domingo, 31 de janeiro de 2016

"IMPLOSÕES" PSICOLÓGICAS[1]



Jane Maiolo
 
E ele lhes disse: Que palavras são essas que, caminhando, trocais entre vós, e por que estais tristes? Lucas 24:17[2]
O eminente psicólogo austríaco Dr. Alfred Adler registra em suas anotações um estudo sobre os complexos evidenciados no comportamento do ser humano.
Segundo a teoria de Adler, o meio social e a preocupação contínua do indivíduo em alcançar objetivos preestabelecidos são os determinantes básicos do comportamento humano, o que inclui a sede de poder e a notoriedade.
Os complexos de inferioridade, provocados pelo conflito com o envolvimento social, podem traduzir-se numa dinâmica patológica tais como as psicoses e as neuroses, que devem ser tratadas de um ponto de vista psicoterapêutico, eis um quadro alarmante que se multiplica todos os dias na estrutura social. Vivendo imperativas preocupações, o homem, em sua imaturidade emocional e espiritual, se depara com grandes desequilíbrios das emoções, decorrendo em si mesmo as “implosões” psíquicas.
A “Implosão” psicológica é um comportamento, às vezes, inconsciente, provocado pela demolição das nossas expectativas de auto-realizações, utilizando de explosivos emocionais silenciosos como a culpa, a indignação, a frustração, o constrangimento e o sentimento de falibilidade exagerado, causando o desmoronamento de construções emotivas de forma rápida e inapelável.
Estamos em trânsito temporário no corpo físico, não podemos esquecer! Somos espíritos! Estamos vivenciando momentos singulares nas nossa curta e breve existência. O mundo se agita em torno de múltiplos acontecimentos que impactam nos instantes felizes ou menos felizes, nos malogros e nos lauréis.
Catástrofes, terrorismo, epidemias, orfandade, drogas, corrupção, prostituição, indiferença, dentre outras circunstâncias que tendem a diminuir ou desvalorizar o ser imortal que somos.
Os discursos jazem cada vez mais vazios, massificantes, insultuosos e segregadores. É imprescindível amadurecermos nossas concepções de vida sob os apelos do Evangelho, expandirmos as perspectivas de alteridade a fim de pensar em fazer diferença numa sociedade que clama por união, respeito e dignidade.
A solidariedade nunca esteve tão ausente entre as nações. A corrupção nunca esteve tão presente entre as pessoas. A crise moral nunca foi tão avassaladora.
O Cristo que não abdicou do comando da Terra nos adverte: Que palavras são essas que, caminhando, trocais entre vós, e por que estais tristes? Por que estamos caminhando tão abatidos moralmente?
Será que não temos nada a realizar diante de tantas solicitações de socorro?
Onde estávamos enquanto milhões de pessoas estavam expondo suas vidas a fim de extirpar todo tipo de preconceito? Onde nos encontrávamos quando a multidão se mobilizou contra a má gestão pública denunciando a corrupção? Onde jazíamos quando manifestantes se mobilizaram nas ruas em defesa da vida contra o aborto? Onde nos localizávamos quando os aidéticos saíram nas praças e avenidas bradando para que órgãos governamentais minimizem seus dramas? Onde nos achávamos durante os legítimos clamores dos excluídos sociais?
Diante dos infortúnios públicos ou camuflados, dos manifestos populares que redesenharam as vias públicas no intento serem escutadas suas velhas reivindicações, quais têm sido as nossas reações psíquicas? Indiferença? Indignação sonolenta? Oração construtiva? Nutrimos esperança? (quando estamos sem entusiasmo, necessitamos ter esperança, que é diferente de ficar esperando, esperançar é sonhar, é definir o que se quer, e o como irá alcançar, então esperançar passa a ser uma força que nos torna resilientes.
A África sucumbe sob os olhares dos países ricos, resistindo sob o açoite da fome, das doenças, combatendo os terroristas religiosos.
Os conflitos no Oriente Médio se multiplicam. As instituições protetoras dos animais agonizam em busca de recursos financeiros a fim de cuidar e proteger os animais abandonados pelos impassíveis e enfim, momento de mobilizar os recursos afetivos que já conquistamos e testemunhar o “amai-vos uns aos outros”.
Se não somos capazes de incorporar as fileiras daqueles que lutam com dignidade, que tenhamos a compostura de orar para que o bom ânimo nunca falte àqueles que carregam em seus ombros grandes responsabilidades nas suas demandas.
Deixemos o discurso vazio para rechearmos o coração de sentimentos solidários.
Jesus não necessita que defendamos nenhuma doutrina na sua pureza ou na sua aplicação, mas aguarda de nós que possamos diminuir as aflições no mundo.
Não resta a menor dúvida que a única religião digna de ser abraçada é aquela que aproxima o homem de Criador e não aquela que postula ascendência sobre as demais.
Cremos que todos nós podemos seguir a religião cósmica do amor! E sem “O constranger” pronunciaremos: Senhor, fica conosco, porque já é tarde, e já declinou o dia. De tal modo teremos o roteiro seguro do bom proceder e o alento consolador do maior psicoterapeuta a nos acompanhar na estrada da vida: Jesus.
 Tenhamos fé!

sábado, 30 de janeiro de 2016

A Grande Transição[1]


 
Joanna de Ângelis (espírito)
 
