumes, abrandados pela prática da caridade. Compreenderão, enfim, o alcance destas palavras sublimes, outrora proferidas pelo Cristo: “Paz aos homens de boa vontade!”
Não haverá outra guerra senão a que for feita às paixões más. Todos reunirão suas forças para expulsar o Espírito do mal, cujo reino desastroso apenas deteve, por longo tempo, o progresso da civilização. Todos se deterão no pensamento de que a verdadeira luz é a única conquista legítima, a única que devem ambicionar, a única que os poderá conduzir à felicidade.
À obra, pois, todos vós que tendes a bandeira do progresso! Não temais empunhá-la alta e firme, para que de todos os recantos do globo os homens possam acorrer e se acomodarem sob sua égide. Pedi ao nosso Pai celeste a força e a energia que vos são indispensáveis para esta grande obra; e, se aqui não puderdes gozar da felicidade de vê-la realizada, que, ao menos, ao morrer, leveis a convicção de que vossa existência foi útil a todos, e que a mais doce recompensa vos espera entre nós: a alegria de ter cumprido vossa missão para a maior glória de Deus.
 Espírito familiar
Allan Kardec




[1] Revista Espírita – Setembro/1863 – Allan Kardec

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

FRANZ ANTON MESMER[1]



Mesmer foi o médico austríaco criador da teoria do magnetismo animal conhecido pelo nome de mesmerismo. Nasceu a 23 de maio de 1734, em Iznang, uma pequena vila perto do Lago Constance. Estudou teologia em Ingolstadt e formou-se em medicina na Universidade de Viena. Provido de recursos, dedicou-se a longos estudos científicos, chegando a dominar os conhecimentos de seu tempo, época de acentuado orgulho intelectual e ceticismo. Era um trabalhador incansável, calmo, paciente e ainda um exímio músico.
Em 1775, após muitas experiências, Mesmer reconhece que pode curar mediante a aplicação de suas mãos. Acredita que dela desprende um fluido que alcança o doente; declara:
"De todos os corpos da Natureza, é o próprio homem que com maior eficácia atua sobre o homem".
A doença seria apenas uma desarmonia no equilíbrio da criatura, opina ele. Mesmer, que nada cobrava pelos tratamentos, preferia cuidar de distúrbios ligados ao sistema nervoso. Além da imposição das mãos sobre os doentes, para estender o benefício a maior número de pessoas, magnetizava água, pratos, cama etc., cujo contato submetia os enfermos.
Mesmer praticou durante anos o seu método de tratamento em Viena e em Paris, com evidente êxito, mas acabou expulso de ambas as cidades pela inveja e incompreensão de muitos. Depois de cinco tentativas para conseguir exame judicioso do seu método de curar, pelas academias, é que publica, em 1779, a "Dissertação sobre a descoberta do magnetismo animal", na qual afirma que este é uma ciência com princípios e regras, embora ainda pouco conhecida. A sua popularidade prosseguiu por muitos anos, mas outros médicos o taxavam de impostor e charlatão. Em 1784, o governo francês nomeou uma comissão de médicos e cientistas para investigar suas atividades. Benjamin Franklin foi um dos membros dessa comissão, que acabou por constatar a veracidade das curas, porém as atribuíram não ao magnetismo animal, mas a outras causas fisiológicas desconhecidas.
Concentrado no alívio à dor, Mesmer não chegou a perceber a existência do sonambulismo artificial, que seu ilustre e generoso discípulo, conde Maxime Puységur, descobre (inclusive a clarividência a ele associada), o qual se desenvolve durante o transe magnéticos em certas pessoas.
Em 1792, Mesmer vê-se forçado a retirar-se de Paris, vilipendiado, e instala-se em pequena cidade suíça, onde vive durante 20 anos sempre servindo aos necessitados e sem nunca desanimar nem se queixar. Em 1812, já aos 78 anos, a Academia de Ciências de Berlim convida-o para prestar esclarecimentos, pois pretendia investigar a fundo o magnetismo. Era tarde; ele recusa o convite. A Academia encarrega o Prof. Wolfart de entrevistá-lo. O depoimento desse professor é um dos mais belos a respeito do caridoso médico:
"Encontrei-o dedicando-se ao hospital por ele mesmo escolhido. Acrescente-se a isso um tesouro de conhecimentos reais em todos os ramos da Ciência, tais como dificilmente acumula um sábio, uma bondade imensa de coração que se revela em todo o seu ser, em suas palavras e ações, e uma força maravilhosa de sugestão sobre os enfermos".
No início de 1814, ele regressou para Iznang, sua terra natal, onde permaneceria os seus últimos dias até falecer em 05 de março de 1815.
Assim foi Mesmer. Durante anos semeou a cura de enfermos doando de seu próprio fluido vital em atitude digna daqueles que sacrificam-se por amor ao seu trabalho e a seus irmãos. Suas teorias atravessaram décadas e seu exemplo figura luminoso entre os missionários que sob o açoite das críticas descabidas e as agressões da calúnia, passam incólume escudado pelo dever retamente desempenhado. Seu nome jamais se desliga do vocábulo "fluido" e sua vida valiosa pelos frutos que gerou, jamais será esquecida por aqueles cuja honestidade de propósitos for o ornamento de seus espíritos. A sua obra foi decisiva para demonstrar a realidade da imposição das mãos como meio de alívio aos sofrimentos, tal como a utilizavam os primeiros cristãos antigamente e os espíritas atualmente.




