segunda-feira, 30 de novembro de 2020

ANTÔNIO LUIZ SAYÃO[1]

 


 

Nasceu na cidade do Rio de Janeiro a 12 de abril de 1829 e retornou à Espiritualidade no dia 31 de março de 1903, próximo a completar 74 anos de idade.

Pioneiríssimo trabalhador do Espiritismo no Rio de Janeiro, quiçá do Brasil, foi um dos fundadores do Grupo dos Humildes, depois Grupo Ismael da Federação Espírita Brasileira, do qual foi diretor. Sayão tornou-se espírita no ano de 1878 e como autêntico trabalhador e colaborador de Jesus e Ismael, começou de imediato nas atividades, destacando-se entre os grandes pioneiros do Espiritismo. Foi o Grupo Ismael, verdadeira fortaleza moral, que levantou o ânimo dos trabalhadores da FEB e conseguiu fazê-la a Casa Máter do Espiritismo no Brasil, arregimentando homens da envergadura moral de Bittencourt Sampaio, Bezerra de Menezes, Ewerton Quadros, Dias da Cruz e tantos outros baluartes da Boa Nova.

A vida de Sayão foi um exemplo de amor e trabalho. Escritor, Jornalista, Pregador, dedicado à assistência aos necessitados e intimorato propagador da Doutrina.

Trabalhador incansável e extremamente econômico, conseguiu fazer fortuna, poupando e guardando as parcas economias que lhe sobravam das suas restritas necessidades materiais.

Talento modesto, aliado ao desejo de bem servir ao Senhor, jamais se deixou atingir pelo orgulho e pela vaidade, ou pelas sugestões do fausto e da orgia. Seu vestuário sempre foi sério, simples e decente, sua alimentação sólida, parca e sóbria.

Teve então de travar luta titânica contra as suas tendências católico-romanas, não compatíveis com os Evangelhos de Jesus, que acabava de abraçar, e, sobretudo, contra os preconceitos sociais-religiosos, que naqueles tempos pareciam insuperáveis.

Tomou para seu companheiro e mestre o seu colega Bittencourt Sampaio, que aqui na Terra tão bem soube orientá-lo e, no espaço, depois que para lá foi, melhor soube encaminhá-lo com seus conselhos diários e ampará-lo com a sua ascendência moral.

Em 7 de Fevereiro de 1858, era eleito membro do Conservatório Dramático do Rio de Janeiro.

Feita a aliança espiritual entre os dois servos do Senhor, tiveram que lutar heroicamente contra as traiçoeiras ciladas que lhes armavam a todo o instante os Espíritos das trevas, com o intuito perverso de separá-los.

A luta foi encarniçada e tantos foram os estratagemas de que usaram os inimigos do espaço, para romper o laço que ligava esses dois espíritos aqui na Terra, que narrá-los é impossível. Mais de uma vez teve Sayão de pôr em prova a sua humildade, para evitar que se quebrasse um só dos elos da cadeia que o prendia ao seu mestre e amigo.

Seu lar, nos tempos ignominiosos da escravidão, era o céu dos desgraçados que tinham pedido a prova de serem escravos.

Nele se acolhiam, para de escravizados ficarem livres, pois eram tratados pelo “senhor” como irmãos e amigos e se constituíram membros da sua família. Que o digam os Moisés, os Celestinos e as Joanas, cujos filhos eram por ele acalentados e muitas vezes nos seus próprios braços entregavam o Espírito ao Criador.

Pela modéstia do seu viver e porque não se imiscuía nas lutas egoísticas dos homens, a sociedade que não o compreendia supunha-o usurário. Ele, usurário! Ele que repartia prodigamente com os necessitados os seus haveres!

Mas, porque seguia o preceito evangélico: “a mão direita não deve ver o que dá a esquerda”, Sayão era um usurário!

Bem fizeste, amigo! Bem soubeste fazer!

A sua bolsa sempre esteve aberta à verdadeira necessidade. Jamais irmão algum que lhe pediu pão, ou lhe solicitou abrigo, passou fome ou se viu privado de teto. Bastava saber onde estava a miséria, para que Sayão corresse pressuroso a ampará-la.

Os seus atos de caridade são inúmeros. Citá-los é impossível; descrevê-los, ocioso. Apenas nos limitaremos a contar um. Ei-lo:

 

Uma vez em que o médium Guimarães foi a um miserável quarto de certa casa, numa das ruas desta Capital, levar a uma pobre enferma os recursos mediúnicos que reclamava o seu estado de saúde, viu, ao entrar, que alguém se ocultara atrás da porta; instigado pela curiosidade, procurou ver quem era e pôde então lobrigar a cabeça do velho Sayão, que ali fora repartir com a desgraçada a moeda material e levar-lhe ao mesmo tempo o conforto espiritual que com tanta dedicação soube haurir nos Evangelhos.

 

A sua vida espírita foi cheia de episódios e lutas impossíveis de descrever num modestíssimo escrito de jornal. Contudo, esforçar-me-ei por contar alguns.

 

Sayão e Bittencourt Sampaio pertenceram à Sociedade “Deus, Cristo e Caridade” até o dia em que uma divergência determinou a saída dos membros que não se deixaram arrastar pelo orgulho da ciência. Foi então quando resolveram fazer, no dia 6 de Junho de 1880, uma reunião em sua casa, a fim de concertarem a respeito do destino que deveriam tomar, e o resultado foi a fundação do “Grupo dos Humildes”, vulgarmente conhecido por “Grupo Sayão”, dirigido espiritualmente pelo anjo Ismael e materialmente por ele, Sayão.

 

O que se passou na primeira fase desse Grupo está minuciosamente descrito no seu livro inicial, intitulado “Trabalhos Espíritas”. Foi tempestuosa e, por isso, muitas lágrimas custou ao pobre do Sayão.

A segunda fase foi mais calma e deu-lhe ensejo a que publicasse o seu segundo livro, que denominou “Estudos Evangélicos”, livro que tantos e tão relevantes serviços tem prestado aos que se entregam ao estudo da Doutrina Espírita. Foi quando desencarnou o bom Bittencourt Sampaio.

Desde essa data entrou o Grupo na sua terceira fase, que não foi para Sayão tão tempestuosa quanto a primeira, mas que se caracterizou pela luta que ele teve de sustentar com os Espíritos das trevas, quando o Grupo sucessivamente recebeu os livros “Jesus perante a Cristandade” e “De Jesus para as Crianças”, ditados pelo Espírito de Bittencourt Sampaio e publicados por Sayão, e iniciou o “Do Calvário ao Apocalipse”.

