terça-feira, 30 de abril de 2019

JULIENNE-MARIE, A MENDIGA[1]


 Conversas de Além-Túmulo



Na comuna da Villatte, perto de Nozai (Loire-Inférieure), havia uma pobre mulher chamada Julienne-Marie, velha, enferma, e que vivia da caridade pública. Um dia caiu num pântano, de onde foi retirada pelo Sr. Aubert, habitante da região, que habitualmente lhe prestava socorro. Transportada ao seu domicílio, morreu pouco tempo depois, em consequência do acidente. Era opinião geral que ela quisera suicidar-se. No mesmo dia de seu falecimento o Sr. Aubert, que é espírita e médium, sentiu sobre toda a sua pessoa como que o roçar de alguém que estivesse ao seu lado, sem, todavia, explicar a sua causa. Quando soube da morte de Julienne-Marie, veio-lhe o pensamento de que talvez o seu Espírito tivesse vindo visitá-lo.
Seguindo o conselho de um de seus amigos, o Sr.Cheminant, membro da Sociedade Espírita de Paris, ao qual havia contado o que se passara, fez a evocação dessa mulher, com o objetivo de lhe ser útil, não sem antes se aconselhar com seus guias protetores, dos quais recebeu a seguinte resposta:
“Tu podes e isto lhe dará prazer, embora seja inútil o serviço que te propões prestar. Ela é feliz e inteiramente devotada aos que lhe foram compassivos. És um de seus bons amigos; ela quase não te deixa e, sem que o percebas, muitas vezes se entretém contigo. Mais cedo ou mais tarde os serviços prestados serão recompensados, se não pelo favorecido, por aqueles que por ele se interessam, antes e depois de sua morte. Quando o Espírito não teve tempo de se reconhecer, outros Espíritos simpáticos, em seu nome, testemunham todo o seu reconhecimento. Eis o que explica o que sentiste no dia de sua morte. Agora é ela quem te ajuda no bem que queres fazer. Lembra-te do que disse Jesus: ‘Aquele que se humilhar será exaltado’. Terás a medida do serviço que ela te pode prestar, se, contudo, só lhe pedires assistência para ser útil a teu próximo”.

Evocação – Bondosa Julienne-Marie, sois feliz; eis tudo quanto eu queria saber. Isto não me impedirá de pensar em vós muitas vezes e de jamais vos esquecer em minhas preces.
– Tem confiança em Deus; inspira aos teus doentes uma fé sincera e triunfarás quase sempre. Não te ocupes jamais com a recompensa que disso virá, pois ela ultrapassará a tua expectativa. Deus sabe sempre recompensar como merece aquele que se dedica ao alívio de seus semelhantes e vota às suas ações um completo desinteresse. Sem isto, tudo não passa de ilusão e quimera. Antes de tudo é preciso ter fé, do contrário, nada.
Lembra-te desta máxima e ficarás admirado dos resultados que obterás. Os dois doentes que curaste disso são a prova; nas circunstâncias em que se encontravam, com os remédios simples terias falhado.
Quando pedires a Deus permissão para que os Espíritos bons derramem sobre ti seus fluidos benfazejos, se o pedido não te fizer sentir um sobressalto involuntário, é que tua prece não foi bastante fervorosa para ser ouvida; ela só o será nas condições que te assinalo. É o que tens experimentado quando dizes do fundo do coração: “Deus Todo-Poderoso, Deus misericordioso, Deus de bondade sem limites, acolhei a minha prece e permiti que os Espíritos bons me assistam na cura de...; tende piedade dele, meu Deus, e restitui-lhe a saúde; sem vós nada posso. Que se faça a vossa vontade”.
Fizestes bem em não desprezar os humildes. A voz do que sofreu e suportou com resignação as misérias deste mundo é sempre ouvida; e, como vês, um serviço prestado sempre recebe a sua recompensa.
Agora, uma palavra a meu respeito; isto te confirmará o que foi dito acima.
O Espiritismo te explica minha linguagem como Espírito. Não preciso entrar em detalhes a respeito. Também creio ser inútil dar-te a conhecer a minha existência anterior. A posição em que me conheceste na Terra deve fazer-te compreender e apreciar minhas outras existências, que nem sempre foram irrepreensíveis. Votada a uma vida de miséria, enferma e não podendo trabalhar, mendiguei a vida toda. Não entesourei; na velhice minhas pequenas economias limitavam-se a uma centena de francos, que reservava para quando as pernas não me pudessem transportar. Deus julgou a minha provação e expiação suficiente e lhes pôs um termo, livrando-me, sem sofrimento, da vida terrena; porque eu não me suicidei, como a princípio pensaram. Caí fulminada à borda do pântano, no momento em que dirigia minha última prece a Deus. O declive do terreno foi a causa da presença de meu corpo na água. Não sofri; estou feliz por ter podido cumprir minha missão sem entraves e com resignação. Tornei-me útil, na medida de minhas forças e de minhas possibilidades, e evitei fazer mal ao próximo. Hoje recebo a recompensa e dou graças a Deus, nosso divino Senhor que, no castigo que inflige, suaviza a amargura fazendo-nos esquecer, durante a vida, as nossas antigas existências, e pondo em nosso caminho almas caridosas, para nos ajudarem a suportar o fardo de nossos erros passados.
Persevera também e, como eu, serás recompensado.
Agradeço-te as boas preces e o serviço que me prestaste. Jamais o esquecerei. Um dia nos reveremos e muitas coisas ser-te-ão explicadas; no momento seriam supérfluas. Basta saberes que te sou muito devotada, muitas vezes estou junto de ti e sempre que necessitares de mim, para o alívio dos que sofrem.
A pobrezinha Julienne-Marie

Tendo sido evocado na Sociedade de Paris, a 10 de junho de 1864 (médium: Sra. Patet), o Espírito Julienne-Marie ditou a seguinte comunicação:
Obrigado porque me admitistes em vosso meio, caro presidente; sentistes bem que minhas existências anteriores foram mais elevadas do ponto de vista social; e, se voltei para sofrer a prova da pobreza, era para me punir de um vão orgulho, que me fazia repelir quem fosse pobre e miserável. Então sofri essa lei justa de talião, que me tornou a mais horrenda mendiga desta região; mas, como que para me provar a bondade de Deus, eu não era repelida por todos; isto era todo o meu medo. Suportei minha prova sem murmurar, pressentindo uma vida melhor, de onde não devia mais voltar a esta Terra de exílio e de calamidade. Que felicidade o dia em que nossa alma, ainda jovem, puder entrar na vida espiritual para rever os seres amados! Porque, eu também, amei e sou feliz por ter encontrado os que me precederam.
Obrigado a esse bom Aubert; ele me abriu a porta do reconhecimento; sem a sua mediunidade eu não lhe poderia agradecer e provar-lhe que minha alma não esquece as felizes influências de seu bom coração e recomendar-lhe que propague sua divina crença. Ele é chamado a recolher as almas transviadas; que se convença bem do meu apoio. Sim, eu lhe posso retribuir ao cêntuplo o que ele me fez, instruindo-o na via que seguis.
Agradecei ao Senhor o me haver permitido que os Espíritos vos possam dar instruções para encorajar o pobre em suas penas e deter o rico em seu orgulho. Sabei compreender a vergonha que há em repelir um infeliz; que eu vos sirva de exemplo, a fim de que eviteis, como eu, de vir expiar as vossas faltas nessas dolorosas posições sociais, que vos colocam tão baixo e vos fazem a escória da sociedade.
Julienne-Marie