sábado, 22 de setembro de 2018

HAVERÁ DESTINO PARA O MAL?[1]



Richard Simonetti


Qualquer pessoa medianamente informada conhece o complexo de Édipo, consagrado por Sigmund Freud (1856-1939), como a tendência de se ligarem os filhos às suas mães, em oposição aos pais.
Freud inspirou-se numa tragédia grega: Édipo Rei, de Sófocles (495-406 a.C.). Édipo, segundo os oráculos, mataria seu pai e se casaria com a mãe, o que efetivamente aconteceu, numa fantasia recheada de lances dramáticos e mirabolantes, bem ao gosto da mitologia grega.
A tese de Freud, porém, não resiste aos fatos. Há filhos “vidrados” na figura paterna. Além disso, a afinidade ou animosidade entre pais e filhos decorre muito mais de ligações harmônicas ou conflituosas de vidas anteriores.
Se alguém reencontra no pai um rival do passado, quando disputavam o amor de uma mulher, hoje possivelmente ligada a ambos como mãe e esposa, enfrentará conflitos em seu relacionamento. Em contrapartida, dar-se-á muito bem com o genitor que foi amigo ou familiar ligado ao seu coração.
E há que se considerar o comportamento. Se não cultivarmos valores elementares de convivência civilizada – compreensão, atenção, respeito, tolerância, cooperação, solidariedade… –, os melhores amigos do pretérito nos parecerão figadais inimigos a nos aborrecerem no ambiente doméstico.
O aspecto mais interessante da famosa obra teatral de Sófocles diz respeito à fatalidade.
É possível alguém nascer com a trágica sina de matar o pai e casar com a mãe ou destinado a cometer atrocidades? Negativo. Não há o determinismo para o mal. Ninguém reencarna para ser suicida, alcoólatra, fumante, toxicômano, adúltero, traficante, ladrão, assassino, terrorista…
Comportamentos dessa natureza configuram um desatino. Jamais um destino!
Dirá o leitor amigo que o oráculo não teria acertado o sinistro vaticínio, se não fosse esse o fado de Édipo. Oportuno não esquecer, porém, que estamos diante de uma ficção, uma história da carochinha para adultos.
Questionará você: e quanto aos oráculos de hoje, representados por médiuns, pais de santo, cartomantes, quiromantes, astrólogos e quejandos? Não antecipam, efetivamente, o futuro?
Consideremos, em princípio, que eles falam de generalidades. Assim fica fácil. Se eu fizer dez previsões superficiais sobre seu futuro, envolvendo saúde, negócios, vida afetiva, família, viagens, pelo menos metade se cumprirá. Você ficará admirado de meus poderes premonitórios, tão entusiasmado com os acertos que não reparará nos desacertos.
E há um detalhe: se o “oráculo” revela que terei um dia muito difícil, cheio de contratempos, e acredito firmemente nisso, assim tenderá a acontecer. Estarei predisposto a encontrar “chifre em cabeça de cavalo”.
Obviamente, há indivíduos dotados de grande sensibilidade que podem “ler” em nosso psiquismo algo do que nos espera.
Nele podem estar registrados alguns compromissos que teríamos assumido ao reencarnar, conjugando família, profissão, trabalho, ideal… Mesmo assim, não poderá fazer afirmações taxativas, porquanto nem sempre cumprimos na Terra o que nos propusemos a realizar, no Além.
Há, também, desajustes no perispírito, nosso corpo espiritual, decorrentes de faltas desta existência ou precedente, tendentes a se refletirem no corpo físico, dando origem a males variados. Um sensitivo poderá identificá-los e nos falar a respeito. Não obstante, esses males não são inevitáveis. É possível, com o empenho de renovação e a prática do Bem, “depurar” o perispírito, favorecendo uma existência saudável.
O ideal é viver o hoje, procurando fazer o melhor, sem nos preocuparmos com o que virá. O futuro não está escrito. Há apenas esboços. O “texto definitivo” está sendo grafado por nossas ações.
Jesus sabiamente ensina, no Sermão da Montanha, que a cada dia basta o seu labor. Cuidemos de buscar o Reino de Deus em primeiro lugar, com o empenho do Bem, e tudo o mais, acentua o Senhor, virá por acréscimo da misericórdia divina.
Fonte: Kardec Rio Preto




sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Lições políticas aos espíritas[1]



Marco Milani


As últimas eleições brasileiras contribuíram para a constatação de algo muito relevante ao movimento espírita: não se deve confundir propostas doutrinárias com preferências políticas. Enquanto cidadãos, temos o direito e a obrigação de participarmos dos debates e escolhas dos gestores públicos, mas em momento algum, devido ao fato de um eleitor também ser espírita, que suas opções representarão o Espiritismo!
Verificamos no período pré-eleitoral a manifestação, em redes sociais ou em outros ambientes, de pessoas com certa evidência no movimento espírita, tais como palestrantes e dirigentes, posicionando-se a favor deste ou daquele candidato. Ora, quem se manifestou não foi o representante espírita, mas o cidadão. As divergências de opiniões apenas demonstraram que não há homogeneidade de preferências partidárias e isso é esperado em um contexto democrático com indivíduos que se encontram em diferentes níveis de maturidade moral e intelectual.
Ao menos, esse fato serve para justificar aos adeptos mais afoitos o porquê de ser incompatível a criação de um partido espírita. A polarização política não deveria desagregar ou gerar indisposições entre os espíritas, pois o que nos une não é uma sigla partidária, mas são os conhecimentos sobre a realidade espiritual e os ideais de caridade e fé raciocinada.
Certamente, diante das responsabilidades assumidas nesta encarnação, desejamos realizar o melhor em prol de nós mesmos e do próximo. Assim, quando acreditamos que o caminho mais adequado a ser trilhado para a construção de uma sociedade melhor segue uma determinada direção, é natural mobilizarmos força e vontade para a realização de nossas expectativas e interesses. A passividade não é uma característica do espírita consciente.
É a atuação coerente com os princípios e valores que acreditamos que proporcionará a consciência tranquila e colaborará para o nosso próprio desenvolvimento. A lei de causa e efeito é natural, logo, tudo o que fizermos ou deixarmos de fazer refletirá em nosso processo evolutivo e não podemos compactuar com situações que colidam com o que consideramos ético e correto. Igualmente, devemos exercitar o respeito e contribuir com quem pensa diferente, mas sem nos omitirmos diante do que supomos estar em erro.
Estamos em um país carente por cidadãos e mandatários éticos e, independentemente das cores partidárias, cabe a nós o bom combate, começando por nós mesmos. Contribuamos para o Brasil que gostaríamos de viver. Afinal, quem pode afirmar que nossa próxima reencarnação não será novamente aqui?