Ele pressentiu o termo da sua jornada sobre a Terra poucos dias antes da sua partida para as regiões espirituais.

Isto vos posso afirmar, leitor, pela sua seguinte previsão:

 

Tendo-se esgotado a edição dos “Estudos Evangélicos”, ele os reeditou com o título de “Elucidações Evangélicas”, e enriqueceu-o com muitas e belíssimas comunicações recebidas no Grupo, que vieram trazer aos diversos pontos evangélicos, por ele estudados, muita luz de intenso clarão.

Este livro saiu do prelo, e, apresentando um exemplar a um confrade, disse-lhe ele: “Este é o último canto do cisne.”

 

E o foi, de fato. Dias depois, deixava o fardo pesado da matéria e voava para a verdadeira pátria, onde foi receber do nosso Divino Mestre o prêmio de tanta luta e de tantos sacrifícios sofridos sem revolta nem queixume.

Se a sua vida foi um exemplo perene, digno de ser por nós imitado, a sua desencarnação não o é menos.

Durante a enfermidade que o acometeu, se acusava grandes sofrimentos, não se queixava jamais; ao contrário, dizia sempre que se fizesse a vontade de Deus! O seu desprendimento foi calmo e mesmo sem contrações. Desencarnou como um justo, balbuciando uma Ave Maria.

Assim vivem e assim desencarnam os verdadeiros de Nosso Senhor Jesus-Cristo.

 

Fonte: Anuário Espírita - 1979

sábado, 28 de novembro de 2020

VOCÊ CONSEGUE SILENCIAR?[1]

 


Cezar Braga Said – Julho 2020

 

Silenciar é diferente de fazer silêncio.

Fazemos silêncio quando nos calamos deixando de emitir sons e expressar opiniões. Silenciamos quando temos momentos de quietude interna no pensar e no sentir, a fim de registrar aquilo que raciocinando sem parar não percebemos.

Podemos fazer silêncio como forma de protesto, defesa, implicância, indiferença e mesmo para não nos comprometer.

Silenciar implica em abrir-nos para aprender com o outro, com a natureza e com as situações cotidianas. Tal estado só é possível quando, apesar da idade, do conhecimento e das experiências acumuladas, temos olhos e alma de aprendiz.

Sendo aprendizes no fundo do nosso coração, não temos pressa em dizer quem somos, o que temos, por onde andamos e que saber acumulamos. Não nos move o desejo de competir, contestar, contrapor ou entrar em qualquer conflito a fim de nos sagrar vencedores em uma disputa argumentativa.

Neste silenciar, o observar com atenção e o sentir se tornam mais importantes do que o julgar e qualificar alguém ou alguma coisa.

Passamos a aceitar o que antes nos conduzia a um constante litígio com pessoas, instituições e conosco mesmos. Descobrimos cor, beleza e sentido naquilo que antes nos passava despercebido.

Em Mateus (6:1-7), Jesus nos recomenda discrição, modéstia e humildade na prática do bem, que podemos traduzir também por um silenciar quando fizermos boas obras. É permitir que o coração e a consciência encontrem contentamento, paz e prazer, sem que nenhum alarde ou propaganda seja necessária.

Este estado íntimo de quietude e ausência de pressa, gera gratidão e generosidade. Gratidão diante do corpo, das estações, do trabalho, da família, da grandeza do Universo e até perante as dificuldades que tanto nos ensinam a desenvolver a perseverança, a esperança e a fé.

Generosidade, porque a compaixão nos conduz a um estender braços e recursos a quem precisar, além da gentileza passar a andar um pouco mais de braços dados conosco.

Aprendemos a aguardar com lucidez o tempo do outro, respeitando com mais paciência o ritmo alheio, seus olhares, crenças e limitações.

Silenciar nos confere maior serenidade, paz, concentração e foco.

Ouça seu coração, ouça o outro, ouça a vida, torne-se um pouco mais sábio.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

CONSCIÊNCIA[1]

 


Antônio Moris Cury – Agosto 2019

 

Um ser humano que não saiba ler nem escrever, não tenha acesso a nenhum tipo de informação por rádio, televisão, jornal, revista, telefone, internet etc., nada obstante sabe quando fez uma escolha, quando tomou uma decisão, certa ou errada.

Por quê? Simplesmente porque a sua consciência registra e aponta intimamente o acerto ou o erro. Não por acaso, a Lei de Deus está escrita na consciência[2], de tal maneira que a consciência é, assim, o grande tribunal de cada um de nós. No plano físico, os outros podem não perceber, nós podemos esconder, não revelar, mas o fato é que sabemos, e muito bem, quando erramos ou quando acertamos e, por acréscimo e também por decorrência, se prejudicamos ou se causamos danos, ou não, a outrem.

Neste ponto, interessante reproduzir aqui[3]:

 

Como se pode definir a justiça?

A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais.

Que é o que determina esses direitos?

Duas coisas: a lei humana e a lei natural. Tendo os homens formulado leis apropriadas a seus costumes e caracteres, elas estabeleceram direitos mutáveis com o progresso das luzes. Vede se hoje as vossas leis, aliás imperfeitas, consagram os mesmos direitos que as da Idade Média. Entretanto, esses direitos antiquados, que agora se vos afiguram monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Nem sempre, pois, é acorde com a justiça o direito que os homens prescrevem. Ademais, este direito regula apenas algumas relações sociais, quando é certo que, na vida particular, há uma imensidade de atos unicamente da alçada do tribunal da consciência.

 

Assim, observa-se que se a escolha que fizermos ou a decisão que tomarmos implicar desrespeito aos direitos alheios, estaremos, por isso mesmo, cometendo uma infração, uma injustiça, a ser obrigatoriamente resolvida e reparada mais tarde, nesta ou em outra reencarnação.

As leis humanas são elaboradas de acordo com os costumes e caracteres de cada época e, por esta e por outras razões, são mutáveis, notadamente pelo avanço do progresso em geral, e das Ciências e Tecnologias em particular (sobretudo nos últimos vinte e cinco anos), o que, por si, demonstra a sua mutabilidade e a sua imperfeição.

Já, ao contrário, as Leis Naturais, que valem para todos no planeta Terra ou noutros mundos habitados do Universo (ou dos outros Universos, para quem entenda e admita que há mais de um Universo), são imutáveis exatamente porque são perfeitas, e no que é perfeito não se mexe. A toda evidência, a perfeição afasta qualquer necessidade de mudança.

O texto antes reproduzido, com precisão, afirma que este direito regula apenas algumas relações sociais, quando é certo que, na vida particular, há uma imensidade de atos unicamente da alçada do tribunal da consciência, confirmando, em outras palavras, que a consciência é o grande tribunal de cada um de nós.