Observação – Este caso está cheio de ensinamentos para quem quer que medite as palavras deste Espírito nestas duas comunicações. Todos os grandes princípios do Espiritismo aí se acham reunidos. Desde a primeira, o Espírito revela a sua superioridade pela linguagem; como fada benfeitora, vem proteger aquele que não a rejeitou em seus farrapos de miséria. É uma aplicação destas máximas do Evangelho: “Os grandes serão humilhados e os pequenos serão exaltados; bem-aventurados os humildes; bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados; não desprezeis os pequenos, pois quem é pequeno neste mundo talvez seja maior do que credes”. Que os que negam a reencarnação como contrária à justiça de Deus, expliquem a posição dessa mulher, condenada à infelicidade desde o nascimento, por suas enfermidades, se não por uma vida anterior!
Transmitida esta comunicação ao Sr. Aubert, ele obteve, por sua vez, a que segue, que vem confirmar a anterior:
P. – Boa Julienne-Marie, já que quereis ajudar-me com os vossos bons conselhos, a fim de me fazer progredir na via da nossa divina doutrina, tende a bondade de vos comunicardes comigo. Envidarei todos os esforços para tirar proveito dos vossos ensinamentos.
– Lembra-te da recomendação que te vou fazer e dela jamais te afastes. Sê sempre caridoso, na medida de tuas possibilidades; compreendes a caridade suficientemente tal qual deve ser praticada em todas as posições da vida terrena. Não preciso, pois, vir dar-te um ensinamento a respeito; serás tu mesmo o melhor juiz, seguindo, contudo, a voz da consciência, que jamais te enganará, quando a escutares sinceramente.
Não te iludas quanto às missões que tens a cumprir na Terra; pequenos e grandes têm a sua; a minha foi muito penosa, mas eu merecia semelhante punição, por minhas existências precedentes, conforme o confessei ao bom presidente da sociedade mãe de Paris, à qual todos vos reunireis um dia. Esse dia não está tão longe quanto pensas; o Espiritismo marcha a passos de gigante, a despeito de tudo quanto têm feito para entravá-lo. Marchai, pois, todos sem medo, fervorosos adeptos da doutrina, e vossos esforços serão coroados de sucesso. Pouco vos importe o que disserem de vós. Colocai-vos acima de uma crítica irrisória, que cairá sobre os adversários do Espiritismo.
Os orgulhosos! Eles se julgam fortes e pensam abater-vos facilmente. Vós, meus bons amigos, ficai tranquilos e não temais vos medir com eles. Eles são mais fáceis de vencer do que imaginais; muitos dentre eles têm medo e temem que a verdade, enfim, lhes venha ofuscar os olhos. Esperai; eles virão, por sua vez, ajudar no coroamento do edifício.
Julienne-Marie



[1] Revista Espírita – Agosto/1864 – Allan Kardec

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Marina Duclos Leymarie[1]


1837 - 1904



Mme. Marina Duclos Leymarie, desencarnou, docemente e sem qualquer apreensão da morte, na manhã do dia 29 de Setembro de 1904, às 10 horas, com a idade de 67 anos, após alguns dias de enfermidade.
Marina Duclos foi autora da obra "Procès des Spirites" ‒ Paris, 1875. Edité par Mme. P.G. Leymarie, encontrada em a Librairie Spirite, 7, rue de Lille, e em todas as livrarias de Paris, 256 pp., 15X23, "in" 8 ‒ uma admirável memória, como se refere J. Malgras, em "Les Pionniers du Spiritisme en France".
Essa obra, inclui “Mémoire adressé à Monsieur le Président de la Cour de Cassation; à Messieurs les Conseillers prés la même Cour”, Paris, 1875 - Novembro - 10 pp., e um apêndice de 24 pp. constante de:
a) "Mémoire em demande de nullité por défaut de liberté dans la déposition", pp. 12 bis a 16;
b) "Jugement du photographe spirite Munler à New York". (Extrait du Spiritual Magazine, Juin. 1869, pp. 17 a 24), e
c) "Correspondence de Buguet", 8 pp. assumindo a responsabilidade pelas fotos, valiosos documentários para a história do Espiritismo, em que relata a violência da Justiça da França, "sob o patrocínio e inspiração não ostensivas de forças influentes", ao envolver, na condenação de Edouard Buguet, acusado de publicar fotografias fraudulentas de Espíritos desencarnados, o honrado pioneiro do Espiritismo ‒ Pierre Gaëtan Leymarie ‒ além de inusitadas agressões verbais à Viúva Allan Kardec, em pleno Tribunal.

O livro, custeado em parte, por subscrição popular, e que simbolicamente aparece com o formato da Revue Spirite, relata esse processo, que fora da França é mais conhecido como "o caso Buguet".
O processo tem por ponto de partida uma urdidura tecida por altos dignitários da Igreja, como a que foi interposta por Monsenhor Despréz, arcebispo de Toulouse, levada a Pio IX, pela réplica que mereceu, por parte da Revue Spirite, a sua pastoral contra o Espiritismo (1875), em que incitava a queima de livros.
A direção da "Revue", então, nesse momento, estava a cargo do periodista Valentin Tournier (1821-1898), antigo jornalista e escritor, e de Mr. Timoléon Jaubert (1806-1893), Vice-Presidente do Tribunal de Carcassonne, um militante espírita dos mais convictos, ao mesmo tempo em que um zeloso e eloquente defensor da causa espírita.
Tournier, aliás, fora, também, um ardoroso republicano, que o golpe de Estado, de 1851, tornou exilado, por alguns anos, na Itália.
Era um lógico rigoroso e um grande escritor que, depois, de 1858, colocou sua pena e sua erudição, ao serviço do Espiritismo.
O Pontífice utiliza os serviços de Monsenhor Dupanloup, confessor da primeira dama francesa, Mme. Mach-Mahon (Patrice Mach-Mahon era o presidente da França, no período de 1873 a 1879), para induzi-la e sugerir a perseguição aos espíritas, conforme anotou o anuário "La Irradiación de Biografias, Artículos y Datos Espiritistas", publicado por E.R.G., iniciais de Eduardo R. Garcia, Madri, 1896, pp. 107 a 113.
Mme. Leymarie era alguns anos mais jovem do que o seu marido, Pierre Gaëtan-Leymarie (1827-1901), de quem foi devotada companheira e zelosa colaboradora.
Ela lhe prestou um concurso ativo nos primeiros anos, quando se elaborou, sob os auspícios de Jean Macé, a "Liga de Ensino".

