Richard Simonetti
Conta Esopo (século VI a.C.),
que um homem extremamente zeloso de seus haveres, decidido a resguardar-se de
qualquer prejuízo, tomou radical providência: vendeu todos os seus haveres e
comprou vários quilos de ouro que fundiu numa única barra. Em seguida,
enterrou-a em mata cerrada.
À noite, solitário e esquivo,
contemplava, em êxtase, seu tesouro. Algo de tio Patinhas, o milionário sovina
das histórias em quadrinhos, que se deleita mergulhando num tanque cheio de
moedas.
Um dia foi seguido por amigo do
alheio. Quando se afastou, após a adoração rotineira, o gatuno desenterrou o
ouro e escafedeu-se. O avarento quase enlouqueceu, tamanho o seu desespero. Um
vizinho, ao saber do fato, ponderou:
Não sei por que está
tão transtornado! Afinal, se no lugar do ouro estivesse uma pedra seria a mesma
coisa. Aquela riqueza não tinha nenhuma serventia para você…
Difícil encontrar na atualidade
pessoas dispostas a enterrar seus haveres. Raras os têm sobrando. Além disso,
seria correr risco inútil. As instituições financeiras guardam com segurança
nosso dinheiro. Até produzem rendimentos, sem surpresas desagradáveis, salvo
quando têm o mau gosto de quebrar, por incompetência ou corrupção.
Não obstante, muita gente
costuma enterrar um bem muito mais precioso, uma riqueza inestimável – a
existência. Se nos dermos ao trabalho de analisar a jornada terrestre, com suas
abençoadas possibilidades de edificação, perceberemos como é valiosa. Traz-nos
inúmeros benefícios:
O esquecimento do passado ajuda-nos a superar paixões e
fixações que precipitaram nossos fracassos.
A convivência com desafetos transmutados em familiares
favorece retificações e reconciliações indispensáveis.
O contato com companheiros do pretérito, nas experiências
do lar e na atividade social, estreita os laços de afetividade.
A armadura de carne inibe as percepções espirituais,
minimizando a influência de adversários desencarnados.
As necessidades do corpo induzem à bênção do trabalho.
O esforço pela subsistência desenvolve a inteligência.
As limitações físicas refreiam os impulsos inferiores.
As enfermidades depuram a alma.
As lutas fortalecem a vontade.
A morte impõe oportuno balanço existencial, sinalizando
onde estamos, na jornada evolutiva.
No entanto, à semelhança do
unha-de-fome de Esopo, muita gente troca o tesouro das oportunidades de
edificação por uma barra luzente de efêmeras realizações, cuidando apenas de
seus interesses, de seus negócios, de suas ambições…
Quando tudo corre bem, há os que
se deslumbram com essa “riqueza”, como aquele lavrador da passagem evangélica:
construiu grandes celeiros, guardou neles toda a sua produção e proclamou para
si mesmo (Lucas, 12:18-20):
Tens em depósito
muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe, regala-te…
Mas Deus lhe disse:
Insensato, esta
noite pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?
Exatamente assim acontece com
aquele que se apega às ilusões humanas, buscando realizações de brilho efêmero.
Um dia vem o indefectível ladrão – a morte –, e lhe rouba o corpo. Indigente na
vida espiritual, desespera-se. Chora, inconformado. Recusa-se a aceitar a nova
situação.
Esopo lhe diria:
Por que o lamento?
Houvesse você estagiado nas entranhas de uma pedra e o resultado seria quase o
mesmo. A experiência humana pouco lhe serviu!
Fonte: Kardec Rio Preto
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