Daí a enorme importância de pensar e agir de conformidade com a nossa consciência, tornando-nos pessoas melhores a cada dia, procurando não prejudicar nem causar dano a quem quer que seja, procurando ser úteis e cada vez mais úteis onde quer que nos encontremos, sendo cumpridores da parte que nos cabe realizar e fazendo-a do melhor modo ao nosso alcance, optando, enfim, pela prática do Bem sempre, em qualquer circunstância ou situação, por mais grave que pareça ou que de fato seja.

A consciência tranquila traz leveza ao nosso coração, à nossa alma, aumenta consideravelmente o nosso nível de confiança e renova a certeza de que dias melhores seguramente advirão, a começar pelo nosso empenho na construção e na conquista da felicidade, que naturalmente será a compatível com o denominado planeta azul em que agora nos encontramos.



[2] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 93. Ed. Rio de Janeiro: FEB, pt. 3, cap. I, q. 621.

[3] Idem, cit. pt. 3, cap. XI, q. 875 e 875-a.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

RECUOS APARENTES[1]

 


Miramez

 

A perversidade do homem é bastante intensa, e não parece que ele está recuando, em lugar de avançar, pelo menos do ponto de vista moral?

‒ Enganas-te. Observa bem o conjunto e verás que ele avança, pois vai compreendendo melhor o que é o mal, e dia a dia corrige os seus abusos. É preciso que haja excesso do mal, para fazer-lhe compreender a necessidade do bem e das reformas.

Questão 784/O Livro dos Espíritos

 

O recuo na caminhada das criaturas é apenas aparente. Nada na vida regride; todos os momentos, pode-se dizer os minutos e mesmo os segundos, têm a sua cota de avanço espiritual. A ciência astronômica nos mostra que nada pára. Os astros, em particular os conjuntos de sóis e as galáxias, tudo se encontra em plena movimentação, e todos os movimentos interatômicos e galáticos se operam em função progressiva, obedecendo à lei que é caminho para a perfeição.

Não tendo outra palavra para explicar a vida, vamos dizer que a vida é movimento. Esse cinetismo divino e humano é para dar mais vida aos seres e às coisas.

O homem, no princípio, nos parece bom, obediente a certas leis e o seu comportamento pode dizer algo de elevado, no entanto, depois que ele passa a despertar os seus dons, antes em estado de sono, caminha para o desregramento. Ele sente poderes sob seu comando e abusa deles. Este é um estágio pelo qual todos passamos, para depois ganhar o melhor. Não passando por ele, como aprender? O aprendizado é conquista no dia-a-dia, sob o guante da dor e dos inúmeros problemas, que são os instrutores da alma.

A regressão dos Espíritos é ilusória, a não ser quando a reencarnação nos mostra uma regressão da forma e do ambiente em que o Espírito pode renascer, porém, a alma, seus celeiros, sua luz já conquistada, ela não perde nunca. É qual diamante jogado na lama, que fica escondido por algum tempo, mas, quando retirado dali, é a mesma pedra preciosa. Ele não deixou de ser diamante por se encontrar envolvido no barro.

Podemos estudar a história da humanidade e notar o quanto ela cresceu na esteira do tempo.

As qualidades dos seres humanos evoluíram no perpassar do tempo. Jesus, para nós, foi um centro de luz que nos deixou todos os conhecimentos capazes de nos ajudar a conhecer a verdade e nos libertar da ignorância.

Anotemos o que diz Paulo a Timóteo, em sua primeira carta, no capítulo quatro, versículo quinze:

 

Medita estas cousas e nelas sê diligente, para que o teu progresso a todos seja manifesto.

 

Não é preciso muita meditação para que se descubra o progresso manifestando-se em tudo e em todos; basta dizer que hoje, mesmo com todas as paixões dominando os sentimentos humanos, quase todas as criaturas da Terra já conhecem o Evangelho de Jesus ou, pelo menos, já ouviram falar d'Ele como o Senhor do mundo e Pastor do rebanho terreno.

Informemo-nos, se possível, sobre as leis dos países, que notaremos nelas certa fraternidade, e mesmo caridade, ao contrário das leis do passado. Hoje existem leis para segurança até dos animais e vegetais. O que falta é mais um pouco de ajustamento dos sentimentos humanos, o que não vai demorar.

O mal que estamos presenciando no mundo vai ainda crescer mais, porque é desse crescimento, gerando mais sofrimento, que a humanidade deverá acordar para o amor.

Somente a lei de amor estabiliza a vida natural e moral das criaturas. Não existe felicidade sem amor.

Todos os recuos dos homens são aparentes; estão avançando dia-a-dia, hora-a-hora e minuto-a-minuto, porque a lei de Deus é progresso.



[1] Filosofia Espírita – Capítulo XVI – João Nunes Maia

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

MORTOS PODEM VOLTAR À VIDA? O MISTÉRIO DOS “LÁZAROS” QUE DESAFIAM A CIÊNCIA[1]

 


Sendoa Ballesteros Peña[2] ‒ 12 novembro 2020

 

O fato de a fantasia de morto-vivo ser uma das mais recorrentes na noite de Halloween, véspera do Dia de Todos os Santos, não é por acaso. A possibilidade de os mortos voltarem à vida tirou o sono dos humanos desde a época medieval até o início do século 19. Lendas sobre "mortos-vivos" surgiram na Europa do século XI, embora o mito, provavelmente, seja bem anterior.

A arqueologia revelou testemunhos de rituais funerários grotescos, como enterros com o rosto para baixo ou foices colocadas sobre a garganta de mortos para evitar que ressuscitassem no túmulo.

No entanto, a partir do século 19, generalizou-se um novo medo, estimulado pela literatura romântica sombria da época: o de ser enterrado vivo. Pouco depois de 1800, começou a ser vendido o primeiro caixão de segurança. Este dispositivo permitia o acionamento de uma campainha localizada fora da própria sepultura, para o caso de o suposto falecido ter "acordado". Até meados do século 20, pelo menos 22 patentes desse dispositivo foram contabilizadas nos Estados Unidos, embora não haja registro ou testemunho de que ele tenha sido usado por uma pessoa declarada morta por engano.

 

É possível declarar morta uma pessoa viva?

Ao longo da história, a forma de diagnosticar a morte de uma pessoa sofreu variações. Durante séculos, foi aceito que a ausência de respiração, pulso, batimento cardíaco e reação a estímulos eram sinais inequívocos de morte. No entanto, esses critérios nem sempre eram determinados por um médico qualificado e não seria de estranhar se houvesse desconfiança no diagnóstico.