Opera-se, na Terra, neste largo período, a grande transição anunciada pelas Escrituras e confirmada pelo Espiritismo.
O planeta sofrido experimenta convulsões especiais, tanto na sua estrutura física e atmosférica, ajustando as suas diversas camadas tectônicas, quanto na sua constituição moral.
Isto porque, os espíritos que o habitam, ainda caminhando em faixas de inferioridade, estão sendo substituídos por outros mais elevados que o impulsionarão pelas trilhas do progresso moral, dando lugar a uma era nova de paz e de felicidade.
Os espíritos renitentes na perversidade, nos desmandos, na sensualidade e vileza, estão sendo recambiados lentamente para mundos inferiores onde enfrentarão as consequências dos seus atos ignóbeis, assim renovando-se e predispondo-se ao retorno planetário, quando recuperados e decididos ao cumprimento das leis de amor.
Por outro lado, aqueles que permaneceram nas regiões inferiores estão sendo trazidos à reencarnação, de modo a desfrutarem da oportunidade de trabalho e de aprendizado, modificando os hábitos infelizes a que se têm submetido, podendo avançar sob a governança de Deus.
Caso se oponham às exigências da evolução, também sofrerão um tipo de expurgo temporário para regiões primárias entre as raças atrasadas, tendo o ensejo de serem úteis e de sofrer os efeitos danosos da sua rebeldia.
Concomitantemente, espíritos nobres que conseguiram superar os impedimentos que os retinham na retaguarda, estarão chegando, a fim de promoverem o bem e alargarem os horizontes da felicidade humana, trabalhando infatigavelmente na reconstrução da sociedade, então fiel aos desígnios divinos.
Da mesma forma, missionários do amor e da caridade, procedentes de outras Esferas estarão revestindo-se da indumentária carnal para tornar essa fase de luta iluminativa mais amena, proporcionando condições dignificantes que estimulem ao avanço e à felicidade.
Não serão apenas os cataclismos físicos que sacudirão o planeta, como resultado da lei de destruição, geradora desses fenômenos, como ocorre com o outono que derruba a folhagem das árvores, a fim de que possam enfrentar a invernia rigorosa, renascendo exuberantes com a chegada da primavera, mas também os de natureza moral, social e humana que assinalarão os dias tormentosos, que já se vivem.
Os combates apresentam-se individuais e coletivos, ameaçando de destruição a vida com hecatombes inimagináveis.
A loucura, decorrente do materialismo dos indivíduos, atira-os nos abismos da violência e da sensatez, ampliando o campo do desespero que se alarga em todas as direções.
Esfacelam-se os lares, desorganizam-se os relacionamentos afetivos, desestruturam-se as instituições, as oficinas de trabalho convertem-se em áreas de competição desleal, as ruas do mundo transformam-se em campos de lutas perversas, levando de roldão os sentimentos de solidariedade e de respeito, de amor e de caridade...
A turbulência vence a paz, o conflito domina o amor, a luta desigual substitui a fraternidade.
... Mas essas ocorrências são apenas o começo da grande transição.
 * * *
A fatalidade da existência humana é a conquista do amor que proporciona plenitude. Há, em toda a parte, uma destinação inevitável, que expressa à ordem universal e a presença de uma Consciência Cósmica atuante.
A rebeldia que predomina no comportamento humano elegeu a violência como instrumento para conseguir o prazer que lhe não chega de maneira espontânea, gerando lamentáveis consequências, que se avolumam em desaires contínuos.
 É inevitável a colheita da sementeira por aqueles que a fez, tornando-se rico de grãos abençoados ou de espículos venenosos.
Como as leis da vida não podem ser derrogadas, toda objeção que lhes faz converte-se em aflição, impedindo a conquista do bem-estar.
Da mesma forma, como o progresso é inevitável, o que não seja conquistado através do dever, sê-lo-á pelos impositivos estruturais de que o mesmo se constitui.
A melhor maneira, portanto, de compartilhar conscientemente da grande transição é através da consciência de responsabilidade pessoal, realizando as mudanças íntimas que se tornem próprias para a harmonia do conjunto.
Nenhuma conquista exterior será lograda se não proceder das paisagens íntimas, nas quais estão instalados os hábitos. Esses, de natureza perniciosa, devem ser substituídos por aqueles que são saudáveis, portanto, propiciatórios de bem-estar e de harmonia emocional.
Na mente está a chave para que seja operada a grande mudança. Quando se tem domínio sobre ela, os pensamentos podem ser canalizados em sentido edificante, dando lugar a palavras corretas e a atos dignos.
O indivíduo, que se renova moralmente, contribui de forma segura para as alterações que se vêm operando no planeta.
 Não é necessário que o turbilhão dos sofrimentos gerais o sensibilize, a fim de que possa contribuir eficazmente com os espíritos que operam em favor da grande transição.
Dispondo das ferramentas morais do enobrecimento, torna-se cooperador eficiente, em razão de trabalhar junto ao seu próximo pela mudança de convicção em torno dos objetivos existenciais, ao tempo em que se transforma num exemplo de alegria e de felicidade para todos.
O bem fascina todos aqueles que o observam e atrai quantos se encontram distantes da sua ação, o mesmo ocorrendo com a alegria e a saúde.
São eles que proporcionam o maior contágio de que se tem notícia e não as manifestações aberrantes e afligentes que parecem arrastar as multidões. Como escasseiam os exemplos de júbilo, multiplicam-se os de desespero, logo ultrapassados pelos programas de sensibilização emocional para a plenitude.
A grande transição prossegue, e porque se faz necessária, a única alternativa é examinar-lhe a maneira de como se apresenta e cooperar para que as sombras que se adensam no mundo sejam diminuídas pelo Sol da imortalidade.
 Nenhum receio deve ser cultivado, porque, mesmo que ocorra a morte, esse fenômeno natural é veículo da vida que se manifestará em outra dimensão.
 * * *
A vida sempre responde conforme as indagações morais que lhe são dirigidas.
As aguardadas mudanças que se vêm operando trazem uma ainda não valorizada contribuição, que é a erradicação do sofrimento das paisagens espirituais da Terra.
 Enquanto viceje o mal, no mundo, o ser humano torna-se-lhe vítima preferida, em face do egoísmo em que se estorcega, apenas por eleição espiritual.
A dor momentânea que o fere, convida-o por outro lado, à observância das necessidades de seguir a correnteza do amor no rumo do oceano da paz.
Logo passado o período de aflição, chegará o da harmonia.
Até lá, que todos os investimentos sejam de bondade e de ternura, de abnegação e de irrestrita confiança em Deus.



[1] Mensagem psicografada pelo médium Divaldo Pereira Franco, no dia 30 de Julho de 2006, no Rio de Janeiro, RJ. Publicada na revista ‘Presença Espírita’, Setembro/Outubro 2006, Nº 256, páginas 28 e 29.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

As leis da comunicação espírita[1]

 