"Procés des Spirites"
Quando explode o "procés des spirites", que devia pôr sua afeição à uma prova cruel, Marina mostra uma energia e uma firmeza à altura das circunstâncias.
A probidade, sem mácula, de seu marido, como de si própria, o vigor de sua consciência, e a grandeza de seu espírito, leva-a a apelar a todos que a rodeiam, que lhes são simpáticos, aos testemunhos de todas as pessoas honestas que ela entendia interessar à sua causa, para eliminar o julgamento iníquo que tinha surpreendido seu marido; e, no fim, ela publica, em 1875, essa admirável memória ‒ que é, desde então, um precioso documento para a história do Espiritismo.
E, acompanhando as provas de seu marido, Mme. Marina Duclos Leymarie foi, até ao extremo; companheira de suas lutas, e quando sofreu a dor de o perder, ela não titubeou, por um instante, e, estoica e valente, assumiu a direção da "Librarie Spirite", em torno das quais ela soube agrupar e manter, com a dignidade de seu caráter e com o valor de suas relações, um corpo de fiéis e devotados colaboradores, que deveriam continuar a obra, quando partisse.
Todas as nobres causas, e principalmente aquelas infelizes, tiveram sempre nela uma campeã perseverante. Pode-se dizer de Mme. Leymarie, que ela passou no mundo fazendo o bem: "transiit benefaciendo".
Mme. Marina Duclos Leymarie, foi um exemplo de devotamento.
Embora seu marido, mais tarde, receba uma desculpa pública, Mme. Leymarie em seu referido livro reproduz o processo desse arbitrário juízo, no qual, também, Amélie Boudet, Mme. Allan Kardec, foi destratada por M. Millet, presidente do Tribunal.
Leymarie foi o único a ser detido e acusado; porém quinze dias depois da sua condenação, foi instado a declarar-se culpado e a pedir indulto, o que recusou, preferindo passar um ano no cárcere; tinha, então, 48 anos de idade.
Segundo "La Irradiación", ele é reabilitado em 1888, pelo Tribunal Supremo de Justiça da França; outras versões, no entanto, indicam Fevereiro de 1883, por ocasião de uma substituição de governo.
A obra "Procés des Spirites" foi vertida para o português por Hermínio C. Miranda, e prefaciada por Francisco Thiesen, sob o título "Processo dos Espíritas", e publicada, sua primeira edição, no Brasil, em 1977, um resumo, da primeira edição francesa, pela FEB ‒ Federação Espírita Brasileira, e em comemoração ao "Centenário do Reformador e da Federação Espírita Brasileira".  Para o castelhano, foi vertida com o título "El Processo de los Espiritistas", por nosso companheiro Florentino Barrera, e publicada por Ediciones Vida Infinita, Buenos Aires, Argentina, 1999. 1ª. ed. 12X18 cm. 94 pp.
Na ausência de Pierre Gaëtan Leymarie, Marina Duclos, sua sucessora, foi, também, o grande esteio do Movimento Espírita de então.

sábado, 27 de abril de 2019

Morte, um tema que ainda golpeia anseios e aflige sentimentos[1]



Jorge Hessen

 O homem contemporâneo, que investiga desde o micro ao macrocosmo, cambaleia, ante os vestíbulos da sepultura com a mesma amargura dos egípcios, dos gregos e dos romanos de épocas recuadas. Os milênios que arrasaram civilizações e refundiram povos, não transformaram a emblemática expressão do túmulo. Infinitos pontos de interrogação, a morte continua ferindo sentimentos e torturando inteligências. O homem tem sentido perturbação e temor perante a expectativa da desencarnação. E esse receio tem sido alimentado por uma mistura de falsos conceitos religiosos, senso comum e crenças pessoais arraigadas.
O problema do medo da morte é que ele pode impedir que se tenha encanto na vida e minar a confiança de que a vida tenha maior significado. As religiões textualistas são especialmente responsáveis por gerar uma série de fobias e mitos a respeito da inevitável viagem ao túmulo. A má formação religiosa tem deixado muitas pessoas confusas a respeito da situação dos mortos no além-tumba. Os destinos, que incluem o céu, inferno, purgatório, limbo, vão desde o misterioso até o absolutamente assombrador. Por outro lado, obra “Death -The Final Stage of Growth” afiança que a morte é uma parte integrante da nossa vida, é normal, é o fim natural de todos os organismos vivos. Tal crença materialista, por sua vez tem fomentado uma filosofia niilista e o comportamento pessimista.
Há pessoas que sofrem de tanatofobia (receio mórbido da morte). Psicólogos têm examinado os efeitos mentais e sociais causados por pensar na morte. Segundo alguns, pensar na morte nos torna mais nacionalistas, mais preconceituosos e reforça atitudes igrejeiras ou inconscientemente religiosas, bem como afetam as crenças políticas. Narram que a morte nos deixa mais punitivos e conservadores. A lembrança da morte alimenta o desejo por fama comumente associado a uma imortalidade simbólica, daí a busca pela imortalidade nas tais academias de letras.
Será que pensar mais na morte pode nos tornarmos mais punitivos e preconceituosos? Talvez n’alguns tais efeitos possam ocorrer justamente porque estejam desacostumados a pensar e falar sobre a morte. Entendemos que pensarmos diariamente sobre a inexorável lei da desencarnação podem nos tornar mais sóbrios diante dos desafios do dia-a-dia. Reconhecemos além disso que o viver tentando ocultar na consciência a futura desencarnação demonstra uma evidente pusilanimidade diante dos necessários obstáculos da reencarnação.
O problema do medo da morte é que ele pode impedir que tenhamos liberdade e prazer de viver. Daí o conforto que a Doutrina Espírita nos traz, ao instruir sobre a vida do espírito aqui e no além. Somos espíritos eternos, nossa vida não principia nem termina em uma única existência. Da mesma forma, as legítimas afeições são para sempre. As afeições não morrem com a desintegração do corpo físico. Os sentimentos não pertencem ao corpo, mas ao espírito e os transportamos conosco. A morte apenas dilata as concepções e nos aclara a introspecção, iluminando-nos o senso moral, sem resolver, obviamente, de maneira absoluta, os problemas que o Universo nos propõe a cada passo, com os seus espetáculos de grandeza.
A desencarnação é a única regra para a qual não há exceção. Todos pereceremos, portanto não há como iludirmos o pensamento tentando camuflar esse impositivo da natureza. Em face disso, permitamos que o pensamento sobre a “morte” componha de forma ininterrupta e serena nossos estados mentais, reflexão sem a qual estaremos desaparelhados para a desencarnação ou até despreparados para enfrentarmos com resignação a “morte” dos nossos entes queridos.
A “morte” física não é o extermínio das aspirações e anseios no bem, porém o ingresso para a existência autêntica, para a vida real. Sim! A existência física é ilusória, fugaz, transitória demais. A separação do corpo pela “morte” não é uma anomalia da natureza. Simplesmente transfere-se da dimensão física, para o ambiente espiritual. Todavia, efetivamente, importa refletir que “morrer” (término da vida biológica) e desencarnar (desligamento do perispírito) são fenômenos que nem sempre acontecem simultaneamente. Os intervalos de tempo para desligar-se do corpo variam para cada Espírito. Para uns podem ser mais demorados, para outros podem ser passagens ligeiras.
Nossas ações tecem asas de libertação ou grilhetas de cativeiro, para a nossa vitória ou nossa perda. A maior surpresa da morte física é a de nos colocar face a face com própria consciência, onde edificamos o céu, estacionamos no purgatório ou nos precipitamos no abismo infernal, nesse sentido a ninguém devemos o destino senão a nós próprios.
O intervalo de tempo entre a “morte” biológica e a desencarnação tem relação direta com os pensamentos e ações praticados enquanto encarnado. Ninguém topará com o “céu” ou o “inferno” do lado de “lá”, porquanto o “empíreo” e a “geena” são conteúdos mentais construídos aqui no plano físico. Após o fenômeno da desencarnação cada Espírito irá deparar com o cárcere ou a liberdade de consciência a que faz merecer como fruto do desleixo ou disciplina mental que cultivou durante a experiência física.
São indescritíveis flagelações no além, que vão da inconsciência descontínua à loucura completa, senhoreiam as mentes torturadas, por tempo variável, conforme as atenuantes e agravantes da culpa, induzindo as autoridades superiores a interna-las no plano físico (reencarnação), quais enfermos graves, em celas físicas de breve duração, para que se reabilitem, gradativamente, com a justa cooperação dos Espíritos reencarnados, cujos débitos com eles se afinem. Os endividados que se afundaram nos excessos, nas viciações, nos prazeres mundanos, cunham intensas impressões e vínculos magnéticos na matéria, e unicamente alcançarão a liberação desses laços após um intervalo de tempo muito longo. Lembrando que mesmo após a ruptura dos embaraços magnéticos, que o algemavam à vida física, padecerá no além, por tempo indefinido, os tormentos disseminados nas vias de suas experiências no mal (eis aí a símbolo do inferno).
Já os que vivem com mais dedicação às coisas do Espírito, esses encontram maiores elementos de paz e felicidade no futuro. Todos os que alcançaram aproveitar a encarnação, sem viciações e apegos, os que cumpriram a lei de amor, tornam-se menos densos os laços magnéticos que prendem o Espírito ao corpo. Nesse caso, a desencarnação será rápida, proporcionando adequada liberdade, até mesmo antes de sua consumação. Para os que sofreram mais, em razão da sua renúncia aos apelos da vida mundana, a morte é um remanso de tranquilidade e de esperança. Encontrarão no além a paz ambicionada nos seus dias de lágrimas torturantes (eis aí a metáfora do céu).