Nessas circunstâncias, e para evitar o erro de enterrar alguém que estivesse vivo, nasceu a tradição do velório, cuja duração varia, dependendo das culturas, de um a três dias. Na verdade, na Espanha, até 2011 era necessário esperar 24 horas antes de proceder ao sepultamento de um corpo. Hoje, a ciência e a tecnologia estão avançadas o suficiente para não permitir erros dessa natureza. Embora, às vezes, a imprensa ecoe eventos quase inverossímeis de "ressuscitações".

Caberia pensar que tal afirmação corresponde ao mundo da lenda ou do cinema. Mas quando, na última década, esta pergunta foi feita a uma amostra de profissionais de saúde, 45% dos médicos de emergência na França, 37% dos intensivistas canadenses e 37% dos holandeses responderam que, durante suas carreiras, haviam testemunhado pelo menos um caso de autorressuscitação de um paciente na ausência de manobras de reanimação cardiopulmonar.

Paralelamente, a literatura científica tem casos documentados de pacientes que recuperaram os sinais vitais após a interrupção das manobras de reanimação cardiopulmonar ou na ausência delas. É um estranho acontecimento denominado "fenômeno de Lázaro", alusivo à conhecida passagem bíblica.

Desde 1984, há evidências de que o fenômeno de Lázaro afetou pelo menos 63 pacientes clinicamente mortos, tanto em idade adulta quanto pediátrica. O tempo desde a suspensão das manobras de reanimação até a recuperação espontânea dos sinais vitais variou de alguns segundos a três horas e meia. E 35% dos "ressuscitados" sobreviveram até a alta hospitalar e, na maioria das vezes, sem sequelas neurológicas.

No entanto, tendo em vista a alta proporção de médicos que afirmam ter testemunhado uma ressuscitação e a modesta descrição de casos em revistas especializadas, parece haver alguma subdocumentação de "fenômenos de Lázaro". Essa falta de informação pode ser devida a temores dos médicos em face das consequências médico-legais, descrédito profissional ou mesmo a descrença do pessoal de saúde em suas observações. Ao contrário da literatura biomédica, textos jornalísticos trazem regularmente reportagens que relatam fatos compatíveis com o fenômeno de Lázaro.

 

Por que o fenômeno de Lázaro ocorre?

Embora não se duvide da existência de processos de autorressuscitação, atualmente não se sabe por quais mecanismos fisiopatológicos ocorrem os fenômenos de Lázaro.

Várias hipóteses plausíveis para o fenômeno foram consideradas, embora, sozinhas, não tenham conseguido explicar todos os casos documentados.

Uma delas tem a ver com um possível efeito retardado de medicamentos usados ​​durante a reanimação, como adrenalina ou bicarbonato. Outras possíveis explicações para o fenômeno têm sido relacionadas à presença de marcapassos ativos ou autoperfusão miocárdica após o descolamento de placas de ateroma nas artérias coronárias.

Mas a hipótese mais razoável apontaria para a existência de um aumento das pressões intratorácicas produzidas pela ventilação artificial. Este processo pode desencadear uma diminuição da perfusão coronária e a cessação da atividade cardíaca. Ao término das manobras de reanimação, haveria uma diminuição da pressão intratorácica e, em seguida, a recuperação espontânea do movimento mecânico do coração.

Seja como for, o fenômeno de Lázaro desafia a compreensão humana. Uma lenda se transformou em observação clínica sem uma explicação científica.

 

Esse artigo foi publicado originalmente no site The Conversation e é publicada aqui sob uma licença Creative Commons.



[2] *Sendoa Ballesteros Peña é enfermeiro no serviço de saúde basco e professor associado da Faculdade de Medicina e Enfermagem da Universidade do País Basco

terça-feira, 24 de novembro de 2020

CRIAÇÕES FANTÁSTICAS DA IMAGINAÇÃO As visões da Sra. Cantianille B...[1]

 


Allan Kardec

 

L’Événement de 19 de junho de 1866 contém o seguinte artigo:

Fatos estranhos, ainda inexplicados, produziram-se o ano passado em Auxerre e agitaram a população. Os partidários do Espiritismo neles viram manifestações de sua doutrina e o clero os considerou como novos exemplos de possessão; falaram de exorcismos, como se os belos tempos das Ursulinas de Loundon tivessem voltado. A pessoa em torno da qual se fazia todo esse barulho chamava-se Cantianille B... Um vigário da catedral de Sens, o abade Thorey, autorizado por seu bispo, constatou essas aparentes derrogações às leis naturais. Hoje esse eclesiástico publica, sob o título de Relações maravilhosas da senhora Cantianille B... com o mundo sobrenatural, o resultado de suas observações. Ele nos traz uma prova de seu trabalho e é com prazer que dele destacamos um trecho, curioso sob vários aspectos.

Em seu prefácio o autor, depois de haver exposto o plano do livro, acrescenta:

 

Que o meu leitor, ao percorrer estas páginas, não precipite o seu julgamento; sem dúvida esses fatos lhe parecerão incríveis, mas eu lhe peço lembrar-se de que afirmamos sob juramento, Cantianille e eu, a verdade desses fatos. No relato a seguir, nada de exagerado nem inventado à vontade; tudo aí é perfeitamente exato.

Aliás esses fatos, essas manifestações prodigiosas do mundo superior se repetem todos os dias e todas as vezes que o desejo. Pedimos que não nos acreditem sob nossa simples afirmação; ao contrário, rogamos encarecidamente que os estudem; que se façam reuniões de homens competentes, que desejem apenas a verdade e dispostos a buscá-la lealmente. Todas essas maravilhas se reproduzirão à sua frente e tantas vezes quantas necessárias para convencê-los. Assumimos um compromisso.

Possam os espíritos de ideias largas considerar este livro como uma boa nova!

 

No correr da obra, Cantianille B... conta como se tornou membro e presidente de uma sociedade de Espíritos, em 1840, durante sua estada num convento de religiosas:

 

 Ossian (Espírito de segunda ordem), tendo vindo, como de hábito, buscar-me no convento, logo me vi transportada ao meio da reunião. Colocou-me sobre um trono, onde os aplausos mais barulhentos acolheram a minha aparição.

Fizeram-me proferir o juramento ordinário: Juro ofender a Deus por todos os meios possíveis e não recuar diante de nada para fazer triunfar o inferno sobre o céu. Amo a Satã! Odeio a Deus! Quero a queda do céu e o reino do inferno!...

Depois disto, cada um veio felicitar-me e encorajar-me para me mostrar forte nas provas que me restavam suportar.

Prometi.

