Josué de Freitas
Jean Baptiste Roustaing foi um
advogado francês, nascido em Bordéus. Viveu na França, no tempo em que Allan
Kardec estava preparando a Codificação. Chegou a trocar algumas correspondências
com o Codificador, mas a amizade entre ambos não foi adiante.
Com a ajuda da médium Émile
Collignon, Roustaing publicou ditados de alguns Espíritos que os assistiam,
denominados mais tarde de "Os Quatro Evangelhos" ou "Revelação
da Revelação". Essas obras se caracterizavam por apresentarem graves
contradições doutrinárias em relação aos princípios do Espiritismo. Allan
Kardec fez algumas críticas a esses escritos, que acabaram por desagradar
profundamente o advogado. Roustaing e seus discípulos, aborrecidos, fizeram uma
resposta ao Codificador, inserida no livro primeiro de sua obra, depois
retirada arbitrariamente pela Federação Espírita Brasileira – FEB, adepta das
teses roustainguistas (veja o documento [2]).
Os Espíritos que ditaram
"Os Quatro Evangelhos" disseram ser nada menos que os Evangelistas,
assistidos pelos Apóstolos e pelo profeta Moisés. Além dessa superioridade
suspeita, ainda afirmaram que a obra era a "Revelação da Revelação",
algo mais especial e superior à própria Codificação. Tratava-se de um fato
estranho. Por que o Alto enviaria uma outra revelação no mesmo tempo em que
Allan Kardec dava vida ao Espiritismo, a Terceira Revelação? Ninguém explicava
o fato.
As entidades desencarnadas que
trabalhavam com Roustaing e Collignon , usavam de meios estranhos ao sistema
espírita: eram totalmente alheios do Controle Universal dos Espíritos. Uma
grande insensatez que os roustainguistas não se davam conta.
Se os livros de Jean Baptiste
Roustaing tivessem ficado na França, possivelmente logo teriam desaparecido.
Mas eles vieram parar no Brasil e, por meio de uma série de acontecimentos
ligados ao nascimento do Movimento Espírita, tornaram-se o próprio espírito do
sistema.
Tudo começou na gênese da
Federação Espírita Brasileira - FEB. Quando os primeiros grupos espíritas
estavam se formando, alguns deles já possuíam as obras de J. B. Roustaing. Numa
sessão histórica, ocorrida em fevereiro de 1889 na Sociedade Espírita
Fraternidade, no Rio de Janeiro, o médium Frederico Pereira da Silva recebeu
uma mensagem que fora assinada pelo Espírito do próprio Codificador. Dentre
outras incoerências ditadas pela entidade, o suposto Allan Kardec dizia que um
Espírito chamado Ismael iria guiar o Movimento Espírita Brasileiro.
Iniciavam-se assim, as distorções
no sistema espírita nascente. A metodologia kardequiana e as instruções de
Allan Kardec para estruturarem o Movimento Espírita começavam a ser deixadas de
lado. O comando do movimento seria passado a uma entidade e, no lado material,
sua direção estaria entregue a uma só casa espírita, que assumiu o papel de
Comitê Central, sem no entanto guiar-se pelas suas regras. Nascia o embrião da
FEB, chamada depois de Casa Máter do Espiritismo e eleita por seus seguidores
como a representante do Cristo na Terra.
Ninguém percebeu, mas o espírito
do sistema espírita assemelhava-se ao Catolicismo que, também a seu modo, dizia
representar Deus na Terra. Neste tempo, havia desentendimentos entre os grupos
espíritas sobre as práticas e os delineamentos em torno do futuro. Alguns
centros, denominados "científicos", preferiam um Espiritismo mais
objetivo e prático. O grupo sob a influência de Ismael, no entanto, não pensava
assim. Como era místico, preferia uma conduta mais voltada à religiosidade.
Logo tratou de convencer uma importante figura da época a passar para suas
fileiras. Tratava-se de Bezerra de Menezes. Com a ajuda dele, a FEB conseguiu
dominar a maioria das sociedades espíritas.
Bezerra era um homem ponderado e
político. Por ter saído recentemente das fileiras católicas, adaptou-se
rapidamente ao misticismo de Ismael. Os principais centros espíritas da época
estudavam as teorias kardequianas, mas os místicos tinham uma especial atenção
com os Evangelhos de Roustaing, porque os consideravam um "curso superior"
de Espiritismo. Allan Kardec passou então a ser interpretado à luz do
pensamento roustainguista.
A comunicação de Allan Kardec,
dada através do médium Frederico, era apócrifa. Porém, por falta de espírito
crítico, todos a aceitaram, pensando tratar-se mesmo de uma mensagem do
Codificador. Na verdade, manifestava-se o espírito Ismael, ligado ao círculo de
ideias de J. B. Roustaing. O Espírito preparava o terreno para estabelecer um
campo de atuação imenso, a conhecida "Seara de Ismael". Encontrando
nos brasileiros profundas raízes católicas, não teve dificuldades para criar
uma espécie de "catolicismo espírita".
Quando se examina "Os
Quatro Evangelhos", de J. B. Roustaing, começa-se a entender mais
facilmente as raízes dos problemas existentes no Movimento Espírita, e os
motivos pelos quais os centros costumam assemelhar-se a pequenas igrejas. Os
Espíritos que ditaram as obras de Roustaing eram uma falange de entidades
ligadas à Igreja Católica medieval.