sexta-feira, 26 de abril de 2019

VIVÊNCIA MEDIÚNICA[1]




Joanna de Ângelis

Estudando a paranormalidade humana com critério e austeridade, Allan Kardec anotou, no item 159 do Capítulo XlV de O Livro dos Médiuns, “que todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos é, por esse fato, médium”.
Analisando a mediunidade, o ínclito Codificador esclareceu que a sua expressão orgânica não constitui privilégio, antes é uma faculdade do Espírito, cuja condução depende dos valores éticos daquele que a possui.
Desse modo, ela está presente na quase totalidade dos indivíduos e em todo lugar, desvinculada de quaisquer conquistas morais ou de outra natureza.
Sendo, no entanto, instrumento que propicia o progresso, por cujo intermédio ocorrem as demonstrações da imortalidade e todo um elenco de contribuições para a felicidade humana, a sua condução exige requisitos graves, do que resultam as bênçãos que se anelam, exercitando-a com elevação.
O perfeito conhecimento dos objetivos da mediunidade equipa o intermediário para a desincumbência do compromisso assumido antes da reencarnação, e o seu menosprezo acarreta problemas muito complexos, interferindo na existência do seu portador.
Todo instrumento deixado ao abandono sofre os efeitos danosos do descuido.
Qualquer faculdade do corpo, da mente ou da alma, relegada a plano secundário, padece a desorganização que o tempo, a falta de exercício impõe, gerando atrofia, atraso, desequilíbrio.
A mediunidade não constitui exceção.
Médiuns, conscientes ou não, foram os santos, os sábios, os artistas, os cientistas, por conseguirem sentir a presença dos Espíritos ou do pensamento superior de que se tornaram instrumentos, expressando, nas próprias vidas, nas realizações e inventos, a manifestação superior de que se fizeram objeto.
No que tange à conduta espírita, o médium é portador de abençoada instrumentalidade para autoiluminar-se, promover o progresso da Humanidade, desenvolver os valores nobres, consolar e amparar as criaturas atormentadas e sofridas de ambos os planos da Vida. Assim, o indivíduo é médium em todos os momentos da existência física, e não apenas esporadicamente, durante as reuniões experimentais de que participa.
Conforme a conduta mental e social, graças aos pensamentos e ações, atrai Espíritos com os quais se afina, passando a agasalhar-lhes os sentimentos e as ideias, que exteriorizará, às vezes, sem dar-se conta.
A vivência mediúnica é, por consequência, capítulo importante, no dia a dia de todo aquele em quem a faculdade se manifesta, e pretende servir ao programa do Bem, na restauração ou fundação da sociedade justa e feliz, ou da Era Nova do Espírito Imortal. A disciplina constitui um elemento importante, para que outros deveres se apresentem, favorecendo a desincumbência do ministério abraçado. Graças ao seu exercício correto, torna-se imediata a luta pela superação do egoísmo e seu séquito nefando, sempre responsável pelas ocorrências desditosas entre os homens.
Como antídoto a esse terrível adversário íntimo, a experiência do amor solidário e a adaptação ao sentimento de humildade real fazem-se indispensáveis para o desenvolvimento de outras virtudes, que formam o conjunto de recursos auxiliares para conseguir-se a vitória.
A vivência mediúnica saudável é consequência da conscientização do compromisso, que se adquire através do estudo da própria faculdade, da meditação em tomo das suas finalidades quanto da irrestrita confiança em Deus.
A vivência mediúnica será expressa na ação dignificadora, que se constitui recurso precioso para a pacificação íntima e a felicidade.
Médiuns existem de todos os quilates e portadores das mais variadas faculdades.
Médiuns espíritas, porém, conscientes e responsáveis, são em número menor, que se entregam à vivência integral objetivando alcançar o mediunato, que é a grande meta que pretendem os Espíritos missionários no exercício da mediunidade. (...)