Esses gritos, esse tumulto, esse desvelo de cada um, a música e os feixes de luz que clareavam a sala, tudo me eletrizava, me inebriava! Então gritei com voz forte: ‘Estou pronta; não temo vossas provas; ides ver se sou digna de ser dos vossos.’ Logo cessou todo ruído, toda luz desapareceu. ‘Marcha’, disse-me uma voz.

Sem dúvida avancei por um estreito corredor, pois sentia de cada lado como que duas muralhas, e estas pareciam aproximar-se cada vez mais. Pensei que ia sufocar e o terror apoderou-se de mim.

Quis voltar; mas, no mesmo instante, senti-me nos braços de Ossian. Ele exerceu sobre todo o meu corpo uma pressão tão viva que soltei um grito penetrante. ‘Cala-te, disse-me ele, ou estarás morta.’ O perigo restituiu-me a coragem...

Não, não gritarei mais; não, não recuarei.” E fazendo um esforço sobre-humano, transpus de um salto o longo corredor, que se tornava cada vez mais escuro e estreito. Apesar de meus esforços, meu espanto redobrava e eu talvez fosse fugir, quando, de repente, faltando terra sob meus pés, caí num abismo cuja profundidade não podia avaliar. Fiquei um instante atordoada nessa queda, sem, contudo, perder a coragem. Um pensamento infernal acabava de me atravessar o espírito. ‘Ah! eles querem me apavorar!...

Verão se temo os demônios...’ E logo me levantei para procurar uma saída. Mas... eis que de todos os lados apareceram chamas!...

Aproximavam-se de mim como para me queimar...

E, no meio desse fogo, os Espíritos gritando, urrando, que terror!

Para que me queres? perguntei a Ossian.

– Quero que sejas a presidente de nossa associação...

Quero que nos ajudes a odiar a Deus; quero que jures ser nossa, por nós e conosco, em toda parte e para sempre!”

Tão logo fiz estas promessas o fogo apagou-se subitamente.

Não me fujas, disse-me ele, eu te trago a felicidade e a grandeza. Olha.” Achei-me em meio aos associados, no meio da sala, que haviam embelezado em minha ausência. – Um repasto suntuoso foi servido.

Aí me deram o lugar de honra; e, no fim, quando todos estavam esquentados pelo vinho e pelos licores e superexcitados pela música, fui nomeada presidente.

Aquele que me havia entregue ressaltou nalgumas palavras a coragem que eu tinha mostrado nessas provas terríveis e, em meio de mil bravos, aceitei o título fatal de presidente.

Eu estava, assim, à testa de vários milhares de pessoas atentas ao menor sinal. – Não tive senão um pensamento: merecer sua confiança e sua submissão. Infelizmente, fui muito bem sucedida.

 

O autor tem razão ao dizer que os partidários do Espiritismo podem ver nesses fatos manifestações de sua doutrina.

É que, com efeito, o Espiritismo, para os que o estudaram alhures que não na escola dos senhores Davenport e Robin, é a revelação de um novo princípio, de uma nova lei da Natureza, que nos dá a razão daquilo que, em falta de melhor, convencionou-se atribuir à imaginação. Esse princípio está no mundo extracorpóreo, intimamente ligado à nossa existência. Aquele que não admite a alma individual e independente da matéria, rejeitando a causa a priori, não pode explicar os seus efeitos. E, contudo, esses efeitos estão incessantemente aos nossos olhos, inumeráveis e patentes; seguindo-os passo a passo em sua filiação, chega-se à fonte. É o que faz o Espiritismo, procedendo sempre por via de observação, remontando do efeito à causa, e jamais pela teoria preconcebida.

Eis um ponto capital, sobre o qual nunca insistiríamos em demasia. O Espiritismo não tomou como ponto de partida a existência dos Espíritos e do mundo invisível, a título de suposição gratuita, salvo para provar mais tarde essa existência, mas na observação dos fatos, e dos fatos constatados concluiu pela teoria.

Esta observação o levou a reconhecer não só a existência da alma como ser principal, pois que nela residem a inteligência e as sensações, e sobrevive ao corpo, mas que se passam fenômenos de ordem particular na esfera da atividade da alma, encarnada ou desencarnada, fora da percepção dos sentidos. Como a ação da alma se liga essencialmente à do organismo durante a vida, é um campo de exploração vasto e novo aberto à psicologia e à fisiologia, e no qual a Ciência achará o que inutilmente procura há tanto tempo.

Assim o Espiritismo encontrou um princípio profundo, o que não quer dizer que tudo possa explicar. O conhecimento das leis da eletricidade deu a explicação dos efeitos do raio. Ninguém tratou esta questão com mais saber e lucidez do que Arago e, contudo, nesse fenômeno tão vulgar do raio, há efeitos que ele declara, em que pese a sua sapiência, não poder explicar, por exemplo, o dos relâmpagos bifurcados. Nega-os por isto? Não, porque tem muito bom-senso e, aliás, não pode negar um fato. Que faz ele? Diz: observemos e esperemos estar mais adiantados. O Espiritismo não age de outro modo; confessa sua ignorância sobre aquilo que não sabe e, esperando sabê-lo, busca e observa.

As visões da Sra. Cantianille pertencem a essa categoria de questões sobre as quais, de certo modo, não se pode, até mais ampla informação, senão tentar uma explicação. Cremos achá-la no princípio das criações fluídicas pelo pensamento.

Quando as visões têm por objeto uma coisa positiva, real, cuja existência é constatada, sua explicação é muito simples: a alma vê, por efeito de sua irradiação, o que os olhos do corpo não podem ver. Não tivesse o Espiritismo explicado senão isto e já teria levantado o véu sobre muitos mistérios. Mas a questão se complica quando se trata de visões que, como as da Sra. Cantianille, são puramente fantásticas. Como pode a alma ver o que não existe? De onde vêm essas imagens que, para os que as veem, têm toda aparência de realidade? Dizem que são efeitos da imaginação. Seja; mas esses efeitos têm uma causa. Em que consiste esse poder da imaginação? Como e sobre o que age ela? Se uma pessoa medrosa, ao ouvir um ruído de camundongos durante a noite, for tomada de terror e imagine ouvir passos de ladrões; se tomar uma sombra ou uma forma vaga por um ser vivo que a persegue, aí estão verdadeiros efeitos da imaginação; mas, nas visões do gênero das de que se trata aqui, existe algo mais, porque já não é apenas uma ideia falsa, é uma imagem com suas formas e cores, tão claras e tão precisas que poderiam ser desenhadas; e, contudo, não passam de ilusão! De onde vem isto?