Sabemos que tudo vibra e irradia no Universo porque tudo é força, luz e vida. Penetra a Natureza, em seus menores átomos, uma energia infinita – origem de todos os fenômenos. Identicamente, cada Espírito, livre ou encarnado, possui, conforme o seu grau de adiantamento e de pureza, uma irradiação cada vez mais rápida, intensa, luminosa.
A lei das atrações e correspondências rege todas as coisas; as vibrações, atraindo vibrações similares, aproximam e vinculam as almas, os corações, os pensamentos.
Nossos maus desejos e concupiscências criam em torno de nós uma atmosfera fluídica impura, propícia à ação das influências da mesma ordem, ao passo que as nobres aspirações atraem as salutares vibrações, as irradiações das esferas superiores.
Tal é o princípio da evolução; reside na capacidade, que possui o indivíduo, de assimilar as forças misteriosas da Natureza, para se elevar, mediante o seu auxílio, e ascender gradualmente até à causa das causas, à fonte inexaurível de que procede toda a vida.
A escala ascensional comporta planos sucessivos e superpostos; em cada um deles os seres são dotados do mesmo estado vibratório, de meios análogos de percepção que lhes permitem reconhecer-se mutuamente, ao passo que se lhes conservam invisíveis e muitas vezes mesmo incognoscíveis os seres dos planos superiores, em consequência de seu estado vibratório mais acelerado e de suas condições de vida mais sutis e mais perfeitas.
É o que aos Espíritos acontece, entre si, conforme seus diferentes graus de purificação, e a nós mesmos em relação a eles. Assim, porém, como se pode ampliar o campo da visão humana com o auxílio dos instrumentos de óptica, também se pode aumentar ou reduzir a soma das vibrações, de sorte que atinjam um estado intermédio em que os modos de existência de dois planos distintos se combinem e entrem em correspondência.
Para comunicar conosco deverá o Espírito amortecer a intensidade de suas vibrações, ao mesmo tempo em que ativará as nossas. Nisso o pode o homem voluntariamente auxiliar; o ponto a atingir constitui para ele o estado de mediunidade.
Sabemos que a mediunidade, no maior número de suas aplicações, é a propriedade que têm alguns dentre nós de se exteriorizar em graus diversos, de se desprender do envoltório carnal e imprimir mais amplitude a suas vibrações psíquicas. Por seu lado, o Espírito libertado pela morte se impregna de matéria sutil e atenua suas radiações próprias, a fim de entrar em uníssono com o médium.
Aqui se fazem necessários uns algarismos explicativos. Admitamos, a exemplo de alguns sábios, que sejam de 1.000 por segundo as vibrações normais do cérebro humano. No estado de “transe”, ou de desprendimento, o invólucro fluídico do médium vibra com maior intensidade, e suas radiações atingem a cifra de 1.500 por segundo. Se o Espírito, livre no espaço, vibra à razão de 2.000 no mesmo lapso de tempo, ser-lhe-á possível, por uma materialização parcial, baixar esse número a 1.500. Os dois organismos vibram então simpaticamente; podem estabelecer-se relações, e o ditado do Espírito será percebido e transmitido pelo médium em transe sonambúlico.
É essa harmonização das ondas vibratórias que imprime às vezes ao fenômeno das incorporações tamanha precisão e nitidez. Nos outros estados de mediunidade o pensamento do Espírito se poderá igualmente comunicar por vibrações correspondentes, posto que menos intensas que as vibrações iniciais, do mesmo modo que uma nota musical se repete, de oitava em oitava, desde a clave mais alta a mais baixa da vibração harmônica.
*
No homem, a inteligência e o desenvolvimento do cérebro se acham em íntima correlação; uma não se pode manifestar sem o outro. À medida que o ser se eleva na escala humana, do mais selvagem ao mais civilizado, a fronte avulta, o crânio se amplia, ao mesmo tempo em que se expande a inteligência. Quando o desenvolvimento exterior atinge o apogeu, o pensamento aumenta a energia interna do cérebro, multiplicando as linhas, cavando sulcos; desenha estrias, inúmeras circunvoluções; forma protuberâncias. Faz do cérebro um mundo maravilhoso e complicado, a tal ponto que o exame desse órgão, ainda vibrante das impressões da vida que acaba de escapar-se, é um dos mais atraentes espetáculos para o fisiologista.
Temos nisso uma prova de que o pensamento trabalha e afeiçoa o cérebro, e de que há íntima relação entre eles. Um é o admirável instrumento, o teclado, que o outro dedilha, fazendo-o desferir todas as harmonias da inteligência e do sentimento.
Como, porém, se exerce a ação do pensamento sobre a matéria cerebral? Pelo movimento. O pensamento imprime às moléculas do cérebro movimentos vibratórios de variada intensidade.
Vimos que tudo na Natureza se resume em vibrações, perceptíveis para nós enquanto estão em harmonia com o nosso próprio organismo, mas que nos escapam desde que são muito rápidas ou demasiado lentas. Nossa capacidade de visão e de audição é limitadíssima; mas, além do limite que nos traça, as forças da Natureza continuam a vibrar com vertiginosa rapidez, sem que percebamos coisa alguma.
Pois bem: exatamente como os sons e a luz, os sentimentos e os pensamentos se exprimem por vibrações, que se propagam pelo espaço com intensidades diferentes.
Os pensamentos de cólera e de ódio, as eternas súplicas de amor, o lamento do desgraçado, os gritos de paixão, os impulsos de entusiasmo, vão, pela imensidade a fora, referindo a todos a história de cada um e a história da Humanidade. As vibrações de cérebros pensantes, de homens ou de Espíritos, se cruzam e entrecruzam ao infinito, sem jamais se confundirem. Em torno de nós, por toda à parte, na atmosfera, rolam e passam, como torrentes incessantes, fluxos de ideias, ondas de pensamentos, que impressionam os sensitivos e são muitas vezes causa de perturbação e erro nas manifestações.
Dizemos: homens ou Espíritos. Com efeito, o que o cérebro humano emite sob forma de vibrações, o cérebro fluídico do Espírito projeta sob forma de ondas mais extensas, de radiações que vibram com mais largo e poderoso ritmo, por isso que as moléculas fluídicas, mais flexíveis, mais maleáveis que os átomos do cérebro físico, obedecem melhor à ação da vontade.
Entretanto esses cérebros, humanos e espirituais, encerram as mesmas energias. Ao passo que, porém, em nosso cérebro mortal essas energias dormitam ou vibram debilmente, nos Espíritos atingem o máximo de intensidade. Uma comparação nos fará melhor apreender esse fenômeno.
Encontra Ch. Drawbarn[2] essa comparação em um bloco de gelo, em que se acham contidas em estado latente todas as potencialidades que mantêm unidos os cristais de que ele se compõe. Submetido esse bloco à ação do calor, desprendem-se forças, que irão crescendo até que, transformado o gelo para o estado de vapor, tenha ele readquirido e manifestado todas as energias que encerra. Poder-se-ia comparar o nosso cérebro a esse bloco de gelo, debilmente vibratório sob a ação restrita do calor, ao passo que o do Espírito será o vapor tornado invisível, porque vibra e irradia com demasiada rapidez para que possa ser percebido pelos nossos sentidos.
A diferença dos estados se complica com a variedade das impressões. Sob a influência dos sentimentos que os animam, desde a calma do estudo às tempestades da paixão, as almas e os cérebros vibram em graus diversos, obedecendo a velocidades diferentes; a harmonia não se pode estabelecer entre eles senão quando se igualam suas ondas vibratórias, como acontece com os diapasões idênticos ou com as placas telefônicas. Um cérebro de lentas e débeis excitações não se pode harmonizar com outros cujos átomos são animados de um movimento vertiginoso.
Nas comunicações espíritas a dificuldade, portanto, consiste em harmonizar vibrações e pensamentos diferentes. É na combinação das forças psíquicas e dos pensamentos entre os médiuns e os experimentadores, de um lado, e entre estes e os Espíritos, do outro, que reside inteiramente à lei das manifestações.
São favoráveis as condições de experimentação quando o médium e os assistentes constituem um grupo harmônico, isto é, quando pensam e vibram em uníssono. No caso contrário, os pensamentos emitidos e as forças exteriorizadas se embaraçam e anulam reciprocamente. O médium, em meio dessas correntes contrárias, experimenta uma opressão, um mal-estar indefinível; sente-se mesmo, às vezes, como que paralisado, sucumbido. Será necessária uma poderosa intervenção oculta para produzir o mínimo fenômeno.
Mesmo quando é completa a harmonia entre as forças emanadas dos assistentes, e os pensamentos convergem para um objetivo único, uma outra dificuldade se apresenta. Pode essa união de forças e vontade ser suficiente para provocar efeitos físicos e mesmo fenômenos intelectuais, que vão logo sendo atribuídos à intervenção de personalidades invisíveis. É prudente e de bom aviso só admitir, por conseguinte, essa intervenção, quando estabelecida por fatos rigorosos.
*
Muitas pessoas se admiram e ficam hesitantes às primeiras dificuldades que encontram em suas tentativas de comunicar com os Espíritos. E perguntam por que é tão rara, tão pouco concludente a intervenção destes, e por que não está a Humanidade inteira familiarizada com um fato de tal magnitude.
Outras, prosseguindo as investigações, obtêm provas satisfatórias e tornam-se adeptas convictas. Entretanto, objetam ainda que os seres amados que têm no Espaço, parentes e amigos falecidos, apesar de seus veementes desejos e reiteradas solicitações, nunca lhes deram o menor testemunho de sua presença, e esse insucesso lhes deixa uns restos de dúvida, de desagradável incerteza. Era esse o sentimento que o próprio Sr. Flammarion exprimia numa publicação recente.
Ora, todo experimentador esclarecido facilmente a si mesmo explicará a razão de tais malogros. Vosso desejo de comunicar com determinado Espírito e igual desejo da parte deste não bastam só por si; é preciso que ainda outras condições se reúnam, determinadas pela lei das vibrações.
Vosso amigo invisível escuta os chamados que lhe dirigis e procura responder-vos.
Sabe que, para comunicar convosco, é preciso que vosso cérebro físico e o cérebro fluídico dele vibrem em uníssono. Aí surge uma primeira dificuldade. Seu pensamento irradia com demasiada velocidade para que o possais perceber. Será, pois, o seu primeiro cuidado imprimir às suas vibrações um movimento mais lento. Para isso um estudo mais ou menos prolongado se tornará preciso, variando as probabilidades de êxito conforme as aptidões e experiências do operador. Se falha a tentativa, toda comunicação direta se torna impossível, e ele terá que confiar a um Espírito mais poderoso ou mais hábil a transmissão de seus ditados. É o que frequentemente acontece nas manifestações. Supondes receber o pensamento direto de vosso amigo, e, entretanto, ele não vos chega senão graças ao auxílio de um intermediário espiritual. Daí certas inexatidões ou obscuridades, atribuíveis ao transmissor, que vos deixam perplexo, ao passo que a comunicação, em seu conjunto, apresenta todos os caracteres de autenticidade.
Na hipótese de que vosso amigo do outro mundo disponha dos poderes necessários, ser-lhe-á preciso procurar um médium cujo cérebro, por seus movimentos vibratórios, seja suscetível de se harmonizar com o seu. Há, porém, tão grande variedade entre os cérebros como entre as vozes ou as fisionomias; identidade absoluta não existe. O Espírito será forçado a contentar-se com o instrumento menos impróprio ao resultado que se propõe. Achado esse instrumento, aplicar-se-á a lhe desenvolver as qualidades receptivas. Poderá conseguir o desejado êxito em pouco tempo; algumas vezes, porém, serão necessários meses, anos, para conduzir o médium ao requerido grau de sensitividade.
Ou bem podeis ser vós mesmos esse médium, esse sensitivo. Se tendes consciência de vossas faculdades, se vos prestais à ação do Espírito, alcançareis decerto o fim que ele atingir. Para isso se requerem, ao mesmo tempo, paciência, perseverança, continuidade, regularidade de esforços. Possuireis acaso essas qualidades? Vossa força de vontade será sempre igual e inquebrantável? Se procedeis de modo incoerente, hoje com ardor, amanhã tíbio, de tal jeito que as vibrações do vosso cérebro variem em consideráveis proporções, não tereis de vos admirar da diferença e mesmo da nulidade dos resultados.
Pode acontecer que, sentindo-se impotente para ativar em grau suficiente, no estado de vigília, as vibrações do vosso cérebro, recorra o vosso amigo invisível ao “transe” e, pelo sono, vos procure tornar inconsciente. Então vosso perispírito se exterioriza; suas irradiações aumentam, se dilatam; a transmissão se faz possível; exprimis o pensamento do Espírito. Ao despertardes, contudo, não conservareis lembrança alguma do ocorrido, e pelos outros é que sabereis o que tiverem proferido vossos lábios.
Todos esses fenômenos são regidos por leis rigorosas; quaisquer que sejam vossas faculdades, vossos desejos, se não podeis satisfazer as suas exigências, vossos pais e amigos falecidos, todas as legiões invisíveis, debalde agiriam sobre vós. Ocorre, todavia, encontrardes desconhecidos, homens ou mulheres, que o acaso parece colocar em vosso caminho. Nada sabem dessas coisas. A ciência do além-túmulo pode ser para eles letra morta; entretanto, possuem um organismo que vibra harmonicamente com o pensamento de vossos parentes, de vosso irmão ou mãe, e por seu intermédio podem estes convosco entreter colóquios expansivos.
Poderei, a título de exemplo, citar o seguinte fato: meu pai, falecido havia quinze anos, nunca se tinha podido comunicar, no seio do grupo cujos trabalhos muito tempo dirigi, por nenhum dos médiuns que aí se haviam sucedido. Apenas um deles o tinha podido entrever como vaga e indistinta sombra. Perdera eu toda a esperança de conversar com ele, quando uma noite, em Marselha, por ocasião de uma visita de despedida feita a uma família amiga, chega uma senhora, que não aparecia há mais de um ano, e, trocados os cumprimentos habituais, toma lugar ao nosso lado. Em meio de nossa conversação ela cai num sono espontâneo, e, com grande surpresa minha, o Espírito de meu pai, que ela jamais havia conhecido, se manifesta por seu intermédio, dá-me as mais irrecusáveis provas de identidade e, numa enternecida efusão, descreve as sensações, as emoções que experimentara desde o momento da separação.
*
Do conjunto dos estudos sobre as vibrações harmônicas dos cérebros uma comprovação resulta: é que, pela orientação e persistência de nossos pensamentos, podemos modificar as influências que nos rodeiam e entrar em relação com inteligências e forças similares. Esse fato não é unicamente exato a respeito dos sensitivos e dos médiuns; também se dá com todo ser pensante. As influencias do Além podem irradiar sobre nós, sem que haja comunicação consciente com os seres que o povoam. Não é necessário acreditar na existência do mundo dos Espíritos e querer conhece-lo, para lhe experimentar os efeitos. A lei das atrações é inelutável; tudo no homem lhe está submetido. Por isso a censura que dirigem aos espíritas, acusando-os de atrair exclusivamente, em virtude de suas práticas, as forças maléficas do Universo, é insubsistente diante dos fatos.
Depende do homem receber as mais diversas inspirações, desde as sublimes às mais grosseiras. O nosso estado mental é como uma brecha por onde amigos ou inimigos podem penetrar em nós. Os sensuais atraem Espíritos sensuais que se associam a seus atos e desejos e lhes aumentam a intensidade; os criminosos atraem violentos que os impelem cada vez mais longe na prática do mal. O inventor é auxiliado por investigadores do Além. O orador tem a percepção de imagens, que fixará em arroubos de eloquência próprios a emocionar as multidões. O pensador, o músico, o poeta receberão as vibrações das esferas em que o verdadeiro e o belo constituem um objeto de culto; almas superiores e poderosas lhes transfundirão as opulências da inspiração, o sopro divino que acaricia as frontes sonhadoras e produz as maravilhas do gênio, do talento.
Assim, de um ao outro plano, responde o Espírito às solicitações do Espírito. Todos os planos espirituais se ligam entre si. Os instintos de ódio, de depravação e crueldade atraem os Espíritos do abismo. A frivolidade atrai os Espíritos levianos; mas a prece do homem de bem, a súplica por ele dirigida aos Espíritos celestes se eleva e repercute nota a nota, na gama ascensional, até às mais elevadas esferas, ao mesmo tempo em que das regiões profundas do Infinito descem sobre ele as ondas vibratórias, os eflúvios do pensamento eterno, que o penetram de uma corrente de vida e de energia. O Universo inteiro vibra sob o pensamento de Deus.