[1] Psicografia de Divaldo Pereira Franco, em 3.11.1993, no Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador, Bahia.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

CONDIÇÕES SOCIAIS[1]




Miramez

A desigualdade das condições sociais é uma lei natural?
Não, ela é obra do homem e não de Deus.
Essa desigualdade desaparecerá um dia?
De eterno não há senão leis de Deus. Cada dia, não a vedes diminuir pouco a pouco? Essa desigualdade desaparecerá juntamente com a predominância do orgulho e do egoísmo, e não ficará senão a desigualdade de mérito. Um dia virá em que os membros da grande família dos filhos de Deus não se avaliarão pelo sangue mais ou menos puro. Não há senão o Espírito que é mais ou menos puro, e isso não depende da posição social.
Questão 806/Livro dos Espíritos

As condições sociais, como as desigualdades entre os homens, não são obra de Deus. São condições temporárias necessárias, devido à desigualdade de posições das criaturas, no que se refere à escala de aperfeiçoamento das almas. Essa condição, repetimos, é passageira, pois somente as leis estabelecidas por Deus são imutáveis no tempo e no espaço.
O bom observador notará sempre, no correr do tempo, que as condições humanas vão se transformando lentamente, e sempre para melhor. Todos os povos vão absorvendo, pela força do progresso espiritual, leis mais justas e mais humanas, vendo-se em seus semelhantes, em outra dimensão de vida. Mesmo com as facilidades que o mundo oferece hoje para o homem errar, ele acaba acertando mais, por ter sido feito para a glória da própria vida.
O orgulho nos parece que cresce mais com o egoísmo, antiga chaga que já floresceu muito, mas que agora está sendo combatida pelos seres humanos em diversas escolas filosóficas e religiosas, e pela maior escola da vida, que se chama maturidade espiritual.
Os que desconhecem as leis de Deus e a existência do Todo Poderoso se mostram duvidosos no que tange à posição do homem ante a eternidade. Não encontrando salvação para o mundo e para sua humanidade, são profetas do pessimismo, no entanto, para Deus não existe o impossível. Ele age no momento adequado e a tudo conserta, usando os próprios homens de boa vontade. As Suas leis corrigem todos os deslizes, usando dos feitos humanos como exemplos e lições para os que incorrem em erro.
As desigualdades que se veem nos povos, o são por merecimento de cada um. Não que Deus abençoe uns mais que os outros; é devido à escala a que pertence, é força espiritual da justiça, que marca a lei de reencarnação para todas as almas em trânsito na Terra. Quem deseja viver fora da faixa a que pertence, é que sofre as consequências da violência acionada por si mesmo; a justiça é o mesmo amor que protege a todos. No Evangelho de João poderemos ler o seguinte, no capítulo onze, versículo dez: Mas, se andar de noite, tropeça, porque nele não há luz.
E quem anda fora do nível em que deve viver por justiça, somente encontra trevas, por desconhecer o que deve receber e sentir por misericórdia de Deus. Não queiramos ser o que não somos. Cada criatura tem dentro de si um vigia, que lhe dá conhecimento dos seus poderes e dos seus limites, em tudo que faz e pensa. Mesmo nas condições sociais em que se encontra, por que avançar para as lutas sem as devidas armas com que possa se defender? O que acontece com um médico que não se aprimorou na arte de curar?
As desigualdades nos mostram até onde o outro já chegou, e é um convite para que possamos ir também, porque a vida oferece ensejo para todas as criaturas.




[1] Filosofia Espírita – Volume 16 - João Nunes Maia

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Menino falava todos os dias sobre desconhecida e mãe entra em pânico quando descobre de quem se trata[1]



 Pedro Souza 

Menino falava todos os dias sobre desconhecida e mãe entra em pânico quando descobre de quem se trata
Quando esta mãe perguntou ao filho quem era Pam, uma pessoa sobre quem ele falava constantemente, ela teve um grande choque...
Há mais ou menos seis anos, Érica Roman, de Cincinnati (EUA), notou uma mudança no comportamento de seu filho Luke.  Na época, o menino, então com 2 anos, brincava principalmente com sua joaninha de brinquedo chamada Pam. Erica não se incomodava com essa brincadeira, afinal, era apenas algo cotidiano da imaginação de uma criança. No entanto, quando Luke começou a chamar cada vez mais objetos de Pam, a mãe começou a ficar inquieta.
Para descobrir quem era Pam, ela enfim perguntou ao menino. Sua resposta a fez ter calafrios:
"Eu era Pam. Eu morri, fui para o céu, vi Deus e ele me mandou de volta para baixo. Quando acordei, eu era um bebê ‒ e você me chamou de Luke."

Quanto mais Érica pensava nessa resposta inesperada, mais confusa ela ficava. Finalmente, ela se aproximou de Luke, que lhe contou que, em outra vida, era uma menina com cabelo preto que morava em Chicago e que havia morrido em um incêndio terrível. Além disso, durante a história, o menino repetia constantemente um gesto, que a mãe não entendia. 
Érica estava estupefata com essa história tão detalhada, pois sua família não tinha qualquer relação com Chicago e nem contato com alguma Pam. Luke também não conhecia lugares ou nomes que pudesse inventar em seu relato, logo, a mãe acreditou nele e resolveu pesquisar na internet.
Depois de uma pesquisa rápida, Érica encontrou algo que a deixou com os cabelos de pé: de fato, uma Pamela Robinson ‒ uma mulher de 30 anos que tinha acabado de ter seu primeiro filho ‒ havia morrido em março de 1993 em um incêndio em um hotel em Chicago ao tentar escapar das chamas pulando de uma janela. Quando Érica leu isso, ela enfim conseguiu interpretar o gesto estranho que Luke sempre fazia: ele estava gesticulando um pulo.
Não demorou muito para que a imprensa soubesse da história incomum dos Roman. Eventualmente, a família até apareceu em um programa de televisão e relatou a história de Luke. Como parte do programa, o menino viu fotos de várias mulheres, a partir das quais ele deveria apontar Pamela, e foi o que ele fez sem hesitar. Assista ao vídeo e surpreenda-se com o resumo da história de Luke.

terça-feira, 23 de abril de 2019

O CASTIGO PELA LUZ[1]


(Instrução dos Espíritos)



Nota – Numa das sessões da Sociedade Espírita de Paris, em que se havia discutido a questão da perturbação que geralmente se segue à morte, um Espírito se manifestou espontaneamente à Sra. Costel, dando a comunicação que se segue, e que não leva a sua assinatura:
 Que falais de perturbação? Por que essas palavras vãs?
Sois sonhadores e utopistas. Ignorais perfeitamente as coisas de que vos pretendeis ocupar. Não, senhores, a perturbação não existe, salvo, talvez, em vossos cérebros. Estou tão recentemente morto quanto possível, e vejo claro em mim, em redor de mim, em toda parte... A vida é uma lúgubre comédia! Desastrados os que se retiram de cena antes de cair o pano... A morte é um terror, um castigo, um desejo, conforme a fraqueza ou a força dos que a temem, a afrontam ou a imploram. Para todos é uma amarga irrisão!... A luz me ofusca e penetra, como seta aguda, a sutileza de meu ser... Castigaram-me pelas trevas da prisão e pensaram castigar-me pelas trevas do túmulo, ou as sonhadas pelos supersticiosos católicos. Pois bem! Sois vós, senhores, que sofreis a escuridão, e eu, o degradado social, pairo acima de vós... Quero continuar eu!... Forte pelo pensamento, desdenho os avisos que ressoam à minha volta... Vejo claro... Um crime! É uma palavra! O crime existe por toda parte. Quando praticado por massas de homens, glorificam-no; em particular, é maldito. Absurdo!
Não quero ser lamentado... nada peço... Eu me basto e saberei bem lutar contra esta luz odiosa.
Aquele que ontem era um homem