[1] Texto publicado no jornal Correio Fraterno, ano 47, nº 460, dez/14, p.13.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O SOFRIMENTO SILENCIOSO[1]




Adriana Machado

Estamos vivenciando um momento em que vemos muitas pessoas buscando no suicídio a cura para as suas dores.
Estaria mentindo se disse que consigo imaginar o que sentem essas pessoas que, em razão de sua dor, chegam ao ponto de infringir uma das leis divinas mais perfeitas que é a Lei da Conservação. Como somos seres de outra localidade (plano espiritual), e para não desejarmos voltar à nossa origem antes do tempo, a cada existência terrena nos é imputada a vontade quase intransponível de nos manter aqui para vivenciarmos os momentos de alegria e de dor sem desejarmos fugir de nossa própria regeneração.
Estamos a séculos vindo e indo, repetindo os mesmos equívocos, buscando o nosso aprimoramento, caindo e levantando, nos melhorando pouco a pouco apesar de nossa teimosia em acreditar que a vida a ser valorizada é a material e não a espiritual.
Mas, estamos evoluindo. E como estamos enfrentando uma fase de mudança do estágio evolutivo planetário, para aqui ficarmos, precisaremos nos deparar conosco sem máscaras, sem véus. Assim, todos que para cá vieram (e ainda vem) reencarnados, estão preparados para se enfrentar ou enfrentar as experiências que nos farão enxergar quem somos, não significando dizer, todavia, que gostaremos do que veremos, ou que aceitaremos quem somos sem lutas íntimas.
Assim, sem fazer qualquer julgamento a quem quer que seja, percebo que, por nos vermos tão enfraquecidos em nossos valores íntimos, por não valorizarmos quem somos, não nos sentimos fortalecidos para enfrentarmos algumas experiências que, pela misericórdia divina, estaríamos à altura de vivenciá-las e, portanto, de alcançarmos o aprendizado merecido.
Por tal incapacidade, muitas vezes sem percebermos, buscamos um dos caminhos mais difíceis de trilhar, mas que, por nossa ignorância, nos parece o único apropriado: o de interromper a dor pela ausência da vida que acreditamos estar alimentando essa mesma dor.
Precisamos voltar a nos importar! Precisamos estar atentos às mudanças de atitude daqueles que estão ao nosso redor, precisamos estar atentos às nossas próprias mudanças internas!... Porque podemos ser nós, daqui a um tempo, entristecidos profundamente por uma dor vivenciada, a nos afundar na lama da desesperança e não conseguirmos sair dela.
Se não voltarmos o nosso coração e mente para esta vida encarnada; se não voltamos a nossa atenção para a vida real, fora das redes sociais, fora da internet, fora da ilusão de que “todos têm uma vida melhor do que a minha”; se não valorizarmos cada experiência como uma benção divina a nos ensinar e nos fortalecer diante das adversidades; Se não abraçarmos, com fé, a crença de que Deus é Misericordioso e Bom e que não agiria com menos amor do que um filho Seu que, diante de um filho da carne, só quer o melhor para ele; não conseguiremos perceber os dramas que nos rodeiam e, não chegaremos a tempo de socorrer a quem amamos ou, até pior, nos impedir de ir pelo mesmo caminho.
O problema é que, na grande maioria, essa dor é silenciosa. Ela vai preenchendo o nosso ser, sem nos apercebermos. Vamos desconsiderando os parcos avisos que a nossa consciência nos permite flagrar, achando que o que sentimos é simples, drama ou bobagem, e que as pessoas não nos escutarão porque veriam essa mesma dor como frescura. Sem sabermos, estamos alimentando uma doença que após alojada é difícil combater!
Percebo que tudo o que os nossos irmãos desalentados pela dor precisam é de alguém que possa mostrar-lhes um outro caminho, porque eles não estão mais aptos para achá-lo. Eles não precisam de julgamento, eles não precisam de nossa piedade, eles precisam de nosso consolo e atenção.
Que sejamos nós a ouvir e acalentar o nosso próximo. Que sejamos nós a indicar um caminho de amor e esperança[2] para que as cores da vida voltem a fazer parte da vida deste nosso irmão. Que não desistamos jamais de socorrer mesmo aqueles que parecem não querer o auxílio. É uma vida que precisa ser defendida!
Usemos de tantas horas quantas forem necessárias para o auxílio deste irmão, da mesma forma que gostaríamos que gastassem conosco no momento de nosso maior desespero.
Sem buscar nas crenças espíritas cristãs que me alimentam a alma, façamos isso, pura e simplesmente, porque precisamos uns dos outros.
O nosso silêncio ou o de nosso irmão pode ser o sinal de que precisamos nos movimentar urgentemente para a mudança deste caminho para a escuridão.




