quinta-feira, 30 de setembro de 2021

REATAR LAÇOS[1]

 

Ressuscitação de Lázaro

Miramez

 

Pode-se, através de cuidados dispensados a tempo, renovar os laços a se romperem e devolver à vida um ser que, sem esses recursos, morreria realmente?

‒ Sim, sem dúvida, e disso tendes provas todos os dias. O magnetismo é, nesses casos, muitas vezes, um meio poderoso, porque dá ao corpo o fluido vital que lhe falta e que era insuficiente para entreter o funcionamento dos órgãos.

 

A letargia e a catalepsia têm o mesmo princípio, que é a perda momentânea da sensibilidade e do movimento, por uma causa fisiológica ainda inexplicada. Elas diferem entre si em que, na letargia, a suspensão das forças vitais é geral, dando ao corpo todas as aparências da morte, e na catalepsia é localizada e pode afetar uma parte mais ou menos extensa do corpo, de maneira a deixar a inteligência livre para se manifestar, o que não permite confundi-la com a morte. A letargia é sempre natural; a catalepsia é às vezes espontânea, mas pode ser provocada e desfeita artificialmente pela ação magnética. (Allan Kardec)

Questão 424/O Livro dos Espíritos

 

O assunto focalizado pela pergunta quatrocentos e vinte e quatro, com a sua magistral resposta é muito interessante. Ela focaliza um tema a que se dá muita esperança, mostrando que o Espírito tem poderes extraordinários, desde quando se empenhe em fazer o bem com consciência dentro do saber e do amor.

Em muitos casos, quando o encarnado está prestes a desencarnar e se encontra com mãos generosas, pode-se mudar completamente o quadro dessa situação, pois, o médium generoso é capaz de assimilar o fluido universal, transformando-o em magnetismo animal e, se em torno de si existem companheiros de alta linhagem espiritual, é possível levantar caídos, curar enfermos e mesmo reatar laços quase a serem desfeitos.

O magnetismo pode muito em diversos casos. Ele tem o poder de fazer circular a força vital em corpos já desfalecidos por carência de tal energia. É nesse sentido que recomendamos o passe bem orientado, a água fluidificada, a leitura nobre e conversações edificantes.

Jesus, o Mestre dos mestres, conhecedor de todos os segredos da vida humana, dava apenas uma ordem ao moribundo e restabelecia todas as funções dos seus órgãos em decadência.

Assim fazia com os cegos, leprosos e mesmo com os tidos como mortos. Era a força poderosa da Sua mente, carregada de magnetismo divino.

A Doutrina Espírita, com a sua valiosa função de fazer reviver o cristianismo, orienta todos os interessados em melhorar seu padrão vibratório, para franquearem suas qualidades espirituais, para que possam sentir em suas mãos a força espiritual de curar enfermos e dar esperança aos que sofrem. E a fonte de todas essas esperanças se encontra no amor. Os tempos estão chegando; o chamado de Jesus se aproxima mais das criaturas, no sentido de amarem e aprenderem. O mundo espiritual responsável pela educação dos povos não está procurando feitos exteriores nas criaturas da Terra e, sim, incentivando-as para a melhoria íntima. É a transformação dos seus hábitos perniciosos, em virtudes elevadas, que as levarão para a paz de consciência.

Sejamos instrumentos de alegria para os tribulados, mas, para tanto, é necessário que nos preparemos, educando nossos pensamentos com o Senhor da vida. Seja nossa boca profusão de luzes; sejam nossas mãos bênçãos de Deus semeando paz e tranquilidade por onde passarmos. Quantos enfermos existem no mundo precisando de mãos santas, para que o toque seja feito por amor, sem esquecermos as palavras que podem ajudar no restabelecimento da harmonia em todos os seus corpos, que sofrem todos os tipos de padecimentos! Devemos também reatar laços que já estão se desestruturando em todas as áreas da vida, tanto espiritual quanto de amizades, para que a fraternidade cresça em todos os rumos e possa levantar a fé nas criaturas, abrindo caminhos para um novo mundo, onde brilharão novas estrelas e novo céu. Cada vida que ativarmos para o bem será um ponto de luz a nosso favor. Não nos esqueçamos dessa verdade, mas, isso sempre deve ser feito sem exigências, nas linhas do amor mais puro, como sendo a caridade bem conduzida, em cujos caminhos se reflete a alegria mais elevada.



[1] Filosofia Espírita – Volume 9 – João Nunes Maia

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

PERSONALIDADE, CARÁTER E OBSESSÃO[1]

 

Marta Antunes Moura[2]

 

As duas primeiras palavras podem estar relacionadas ao processo obsessivo, sobretudo na manifestação de casos mais graves (fascinação e subjugação), assim como adoção de medidas de prevenção e cura da obsessão. Ainda que o conhecimento da obsessão provocada por Espíritos desencarnados seja amplamente assinalado na literatura espírita, há escassos estudos científicos a respeito do assunto, condição que favorece a disseminação dessa enfermidade de natureza espiritual. Entretanto, é válido conhecermos alguns conceitos não espíritas, a fim de que possamos refletir melhor a respeito do assunto:

 

Personalidade

Segundo a Medicina, é a “organização exclusiva de traços, características e modos de comportamento de um indivíduo que o posiciona diferentemente de outros indivíduos. […] Personalidade refere-se aos aspectos mentais de um indivíduo, em contraste com o físico[3]”. A Psicologia amplia o conceito quando afirma que um indivíduo é sempre distinto do outro porque apresenta diferentes aspectos físicos, psíquicos, sociais e culturais que lhe caracterizam os próprios pensamentos e comportamentos[4].

A Doutrina Espírita ensina que a nossa personalidade atual resulta do somatório das experiências reencarnatórias passadas — de onde herdamos tendências instintivas, boas ou más; da educação recebida na atual existência e do grau de influência exercido pelo meio sociocultural, no qual estamos inseridos. Esclarece também que, pelo livre arbítrio e pelo esforço da vontade, podemos nos transformar em pessoas melhores, em conhecimento e em moralidade. Neste sentido, a psicologia transpessoal, à luz do entendimento espírita, que é a difundida pelo Espírito Joanna de Ângelis, genericamente conhecida como psicologia espiritual, tem como proposta básica resgatar não só a ideia de que o Espírito é um ser imortal, pré-existente e sobrevivente à morte do corpo físico, mas criado por Deus para ser feliz. Sendo assim, esclarece a veneranda benfeitora, o Espírito precisa aprender a fazer cessar o sofrimento que impôs a si mesmo, em razão das más escolhas realizadas ao longo da jornada evolutiva. Esse entendimento é o primeiro passo, na sequência de outros:

[…] torna-se imprescindível a aquisição de uma consciência responsável […]. A educação do pensamento, a disciplina dos hábitos e a segurança de metas são recursos hábeis para o logro, sem as quais todas as terapias e técnicas se tornam paliativas, sem resultarem solucionadoras[5].