[1] No Invisível – Léon Denis – FEB – Capítulo VIII – As Leis da Comunicação Espírita
[2] Professor Ch. Drawbarn, THE SCIENCE OF THE COMMUNICATION

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Jean Baptiste Roustaing, o inimigo de Allan Kardec[1]



Josué de Freitas
 
Jean Baptiste Roustaing foi um advogado francês, nascido em Bordéus. Viveu na França, no tempo em que Allan Kardec estava preparando a Codificação. Chegou a trocar algumas correspondências com o Codificador, mas a amizade entre ambos não foi adiante.

Com a ajuda da médium Émile Collignon, Roustaing publicou ditados de alguns Espíritos que os assistiam, denominados mais tarde de "Os Quatro Evangelhos" ou "Revelação da Revelação". Essas obras se caracterizavam por apresentarem graves contradições doutrinárias em relação aos princípios do Espiritismo. Allan Kardec fez algumas críticas a esses escritos, que acabaram por desagradar profundamente o advogado. Roustaing e seus discípulos, aborrecidos, fizeram uma resposta ao Codificador, inserida no livro primeiro de sua obra, depois retirada arbitrariamente pela Federação Espírita Brasileira – FEB, adepta das teses roustainguistas (veja o documento [2]).

Os Espíritos que ditaram "Os Quatro Evangelhos" disseram ser nada menos que os Evangelistas, assistidos pelos Apóstolos e pelo profeta Moisés. Além dessa superioridade suspeita, ainda afirmaram que a obra era a "Revelação da Revelação", algo mais especial e superior à própria Codificação. Tratava-se de um fato estranho. Por que o Alto enviaria uma outra revelação no mesmo tempo em que Allan Kardec dava vida ao Espiritismo, a Terceira Revelação? Ninguém explicava o fato.

As entidades desencarnadas que trabalhavam com Roustaing e Collignon , usavam de meios estranhos ao sistema espírita: eram totalmente alheios do Controle Universal dos Espíritos. Uma grande insensatez que os roustainguistas não se davam conta.

Se os livros de Jean Baptiste Roustaing tivessem ficado na França, possivelmente logo teriam desaparecido. Mas eles vieram parar no Brasil e, por meio de uma série de acontecimentos ligados ao nascimento do Movimento Espírita, tornaram-se o próprio espírito do sistema.

Tudo começou na gênese da Federação Espírita Brasileira - FEB. Quando os primeiros grupos espíritas estavam se formando, alguns deles já possuíam as obras de J. B. Roustaing. Numa sessão histórica, ocorrida em fevereiro de 1889 na Sociedade Espírita Fraternidade, no Rio de Janeiro, o médium Frederico Pereira da Silva recebeu uma mensagem que fora assinada pelo Espírito do próprio Codificador. Dentre outras incoerências ditadas pela entidade, o suposto Allan Kardec dizia que um Espírito chamado Ismael iria guiar o Movimento Espírita Brasileiro.

Iniciavam-se assim, as distorções no sistema espírita nascente. A metodologia kardequiana e as instruções de Allan Kardec para estruturarem o Movimento Espírita começavam a ser deixadas de lado. O comando do movimento seria passado a uma entidade e, no lado material, sua direção estaria entregue a uma só casa espírita, que assumiu o papel de Comitê Central, sem no entanto guiar-se pelas suas regras. Nascia o embrião da FEB, chamada depois de Casa Máter do Espiritismo e eleita por seus seguidores como a representante do Cristo na Terra.

Ninguém percebeu, mas o espírito do sistema espírita assemelhava-se ao Catolicismo que, também a seu modo, dizia representar Deus na Terra. Neste tempo, havia desentendimentos entre os grupos espíritas sobre as práticas e os delineamentos em torno do futuro. Alguns centros, denominados "científicos", preferiam um Espiritismo mais objetivo e prático. O grupo sob a influência de Ismael, no entanto, não pensava assim. Como era místico, preferia uma conduta mais voltada à religiosidade. Logo tratou de convencer uma importante figura da época a passar para suas fileiras. Tratava-se de Bezerra de Menezes. Com a ajuda dele, a FEB conseguiu dominar a maioria das sociedades espíritas.

Bezerra era um homem ponderado e político. Por ter saído recentemente das fileiras católicas, adaptou-se rapidamente ao misticismo de Ismael. Os principais centros espíritas da época estudavam as teorias kardequianas, mas os místicos tinham uma especial atenção com os Evangelhos de Roustaing, porque os consideravam um "curso superior" de Espiritismo. Allan Kardec passou então a ser interpretado à luz do pensamento roustainguista.

A comunicação de Allan Kardec, dada através do médium Frederico, era apócrifa. Porém, por falta de espírito crítico, todos a aceitaram, pensando tratar-se mesmo de uma mensagem do Codificador. Na verdade, manifestava-se o espírito Ismael, ligado ao círculo de ideias de J. B. Roustaing. O Espírito preparava o terreno para estabelecer um campo de atuação imenso, a conhecida "Seara de Ismael". Encontrando nos brasileiros profundas raízes católicas, não teve dificuldades para criar uma espécie de "catolicismo espírita".