[2] Essa ajuda, dependendo do grau da dor de nosso irmão, precisa ser associada ao auxílio de um profissional que saberá desenrolar os fios embolados que embaçam a visão de um futuro melhor.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

XENOGLOSSIA (Mediunidade Poliglota) [1]


Ernesto Bozzano

O termo “xenoglossia” foi proposto pelo professor Richet, com o intuito de distinguir, de modo preciso, a mediunidade poliglota propriamente dita, pela qual os médiuns falam ou escrevem em línguas que eles ignoram totalmente e, às vezes, ignoradas de todos os presentes, dos casos afins, mas radicalmente diversos, de “glossolalia”, nos quais os pacientes sonambúlicos falam ou escrevem em pseudolínguas inexistentes, elaboradas nos recessos de suas subconsciências, pseudolínguas que não raro se revelam orgânicas, por serem conformes às regras gramaticais.
Não é aqui ocasião de nos ocuparmos com estes últimos fenômenos, que são de ordem sonambúlico-hipnótica e nada têm de comum com a “mediunidade poliglota”, como nada de comum apresentam com as manifestações metapsíquicas deste gênero, se bem aconteça que incidentes de glossolalia se intercalem em genuínas manifestações supranormais, o que não é de causar surpresa, dado que não se poderão evitar as interferências subconscientes em qualquer ramo da metapsíquica, até que estejam mais bem conhecidas as leis psicofísicas que diferenciam os estados mediúnicos dos estados sonambúlicos.
Do ponto de vista teórico, a “mediunidade poliglota” se mostra uma das mais importantes manifestações da fenomenologia metapsíquica, pois por ela se eliminam de um só golpe todas as hipóteses de que disponha quem queira tentar explicá-las, sem se afastar dos poderes supranormais inerentes à subconsciência humana, porquanto a interpretação dos fatos, no sentido espiritualista, se impõe aqui de forma racionalmente inevitável. Quer isto dizer que, graças aos fenômenos de xenoglossia, se deve considerar provado que, nas experiências mediúnicas, intervêm entidades espirituais extrínsecas ao médium e aos presentes.
Não ignoro que os propugnadores, a todo custo, da origem subconsciente de toda a fenomenologia metapsíquica, não chegando a explicar as manifestações em apreço, por meio das hipóteses de que dispõem, formularam timidamente uma outra, que se denomina “memória ancestral”, segundo a qual os médiuns seriam aptos a conversar numa língua inteiramente desconhecida deles, desde que algum de seus antepassados houvesse pertencido ao povo cuja língua eles falam. Nesse caso fora de presumir-se que as condições mediúnicas fazem brotar, das estratificações de uma hipotética “memória ancestral” subconsciente, o conhecimento pleno do idioma falado pelo ascendente do médium.
A bem da história, importa lembrar que a hipótese da “memória ancestral” foi sugerida originariamente pela doutora russa Maria Manaceine, porém com o intuito muito limitado de explicar um outro fenômeno mnemônico bastante discutido: o da emersão de lembranças de acontecimentos que na realidade nunca se deram na vida daquele que os recorda, fenômeno que Manaceine, depois de Letourneau, procurou explicar, estendendo a influência da lei de hereditariedade também aos da memória, mas unicamente sob a forma da emergência fragmentária de fatos sucedidos aos antepassados.
Como se vê, a concepção originária da doutora eslava, se bem que audaz, era legítima e podia discutir-se. Outro tanto, certamente, já não ocorre com a extensão absurda e fantástica que agora se quer imprimir à mesma hipótese. A insólita circunspeção, porém, com que tal extensão foi alvitrada por si só demonstra que quem a sugeriu, visando apenas livrar-se, a qualquer preço, da invasão intempestiva da hipótese espirítica, tinha plena consciência de que aventava uma outra de todo impossível. Assim sendo, não parece caso de tomá-la a sério. Todavia, observarei que ela igualmente não afrontaria os recentíssimos exemplos de médiuns que, até este momento, já conversaram numa dúzia de línguas diversas, o que leva a presumir que, com o prosseguimento das experiências e com a manifestação de novas personalidades de defuntos que pertenceram a outras raças, os médiuns em questão ainda darão prova de ulteriores conhecimentos linguísticos.