Para nos darmos conta do que se passa nessa circunstância, é preciso sairmos do nosso ponto de vista exclusivamente material, e penetrar, pelo pensamento, no mundo incorpóreo, identificar-nos com a sua natureza e com os fenômenos especiais que devem passar-se num meio inteiramente diverso do nosso. Estamos aqui em baixo na posição de um espectador que se admira de um efeito cênico, porque não lhe compreende o mecanismo; mas, se for atrás dos bastidores, tudo lhe será explicado.

Em nosso mundo, tudo é matéria tangível. No mundo invisível tudo é, se assim nos podemos exprimir, matéria intangível, isto é, intangível para nós que apenas percebemos por órgãos materiais, mas tangível para os seres desse mundo, que percebem por sentidos espirituais. Tudo é fluídico nesse mundo, homens e coisas, e as coisas fluídicas aí são tão reais, relativamente, quanto o são para nós as coisas materiais. Eis um primeiro princípio.

O segundo princípio está nas modificações que o pensamento faz sofrer o elemento fluídico. Pode-se dizer que o modela à vontade, como modelamos uma porção de terra para dela fazer uma estátua; apenas sendo a terra uma matéria compacta e resistente, para manipulá-la é preciso um instrumento resistente, enquanto a matéria etérea sofre sem esforço a ação do pensamento.

Sob essa ação, ela é susceptível de revestir todas as formas e todas as aparências. É assim que se veem os Espíritos ainda pouco desmaterializados apresentar-se como tendo na mão os objetos que tinham em vida, revestir-se com as mesmas roupas, usando os mesmos ornamentos e tomando, à vontade, as mesmas aparências.

A rainha de Oude, cuja entrevista publicamos na Revista de março de 1858, sempre se via com suas joias e dizia que estas jamais a haviam deixado. Para isto basta-lhes um ato do pensamento, sem que, o mais das vezes, se deem conta da maneira pela qual a coisa se opera, como entre os vivos muita gente anda, vê e ouve sem poder dizer como e por quê. Tal estava ainda o Espírito do zuavo de Magenta (Revista de julho de 1859), que dizia ter seu mesmo traje e que, quando lhe perguntavam onde o tinha obtido, pois o seu havia ficado no campo de batalha, respondia: Isto é com meu alfaiate. Citamos vários fatos deste gênero, entre outros o do homem da tabaqueira (agosto de 1859) e o de Pierre Legay (novembro de 1864), que pagava seu lugar no ônibus. Essas criações fluídicas por vezes podem revestir, para os vivos, aparências momentaneamente visíveis e tangíveis, porque se devem, na realidade, a uma transformação da matéria etérea. O princípio das criações fluídicas parece ser uma das leis mais importantes do mundo incorpóreo.

A alma encarnada, gozando parcialmente em seus momentos de emancipação das faculdades do Espírito livre, pode produzir efeitos análogos. Aí pode estar a causa das visões ditas fantásticas. Quando o Espírito está fortemente imbuído de uma ideia, seu pensamento pode criar-lhe uma imagem fluídica que, para ele, tem todas as aparências da realidade, tão bem quanto o dinheiro de Pierre Legay, embora a coisa não exista por si mesma.

Tal é, sem dúvida, o caso em que se encontrou a Sra. Cantianille.

Preocupada com o relato que lhe fizeram do inferno, dos demônios e de suas tentações, dos pactos pelos quais eles se apoderam das almas, das torturas dos danados, seu pensamento lhe criou um quadro fluídico, que só tinha realidade para ela.

Pode-se classificar na mesma categoria as visões da Irmã Elmerich, que afirmava ter visto todas as cenas da Paixão e encontrado o cálice no qual Jesus havia bebido, bem como outros objetos análogos aos em uso no culto atual, que certamente não existiam naquela época e dos quais, no entanto, fazia uma descrição minuciosa. Dizendo que tinha visto tudo isto, agia com boa-fé, porque realmente tinha visto pelos olhos da alma, mas uma imagem fluídica, criada pelo seu pensamento.

Todas as visões têm seu princípio nas percepções da alma, como a vista corporal tem a sua na sensibilidade do nervo óptico; mas elas variam em sua causa e em seu objeto. Quanto menos desenvolvida é a alma, tanto mais é susceptível de criar ilusão sobre o que vê; suas imperfeições a tornam sujeita ao erro.

As mais desmaterializadas são aquelas cujas percepções são mais extensas e mais justas; todavia, por mais imperfeitas que sejam, suas faculdades não são menos úteis para estudar. Se esta explicação não oferece uma certeza absoluta, ao menos tem um caráter evidente de probabilidade. Prova, sobretudo, uma coisa: que os espíritas não são tão crédulos quanto o pretendem seus detratores e não baixam a cabeça a tudo quanto parece maravilhoso. Para eles, portanto, nem todas as visões são artigos de fé; mas, sejam o que forem, ilusões ou verdades, são efeitos que não poderiam ser negados. Eles os estudam e deles procuram dar-se conta, sem a pretensão de tudo saber e de tudo explicar. Não afirmam uma coisa senão quando está demonstrada pela evidência. Desse modo, aceitar tudo seria tão inconsequente quanto tudo negar.



[1] Revista Espírita – Agosto/1866 – Allan Kardec

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

ANTÔNIO LIMA[1]

 


 

Antônio Lima nasceu na então capital do Brasil Império, Rio de Janeiro, no dia 30 de março de 1864. Foi um dos pioneiros do Espiritismo no Rio de Janeiro, não se sabendo exatamente como tomou conhecimento da Doutrina. Em 1904, a Federação Espírita Brasileira (FEB) publicava os livros da Codificação traduzidos por ele, em edição especial comemorativa do primeiro centenário do nascimento de Allan Kardec.

Escritor, jornalista e grande expositor da Doutrina, Lima deixou uma vasta bibliografia espírita e não espírita, além de várias traduções do francês, do inglês e do espanhol. Entre os seus livros, constam: “Belos”, “Flores Fanadas” e “Canto do Cisne” (versos), “Epopeia da Natureza” (episódio lírico), “O Coração de Jesus” (poema evangélico), “A Cruzada Redentora”, composta de três romances: A Caminho do Abismo, Senda de Espinhos e Estrada de Damasco (um encadeamento de vidas sucessivas, valorizando a reencarnação com Justiça Divina), e, ainda, A Sonâmbula e A Vida de Jesus.

Colaborou com toda a imprensa espírita da época, sendo um dos expositores mais solicitados. Possuía a mediunidade intuitiva e dizia que todos os seus livros vieram pelas vias da inspiração; todavia, não identificou o autor ou autores espirituais e, por essa razão, assinou todos os livros.