Nos Quatro Evangelhos, Maria é
virgem. Para mantê-la como na Igreja, os Espíritos roustainguistas criaram um
Jesus de corpo fluídico, que não teria tido encarnação. Assim, a sexualidade de
Maria não macularia o Senhor. O Jesus divinizado da Igreja transformou-se no
Jesus sem pecados de Roustaing que, segundo seus livros, jamais encarnou e teve
evolução em linha reta, diferente dos outros irmãos seus. Como a carne na
Igreja é símbolo do pecado, os Quatro Evangelhos também a abominaram, como
sendo algo sujo e colocaram a encarnação como fruto do castigo.
Através da Federação Espírita
Brasileira - FEB, Ismael aproximou-se de Francisco Cândido Xavier, o famoso
médium de Uberaba, MG, e ditou-lhe uma obra que seria o corolário do
"Trono de Deus" na Terra: "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do
Evangelho". Embora com o nome do respeitável Humberto de Campos (Irmão X)
para impor-se com mais facilidade, as ideias exaradas são as mesmas. Qualquer
observador que lê "Lázaro Redivivo" e "Brasil, Coração do Mundo,
Pátria do Evangelho" nota que eles foram escritos por dois Espíritos de
características diferentes, principalmente quanto ao caráter. O suposto
"Irmão X", do "Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", faz
pura apologia à FEB, e cria a lenda de Ismael, para deleite de seus seguidores.
Foi assim que nasceu o livro que faria os espíritas acreditarem que o Brasil
estava destinado a governar o mundo. Por trás dessa obra estava a FEB; atrás
dela, o Grupo Ismael e, no invisível, o "anjo" com sua falange.
Em alguns períodos distintos, o
"anjo" Ismael exerceu uma influência estranha no trabalho mediúnico
de Chico Xavier. As pessoas que o assessoravam não perceberam a presença dessa
entidade e deixaram passar nos livros psicografados pelo médium alguns
conceitos eminentemente roustainguistas e mesmo certas contradições
doutrinárias patentes. O Espírito não se importou de assinar algumas
comunicações com os nomes do eminente Emmanuel
e mesmo do pródigo André Luiz.
No livro "O Consolador", o Espírito comete um erro primário: diz
que não recomenda a ninguém que se faça evocações (como na Igreja) e que seria
mais seguro esperar que as manifestações ocorressem espontaneamente. Mal sabia
que o Codificador havia dito justamente o contrário, que as comunicações
espontâneas é que são as mais perigosas. E não para aí. Assume uma posição
favorável à existência das almas gêmeas, contrariando a teoria básica de "O Livro dos Espíritos". O erro é
grosseiro e a FEB trata de corrigi-lo rapidamente. A entidade confunde a
localização da sede da memória, dizendo que ela se encontra no perispírito,
parafraseando o erro histórico de Gabriel Dellane, contrariando ambos os
ensinamentos dos Espíritos superiores.
A força dos livros
psicografados, corroborada pela exemplar idoneidade de Francisco Cândido
Xavier, tornou-se poderosa alavanca para a expansão das ideias ismaelinas.
Formou-se o sistema espírita que conhecemos, com características eminentemente
católicas. Hoje, o espírito de Roustaing continua mais presente do que nunca.
Pode-se encontrá-lo na mentalidade de algumas federações, nas atitudes passivas
dos espíritas, na falta de gosto pelo estudo, no pouco conhecimento
doutrinário, nas palavras vazias de oradores pomposos, na política
unificacionista (uma versão moderna do "Fora da Igreja não há
salvação") e na imprensa espírita com suas gloríolas e ídolos. Os que
afirmam não compreender a causa de tantas preocupações com a teoria
roustainguista, não percebem que estão mergulhados nela, dirigidos por um
sistema espírita entranhado por inércia, comodismo, fantasias e estagnação,
emperrando o crescimento espiritual das criaturas.
O sistema de pensamento e
investigação desenvolvido por Allan Kardec é o grande ausente no Movimento
Espírita. No final de sua vida, o Codificador estava só. Alguns detratores
seus, que se diziam espíritas, afirmavam que ele queria apoderar-se da verdade
e se fazer dono do Espiritismo. Jean Baptiste Roustaing e seus seguidores
estavam entre eles.
Pouco antes de desencarnar, o
Codificador começou a preparar instruções para salvaguardar o movimento
nascente de falsas interpretações. Não chegou a terminar seu trabalho. Quando
se lê seus últimos apontamentos, nota-se, com tristeza, que suas preciosas
instruções sobre a condução do Movimento Espírita jamais foram seguidas por
seus adeptos. Bom número deles sequer conhece suas obras, instrui-se em livros
subsidiários nem sempre idôneos e, frequentemente, é vítima de Espíritos
enganadores.
Mudar essa mentalidade vigente,
conduzindo parte desses seguidores de Allan Kardec ao encontro das instruções
do Codificador do Espiritismo, é tarefa urgente. Espera-se que os espíritas
sérios reúnam forças em torno desse ideal. Hoje, diversos grupos no país que
buscam restabelecer essa base doutrinária.
Na cidade de São José do Rio
Preto, SP, existe o Movimento de Reformas. Sua proposta é a de estimular os
centros espíritas a se ajustarem conforme as orientações da Codificação,
fazendo com que se instale neles o gosto pelo estudo, pelo raciocínio, pela
investigação mediúnica e pelo trabalho metódico.
Nota: Os que não concordam com estes escritos certamente nos julgarão
entregues às trevas e a serviço do mal. De nossa parte, continuaremos exercendo
nosso direito de livre exame, analisando fatos, tirando conclusões, como
discípulos da escola kardequiana que somos.
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