 

Caráter

Refere-se a aspectos ou habilidades presentes na personalidade, passiveis de serem transmitidos pela linguagem (falada e/ou escrita) e pelas ações de uma pessoa[6]. Tais aspectos e características nem sempre se revelam edificantes, pois resultam de longo e dedicado esforço humano. Equivocadamente utilizado como sinônimo de personalidade, o caráter fornece, na verdade, as pistas de como, efetivamente, é a natureza do indivíduo e o que ele precisa fazer vir a adquirir um bom caráter. Os especialistas e estudiosos consideram como pistas ou sinais reveladores da natureza do caráter humano:

[…] impulsos, afetos, ideias, defesas, aptidões e talentos, comportamento social e reações […][7].

Importa considerar, porém, que nem sempre é fácil identificar o verdadeiro caráter de uma pessoa. Por exemplo, os indivíduos interesseiros, egocêntricos e vaidosos, que pensam mais em si do que no próximo, ou os que têm sede por posições de destaque, de poder ou prestígio, conseguem habilmente disfarçar pontos negativos do próprio caráter, mesmo que, cedo ou tarde, venham a ser desmascarados. Como ilustração, inserimos em seguida uma história que foi transmitida pelo filósofo iluminista francês François Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire (1694-1778), após ele ter analisado aspectos, positivos e negativos, do caráter humano de Sixto V [papa e inquisidor, que viveu entre 1521-1590] que nascera petulante, obstinado, soberbo, impetuoso, vingativo, arrogante. As provas do noviciado parecem ter-lhe adoçado o caráter. Mal começa a desfrutar de certo crédito em sua Ordem, lança-se contra um guardião e o cobre de socos; inquisidor em Veneza, exerce o cargo com insolência; uma vez cardeal, é possuído della rabbia papale (da ira papal); essa raiva domina seu temperamento; sepulta na obscuridade sua pessoa e seu caráter; ele se mascara de humilde e moribundo; é eleito papa: esse momento restitui à mola, que a política havia comprimido, toda a sua elasticidade por longo tempo retesada, é o mais arrogante e despótico dos soberanos[8].

Ao final, Voltaire conclui:

A religião, a moral põem um freio à força do temperamento, mas não podem destruí-lo. O beberrão, enclausurado num convento, reduzido a beber meio copo de sidra em cada refeição não vai mais se embriagar, mas sempre vai gostar de vinho.

O Espiritismo nos mostra, ao contrário do que pensava o ilustre filósofo, que o beberrão pode, sim, “deixar de gostar de vinho”, desde que tenha se empenhado na sua reeducação, moral e intelectual. O impulso educativo é a fórmula indicada para que Espíritos imperfeitos se transformem em pessoas de bem, fazendo jus a esta sábia orientação espírita:

“O verdadeiro homem de bem é o que pratica a lei de justiça, amor e caridade na sua maior pureza. Se interroga a própria consciência sobre os atos que praticou, perguntará se não violou essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que podia, se ninguém tem motivos para se queixar dele, enfim, se fez aos outros tudo quanto queria que os outros lhe fizessem[9]”.

 

Obsessão

É definida pelas ciências de saúde como “estado mental neurótico de ter um desejo incontrolável de insistir numa ideia ou emoção. Habitualmente, o paciente está ciente da anormalidade e tenta opor resistência a esses pensamentos[10]”. O estado mental neurótico indica distúrbio ou transtorno mental capaz de provocar tensão nervosa/emocional de graduações distintas, que podem, ou não, interferir na elaboração e na expressão do pensamento racional. De acordo com a visão psicanalítica, as neuroses são fruto de tentativas ineficazes de lidar com conflitos e traumas inconscientes[11].

Por outro lado, quando Allan Kardec explica o que é obsessão:

[] o domínio que alguns Espíritos exercem sobre certas pessoas. É praticada unicamente pelos Espíritos inferiores, que procuram dominar, pois os Espíritos bons não impõem nenhum constrangimento. […][12]

Constata-se, então, que a mera imposição de uma ideia pode provocar tensões nervosas e emocionais na pessoa, objeto da imposição. Quem se encontra sob persistente tensão nervosa/emocional, em razão do jugo obsessivo, passa a apresentar distúrbios mentais que se refletem, no devido tempo, nas atitudes e nos comportamentos. Deduz-se, portanto, que a prevenção e a cura da obsessão envolvem, necessariamente, o fortalecimento da personalidade e do caráter. Para tanto, é necessário que o obsidiado adquira esclarecimentos a respeito de como acontece a obsessão e o que fazer para neutralizar as más influências espirituais.

O conhecimento, porém, não basta por si só. A pessoa, independentemente esteja sob jugo obsessivo, precisa aprender a praticar o bem em toda a sua extensão: no pensar, no falar e no agir, que, em última análise, representam os fundamentos da verdadeira transformação moral. A questão moral revela-se, pois, como o fator de extrema relevância no aprimoramento da personalidade e do caráter, sob quaisquer circunstâncias. Ainda mais quando a obsessão se faz presente.

Neste sentido, o espírita consciente prioriza a sua renovação moral, disponibilizando aos que batem às portas da instituição espírita o socorro espiritual do Evangelho de Jesus, revivido no Espiritismo. A renovação moral foi uma contínua preocupação de Kardec, desde os seus contatos iniciais com a mensagem espírita, como lembra Emmanuel:

O apóstolo da Codificação não desconhecia o elevado mandato relativamente aos princípios que compilava, e, por isso mesmo, desde a primeira hora, preocupou-se com os impositivos morais de que a Nova Revelação se reveste, tendo salientado que as consequências do Espiritismo se resumem em melhorar o homem e, por conseguinte, torná-lo menos infeliz, pela prática da mais pura moral evangélica.

Sabemos que a retorta não sublima o caráter e que a discussão filosófica nada tem que ver com caridade e justiça […]. Espíritos desencarnados aos milhões e em todos os graus de inteligência enxameiam o mundo, requisitando, tanto quanto os encarnados, o concurso da educação[13].