Era acirrado defensor da pureza doutrinária, e sua palavra era ouvida com respeito e admiração, tanto em temas doutrinários quanto evangélicos. Desde a juventude, fez-se verdadeiro semeador a serviço de Jesus, dando expressiva cota de participação em prol da divulgação do Espiritismo, em várias frentes de trabalho. As cidades de Três Rios, Teófilo Otoni, Astolfo Dutra, Bicas, Juiz de Fora e tantas outras foram testemunhas de sua oratória em inesquecíveis palestras.

Residiu por muitos anos em Belo Horizonte, onde deixou larga folha de serviços prestados à comunidade espírita, inclusive como um dos fundadores e primeiro Presidente da União Espírita Mineira, onde liderou grande campanha a favor do estudo sistematizado das obras de Allan Kardec, estudo este que contou com grande número de inscrições.

O aproveitamento foi bastante promissor e muitos desses aprendizes ingressaram na linha de frente da Doutrina. Dessa forma, Antônio Lima deixou à posteridade uma folha de serviços de grande valia prestados ao Espiritismo, como jornalista, poeta, escritor e em várias outras frentes de trabalho. Uma vida longa e útil em todos os sentidos, especialmente como discípulo do Cristo, na preparação do terreno para o terceiro milênio.

Foi um dos incentivadores do movimento de Unificação preconizado pelo Dr. Bezerra de Menezes quando presidente da Federação Espírita Brasileira. Em 1922, representantes de quase todas as Federações Estaduais reuniram-se no Rio de Janeiro, numa prévia do Pacto Áureo, que só veio a se concretizar em 1949.

Na década de 1940, o extinto jornal “A Vanguarda”, que era de grande tiragem e gozava de muito prestígio no Rio de Janeiro, e mesmo em todo o Brasil, realizou uma série de entrevistas com vultos proeminentes do Espiritismo, sobre o tema “A Influência da Música nos Meios Espíritas”. O confrade Álvaro Brandão da Rocha entrevistou Antônio Lima, que declarou: “Todos nós conhecemos as páginas de Obras Póstumas do mestre de Kardec, na qual Bellini diz que ‘a música do Céu é uma sublimidade em relação à música da Terra’ e acrescenta o inspirado autor de A Sonâmbula ‘que não achamos bela a música terrestre, pois as mais belas vozes ou instrumentos materiais nenhuma ideia podem nos dar da música celestial e sua suave harmonia’”.

Em 1944, o professor Leopoldo Machado, devidamente autorizado pela direção de “A Vanguarda”, publicou um livro intitulado “Um Inquérito Original”, baseado na entrevista de Antônio Lima e em benefício de O Lar de Jesus, obra assistencial para crianças órfãs, em Nova Iguaçu, RJ.

Quase aos 80 anos de idade, tomou a iniciativa de fundar a Sociedade Editora dos Livros de Allan Kardec, cuja sigla era “SEAL”, com a finalidade de baratear o custo dos livros básicos do Espiritismo. Conta um dos seus biógrafos que Antônio Lima foi um verdadeiro autodidata, tendo aprendido a ler sozinho.

Antônio Lima desencarnou em Paraíba do Sul no dia 26 de março de 1946, faltando apenas quatro dias para completar 82 anos de idade. Passava ele uma temporada naquela cidade quando, sozinho num quarto de hotel, retornou à Espiritualidade.

Graças a homens de seu quilate, que enfrentaram toda sorte de hostilidades contra o Espiritismo, tanto da Ciência como das religiões dogmáticas, é que podemos hoje respirar outro clima de respeito e simpatia pela Doutrina dos Espíritos.



[1] LUCENA, Antônio de Souza. Pioneiros de uma Nova Era – Espíritas do Brasil. Rio de Janeiro: CE.

sábado, 21 de novembro de 2020

BENÇÃOS DA IMORTALIDADE[1]

 


Joanna de Ângelis - Novembro/2020

 

Por mais se prolongue a existência física, e se apresente saudável e encantadora, momento chega em que se interrompe ao impacto natural da degenerescência orgânica.

Nas incessantes alterações a que estão submetidas as células, a energia vital se dilui e cessam as mitoses encarregadas da renovação do corpo.

Sucede que tudo no Universo permanece em incessante alteração, obedecendo às poderosas Leis que o governam.

A indumentária carnal é de duração limitada em razão das necessidades do processo evolutivo em contínua transformação.

Construída essa roupagem com os elementos produzidos pela mente em decorrência dos pensamentos, condutas e atos, é um invólucro temporário com a finalidade de proporcionar o desenvolvimento moral do ser espiritual.

Dessa forma, tudo se modifica no Cosmo, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também foi átomo, conforme ensinaram os mentores da Humanidade ao Codificador do Espiritismo e se encontra em O Livro dos Espíritos, na resposta de número 540.

A existência corporal é de valor inestimável pelas possibilidades que faculta na tarefa de aprimoramento interior de todos os seres.

Aprendiz da vida, o Espírito mergulha na sombra da carne e dela sai com naturalidade, cada vez mais aprimorado para a Imortalidade.

A Terra é, desse modo, uma escola de bênçãos especiais para todos que lhe percorrem os cursos diversos, assimilando deveres e executando-os até a conquista da plenitude.

Cada experiência realizada constitui um degrau de ascensão, na busca do infinito.

Não fosse esse fenômeno e a jornada humana seria destituída de significado, de um sentido profundo, qual aberração caprichosa da Natureza.

Graças, porém, ao delineamento da transcendência em tudo existente, as encarnações e reencarnações constituem o recurso pedagógico e misericordioso de Deus, facultando à Sua criação o destino da perfeição.

Jesus afirmou com sabedoria:

 

Sede perfeitos como o Pai é perfeito, estabelecendo ser Ele o caminho que se deveria percorrer para alcançar o êxito.

 

Eis porque a Sua doutrina é a mais compatível com as lições de justiça e de amor de que se tem conhecimento.

À semelhança do diamante bruto, que necessita ser lapidado para que desvele a luz que guarda, o Espírito se desenvolve a golpes de aprimoramento até o momento em que pode refletir a pureza de que se constitui.

Longa e altamente significativa é a jornada a partir do nascimento até a sua plenitude.

Não lhe cessam as oportunidades de alterações na trajetória, guiado pelo magnetismo do Criador na direção do alvo a que busca.

Alegrias e tristezas, glórias e prejuízos fazem parte desse investimento de amor, cada vez mais atraente e encantador.

*

Não lamentes os seres amados que desencarnaram.

Se tiveram a existência interrompida de maneira natural, conquistaram um patamar de bênçãos que lhes serão apresentadas nas experiências futuras como glórias do renascimento.