Tendo sido analisada esta comunicação na sessão seguinte, foi reconhecido, mesmo no cinismo da linguagem, um grave ensinamento e se viu na situação desse infeliz uma nova fase do castigo que aguarda os culpados. Com efeito, enquanto uns são mergulhados nas trevas ou no isolamento absoluto, outros suportam durante longos anos as angústias de sua última hora, ou ainda se julgam neste mundo; a luz brilha para este; seu Espírito goza da plenitude de suas faculdades; sabe perfeitamente que está morto e de nada se queixa; não pede qualquer assistência e ainda afronta as leis divinas e humanas. Escapará à punição? Não, mas a justiça divina se realiza sob todas as formas, e o que constitui a alegria de uns, para outros é um tormento; essa luz é o seu suplício, contra o qual se obstina e, malgrado o seu orgulho, ele o confessa quando diz: “Eu me basto e saberei bem lutar contra essa luz odiosa”; e nessa outra frase: “A luz me ofusca e penetra, como seta aguda, a sutileza de meu ser.” Estas palavras: sutileza de meu ser são características; ele reconhece que seu corpo é fluídico e penetrável pela luz, da qual não pode escapar, e essa luz o trespassa como seta aguda.
Solicitados a dar sua apreciação sobre o assunto, nossos guias espirituais ditaram as três comunicações seguintes, que merecem séria atenção.
(Médium: Sr. A. Didier)

Há provações sem expiação, como há expiações sem provação. Evidentemente, na erraticidade, do ponto de vista das existências, os Espíritos estão inativos e à espera. Todavia, podem expiar, desde que o orgulho, a tenacidade formidável e a rebeldia de seus erros não os retenham no momento de sua ascensão progressiva. Tendes um exemplo terrível na última comunicação, relativamente ao criminoso que se debate contra a justiça divina que o persegue, depois da dos homens. Neste caso, então, a expiação, ou antes, o sofrimento fatal que os oprime, em vez de lhes aproveitar e de lhes fazer sentir a profunda significação de suas penas, os exalta na revolta e lhes faz soltar esses murmúrios que as Escrituras, em sua poética eloquência, chamam ranger de dentes.
Imagem por excelência! Sinal do sofrimento abatido, mas insubmisso! Perdida na dor, mas cuja revolta ainda é bastante grande para recusar reconhecer a verdade da pena e a verdade da recompensa!
Amiúde os grandes erros se prolongam quase sempre no mundo dos Espíritos; do mesmo modo, as grandes consciências criminosas. Ser dono de si, a despeito de tudo, e pavonear-se diante do infinito, assemelha-se a essa cegueira do homem que contempla as estrelas e as toma por arabescos de um teto, como imaginavam os gauleses do tempo de Alexandre.
Existe o infinito moral! Miserável é aquele, ínfimo é aquele que, a pretexto de continuar as lutas e as bravatas abjetas da Terra, não vê mais longe no outro mundo do que aqui embaixo! A esse a cegueira, o desprezo dos outros, a egoísta e mesquinha personalidade e a interrupção do progresso! É certíssimo, ó homens, que há um acordo secreto entre a imortalidade de um nome puro, deixado na Terra, e a imortalidade que guardam realmente os Espíritos em suas provações sucessivas.
Lamennais

Observação – Para compreender o sentido desta frase:
“Há provações sem expiação e expiações sem provação”, é necessário entender por expiação o sofrimento que purifica e lava as manchas do passado; depois da expiação, o Espírito está reabilitado. O pensamento de Lamennais é este: Conforme as vicissitudes da vida sejam ou não acompanhadas pelo arrependimento das faltas que as ocasionaram, do desejo de torná-las proveitosas para seu próprio melhoramento, haverá ou não expiação, isto é, reabilitação. Assim, os maiores sofrimentos podem não ter proveito para aquele que os suporta, se não o tornarem melhor, se não o elevarem acima da matéria, se não virem a mão de Deus, enfim, se não o fizerem dar um passo à frente, porquanto terão de recomeçar em condições ainda mais penosas. Deste ponto de vista, dá-se o mesmo com as penas sofridas depois da morte; o Espírito endurecido as sofre sem ser tocado pelo arrependimento.
Eis por que as pode prolongar indefinidamente por sua própria vontade; é castigado, mas não repara as faltas.
 (Médium: Sr. d’Ambel)

Se precipitarmos um homem nas trevas ou em ondas de luz o resultado não será o mesmo? Num e noutro caso, ele nada vê do que o cerca e se habituará muito mais rapidamente à sombra do que à tripla claridade elétrica, na qual pode estar submerso.
Assim, o Espírito que se comunicou na última sessão exprime bem a verdade de sua situação, quando exclama: “Oh! eu saberei bem lutar contra esta luz odiosa!” Com efeito, essa luz é tanto mais terrível, tanto mais atroz que o trespassa completamente, tornando visíveis e aparentes seus mais secretos pensamentos. Eis um dos lados mais duros de seu castigo espiritual. Ele se acha, a bem dizer, internado na casa de vidro que pedia Sócrates, e aí está ainda um ensinamento, porque o que teria sido a alegria e o consolo do sábio torna-se a punição infamante e contínua do mau, do criminoso, do parricida, assustado em sua própria personalidade.
Compreendeis, meus filhos, a dor e o terror que devem oprimir aquele que, durante uma existência sinistra, se comprazia em arquitetar, em maquinar as mais tristes perversidades no fundo de seu ser, onde se refugiava como uma fera em sua toca, e que hoje se acha expulso desse refúgio íntimo, onde se subtraía aos olhares e à investigação dos contemporâneos? Agora sua máscara de impassibilidade lhe é arrancada e cada um de seus pensamentos se reflete sucessivamente em sua fronte!
Sim, doravante nenhum repouso, nenhum asilo para esse formidável criminoso! Cada mau pensamento – e Deus sabe se sua alma os exprime – se trai fora e dentro de si, como num choque elétrico superior. Quer ocultar-se à multidão, e a luz odiosa o atravessa continuamente. Quer fugir, foge numa carreira ofegante e desesperada, através dos espaços incomensuráveis e, por toda parte, a luz! Por toda parte os olhares que nele mergulham! E se precipita novamente, em busca da sombra, da noite, e a sombra e a noite para ele não existem. Chama a morte em seu auxílio, mas a morte não passa de um nome vazio de sentido. O infortunado foge sempre! Marcha para a loucura espiritual, terrível castigo! Dor horrível! Onde se debaterá consigo mesmo para se desembaraçar de si próprio. Porque tal é a lei suprema além da Terra: é o culpado que se torna, para si mesmo, seu mais inexorável castigo.
Quanto tempo durará isto? Até a hora em que sua vontade, enfim vencida, curvar-se sob a pungente pressão do remorso, e em que sua fronte soberba humilhar-se perante suas vítimas apaziguadas e ante os Espíritos de justiça. E notai a alta lógica das leis imutáveis; nisto ele ainda cumprirá o que escrevia nessa arrogante comunicação, tão clara, tão lúcida e tão tristemente cheia de si, que deu sexta-feira última, desobrigando-se por um ato de sua própria vontade.
O Espírito protetor do médium.
(Médium: Sr. Costel)