 

Fonte:Agenda Espírita Brasil



[2] Marta Antunes de Oliveira de Moura formada em Biologia e Biomedicina pela Universidade de Brasília. Trabalhou na área de saúde coletiva e diagnóstico laboratorial, atuou como professora de nível médio e superior. Participante ativa da Doutrina, sempre se dedicou às atividades de formação doutrinária do trabalhador espírita. Integrante da Federação Espírita Brasileira (FEB) desde 1980, atualmente é coordenadora das Comissões Regionais na área da Mediunidade e uma das vice-presidentes da Federação. Colabora frequentemente com artigos para a revista Reformador. Colaborou com a FEB Editora com o livro: Atendimento espiritual pelo passe. (Fonte: Autobiografia.)

[3] THOMAS, L. Clayton. (Coordenador). Dicionário médico enciclopédico taber. Trad. de Fernando Gomes do Nascimento. 17 ed. São Paulo: Manole, 2000, p. 1351.

[4] CABRAL, Álvaro e NICK, Eva. Dicionário técnico de Psicologia. 11 ed. São Paulo: Cultrix, 2001, p. 224.

[5] FRANCO, Divaldo P. Plenitude. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 12 ed. Salvador: LEAL, 1994. Cap. 4, p.41-42.

[6] THOMAS, L. Clayton. (Coordenador). Dicionário médico enciclopédico taber. Trad. de Fernando Gomes do Nascimento. 17 ed. São Paulo: Manole, 2000, p. 263.

[7] CABRAL, Álvaro e NICK, Eva. Dicionário técnico de Psicologia. 11 ed. São Paulo: Cultrix, 2001, p.51.

[8] VOLTAIRE. Dicionário filosófco. Trad. de Ciro Mioranza e Antonio Geraldo da Silva. São Paulo: Editora Escala, 2008, p.127.

[9] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. de Evandro Noleto Bezerra. 4 ed. 1 imp. Brasília: FEB, 2013, q. 918, p. 394.

[10] THOMAS, L. Clayton. (Coordenador). Dicionário médico enciclopédico taber. Trad. de Fernando Gomes do Nascimento. 17 ed. São Paulo: Manole, 2000, p.1320.

[11] http://pt.wikipedia.org/wiki/Neurose. Acesso em 22 de fevereiro de 2014.

[12] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Trad. de Evandro Noleto Bezerra. 2 ed. 1 imp. Brasília: FEB, 2013. Cap. 23, it. 237, p. 259.

[13] XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1 ed. 5 imp. Brasília: FEB, 2013. Introdução (Com Jesus e por Jesus), p.14

terça-feira, 28 de setembro de 2021

LÚMEN – 2º Artigo[1]

 

Camille Flammarion

Vide o número de março

 

Deixamos Lúmen em Capela, ocupado em considerar a Terra, que acabava de deixar. Estando este mundo situado a 170 trilhões e 392 bilhões de léguas da Terra, e percorrendo a luz 70.000 léguas por segundo, esta não pode chegar de um a outro senão em 71 anos, 8 meses e 24 dias, ou seja, cerca de 72 anos.

Disso resulta que o raio luminoso que leva a imagem da Terra só chega aos habitantes de Capela ao cabo de 72 anos. Tendo Lúmen morrido em 1864, e lançando o olhar sobre Paris, a viu tal qual era 72 anos antes, isto é, em 1793, ano de seu nascimento.

De início ficou muito surpreso por encontrar tudo diferente do que tinha visto, de ver ruelas, conventos, jardins, campos, em lugar de avenidas, novos bulevares, estações ferroviárias etc. Viu a Praça da Concórdia ocupada por uma imensa multidão e foi testemunha ocular do advento de 21 de janeiro[2]. A teoria da luz lhe deu a chave deste estranho fenômeno.

Eis a solução de algumas dificuldades que ele levanta[3].

Sitiens – Mas, então, se o passado pode confundir-se com o presente; se a realidade e a visão se casam do mesmo modo; se pessoas mortas há muito tempo ainda podem ser vistas representando na cena; se as construções novas e as metamorfoses de uma cidade como Paris podem desaparecer e deixar ver em seu lugar a cidade de outrora; enfim, se o presente pode apagar-se para a ressurreição do passado, sobre que certeza, de agora em diante, podemos confiar? Em que se tornam a Ciência e a observação? Em que se tornam as deduções e as teorias? Em que se fundam os nossos conhecimentos, que nos parecem os mais sólidos? E se essas coisas são verdadeiras, não devemos, doravante, duvidar de tudo ou crer em tudo?

LúmenEstas considerações e muitas outras, meu amigo, me absorveram e atormentaram, mas não impediram de ser a realidade que eu observava. Quando tive a certeza de que tínhamos presente sob os olhos o ano de 1793, pensei imediatamente que a própria Ciência, em vez de combater esta realidade – porque duas verdades não podem opor-se entre si – devia me dar a sua explicação. Então interroguei a física e esperei sua resposta. (Segue a demonstração científica do fenômeno).

Sitiens – Assim, o raio luminoso é como um correio, que nos traz notícias do estado do país que o envia, e que, se levar 72 anos para nos chegar, dá-nos o estado desse país no momento de sua partida, isto é, cerca de 72 anos antes do momento em que nos chega.

LúmenAdivinhastes o mistério. Para falar mais exatamente ainda, o raio luminoso seria um correio que nos trouxesse, não notícias escritas, mas a fotografia, ou mais rigorosamente ainda, o próprio aspecto do país de onde saiu. Quando, pois, examinamos ao telescópio a superfície de um astro, ainda não vemos esta superfície tal qual é no momento mesmo em que a observamos, mas tal qual era no momento em que a luz que nos chega foi emitida por essa superfície.

Sitiens – De sorte que se uma estrela cuja luz leva, suponhamos, dez anos para chegar até nós, fosse subitamente aniquilada hoje, nós a veríamos ainda durante dez anos, pois seu último raio só nos chegaria em dez anos.

LúmenÉ exatamente isto. Há, pois, aí, uma surpreendente transformação do passado em presente. Para o astro observado é o passado, já desaparecido; para o observador é o presente, o atual. O passado do astro é rigorosa e positivamente o presente do observador.

 

Mais tarde Lúmen vê a si mesmo, menino, com seis anos, brincando e discutindo com um grupo de outros meninos na Praça do Panthéon.

 

Sitiens – Confesso que me parece impossível que se possa ver assim a si mesmo. Não podeis ser duas pessoas. Já que tínheis 72 anos quando morrestes, vosso estado de infância tinha passado, desaparecido há muito tempo. Não podeis ver uma coisa que não mais existe. Não se pode ver em duplicata, menino e velho.