Quando se examina "Os Quatro Evangelhos", de J. B. Roustaing, começa-se a entender mais facilmente as raízes dos problemas existentes no Movimento Espírita, e os motivos pelos quais os centros costumam assemelhar-se a pequenas igrejas. Os Espíritos que ditaram as obras de Roustaing eram uma falange de entidades ligadas à Igreja Católica medieval.

Nos Quatro Evangelhos, Maria é virgem. Para mantê-la como na Igreja, os Espíritos roustainguistas criaram um Jesus de corpo fluídico, que não teria tido encarnação. Assim, a sexualidade de Maria não macularia o Senhor. O Jesus divinizado da Igreja transformou-se no Jesus sem pecados de Roustaing que, segundo seus livros, jamais encarnou e teve evolução em linha reta, diferente dos outros irmãos seus. Como a carne na Igreja é símbolo do pecado, os Quatro Evangelhos também a abominaram, como sendo algo sujo e colocaram a encarnação como fruto do castigo.

Através da Federação Espírita Brasileira - FEB, Ismael aproximou-se de Francisco Cândido Xavier, o famoso médium de Uberaba, MG, e ditou-lhe uma obra que seria o corolário do "Trono de Deus" na Terra: "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho". Embora com o nome do respeitável Humberto de Campos (Irmão X) para impor-se com mais facilidade, as ideias exaradas são as mesmas. Qualquer observador que lê "Lázaro Redivivo" e "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" nota que eles foram escritos por dois Espíritos de características diferentes, principalmente quanto ao caráter. O suposto "Irmão X", do "Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", faz pura apologia à FEB, e cria a lenda de Ismael, para deleite de seus seguidores. Foi assim que nasceu o livro que faria os espíritas acreditarem que o Brasil estava destinado a governar o mundo. Por trás dessa obra estava a FEB; atrás dela, o Grupo Ismael e, no invisível, o "anjo" com sua falange.

Em alguns períodos distintos, o "anjo" Ismael exerceu uma influência estranha no trabalho mediúnico de Chico Xavier. As pessoas que o assessoravam não perceberam a presença dessa entidade e deixaram passar nos livros psicografados pelo médium alguns conceitos eminentemente roustainguistas e mesmo certas contradições doutrinárias patentes. O Espírito não se importou de assinar algumas comunicações com os nomes do eminente Emmanuel e mesmo do pródigo André Luiz.

No livro "O Consolador", o Espírito comete um erro primário: diz que não recomenda a ninguém que se faça evocações (como na Igreja) e que seria mais seguro esperar que as manifestações ocorressem espontaneamente. Mal sabia que o Codificador havia dito justamente o contrário, que as comunicações espontâneas é que são as mais perigosas. E não para aí. Assume uma posição favorável à existência das almas gêmeas, contrariando a teoria básica de "O Livro dos Espíritos". O erro é grosseiro e a FEB trata de corrigi-lo rapidamente. A entidade confunde a localização da sede da memória, dizendo que ela se encontra no perispírito, parafraseando o erro histórico de Gabriel Dellane, contrariando ambos os ensinamentos dos Espíritos superiores.

A força dos livros psicografados, corroborada pela exemplar idoneidade de Francisco Cândido Xavier, tornou-se poderosa alavanca para a expansão das ideias ismaelinas. Formou-se o sistema espírita que conhecemos, com características eminentemente católicas. Hoje, o espírito de Roustaing continua mais presente do que nunca. Pode-se encontrá-lo na mentalidade de algumas federações, nas atitudes passivas dos espíritas, na falta de gosto pelo estudo, no pouco conhecimento doutrinário, nas palavras vazias de oradores pomposos, na política unificacionista (uma versão moderna do "Fora da Igreja não há salvação") e na imprensa espírita com suas gloríolas e ídolos. Os que afirmam não compreender a causa de tantas preocupações com a teoria roustainguista, não percebem que estão mergulhados nela, dirigidos por um sistema espírita entranhado por inércia, comodismo, fantasias e estagnação, emperrando o crescimento espiritual das criaturas.

O sistema de pensamento e investigação desenvolvido por Allan Kardec é o grande ausente no Movimento Espírita. No final de sua vida, o Codificador estava só. Alguns detratores seus, que se diziam espíritas, afirmavam que ele queria apoderar-se da verdade e se fazer dono do Espiritismo. Jean Baptiste Roustaing e seus seguidores estavam entre eles.

Pouco antes de desencarnar, o Codificador começou a preparar instruções para salvaguardar o movimento nascente de falsas interpretações. Não chegou a terminar seu trabalho. Quando se lê seus últimos apontamentos, nota-se, com tristeza, que suas preciosas instruções sobre a condução do Movimento Espírita jamais foram seguidas por seus adeptos. Bom número deles sequer conhece suas obras, instrui-se em livros subsidiários nem sempre idôneos e, frequentemente, é vítima de Espíritos enganadores.

Mudar essa mentalidade vigente, conduzindo parte desses seguidores de Allan Kardec ao encontro das instruções do Codificador do Espiritismo, é tarefa urgente. Espera-se que os espíritas sérios reúnam forças em torno desse ideal. Hoje, diversos grupos no país que buscam restabelecer essa base doutrinária.

Na cidade de São José do Rio Preto, SP, existe o Movimento de Reformas. Sua proposta é a de estimular os centros espíritas a se ajustarem conforme as orientações da Codificação, fazendo com que se instale neles o gosto pelo estudo, pelo raciocínio, pela investigação mediúnica e pelo trabalho metódico.

 
Nota: Os que não concordam com estes escritos certamente nos julgarão entregues às trevas e a serviço do mal. De nossa parte, continuaremos exercendo nosso direito de livre exame, analisando fatos, tirando conclusões, como discípulos da escola kardequiana que somos.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Diferenças e convivência[1]


 
ORSON PETER CARRARA -  orsonpeter92@gmail.com -  Matão, SP (Brasil)


Sobre as diferentes aptidões dos seres humanos, os Espíritos foram claros na Codificação. À indagação de Allan Kardec sobre as razões das desigualdades dessas aptidões, eles responderam que “Deus criou todos os Espíritos iguais, mas cada um deles tem maior ou menor vivência e, por conseguinte, maior ou menor experiência. A diferença está no grau da sua experiência e da sua vontade, que é o livre-arbítrio: daí, uns se aperfeiçoam mais rapidamente e isso lhes dá aptidões diversas. A variedade das aptidões é necessária, a fim de que cada um possa concorrer aos objetivos da Providência no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais: o que um não faz, outro faz. É assim que cada um tem um papel útil (...)” [2].

Ora, a resposta acima enseja vários desdobramentos. A própria indicação de maior ou menor vivência, de menos ou mais experiência, que naturalmente vai determinar o grau de vontade e liberdade, abre imensos espaços de atuação material e moral. Sim, porque cada um de nós só poderá agir com desenvoltura na área que conhece, em que tem experiência, que domina por vivência anterior, não necessariamente de existência passada.

Isso também leva a refletir que não se está impedido de iniciar campo novo de atuação, cuja constância e perseverança também levará a novas experiências e acúmulo de outras vivências, igualmente úteis em todo o processo evolutivo.

Na mesma resposta igualmente há a indicação do aperfeiçoamento mais rápido (que gera novas e constantes aptidões, nas diversas áreas) ou mais lento, a depender do esforço despendido e da movimentação da vontade nesse objetivo.


 O que causa os conflitos

Porém, os Espíritos são muito claros. Como ensinam, “a variedade das aptidões é necessária”. Cada um trará sua cota de contribuição, cada experiência será utilizada, cada força física ou intelectual concorrerá para o bem coletivo e todos têm um papel a desempenhar, sempre útil no conjunto geral, sempre bem de acordo com a Vontade Divina, útil e sábia.

O interessante, porém, é que nem sempre as diferenças – que devem concorrer para um objetivo útil, como bem indicado em O Livro dos Espíritos 2 – conseguem estabelecer elos de harmonia. Muitas vezes as diferenças individuais são causadoras de conflitos, fruto, é óbvio, da influência do orgulho e do egoísmo que ainda dominam a condição humana.