Se foram vítimas de ocorrências infelizes, envolve-os em ternura e transmite-lhes pensamentos restauradores e de esperança de melhores ocorrências.

Não te deixes infelicitar, tendo a certeza de que volverás a encontrá-los em futuro não muito distante.

Quase todos eles te acompanharão, conforme as possibilidades que disponham, transmitindo-te pensamentos bons ou suas aflições, de que necessitam libertar-se.

A morte não consegue fazer cessar a vida, que prossegue conforme os valores éticos de cada criatura.

Tudo se origina no Mundo espiritual e a este retorna, por ser de natureza permanente, enquanto o físico é transitório em contínuo desenvolvimento como ocorre em todo o Universo.

Reflexiona em torno dessa rápida experiência humana e aproveita cada momento para tornar-te mais esclarecido e favorável à vida.

Tem cuidado com o que pensas, falas e atuas, porque são veículos próprios para a tua transformação interior.

Consciente da realidade de ser imortal, trabalha pelo bem do teu próximo, autoiluminando-te também e principalmente.

Busca entender os sucessos positivos e os perturbadores como mecanismos de aprendizagem, que te ensinam os melhores recursos a serem utilizados em favor da tua plenitude.

Utiliza a razão e a lógica para edificar o bem onde estejas e com quem convivas, porque nada se perde, e tudo se une em torno daquele que o gera ou lhe dá origem.

O bem não é apenas um princípio ético, mas também uma terapia preventiva para todos os males que afligem o ser humano.

Quem labora no bem respira equilíbrio e aspira harmonia. Cada um vive na psicosfera que produz.

Não desanimes nunca nem fujas do dever a cumprir, pois ele te esperará mais tarde em circunstâncias talvez mais penosas.

Igualmente, ama-te, procedendo em relação a ti conforme desejarias que todos o fizessem.

Preserva os teus sonhos bons, mesmo quando as dificuldades te sitiem a existência.

És dono do teu destino. Tece-os com os fios do amor e da caridade, a fim de que sempre disponhas de paz e de sabedoria.

És filho de Deus, e o Seu amor está contigo.

*

Por fim, não temas a morte. Ela ocorrerá inevitavelmente.

Age cada dia como se fosse o último da tua existência.

…E procura deixar na Terra sinais da tua passagem, através de todo bem que possas fazer.

Lembra-te de que estás mergulhado na Imortalidade, que é a bênção do amor de Deus às Suas criaturas.

 

Psicografia de Divaldo Pereira Franco, na Mansão do Caminho, Salvador, Bahia, em 2 de setembro de 2019.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

ACADEMIA DO ESPÍRITO[1]

 


Por Rogério Coelho

 

Multiplicam-se as academias de ginástica nas quais as criaturas esgotam-se na busca da boa forma física. Sem dúvida, é um esforço louvável! Mais importante, porém, é a verdadeira busca dos valores realmente legítimos e imperecíveis do Espírito. Assim, urge providenciarmos nossa matrícula na Academia do Espírito, a fim de exercitarmo-nos na terapia do refazimento da alma. Dentre os módulos do currículo, destacam-se duas matérias da mais alta importância para o nosso aformoseamento Espiritual: a meditação e a oração.

Segundo apontamentos de Joanna de Ângelis[2]:

A meditação é recurso valioso para uma existência sadia e tranquila.

Através dela o homem adquire o conhecimento de si mesmo, penetrando na sua realidade íntima e descobrindo inexauríveis recursos que nela jazem inexplorados.

Meditar significa reunir os fragmentos da emoção num todo harmonioso que elimina as fobias e as ansiedades, liberando os sentimentos que encarceram o indivíduo, impossibilitando-lhe o avanço para o progresso.

As compressões e excitações do mundo agitado e competitivo, bem como as insatisfações e rebeldias íntimas, geram um campo de conflito na personalidade, que termina por enfermar o indivíduo que se sente desagregado.

 

No revigoramento das disposições otimistas

Algumas instruções singelas são úteis para quem deseje renovar as energias, reoxigenar as células da alma e revigorar as disposições otimistas para a ação do progresso espiritual.

A respiração calma, em ritmo tranquilo, e profundo, é fator preponderante para o exercício da meditação.

Logo após, o relaxamento dos músculos, eliminando os pontos de tensão nos espaços físicos e mentais, mediante a expulsão da ansiedade e da falta de confiança.

Em seguida, manter-se sereno, imóvel quanto possível, fixando a mente em algo belo, superior e dinâmico, qual o ideal de felicidade, além dos limites e das impressões objetivas.

Por esse processo, há uma identificação entre a criatura e o Criador, compreendendo-se, então, quem se é, por que e para que se vive.

Não é momento de interrogações do intelecto, ou da meditação; é de silêncio.

Não se persegue um alvo à frente; antes se harmoniza no todo.

Não se aplicam métodos complexos ou conceitos racionais; porém, se anula a ação do pensamento para sentir, viver e tornar-se luz.

O indivíduo, na sua totalidade, medita, realiza-se, libera-se da matéria, penetrando na faixa do mundo extrafísico.

Os pensamentos e sentimentos, inicialmente, serão parte da meditação, até o momento em que já não lhe seja necessário pensar ou aspirar, mas apenas ser.

Habitua-te à meditação, após as fadigas.

Poucos minutos ao dia, reserva-os à meditação, à paz que renova para outros embates.

Terminado o teu refazimento, ora e agradece a Deus a bênção da vida, permanecendo disposto para a conquista dos degraus de ascensão que deves cavalgar com otimismo e vigor.

Conhece-te a ti mesmo, já enunciava Sócrates quase quatro séculos antes de Jesus, propagando, assim, o conceito do sábio grego Sólon que vira grafado no templo de Delfos na Grécia.

Através dos exercícios de autoconhecimento[3], vamos, pouco a pouco, trazendo à luz potencialidades da alma, que jazem latentes sob a ganga de nossa ignorância; e assim, com nossos próprios recursos vamos estabelecendo um padrão de equilíbrio, segurança e absoluta confiança em nós mesmos, emancipando-nos em definitivo das fobias e ansiedades que pululam à nossa volta.

O melhor de tudo isso será constatar que, quando formos chamados para a Grande Olimpíada, estaremos aptos a subir no pódio da definitiva alforria espiritual, quiçá recebendo uma contratação para nos transferirmos para um Orbe feliz dos muitos que existem na Casa do Pai.



[2] FRANCO, Divaldo Pereira. Alegria de viver. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: LEAL, 1987. cap. 16.

______. Autodescobrimento, uma busca interior. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: LEAL, 1995.

[3] KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 33º ed. Rio de Janeiro: FEB, 1974. pt. 3, cap. 12, questão 919ª.