LúmenNão refletis bastante, meu amigo. Compreendestes muito bem o fato geral para admiti-lo; mas não observastes suficientemente que este último fato particular entra absolutamente no primeiro. Admitis que o aspecto da Terra leva 72 anos para vir a mim, não é? Que os acontecimentos não me chegam senão com este intervalo de tempo depois de sua atualidade? Numa palavra, que eu veja o mundo tal qual era naquela época.

Igualmente admitis que, vendo as ruas daquela época, eu veja, ao mesmo tempo, os meninos que corriam naquelas ruas? Pois bem! Desde que vejo este grupo de crianças, do qual fazia parte, por que quereis que não me veja tão bem quanto vejo os outros?

Sitiens – Mas não estais mais naquele grupo.

LúmenAinda uma vez, este grupo mesmo não mais existe agora, mas eu o vejo tal qual existia no instante em que partia o raio luminoso que hoje me chega e, já que distingo os quinze ou dezoito meninos que o compunham, não há razão para que o menino que era eu desapareça, só porque sou eu quem o olha.

Outros observadores o veriam em companhia de seus camaradas.

Por que quereis que haja exceção quando sou eu quem olha? Eu os vejo todos, e me vejo com eles.

 

Lúmen passa em revista a série dos principais acontecimentos políticos, ocorridos desde 1793 até 1864, quando ele próprio se vê em seu leito de morte.

 

Sitiens – Estes acontecimentos passaram rapidamente sob os vossos olhos?

LúmenEu não poderia apreciar a medida do tempo.

 

Mas todo esse panorama retrospectivo se sucedeu certamente em menos de um dia... Talvez em algumas horas.

 

Sitiens – Então não compreendo mais. Se 72 anos terrestres passaram sob vossos olhos, deveriam ter gasto exatamente 72 anos para vos aparecer, e não algumas horas. Se o ano de 1793 só vos apareceu em 1864, em compensação o de 1864 não vos deveria aparecer senão em 1936.

LúmenVossa objeção é fundada e me prova que compreendestes bem a teoria do fato. Por isso, vou explicar-vos por que não me foi necessário esperar 72 novos anos para rever minha vida, e como, sob o impulso de uma força inconsciente, de fato a revi em menos de um dia.

Continuando a seguir minha existência, cheguei aos últimos anos, notáveis pela transformação radical que sofreu Paris; vi meus últimos amigos e vós mesmo; minha família e meu círculo de relações; enfim chegou o momento em que me vi deitado em meu leito de morte e onde assisti à última cena. É dizer-vos que tinha voltado à Terra.

Atraída pela contemplação que a absorvia, rapidamente minha alma tinha esquecido um montão de velhos e Capela. Como se o sente por vezes em sonho, ela voava para o objetivo de seus olhares. De início não me apercebi, tanto a estranha visão cativava todas as minhas faculdades. Não vos posso dizer nem por que lei, nem por que força as almas podem transportar-se tão rapidamente de um a outro lugar; mas a verdade é que eu tinha voltado à Terra em menos de um dia, e que penetrava em meu quarto no exato momento de meu enterro.

Porque, nesta viagem de volta, eu ia à frente dos raios luminosos, eu diminuía incessantemente a distância que me separava da Terra, a luz tinha cada vez menos caminho a percorrer e abreviava assim a sucessão dos acontecimentos. Em meio do caminho, não me mostravam mais a Terra de 72 anos antes, mas de 36. Aos três quartos do caminho, os aspectos eram atrasados apenas 18 anos. Na metade do último quarto, chegavam-me apenas após passados 9 anos, e assim por diante; de sorte que a série inteira de minha existência se achou condensada em menos de um dia, devido à rápida volta de minha alma, indo à frente dos raios luminosos.

 

Quando Lúmen chegou em Capela, viu um grupo de velhos ocupados em considerar a Terra, e dissertando sobre o acontecimento de 1793.

Um deles disse aos companheiros:

De joelhos, meus irmãos! Peçamos indulgência ao Deus universal. Esse mundo, essa nação, essa cidade estão manchados por um grande crime; a cabeça de um rei inocente acaba de cair.

 

Aproximei-me do ancião, diz Lúmen, e lhe pedi que me fizesse o relato de suas observações.

Informou-me que, pela intuição de que são dotados os Espíritos do grau dos que habitam este mundo, e pela faculdade íntima de percepção que receberam em partilha, possuem uma espécie de relação magnética com as estrelas vizinhas. Estas estrelas são em número de doze ou quinze; são as mais próximas; fora dessa região a percepção torna-se confusa. Nosso Sol é uma dessas estrelas vizinhas[4]. Eles conhecem, pois, vagamente mas sensivelmente, o estado das humanidades que habitam os planetas dependentes desse sol e o seu relativo grau de elevação intelectual e moral.

Além disso, quando uma grande perturbação atravessa uma dessas humanidades, quer na ordem física, quer na ordem moral, eles sofrem uma espécie de comoção íntima, como se vê uma corda vibrante fazer entrar em vibração uma outra corda situada a distância.

 

Há um ano – o ano deste mundo é igual a dez dos nossos – eles se tinham sentido atraídos por uma emoção particular para o planeta terrestre, e os observadores tinham seguido com interesse e inquietude a marcha deste mundo.

 

Laboraríamos em erro se inferíssemos do que precede que os habitantes das diferentes esferas, do ponto de vista onde estão, lançam um olhar investigativo sobre o que se passa nos outros mundos, e que os acontecimentos que aí se realizam passam sob seus olhos como no campo de uma luneta. Aliás, cada mundo tem suas preocupações especiais, que cativam a atenção de seus habitantes, conforme suas próprias necessidades, seus costumes completamente diferentes e seu grau de adiantamento. Quando os Espíritos encarnados num planeta têm motivos pessoais para se interessarem pelo que se passa em outro mundo, ou por alguns dos que o habitam, sua alma para lá se transporta, como fez a de Lúmen, em estado de desprendimento, e então se tornam momentaneamente, a bem dizer, habitantes espirituais desse mundo, ou aí se encarnam em missão. Eis, pelo menos, o que resulta do ensinamento dos Espíritos.

Esta última parte do relato de Lúmen carece, pois, de exatidão; mas não se deve perder de vista que esta história não passa de uma hipótese, destinada a tornar mais acessíveis à inteligência e, de certo modo, palpáveis pela entrada em ação, da demonstração de uma teoria científica, como fizemos observar em nosso artigo precedente.