Allan Kardec, porém, traz a lucidez de seu pensamento em duas colocações – entre tantas no mesmo sentido – que transcrevemos parcialmente aos leitores:

a) “Se um grupo quer estar em condições de ordem, de tranquilidade e de estabilidade, é preciso que nele reine um sentimento fraternal. Todo grupo ou sociedade que se forma sem ter a caridade efetiva por base não tem vitalidade; ao passo que aqueles que serão fundados segundo o verdadeiro espírito da Doutrina se olharão como membros de uma mesma família, que, não podendo todos habitar sob o mesmo teto, moram em lugares diferentes.”

A observação está dirigida aos grupos espíritas (em resposta a requerimento dos espíritas de Lyon, por ocasião do Ano Novo) e consta da Revista Espírita de fevereiro de 1862 [3], mas vale para qualquer grupamento. Onde há o sentimento de tolerância e benevolência estarão presentes a ordem, a tranquilidade, a estabilidade.


A fraternidade e sua importância

Da mesma forma, no exemplar de dezembro de 1868 3, página 392, na Constituição Transitória do Espiritismo (item IX – Conclusão), Kardec volta a afirmar:

b) “(...) mas pretender que o Espiritismo seja por toda a parte organizado da mesma maneira; que os espíritas do mundo inteiro estejam sujeitos a um regime uniforme, a uma mesma maneira de proceder, que devam esperar a luz de um ponto fixo para o qual deverão fixar seus olhares, seria uma utopia tão absurda quanto pretender que todos os povos da Terra não formem um dia senão uma única nação, governada por um único chefe, regida pelo mesmo código de leis, e sujeitos aos mesmos usos. Se há leis gerais que podem ser comuns a todos os povos, essas leis serão sempre, nos detalhes, na aplicação e na forma, apropriadas aos costumes, aos caracteres, aos climas de cada um. Assim o será com o Espiritismo organizado. Os espíritas do mundo inteiro terão princípios comuns que os ligarão à grande família pelo laço sagrado da fraternidade, mas cuja aplicação poderá variar segundo as regiões, sem, por isto, que a unidade fundamental seja rompida, sem formar seitas dissidentes se atirando pedras e o anátema, o que seria antiespírita (...)”.

Ora, é essa a questão das diferenças nos relacionamentos, na convivência. Há diferenças, óbvio, até por questão de entendimento nos diferentes estágios em que também nos encontramos, os adeptos do Espiritismo. Isto, todavia, não elimina a fraternidade que deve reinar para construção da paz no planeta e na intimidade individual.


 Sem fraternidade, que vemos?

Bem a propósito, como destaca a mensagem Fundamentos da ordem social[4]:

“(...) A fraternidade pura é um perfume do Alto, é uma emanação do infinito, um átomo da inteligência celeste; é a base das instituições morais, e o único meio de elevar um estado social que possa subsistir e produzir efeitos dignos da grande causa pela qual combateis. Sede, pois, irmãos, se quiserdes que o germe depositado entre vós se desenvolva e se torne a árvore que procurais. A união é a força soberana que desce sobre a Terra; a fraternidade é a simpatia na união. (...) É preciso estardes unidos para serdes fortes, e é preciso ser forte para fundar uma instituição que não repouse senão sobre a verdade tomada tão tocante e tão admirável, tão simples e tão sublime. Forças divididas se aniquilam; reunidas elas são tantas vezes mais fortes. (...)”.


E conclui com sabedoria:

“(...) Sem a fraternidade, que vedes? O egoísmo, a ambição. Cada um em seu objetivo; cada um persegue-o de seu lado; cada um caminha à sua maneira, e todos são fatalmente arrastados no abismo onde são tragados, depois de tantos séculos, todos os esforços humanos. Com a união, não há mais que um único alvo, porque não há mais do que um único pensamento, um único desejo, um único coração. Uni-vos, pois, meus amigos; é o que vos repete a voz incessante de nosso mundo; uni-vos, e chegareis bem mais depressa ao vosso alvo (...)”.

O que um não faz, outro faz           

E qual seria o alvo, para nós que professamos o Espiritismo?

Permitimo-nos reproduzir a clareza da resposta com que iniciamos o presente comentário: “A variedade das aptidões é necessária, a fim de que cada um possa concorrer aos objetivos da Providência no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais: o que um não faz, outro faz. É assim que, cada um tem um papel útil (...) “2.

Concentremos atenção no final da frase: o que um não faz, outro faz. É assim que cada um tem um papel útil (...).

Compreendendo este esclarecimento vital, desaparecem as diferenças e a convivência toma seu verdadeiro rumo: o da fraternidade.   (Os destaques são nossos)



[2] Questão 804 de O Livro dos Espíritos, 8ª edição IDE-Araras-SP, out/79, tradução de Salvador Gentile.
[3] Edição IDE-Araras-SP, nov./92, tradução Salvador Gentile.
[4] Mensagem obtida em reunião presidida por Allan Kardec, ditada pelo Espírito Léon de Muriane, e publicada na edição de novembro de 1862 da Revista Espírita (edição IDE-Araras-SP, tradução Salvador Gentile, páginas 345 e 346).

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Algumas abordagens recentes dos fenômenos espíritas[1]




Silvio Seno Chibeni


Neste artigo analisa-se brevemente o estatuto científico de algumas abordagens recentes de investigação de fenômenos espíritas[2].
 Questão:
A transcomunicação instrumental, o fenômeno de quase-morte e a terapia de vidas passadas, que surgiram recentemente como novos campos de estudos, investigam fenômenos que representam desafios para as concepções cientificas vigentes. Dentro da filosofia da ciência, qual seria a postura adequada a ser seguida no seu estudo? Alguns espíritas têm participado individualmente do desenvolvimento dessas pesquisas. Seria recomendável um engajamento das instituições espíritas? Haveria justificativa para algo como um comitê de investigação patrocinado por uma federação ou um conselho espírita?
 
Resposta:
Parte 1
A análise do estatuto científico das três áreas de investigação mencionadas deve ser precedida de algumas considerações filosóficas gerais, complementares às tecidas nos artigos anteriores. Na segunda parte do artigo (que não fez parte da entrevista ao GEAE) farei alguns breves comentários particulares sobre cada uma delas.
A abordagem científica de qualquer classe de fenômenos requer o cumprimento de uma série de condições. Não há espaço aqui para enumerá-las. Poderia destacar, no entanto, que o desenvolvimento de uma disciplina científica pressupõe não apenas a observação rigorosa dos fatos, mas principalmente a formulação de teorias logicamente consistentes, abrangentes, coerentes, simples e integradas às teorias estabelecidas de domínios conexos de fenômenos. Insisto nesse ponto porque a falha metodológica mais comum nas linhas de investigação que têm pretendido, sem sucesso, suplantar o Espiritismo em nome da cientificidade é exatamente a desatenção ao aspecto teórico. Aliás, como já indiquei em alguns dos artigos mencionados na lista bibliográfica, isso parece ser uma herança indesejável das concepções antigas de ciência, de cunho positivista. (Consultem-se também, a esse respeito, os textos de Aécio Chagas.)
O que efetivamente tem sido publicado com relação às aludidas abordagens não alivia a suspeita de que as falhas de concepção científica que caracterizaram a metapsíquica e a parapsicologia não foram definitivamente superadas. Não se pode, evidentemente, generalizar; mas que há um risco potencial aqui, há. Seria sensato que os investigadores interessados nesses fatos, ou alegados fatos, desenvolvessem seus estudos a partir do fértil e seguro programa científico de pesquisa espírita, pois que nunca se apontaram razões ponderáveis para a sua substituição. Ao invés disso, avança-se explicita ou implicitamente que serão essas e outras linhas de pesquisa assemelhadas que finalmente colocarão o estudo do espírito na rota da ciência ...
Quanto ao engajamento de instituições espíritas, com a constituição de comissões, não parece recomendável, não apenas em vista das reservas expressas acima, mas também porque tal prática não mais condiz com a ciência, devendo ser deixada para partidos políticos, administradores e seitas hierarquizadas. Na ciência, e portanto no Espiritismo, a regra do jogo é o livre-exame, o intercâmbio de ideias, a sujeição de todas as propostas à mais vigorosa crítica. Que cada um, pois, investigue o que achar melhor, já que todo fato tem uma certa importância para o nosso conhecimento do mundo; previna-se, no entanto, de assumir certas teses filosóficas sobre a cientificidade desse ou daquele método, dessa ou daquela disciplina, sem o necessário respaldo em estudos profissionais.
 