A justiça humana não faz acepção da individualidade dos seres que castiga. Medindo o crime pelo crime em si, fere indistintamente os que os cometeram, e a mesma pena atinge o culpado sem distinção de sexo e seja qual for a sua educação. A justiça divina procede de outro modo; as punições correspondem ao grau de adiantamento dos seres aos quais são aplicadas. A igualdade do crime não constitui igualdade entre os indivíduos; dois homens culpados no mesmo grau podem ser separados pela distância das provas, que mergulham um na opacidade intelectual dos primeiros círculos iniciadores, ao passo que o outro, os tendo ultrapassado, possui a lucidez que liberta o Espírito da perturbação.
Então não são mais as trevas que castigam, mas a acuidade da luz espiritual; ela atravessa a inteligência terrena e o faz experimentar a angústia de uma chaga reavivada.
Os seres desencarnados perseguidos pela representação material de seu crime sofrem o choque da eletricidade física: sofrem pelos sentidos. Os que já estão desmaterializados pelo Espírito sentem uma dor muito superior, que aniquila nas suas vagas amargas a recordação dos fatos, para não deixar subsistir senão a ciência de suas causas.
O homem pode, pois, a despeito da criminalidade de suas ações, possuir um adiantamento interior, pois enquanto suas paixões o fazem agir como um bruto, suas faculdades afiadas o elevam acima da espessa atmosfera das camadas inferiores. A ausência de ponderação, de equilíbrio entre o progresso moral e o progresso intelectual, produz as anomalias muito frequentes nas épocas de materialismo e de transição.
A luz que tortura o Espírito culpado é, pois, o raio que inunda de claridade os recônditos de seu orgulho e a lhe pôr a descoberto a inanidade de seu ser fragmentário. Eis os primeiros sintomas e as primeiras angústias da agonia espiritual, que anunciam a separação ou a dissolução dos elementos intelectuais materiais, que compõem a primitiva dualidade humana, e devem desaparecer na grande unidade do ser acabado.
Jean Reynaud

Observação – Recebidas simultaneamente, estas três comunicações se complementam, apresentando o castigo sob novo aspecto, eminentemente filosófico, um pouco mais racional que as chamas do inferno, com suas cavernas guarnecidas de navalhas.
(vide A Religião e o Progresso, publicado neste blog em 17/04/2019)
É provável que os Espíritos, querendo tratar a questão por um exemplo, tenham provocado, com esse objetivo, a comunicação espontânea do Espírito culpado.




[1] Revista Espírita – Julho/1864 – Allan Kardec 

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Charles Foster[1]


1838 – 1888


           
Foster recebeu educação em uma escola pública de sua cidade natal, Salem. Ali, aos quatorze anos de idade, a sua mediunidade teria se manifestado pela primeira vez, sob a forma de "raps" (batidas) em sua carteira, durante o horário das aulas. À noite o jovem era despertado por violentos ruídos nos móveis, que eram inexplicavelmente deslocados em seu quarto. Pouco tempo depois o fenómeno passou a repetir-se à luz do dia, escutando-se a movimentação da mobília em aposentos onde ninguém se encontrava.
Barlett narra que certa vez, quando se encontrava nos aposentos de Foster, foi por ele acordado às duas horas da manhã, solicitando: "George, quer fazer o favor de acender o gás? Eu não posso dormir: o quarto está cheio da família de Adams e parece que estão escrevendo os seus nomes em mim". Com efeito, o senhor Adams o havia procurado durante o dia anterior para uma consulta, tendo Foster, através da vidência, observado que muitos espíritos ficaram em sua companhia. Barlett conclui o relato afirmando: "E com grande admiração minha, a lista de nomes da família Adams estava gravada em seu corpo. Contei onze nomes diferentes: um estava gravado na testa, outros nas costas".
Em outro episódio, descrito pelo mesmo autor, Foster foi rudemente detido por um braço por dois homens que lhe exigiram uma demonstração da escrita na pele. Enquanto o seguravam, formaram-se no braço do médium, em letras redondas e largas, em vermelho-sangue, as palavras "Two Fools" (dois tolos), seguidas, como de hábito, pelo nome do espírito comunicante.
Na leitura em amontoado, o procedimento habitual era o de se pedir aos assistentes que escrevessem os nomes de seus parentes falecidos em tiras de papel, enquanto o médium saía da sala, enrolá-las e colocá-las com outras tantos quanto se quisesse em um amontoado sobre uma mesa. No regresso do médium, os nomes nas tiras eram soletrados pelos "raps", e Foster entregava os endereços em transe, fornecendo descrições dos espíritos através de clarividência e de clariaudiência. Ele alegava que Virgílio, Luís de Camões, Miguel de Cervantes e muitas outras entidades ilustres estavam entre os seus comunicadores.
Em 1861, Foster visitou a Grã-Bretanha, e nesse período acrescentou-se a faculdade de materialização às suas apresentações. A sua primeira sessão teve lugar na casa de William Wilkinson, editor da revista "Spiritual". Tornou-se amigo do Master de Lytton, com quem permaneceu em Knebworth. Nomes da literatura da época, como Charles Dickens, William Makepeace Thackeray, Alfred Tennyson, Robert Chambers e William Howitt vieram até ele para sessões. John Ashburner, uma autoridade em magnetismo animal e espiritismo, registou fenômenos invulgares: viu nove mãos materializadas flutuando ao longo da mesa de jantar e assistiu a uma levitação do médium e do piano em que ele estava tocando.
Em Janeiro de 1862, a convite de Thomas P. Barkas, Foster realizou quatro sessões em Newcastle upon Tyne. Em cada uma delas, participaram dez pessoas. Os seus nomes foram mantidos em um livro próprio e isoladas do médium. Com essas 40 pessoas os erros na comunicação, segundo Barkas, não deveriam exceder a três por cento, e isso normalmente aconteceu com mínima confusão ou polemica.
No entanto, Barkas tinha a impressão de que, apesar de Foster ser um médium genuíno, ele ocasionalmente, talvez frequentemente, aumentava os efeitos com truques. Em apoio a esta premissa, Barkas salienta, no seu "Outlines of Ten Years Investigations into the Phenomena of Modern Spiritualism" (1862), que os nomes dos espíritos dos falecidos foram escritos pelo médium de acordo com o soletrado nos amontoados, os quais por vezes continham erros; as comunicações eram extraordinariamente similares; a rápida entrada em transe e súbito alívio eram mais prováveis de serem aparentes do que reais; e a escrita quer fosse obtida diretamente ou automaticamente, era sempre semelhantes à escrita normal do médium.
Eventualmente as simpatias voltaram-se contra Foster na Grã-Bretanha. Em 1863, a "Spiritual" publicou que o seu editor tinha recebido de um Juiz Edmonds tamanhos "detalhes doentios de sua criminalidade em outro meio que não iria mais manchar as suas páginas com a sua mediunidade". Foster então simplesmente abandonou a Grã-Bretanha dirigindo-se à França, onde se apresentou diante de Napoleão III em Paris. Excursionou em seguida pela Austrália e retornou, finalmente, a New York.
O autor Epes Sargent registou experiências pessoais convincentes na leitura em amontoado com Foster, em "Planchette, or the Despair of Science" (1869). Por outro lado, John W. Truesdell, em "The Bottom Facts Concerning the Science of Spiritualism" (1883), descreve uma apresentação em Nova Iorque, em 1872. Foster segurou o amontoado nas mãos e leu-os com a iluminação contínua de seu charuto, o fogo sendo mantido no oco de sua mão.
O caso de Charles Foster ilustra bem a dificuldade de avaliar os fenômenos psíquicos ou as pessoas que os produzem. Parece provável que Foster tenha sido culpado muitas vezes por fraude, nomeadamente nos fenômenos como leitura em amontoado, o que é peculiar a simples truques de mágica. Por outro lado existem fortes testemunhos de algumas manifestações mediúnicas genuínas.
Foster foi um personagem sociável, que apreciava tanto consumir bebidas alcoólicas e fumar charutos com seus companheiros, quanto fazer a transmissão de mensagens dos mortos. O seu biógrafo, Bartlett, resume as suas observações sobre Foster afirmando:
Ele era extravagantemente dual. Ele não foi apenas o Dr. Jekyll e Mr. Hyde, mas representava uma meia-dúzia de diferentes Jekylls e Hydes. Ele era um gênio desequilibrado, e às vezes, eu deveria dizer, demente. Ele usava a muitos de seus amigos. Ele parecia indiferente às opiniões dos outros, e, aparentemente, rendeu-se a todos os desejos.