Chamamos a atenção para o parágrafo acima, no qual é dito que:

As grandes perturbações físicas e morais de um mundo produzem sobre os mundos vizinhos uma espécie de comoção íntima, como uma corda vibrante faz vibrar uma outra corda colocada a distância.

 O autor, que em matéria de ciência não fala levianamente, anuncia aí um princípio que um dia bem poderia ser convertido em lei. A Ciência já admite, como resultado da observação, a ação recíproca material dos astros. Se, como se começa a suspeitar, esta ação, aumentada pelo fato de certas circunstâncias, pode ocasionar perturbações e cataclismos, nada haveria de impossível que essas mesmas perturbações tivessem seu contragolpe. Até o presente a Ciência considerou apenas o princípio material; mas, se se levar em conta o princípio espiritual como elemento ativo do Universo, e se se pensar que esse princípio é tão geral e tão essencial quanto o princípio material, conceber-se-á que uma grande efervescência deste elemento e as modificações que ele sofre num ponto dado possam ter sua reação, por força da correlação necessária que existe entre a matéria e o espírito. Há certamente nesta ideia o germe de um princípio fecundo e de um estudo sério para o qual o Espiritismo abre caminho.



[1] Revista Espírita – Maio/1867 – Allan Kardec

[2] N. do T.: Flammarion se refere à execução de Luís XVI, ocorrida em 21 de janeiro de 1793.

[3] Segundo o cálculo, e em razão da distância do Sol, que é de 38 milhões e 230 mil léguas de 4 quilômetros, a luz desse astro nos chega em 8 minutos e 13 segundos. Disso resulta que um fenômeno que se passasse em sua superfície só nos chegaria 8 minutos e 13 segundos mais tarde, e se tal fenômeno fosse instantâneo, já não existiria mais quando o víssemos. Sendo a distância da Lua de apenas 85.000 léguas, sua luz nos chega mais ou menos em um segundo e um quarto; por conseguinte, as perturbações que aí pudessem acontecer nos apareceriam pouco depois do momento em que ocorressem. Se Lúmen estivesse na Lua, teria visto a Paris de 1864, e não de 1793. Se estivesse num mundo duas vezes mais afastado do que Capela, teria visto a Regência.

[4] 170 trilhões e 392 bilhões de léguas! Pela distância que separa as estrelas vizinhas pode-se julgar a extensão ocupada pelo conjunto das que, entretanto, nos parecem à vista tão perto umas das outras, sem contar o número infinitamente maior das que só são perceptíveis com o auxílio do telescópio e que não são, elas próprias, senão uma ínfima fração das que, perdidas nas profundezas do infinito, escapam a todos os nossos meios de investigação. Se se considerar que cada estrela é um sol, centro de um turbilhão planetário, compreender-se-á que o nosso próprio turbilhão não passa de um ponto nessa imensidade.

Que é, pois, nosso globo de 3.000 léguas de diâmetro, entre esses bilhões de mundos? Que são seus habitantes, que durante muito tempo acreditaram que seu pequeno mundo era o ponto central do Universo, e eles próprios se crerem os únicos seres vivos da criação, concentrando apenas em si as preocupações e a solicitude do Eterno e crendo de boa-fé que o espetáculo dos céus não tinha sido feito senão para lhes recrear a vista? Todo esse sistema egoísta e mesquinho, que, durante longos séculos, constituiu o fundamento da fé religiosa, desmoronou-se diante das descobertas de Galileu.

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

DOMINIQUE FRANÇOIS JEAN ARAGO (ARAGO)[1]

 


Sua mensagem se encontra inserida no item 8, do capítulo XVIII, da quinta obra da Codificação, sob o item Sinais dos tempos.

Nele se reconhece o físico e astrônomo que foi Dominique François Jean Arago, também matemático. De família de profundas convicções republicanas, seu nascimento data de 26 de fevereiro de 1786, em Estagel, França, perto de Perpignan, tendo ali dado início aos seus estudos. Tal mente brilhante logo se transferiria para a Escola Politécnica de Paris.

Aos 19 anos, foi nomeado Secretário do Observatório de Paris (construído em 1667, pelo arquiteto Claude Perrault, e que é considerado o mais antigo Observatório em atividade, no mundo) e mais tarde seu Diretor. Aos 23 anos, era Professor de Geometria Analítica na Escola Politécnica de Paris e até a idade de 44 anos dedicou-se exclusivamente à Ciência.

Com Biot (Jean-Baptiste, físico e astrônomo francês, nascido em Paris), completou a medida de um arco do meridiano terrestre. Confirmou, de forma experimental, a teoria ondulatória da luz. Descobriu (1820) os fenômenos relativos ao magnetismo rotatório, demonstrando a relação entre as auroras boreais e as variações magnéticas.

Descobriu, junto com Fresnel (Augustin-Jean, físico e engenheiro francês, nascido em Broglie), a polarização cromática da luz, a polarização rotatória e as leis sobre a interferência da luz polarizada.

Suas obras completas, em 13 volumes, foram publicadas após a sua morte, no período de 1854 a 1862. É considerado um grande encorajador dos jovens para a Ciência, tendo sido defensor da reforma do ensino, da liberdade de imprensa e das ciências aplicadas.

Consta que, no ano de 1825, ele foi ganhador da Medalha de Copley (Monsieur Geoffrey Copley) da Sociedade Real de Londres, considerada a recompensa maior ofertada por aquela Sociedade à descoberta ou trabalho científico de grande importância ou contribuição para a Ciência.

Casou-se aos 25 anos e foi pai por três vezes.

Politicamente, foi ativo pela causa republicana, desempenhando cargos políticos no governo. Já em 1830, foi eleito deputado pelo Departamento dos Pirineus Orientais e mais tarde por Paris.

Foi Ministro da Marinha e depois Ministro da Guerra, no Governo temporário que tomou o poder após a Revolução de 1848, tendo apresentado inúmeras reformas. Na qualidade de Ministro, promulgou o decreto de abolição da escravatura nas colônias francesas.

A França lhe dedicou um selo, nominando-o como físico e político. Desencarnado em 2 de outubro de 1853, em Paris, tem seu corpo depositado no Cemitério de Père Lachaise, na capital francesa.

Quem batalhou pela Ciência e pela melhor ordem social, bem se revela nas letras que o Codificador inseriu em A Gênese:

A efervescência que por vezes se manifesta em toda uma população, entre os homens de uma mesma raça, não é coisa fortuita, nem resultado de um capricho; tem sua causa nas leis da Natureza. Essa efervescência, inconsciente a princípio, não passando de vago desejo, de aspiração indefinida por alguma coisa melhor, de certa necessidade de mudança, traduz-se por uma surda agitação, depois por atos que levam às revoluções sociais, que, acreditai-o, também têm sua periodicidade, como as revoluções físicas, pois que tudo se encadeia.