Parte 2
Sem pretender fazer plena justiça à complexidade do assunto, indico agora de forma muito sucinta aquilo que me parece mais importante na análise particular de cada uma das abordagens mencionadas na questão.
Comecemos pela chamada “transcomunicação instrumental” (TCI). Relembrando o que foi visto no artigo anterior, o objeto de estudo do Espiritismo é o elemento espiritual. Portanto ele não é da alçada das ciências acadêmicas. Segundo a concepção contemporânea de ciência, o Espiritismo é científico devido às características estruturais de sua teoria e o modo pelo qual se relaciona com os fenômenos: malha teórica hierarquizada, coerente e simples, em simbiose com a totalidade dos fenômenos, acoplada a regras metodológicas de preservação das leis básicas e de desenvolvimento da teoria.
Conforme Kardec apropriadamente notou em diversos lugares, o estabelecimento dos princípios fundamentais do Espiritismo prescinde de análises quantitativas, e portanto de aparelhos. O mero emprego de aparelhos não assegura a cientificidade de nenhuma disciplina. Só são usados nas ciências ordinárias porque não há outro recurso para a detecção de certas entidades e aspectos do mundo material. No entanto, deve-se lembrar que seu uso diminui o grau de confiabilidade epistêmica: quando possíveis, as observações sem aparelhos são sempre mais seguras.
Ademais, quando se trata de uma área de investigação nova o apelo indiscriminado a aparelhos pode encobrir deficiências metodológicas, dando uma falsa impressão de cientificidade. Para uma análise um pouco mais extensa desses tópicos complexos, do âmbito da epistemologia (teoria do conhecimento), remeto o leitor aos três primeiros textos de minha autoria da lista bibliográfica, assim como aos artigos de Aécio Chagas nela citados.
Desse modo, à luz de uma análise epistemológica rigorosa o cerne da alegada justificativa de se usar aparelhos para a comprovação da existência do espírito fica comprometido. Aliás, como também comento no artigo “Ciência espírita”, a investigação dessa questão não constitui tópico de pesquisa propriamente espírita, já que, em boa razão, quem estiver em dúvida sobre a existência do espírito ainda não será espírita. O Espiritismo alcançou a certeza sobre isso nos primórdios de seu desenvolvimento, e por meios epistêmica e cientificamente irretocáveis. É claro que aqueles que deixaram de estudar essas origens, os fatos e a teoria espírita, e ainda não se convenceram, têm o direito de investigar a questão como melhor lhes pareça, correndo os riscos peculiares à metodologia que escolham.
Cumpre agora notar que segundo a teoria espírita os alegados fenômenos de TCI são possíveis. A se comprovarem, serão mais uma modalidade de fenômenos de efeitos físicos. Neste caso, a evidência que poderão fornecer necessariamente será menos confiável do que a obtida pelos fenômenos de efeitos físicos mais simples (sons diretamente perceptíveis, movimentos de objetos, etc.), que a seu turno são menos confiáveis do que os fenômenos de efeitos intelectuais, conforme ressaltou Kardec em diversas de suas obras.
Ainda segundo constatou Kardec, nos fenômenos de efeitos físicos o Espírito nunca atua diretamente sobre a matéria: precisa sempre do concurso de um médium (que pode nem saber que está participando da ocorrência). Kardec desenvolve interessante teoria acerca das manifestações físicas no Cap. IV da segunda parte de O Livro dos Médiuns. Sobre o papel do médium na produção desses fenômenos, ver também nessa obra os parágrafos 74 (itens 8 e 9) e 223 (questões 9 e 9a). Assim, uma outra justificação dada para as investigações de TCI ­­­– a possibilidade de se dispensarem os médiuns – não encontra respaldo doutrinário.
Análise da literatura sobre a TCI em diversas ocasiões infelizmente evidencia não apenas desatenção para com os aspectos filosóficos e teóricos apontados acima, mas também pouco rigor científico. Sons confusos e imagens grotescas são dados como evidência ou mesmo prova, expondo os pesquisadores ao ridículo nos meios acadêmicos (conforme, aliás, se constatou recentemente em programa televisivo brasileiro). Em um esforço desesperado, até mesmo prováveis fraudes têm sido produzidas e divulgadas, num atentado aos princípios éticos que deveriam nortear tais estudos. Isso tudo parece confirmar as observações de Kardec de que os fenômenos de efeitos físicos são mais comumente produzidos por Espíritos inferiores em saber e moralidade.
Não me alongarei sobre esse tópico, dado que existem excelentes análises publicadas na imprensa espírita. Recomendaria, em particular os artigos de Ademir L. Xavier Jr. e Josué de Freitas incluídos nas referências bibliográficas.
Assim como os fenômenos de ação dos Espíritos sobre objetos inanimados, os chamados “fenômenos de quase-morte” apresentam potencial interesse para a investigação do elemento espiritual do ser humano. E tanto em um caso como no outro a contribuição experimental e teórica do Espiritismo não deve ser desconsiderada. Ele fornece um arsenal de informações e métodos valiosos para o exame da questão, tendo já podido penetrar muito além do mero registro e catalogação dos relatos empíricos. A renúncia em aproveitar suas contribuições representa prejuízo certo para a interpretação e controle científicos dos fatos.
Mais uma vez, é o que infelizmente vem ocorrendo com frequência. Nos estudos não-espíritas dos casos notam-se amiúde limitações diversas, entre as quais destacaria a falta de recursos rigorosos de avaliação, que permitam separar de modo seguro as várias causas possíveis dos fenômenos: fisiológicas, anímicas e espirituais. À luz do conhecimento espírita, o alto grau de uniformidade dos relatos (luzes, seres vestidos de branco, “túnel”, etc.) é indicativo da preponderância de fatores dos dois primeiros tipos, já que sabemos das lamentáveis condições em que vive e desencarna a maioria dos habitantes deste planeta.
Conforme ressaltam os filósofos da ciência contemporâneos, é somente uma teoria sólida e bem estruturada que confere fertilidade experimental e interpretativa ao estudo dos fenômenos. Kardec notou o ponto mesmo em sua época, conduzindo suas investigações num processo integrado de teoria e experimentação. Comentando essa questão filosófica no parágrafo 29 de O Livro dos Médiuns, observa:
Podemos dizer que, para a maioria dos que não se preparam pelo raciocínio, os fenômenos materiais quase nenhum peso têm. Quanto mais extraordinários são esses fenômenos, quanto mais se afastam das leis conhecidas, maior oposição encontram e isto por uma razão muito simples: é que todos somos levados naturalmente a duvidar de uma coisa que não tem sanção racional. Cada um a considera de seu ponto de vista e a explica a seu modo [...].
Essa “sanção racional” é a que advém da explicação dos fatos através da teoria. No parágrafo 34, após ressaltar a importância dos fatos na fundamentação da teoria, Kardec considera, por outro lado, que de dez pessoas novatas que assistam a uma sessão de experimentação espírita “nove sairão sem estar convencidas e algumas mais incrédulas do que antes, por não terem as experiências correspondido ao que esperavam”. Prossegue então Kardec:
O inverso se dará com as que puderem compreender os fatos, mediante antecipado conhecimento teórico. Paras estas pessoas, a teoria constitui um meio de verificação, sem que coisa alguma as surpreenda, nem mesmo o insucesso, porque sabem em que condições os fenômenos se produzem e que não se lhes deve pedir o que não podem dar. Assim, pois, a inteligência prévia dos fatos não só as coloca em condições de se aperceberem de todas as anomalias, mas também de apreenderem um sem número de particularidades, de matizes, às vezes muito delicados, que escapam ao observador ignorante[3].
Em suma, uma apreciação semelhante pode ser feita da TCI e dos fenômenos de “quase-morte”: são áreas legítimas de investigação, mas de importância apenas relativa para o Espiritismo, estando longe de constituir bases sobre as quais deva apoiar-se, nem mesmo em nome de uma suposta cientificidade. Ademais, na pesquisa de tão complexos e delicados fenômenos não se pode prescindir do conhecimento espírita, arduamente adquirido, sem que se retroceda científica e filosoficamente.
Passando, por fim, à chamada “terapia de vidas passadas” (TVP) [4], saliento de início que as considerações filosóficas que vêm de ser tecidas acerca das duas outras abordagens aplicam-se, mutatis mutandis, também a ela. A possibilidade do fenômeno de regressão de memória está estabelecida há muito nos anais do Espiritismo, desde a obra de Kardec. Fenômenos desse tipo podem ser relevantes para a comprovação da existência do espírito, da reencarnação e da lei de causa e efeito, entre outros pontos importantes. Não são, todavia, determinantes, e sua complexidade só pode ser decifrada à luz da teoria espírita. Mais uma vez, aquilo que se observa nesse campo é passível de interpretações múltiplas, e a ausência de uma teoria sólida pode reduzir seu estudo a um empirismo anticientífico, propiciador de equívocos e ilusões. O terreno para os adversários do Espiritismo ficaria, assim, aplainado.
O que singulariza a proposta da TVP são suas implicações éticas. Constatada a possibilidade do fato, Kardec tratou de aprofundar esse aspecto, como costumava fazer em todas as suas investigações científicas. Assim é que encontramos seções com o título “Esquecimento do passado” tanto em O Livro dos Espíritos (cap. 7 da segunda parte, questões 392 a 399) como em O Evangelho Segundo o Espiritismo (cap. 5, n. 11). A leitura a reflexão sobre o rico conteúdo desses textos é indispensável a quem quer que se interesse pelo assunto e se preocupe em evitar passos em falso.
Tentando uma difícil síntese, diria que, embora possível enquanto fenômeno, a recordação explícita do passado foi providencialmente velada por um mecanismo natural relativo à encarnação. Interferir deliberadamente nesse mecanismo pode significar a violação de uma lei natural, e isso não se faz sem as correspondentes consequências. Vejamos estas palavras de Kardec na citada seção de O Evangelho Segundo o Espiritismo:[5]
Em vão se objeta que o esquecimento constitui obstáculo a que se possa aproveitar da experiência de vidas anteriores. Havendo Deus entendido de lançar um véu sobre o passado, é que há nisso vantagem. Com efeito, a lembrança traria gravíssimos inconvenientes. Poderia, em certos casos, humilhar-nos singularmente, ou, então, exaltar-nos o orgulho e, assim, entravar o nosso livre-arbítrio. Em todas as circunstâncias, acarretaria inevitável perturbação nas relações sociais.
Frequentemente, o Espírito renasce no mesmo meio em que já viveu, estabelecendo de novo relações com as mesmas pessoas, a fim de reparar o mal que lhes haja feito. Se reconhecesse nelas as a quem odiara, quiçá o ódio se lhe despertaria outra vez no íntimo. De todo modo, ele se sentiria humilhado em presença daquelas a quem houvesse ofendido.
Para nos melhorarmos, outorgou-nos Deus, precisamente, o de que necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências instintivas. Priva-nos do que nos seria prejudicial.
Ao nascer, traz o homem consigo o que adquiriu, nasce qual se fez; em cada existência, tem um novo ponto de partida.
Pouco lhe importa saber o que foi antes: se se vê punido, é que praticou o mal. Suas atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si próprio e é nisso que deve concentrar-se toda a sua atenção, porquanto, daquilo de que se haja corrigido completamente, nenhum traço mais conservará. As boas resoluções que tomou são a voz da consciência, advertindo-o do que é bem e do que é mal e dando-lhe forças para resistir às tentações.
Diversos autores espíritas, tanto encarnados como desencarnados, têm escrito sobre o tema ao longo dessas mesmas linhas. Entre eles inclui-se Emmanuel, que, em conhecida página psicografada em 1991 por Chico Xavier, desenvolve graves considerações relativas à recordação induzida do passado (ver referências).
Quando a recordação ocorra espontaneamente, obedecerá por certo a uma determinação útil, sendo frequentemente controlada por Espíritos superiores. (Ver O Livro dos Espíritos, comentário à questão 399.) Tais Espíritos têm o poder de penetrar minuciosamente o passado das pessoas envolvidas num determinado problema e, avaliando com segurança a conveniência de uma recordação mais explícita por parte dessa ou daquela, podem promovê-la por recursos que lhes são próprios. No entanto, isso se dá em geral durante o sono (se a pessoa estiver encarnada), como se relata em algumas obras mediúnicas confiáveis. (Aliás, na sequência do texto supracitado Kardec alude à naturalidade com que a recordação ocorre durante o sono.) Ao despertar, o ser guardará intuição mais ou menos vaga do que se passou, podendo aproveitar a experiência em seu benefício.
Ora, parece temerário adaptar esses procedimentos levados a efeito no mundo espiritual para o nosso plano de ação. Primeiro, em geral não dispomos das necessárias informações prévias acerca do passado do “paciente”. Depois, nem sempre teríamos o discernimento suficiente para processar essas informações e decidir o melhor curso a seguir. Além disso, poderemos não ter as técnicas adequadas para promover a regressão na medida e nas condições certas. E, por fim, não contamos com a proteção natural do esquecimento parcial que o retorno ao corpo denso propicia.
Em conclusão, parece sensato a nós espíritas acatarmos as recomendações de Kardec e Emmanuel, entre outros Espíritos lúcidos que se manifestaram sobre o tema. Enquanto não ascendermos a mundos superiores, nos quais a recordação do passado se apresente sem inconvenientes (ver questões 394 e 397 de O Livro dos Espíritos), substituamos essa prática pela terapia espírita: aquela que se baseia na observação de nossas tendências instintivas, na aplicação da receita evangélica para a superação do homem velho e viciado que existe em nós, e para a edificação de um homem capaz de viver e distribuir o amor, o equilíbrio e a paz em suas múltiplas expressões.
 