O professor Richet considera “verdadeiro milagre” o fenômeno de falar em línguas ignoradas e não tenta diminuir a imensa importância teórica do fato, em sentido espiritualista. Entretanto, acha que a existência dos fenômenos de xenoglossia, longe ainda de ficar provada e, com estas judiciosas considerações, conclui uma breve enumeração de episódios do gênero:
Resumindo: nenhum dos casos expostos apresenta suficiente valor probante... Segue-se que não é possível se lhes conceda direito de cidadania no vasto domínio da metapsíquica subjetiva. Seja, porém, como for, inclino-me a crer que um dia, talvez não distante, se terá de reconhecer autêntico algum caso de tal natureza. Nessa expectativa, cumpre se apresentem exemplos melhores, que venham relatados de forma menos fragmentária, menos imperfeita do que a que se nos nota até agora conhecidos... (Tratado de Metapsíquica, pág. 280 da primeira edição)
Não se pode negar que o Professor Richet tenha razão de exprimir-se assim, com relação a quase todos os casos por ele citados, os quais, todavia, apenas representam pequeníssima parte dos que existem no gênero de que tratamos. Infelizmente, o acervo deles se acha disperso um pouco por toda parte, em livros, opúsculos, revistas, em condições, pois, de não serem facilmente encontráveis pelos estudiosos. Estando as coisas nesse pé, segue-se que àquele que quiser que os fenômenos de xenoglossia adquiram “direito de cidadania no vasto domínio da metapsíquica”, indispensável se torna que comece por reunir e pôr em ordem um certo número deles, obedecendo a uma especial classificação. Foi o que me propus fazer, com a presente monografia. Mas, é inegável que, quando se empreende formar uma coleção de casos do gênero com que nos ocupamos, verifica-se que a observação do Professor Richet pode estender-se muito além dos que ele considerou, por isso que, se é certo que os fenômenos de xenoglossia se mostraram sempre relativamente frequentes no conjunto dos da metapsíquica e se multiplicaram nestes últimos tempos, contudo, quando se começa a reunir e analisar os ditos fenômenos, nota-se que eles se apresentam muito amiúde relatados de forma puramente anedótica, com tal parcimônia de pormenores circunstanciais, que não chegam a ser utilizáveis com escopo científico, o que tanto mais deplorável se faz quanto, as mais das vezes, são episódios não só muito importantes, como patentemente genuínos. Daí decorre que a messe dos fatos que me abalanço a enumerar parece bem pouca coisa, em confronto com o imponente material recolhido. Como quer que seja, por felicidade, entre os casos aqui apreciados, bom número se conta dos que vêm referidos de maneira cientificamente apropriada, além de serem de data recente ou recentíssima.
Devo também assinalar outro embaraço sério que encontrei ao organizar a presente classificação. Deparou-se-me ele na circunstância de que certos casos clássicos de xenoglossia se revelam familiares a quem quer que seja versado em metapsíquica e eu mesmo já tive ocasião de os citar e comentar em outros trabalhos. Como proceder nessa conjuntura? Suprimi-los não parecia aconselhável, uma vez que, assim, a classificação – a primeira pelo que concerne aos casos em exame – sairia muito lacunosa. Tirei-me, então, da dificuldade, adotando uma “meia medida”: a de os acolher, mas para relatá-los em breves (se bem que adequados) resumos.
Do ponto de vista da classificação dos casos, observo que os fenômenos de xenoglossia se produzem nas seguintes modalidades várias de características extrínsecas: com o automatismo falante (possessão mediúnica); com a mediunidade audiente (clariaudiência), caso em que o médium repete foneticamente as palavras que subjetivamente percebe; com o automatismo escrevente (psicografia e tiptologia); com a voz direta; com a escrita direta. Neste último caso, trata-se, quase sempre, de mãos materializadas, visíveis ou invisíveis, que escrevem diretamente as suas mensagens. Cumpre se lhes juntem, finalmente, os poucos casos de fantasmas materializados, que escreveram ou falaram em línguas ignoradas do médium.




[1] Xenoglossia – Ernesto Bozzano