Na Espiritualidade, com a visão mais abrangente, ainda conclui:

Quando se vos diz que a Humanidade chegou a um período de transformação e que a Terra tem que se elevar na hierarquia dos mundos, nada de místico vejais nessas palavras; vede, ao contrário, a execução de uma das grandes leis fatais do Universo, contra as quais se quebra toda a má-vontade humana.

sábado, 25 de setembro de 2021

PATRIMÔNIO INÚTIL[1]

 


Richard Simonetti

 

Conta Esopo (século VI a.C.), que um homem extremamente zeloso de seus haveres, decidido a resguardar-se de qualquer prejuízo, tomou radical providência: vendeu todos os seus haveres e comprou vários quilos de ouro que fundiu numa única barra. Em seguida, enterrou-a em mata cerrada.

À noite, solitário e esquivo, contemplava, em êxtase, seu tesouro. Algo de tio Patinhas, o milionário sovina das histórias em quadrinhos, que se deleita mergulhando num tanque cheio de moedas.

Um dia foi seguido por amigo do alheio. Quando se afastou, após a adoração rotineira, o gatuno desenterrou o ouro e escafedeu-se. O avarento quase enlouqueceu, tamanho o seu desespero. Um vizinho, ao saber do fato, ponderou:

Não sei por que está tão transtornado! Afinal, se no lugar do ouro estivesse uma pedra seria a mesma coisa. Aquela riqueza não tinha nenhuma serventia para você…

Difícil encontrar na atualidade pessoas dispostas a enterrar seus haveres. Raras os têm sobrando. Além disso, seria correr risco inútil. As instituições financeiras guardam com segurança nosso dinheiro. Até produzem rendimentos, sem surpresas desagradáveis, salvo quando têm o mau gosto de quebrar, por incompetência ou corrupção.

Não obstante, muita gente costuma enterrar um bem muito mais precioso, uma riqueza inestimável – a existência. Se nos dermos ao trabalho de analisar a jornada terrestre, com suas abençoadas possibilidades de edificação, perceberemos como é valiosa. Traz-nos inúmeros benefícios:

O esquecimento do passado ajuda-nos a superar paixões e fixações que precipitaram nossos fracassos.

A convivência com desafetos transmutados em familiares favorece retificações e reconciliações indispensáveis.

O contato com companheiros do pretérito, nas experiências do lar e na atividade social, estreita os laços de afetividade.

A armadura de carne inibe as percepções espirituais, minimizando a influência de adversários desencarnados.

As necessidades do corpo induzem à bênção do trabalho.

O esforço pela subsistência desenvolve a inteligência.

As limitações físicas refreiam os impulsos inferiores.

As enfermidades depuram a alma.

As lutas fortalecem a vontade.

A morte impõe oportuno balanço existencial, sinalizando onde estamos, na jornada evolutiva.

No entanto, à semelhança do unha-de-fome de Esopo, muita gente troca o tesouro das oportunidades de edificação por uma barra luzente de efêmeras realizações, cuidando apenas de seus interesses, de seus negócios, de suas ambições…

Quando tudo corre bem, há os que se deslumbram com essa “riqueza”, como aquele lavrador da passagem evangélica: construiu grandes celeiros, guardou neles toda a sua produção e proclamou para si mesmo (Lucas, 12:18-20):

Tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe, regala-te…

Mas Deus lhe disse:

Insensato, esta noite pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?

Exatamente assim acontece com aquele que se apega às ilusões humanas, buscando realizações de brilho efêmero. Um dia vem o indefectível ladrão – a morte –, e lhe rouba o corpo. Indigente na vida espiritual, desespera-se. Chora, inconformado. Recusa-se a aceitar a nova situação.

Esopo lhe diria:

Por que o lamento? Houvesse você estagiado nas entranhas de uma pedra e o resultado seria quase o mesmo. A experiência humana pouco lhe serviu!

 

Fonte: Kardec Rio Preto

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

O FLUÍDO VITAL E O SUICÍDIO[1]

 

Por: Andresa Küster e Rodrigo Oliveira

 

A maior certeza da vida do corpo físico durante a encarnação terrena é o seu caráter finito. Muitos aspectos da existência humana dão margem a dúvidas e opiniões diferentes, mas não há como negar que o corpo físico possui fragilidades que lhe impõem um determinado prazo de validade. O Espiritismo considera o corpo físico como uma morada do espírito, um instrumento destinado a permitir a evolução do indivíduo encarnado. Nos casos de morte natural, considera-se que o princípio ou fluido vital que anima o corpo se extingue por completo. Na obra A Gênese, Kardec explica o conceito de princípio vital utilizando analogias com o calor e a eletricidade:

Mas seja qual for a opinião que se tenha sobre a natureza do princípio vital, o certo é que ele existe, pois que se apreciam os seus efeitos. Pode-se, portanto, logicamente, admitir que, ao se formarem, os seres orgânicos assimilaram o princípio vital, por ser necessário à destinação deles; ou, se o preferirem, que esse princípio se desenvolveu, por efeito mesmo da combinação dos elementos, tal como se desenvolvem, em certas circunstâncias, o calor, a luz e a eletricidade. (KARDEC, 2013, p. 168).

Nas últimas décadas, com a evolução da tecnologia e da medicina, houve aumento na expectativa de vida. Tais mudanças levaram a uma maior discussão sobre as maneiras pelas quais o estilo de vida pode influenciar a saúde do corpo físico na velhice. Entende-se que a adoção de hábitos adequados de alimentação e prevenção de doenças físicas e psicológicas podem contribuir para que seja possível usufruir de maneira mais satisfatória desse período. Os ensinamentos das obras espíritas incentivam tais cuidados, pois a preservação da saúde física pode favorecer a evolução espiritual, conforme ensina a Lei de Conservação detalhada em O Livro dos Espíritos. No capítulo V, do Livro III da referida obra, há incentivo para que as pessoas busquem o bem-estar durante a vida terrestre, desde que isso não seja obtido à custa de outrem ou causa de enfraquecimento de suas forças morais e físicas (Kardec, 2018, p. 238). No capítulo XI da obra A Gênese o codificador discorre sobre a necessidade de que o corpo físico seja adequadamente preservado para que ocorra o necessário progresso individual:

A obrigação que tem o Espírito encarnado de prover ao alimento do corpo, à sua segurança, ao seu bem-estar, força-o naturalmente a empregar suas faculdades em investigações, a exercitá-las e desenvolvê-las. Desse modo, sua união com a matéria é útil ao seu adiantamento, e é por isso que a encarnação é uma necessidade. Além disso, pelo trabalho inteligente que ele executa em seu proveito, sobre a matéria, auxilia a transformação e o progresso material do globo que lhe serve de habitação. É assim que, progredindo, colabora na obra do Criador, da qual se torna fator inconsciente. (KARDEC, 2013, p. 184).