Referências:
(Alguns desses artigos encontram-se disponíveis no site do Grupo de Estudos Espíritas da Unicamp: http://www.geocities.com/Athens/Academy/8482.)
•CHAGAS, A. P. “O que é a Ciência?”, Reformador, março de 1984, p. 80-83 e 93-95.
•––. “O Espiritismo na Academia?”, Revista Internacional de Espiritismo, fevereiro de 1994, p. 20-22 e março de 1994, p. 41-43 .
•––. “A ciência confirma o Espiritismo?”, Reformador, julho de 1995, p. 208-11.
•CHIBENI, S. S. “Espiritismo e ciência”, Reformador, maio de 1984, p. 144-47 e 157-59.
•––. “A excelência metodológica do Espiritismo”, Reformador, novembro de 1988, p. 328-333, e dezembro de 1988, p. 373-378.
•––. “Ciência espírita”, Revista Internacional de Espiritismo, março 1991, p. 45-52.
•––. “O paradigma espírita”, Reformador, junho de 1994, p. 176-80.
•EMMANUEL. Regressão de memória. Texto psicografado por F. C. Xavier em 30/6/1991. Publicado em A Voz do Espírito, setembro de 1991, p. 1.
•FREITAS, J. “Transcomunicação: De volta às mesas girantes”. A Voz do Espírito, novembro 1990, p. 1-2.
•KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro. 43a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
•––. Le Livre des Médiuns. Paris, Dervy-Livres, 1972. (O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro, 46a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.)
•––. O Evangelho Segundo o Espiritismo. (Trad. Guillon Ribeiro.) 113a ed., Rio, FEB.
•XAVIER Jr., A. L. Será que algum dia os aparelhos eletrônicos vão substituir os médiuns? A Voz do Espírito, ano 9, n. 90, março/abril 1998, p. 5.
 
Artigo publicado em Reformador, dezembro de 1999, pp. 380-383.


[2] O conteúdo da primeira parte deste texto corresponde, com algumas adaptações, a parte de entrevista concedida por mim ao GEAE (Grupo de Estudos Avançados de Espiritismo), pioneiro na divulgação do Espiritismo pela Internet. A entrevista foi publicada no Boletim n. 300 (edição extra), que circulou em 7/7/1998, podendo ser encontrado no site http://www.geae.org. Gostaria de agradecer ao GEAE a anuência para o aproveitamento desse material nesta série de artigos. Sou especialmente grato a Ademir L. Xavier Jr., pela iniciativa da entrevista e por haver lido uma versão preliminar deste artigo. Sou grato ainda a Carlos A. Iglesia Bernardo, que reuniu as relevantes e oportunas questões.
[3] Essas passagens e outras correlacionadas são analisadas na seção 2 do artigo “A excelência metodológica do Espiritismo”, citado nas referências bibliográficas.
[4] Alguns adeptos preferem dizer “terapia de vivências passadas”, na tentativa de evitarem o compromisso com a tese da reencarnação. Abrigam-se, assim, sob uma perspectiva demasiadamente genérica, que contribui, malgrado sua intenção, para distanciar ainda mais seus estudos de uma legítima cientificidade.
[5] Os destaques são meus. É interessante notar que este trecho foi adaptado do comentário à questão 394 do Livro dos Espíritos.