Nos casos em que a morte do corpo físico decorre de causas naturais, atribuídas ao esgotamento do fluido vital, a separação do corpo físico pode ocorrer de maneira tranquila segundo a explicação dada pela espiritualidade no Livro II, Capítulo III de O Livro dos Espíritos em resposta a um questionamento sobre o momento da separação entre alma e corpo:

Frequentemente o corpo sofre mais durante a vida do que no momento da morte: neste a alma nada sente. Os sofrimentos que se experimentam algumas vezes no momento da morte são um prazer para o Espírito, que vê chegar o fim de seu exílio. Na morte natural, a que ocorre pelo esgotamento dos órgãos em consequência da idade, o homem deixa a vida sem o perceber, é uma lâmpada que se apaga por falta de energia. (KARDEC, 2018, p. 152).

Essas considerações levam ao entendimento de que o fluido vital está diretamente relacionado com o funcionamento dos órgãos do corpo físico. Disso decorre a compreensão de que a morte por causas naturais ocorre quando essa reserva de energia se esgota:

Os corpos orgânicos seriam então verdadeiras pilhas elétricas, que funcionariam enquanto os elementos dessas pilhas se acham em condições de produzir eletricidade: é a vida; que deixam de funcionar quando tais condições desaparecem: é a morte. Segundo essa maneira de ver, o princípio vital não seria mais que uma espécie particular de eletricidade, denominada eletricidade animal, que durante a vida se desprende pela ação dos órgãos, sua produção cessa por ocasião da morte, por se extinguir tal ação. (KARDEC, 2013, p. 169).

O medo do desconhecido e do sofrimento é o principal motivo pelo qual os seres humanos temem o momento do encerramento da existência terrena. Esse temor poderia ser menor, caso a todos fosse garantida a possibilidade de uma passagem tranquila para o plano espiritual, conforme descrito acima. É de se considerar que a morte por causas naturais, em tais condições, possa constituir um objetivo a ser alcançado, pois certamente resultaria em uma sensação de “dever cumprido”. Essa tranquilidade poderia ser alcançada após uma vida de longevidade, possibilitada por escolhas corretas que garantiriam a saúde dos órgãos do corpo físico. A necessidade de preservação dos órgãos também é destacada pela sua relação com a atividade do fluido vital, na obra A Gênese:

A atividade do princípio vital é alimentada durante toda a vida pela ação do funcionamento dos órgãos, do mesmo modo que o calor, pelo movimento de rotação de uma roda. Cessada aquela ação, por motivo da morte, o princípio vital se extingue, como o calor, quando a roda deixa de girar. Mas o efeito produzido sobre o estado molecular do corpo pelo princípio vital subsiste após a extinção desse princípio, como a carbonização da madeira persiste após a extinção do calor. (KARDEC, 2013, p. 168).

Em um outro extremo, em oposição à possibilidade de uma transição tranquila do plano físico para o plano espiritual, encontram-se as vítimas do suicídio. O sofrimento experimentado pelo indivíduo que atenta contra a própria vida pode ser considerado como uma consequência do desrespeito à ordem natural dos acontecimentos, já que a morte natural está relacionada com o caráter finito do princípio ou fluido vital que anima o corpo. Entende-se que a abreviação prematura da existência, tanto no caso do suicídio quanto no caso de acidentes fatais, implica na separação traumática do corpo físico, por ocorrer em um momento no qual ainda existe uma reserva considerável do fluido vital. No caso do suicídio, ao tratar de suas consequências no Livro IV, Capítulo I de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec apresenta as seguintes observações:

A observação mostra, de fato, que os efeitos do suicídio nem sempre são os mesmos. Alguns há, porém, que são comuns a todos os casos de morte violenta e à consequente interrupção brusca da vida. Primeiramente, é a persistência mais prolongada e tenaz do laço que une o Espírito ao corpo, laço que se encontra quase sempre em todo o seu vigor no momento em que é rompido, ao passo que, em caso de morte natural, se enfraquece gradualmente, e muitas vezes se desfaz antes que a vida seja completamente extinta. As consequências desse estado de coisas são o prolongamento da perturbação espiritual, além da ilusão que, durante um período de tempo mais ou menos longo, faz o Espírito acreditar que ainda está entre os vivos. A afinidade que persiste entre o Espírito e o corpo produz, em alguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo sobre o Espírito, que sente, independente de sua vontade, os efeitos da decomposição, experimentando uma sensação cheia de angústia e de horror, e esse estado pode persistir pelo tempo que devia durar a vida interrompida. (KARDEC, 2018, p. 307-308).

Assim sendo, percebe-se que a manutenção do vínculo potencializa o sofrimento experimentado pelo suicida, pois além de carregar a culpa pelo gesto extremo, sente as dores que o processo de decomposição impõe ao corpo inanimado, já que nesses casos se mantém uma parcela de fluido vital não consumido. Diversas obras espíritas esclarecem quanto à variabilidade da duração desse sofrimento causado a si mesmo pelo suicida. Na obra “Suicídio – A Falência da Razão”, por exemplo, o autor Luiz Gonzaga Pinheiro esclarece que não se pode adotar uma regra geral para todos os casos, pois inúmeros fatores podem levar a diferentes conclusões para cada situação específica (Pinheiro, 2018, p.77):

Ao se suicidar, o espírito que pôs termo ao seu corpo físico, abaixa seu campo vibracional automaticamente, sendo a causa o crime cometido contra a si mesmo. Isso leva a inúmeras sensações de baixos níveis, podendo causar no espírito incríveis sentimentos de culpa, já que no mundo espiritual a consciência do ser tem voz muito mais ativa que no mundo corporal. Passa então o suicida a sofrer por muitos anos de uma culpa que corrói o seu psiquismo, de uma necessidade de autopunição que o leva à beira da loucura espiritual. Existem casos nos quais o espírito fica de tal forma alucinado, que acaba sendo presa fácil de vampiros energéticos, espíritos sombrios que se aproveitam de desgraçados errantes em sofrimento para sugar-lhes as energias residuais pós-desencarnação. (Pinheiro, 2018, p.77).

As obras estudadas ensinam que a reserva de fluido vital é consumida naturalmente com o passar dos anos, em relação direta com a energia dispendida durante as atividades cotidianas, que por sua vez demandam um bom funcionamento dos órgãos do corpo físico. A abreviação repentina da encarnação, sobretudo no caso dos indivíduos que atentam contra a própria vida gera sofrimento ao espírito, pois em situações assim não ocorre o desligamento gradual do corpo físico que ocorreria naturalmente. Não é possível afirmar qual será a duração deste período de sofrimento ao qual um suicida estará sujeito. Porém, tal período tende a ser maior do que o tempo restante para a conclusão do período de vida na terra devido ao impacto da culpa e pela possibilidade de que tais espíritos sofredores passem a estar sob domínio de outros espíritos de baixa vibração. Essa possibilidade leva mais uma vez à conclusão de que o suicídio não deve ser visto como uma solução para fugir das dificuldades, mas sim como um potencial causador de sofrimentos cuja intensidade não somos capazes de imaginar.

 

Referências:

 

KARDEC, Allan. A Gênese. Tradução de Evandro Noleto Bezerra da 5ª edição francesa, de 1869) 2ª ed. 1ª imp. – Brasília: FEB, 2013.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Matheus Rodrigues de Camargo, 1ª ed. 22ª reimpressão. Capivari-SP: Editora EME, 2018.

PINHEIRO, Luiz Gonzaga. “Suicídio: a falência da razão”. 2ª reimpressão. Capivari/SP: Editora EME, 2018.

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

MISSÃO DO CONQUISTADOR[1]

 

Miramez

 

Qual pode ser a natureza da missão do conquistador, que só tem em vista satisfazer a sua ambição e para atingir o alvo não recua diante de nenhuma calamidade?

‒ Ele não é, na maioria das vezes, mais do que um instrumento de que Deus se serve para o cumprimento dos seus desígnios. Essas calamidades são muitas vezes o meio de fazer avançar mais rapidamente um povo.

Aquele que é instrumento dessas calamidades passageiras nada tem com o bem que delas resulta, pois só se propõe um alvo pessoal; não obstante, aproveitará desse bem?

‒ Cada um é recompensado segundo as suas obras, o bem que desejou fazer e a orientação de suas intuições.

Os Espíritos encarnados têm ocupações inerentes à sua existência corporal. No estado errante ou de desmaterialização, suas ocupações são proporcionadas ao seu grau de adiantamento.

Uns percorrem os mundos, instruindo-se e preparando-se para uma nova encarnação.

Outros, mais avançados, ocupam-se do progresso dirigindo os acontecimentos e sugerindo pensamentos favoráveis; assistem aos homens de gênio que concorrem para o adiantamento da humanidade.

Outros se encarnam com uma missão de progresso.

Outros tomam sob a sua tutela indivíduos, famílias, aglomerações humanas, cidades e povos dos quais se tornam anjos da guarda, gênios protetores e Espíritos familiares.

Outros, enfim, presidem aos fenômenos da Natureza, dos quais são os agentes diretos.

Os Espíritos comuns se imiscuem nas ocupações e divertimentos dos homens.

Os Espíritos impuros ou imperfeitos esperam, em sofrimentos e angústias, o momento em que praza a Deus conceder-lhes os meios de se adiantarem. Se fazem o mal, é pelo despeito de ainda não poderem gozar do bem. (Allan Kardec)

Questão 584 / O Livro dos Espíritos

 

Se tudo que acontece é pela permissão de Deus, o conquistador tem alguma coisa para fazer em favor dos que ainda não desejam andar pela força do progresso. Vamos tomar como modelo Napoleão Bonaparte, que libertou a França do jugo venenoso das linhas conservadoras, que tinham como deus o líder do conservadorismo que entravava o progresso do saber.

Napoleão foi um missionário para libertar o pensamento na França, como ocorreu com Joana D'Arc; os dois, em tempos diferentes, tiveram o mesmo objetivo. No entanto, a sua libertação depende dos sentimentos que os conduziram nos movimentos que encadearam contra determinados povos. As conquistas de Napoleão favoreceram até o Brasil, que teve um incentivo para sua liberdade.

Os povos chegam a certo ponto de ignorância sobre ás leis de Deus, que os Espíritos superiores provocam muitas tempestades sobre eles para acordarem, de modo a conhecerem Deus e a Sua justiça. A Historia Universal está repleta destes fatos, para que possamos compreender a vontade soberana.

Se queres aproximar-te mais da Divindade, e ter olhos para ver o que Ela faz por ti no silêncio, faze o que o apóstolo Mateus anotou no Evangelho, no capítulo vinte e cinco, versículo trinta e seis:

Estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me.

Vamos ser missionário em nosso mundo íntimo, conquistadores de nós mesmos, que seremos livres para sempre de todas as opressões da vida. O Evangelho salienta a caridade como sendo a tábua de salvação do Espírito. As guerras estão no mundo devassando os continentes e fazendo sofrer grande parte da humanidade, por falta do Evangelho no coração dos homens.

Quando eles voltarem para Jesus com todo amor, passando a viver os Seus ensinamentos, começarão a conhecer a si mesmos, e procurarão gastar todo o tempo que lhes sobra em reformarem suas próprias condutas.

O fim dos tempos maus está próximo; devemos cooperar para que esse tempo venha logo, desta forma as guerras se tornarão em paz, os canhões se transformarão em ferramentas para a lavoura, e os aviões em motivo de lazer e comércio; o ódio em amor, a tristeza em alegria, tudo para o bem da coletividade. A Terra, de mundo de provas e expiações, se tornará um mundo de paz e de fertilidade espiritual, onde todos se entendem, onde países entrelaçam as mãos na verdadeira fraternidade universal, onde tudo é de todos, como filhos do mesmo Pai.

A missão dos espíritas é conquistar corações não somente com as palavras, mas igualmente, e até muito mais, com o exemplo de vida que deve levar. O conquistador que visa somente ao seu bem pessoal e ao dos seus amigos e parentes, certamente que irá responder pelo que fez de errado.

O conquistador missionário é o que se propõe a melhorar a sociedade e trabalhar para o bem coletivo, harmonizando-se com todos os povos. A palavra missão, devemos empregar somente para o bem, sem exigências, porque ela é alicerçada no amor.



[1] Filosofia Espírita – Volume 12 – João Nunes Maia