Alguns dos mais estranhos fenômenos de Foster, como a dermografia, parecem ter sido involuntários.
Durante a viagem de Foster à Inglaterra, em 1861, o Dr. John Ashburner foi chamado à cabeceira do médium por um de seus companheiros, que afirmou que o mesmo estava próximo à morte. Ashburner encontrou-o em um estado de estupor alcoólico, em consequência de uma noite de bebedeira com os amigos. Após ter examinado o médium, ainda em estado de torpor, o médico narra um fenómeno extraordinário, em seu livro "Philosophy of Animal Magnetism and Spiritualism" (1867):
De repente as roupas de cama foram apertadamente enroladas para baixo até à altura da sua virilha. A sua camisa foi então apertadamente enrolada, como um cordão, expondo à nossa vista a pele do tórax e do abdomen. Logo ali apareceram, em grandes letras vermelhas, levantadas sobre a superfície, a palavra 'DESENVOLVIMENTO', que se estendia a partir da virilha direita para o ombro esquerdo, dividindo a superfície em dois compartimentos triangulares. Estes foram preenchida com maços de flores, lembrando flores-de-lis. O fenômeno perdurou por quase dez minutos, quando a camisa e as roupas de cama foram gentilmente desenrolados e recolocados como no início.

Em seus últimos anos Foster tornou-se dependente do álcool. Em 1881, com 48 anos de idade, ele foi levado para o Danvers Insane Asylum, sofrendo, de acordo com os relatórios, de alcoolismo avançado e amolecimento do cérebro. Nos quatro últimos anos da sua vida ele aparentemente viveu uma existência vegetativa sob os cuidados de uma tia, simplesmente fixando o espaço a maior parte do tempo.
Poucos dias após a sua morte, a igualmente controversa médium Kate Fox estava praticando a escrita automática com a sua amiga Sra. Taylor e encontrou a sua mão galvanizada em frenéticas, incoerente mensagens, assinadas como "Charles Foster, médium".


Bibliografia
ASHBURNER, John. Philosophy of Animal Magnetism and Spiritualism. Londres, 1867.
BARTLETT, George C.. The Salem Seer. Nova Iorque, 1891.
BROWN, Slater. The Heyday of Spiritualism. Nova Iorque: Hawthorn Books, 1970.
TRUESDELL, John W.. The Bottom Facts Concerning the Science of Spiritualism. Nova Iorque: G. W. Carleton, 1883.

sábado, 20 de abril de 2019

A relação entre o Espiritismo e a Astronomia[1]


Olhando através da esfera cósmica.
Ilustração de "L'atmosphere: meteorologie populaire", por C. Flammarion (1888).

Ademir Xavier

A Astronomia é considerada uma ciência muito antiga. O Espiritismo, embora assim conhecido apenas a partir de meados do Século 19, trata de questões também muito antigas também, que estão na origem de todas as religiões. Embora longe do reconhecimento 'acadêmico', inútil para os objetivos do Espiritismo na época presente, ele também demonstrou seu aspecto científico. Como dois saberes antigos e científicos, é natural que Espiritismo e Astronomia guardem alguma relação.
De fato, esse relacionamento se manifestou desde o início com a publicação de um capítulo inteiro em A Gênese, de A. Kardec, dedicado a uma nova cosmografia. Esse capítulo contém uma dissertação sobre o Universo assinado por 'Galileu', em uma mensagem psicografada por Camille Flammarion (1842-1925). No Brasil, destacamos o interesse que o espírita e educador Eurípedes Barsanulfo (1880-1918) teve quando fundou o Colégio Allan Kardec em Sacramento/MG, a partir de um curso de Astronomia. E são inúmeras as referências às 'formações assombrosas' do Universo em muitas mensagens espíritas.
Conceitualmente, uma via de interligação entre Espiritismo e Astronomia é o impacto que ambos os conhecimentos têm sobre nossa compreensão do Universo e do significado da vida humana nele. A Astronomia não tem interesse em considerações de natureza filosófica sobre essa posição humana no Universo. Tais conclusões surgem, porém, naturalmente a partir do conhecimento revelado por ela:
·         O que chamamos de 'Universo' é algo extraordinariamente grande. Nossa capacidade de entendimento das reais dimensões do Cosmo é coisa muito limitada. Sua dimensão verdadeira (a julgar pelo tamanho das incontáveis formações astronômico contido nele) é inconcebível para a mente humana.  Da mesma forma, as escalas de tempo envolvidas nos fenômenos astronômicos de grande escala são longas demais para qualquer existência humana.
·         O que podemos ver no Universo é apenas uma fração ínfima de sua real presença. Como nossos sentidos são limitados, percebemos muito pouco da enorme gama de 'radiações' ou 'ondas' em grande escala que são nele produzidos.
·         Para a existência humana (no sentido de sua presença física na Terra), nosso planeta é um lugar muito especial. As condições climáticas ou ambientais típicas do Universo jamais propiciariam uma vida tranquila a qualquer ser vivente. O Universo é, para o corpo humano, um lugar completamente inóspito.
·         O Universo está estruturado em 'camadas' ou 'dimensões' em escalas que exibem uma complexidade assombrosa. Vemos coisas complexas no incrivelmente grande, assim como no muito pequeno. 
Em suma, a Astronomia confirmou que nossos sentidos não são apropriados para ver e ouvir o Cosmos. Ela mostrou ainda que a Terra é, até agora, o único planeta a abrigar o que chamamos 'vida' do ponto de vista material. Também demonstrou que a enorme amplitude de escala do Universo implica em inúmeros 'extratos' de fenômenos diferentes, cada uma deles a existir como um cosmo próprio.
Assim, foram homem e a Humanidade circunscritos a uma dessas 'camadas' existenciais de um Universo incrivelmente grande. E, modernamente, há suspeitas de que o que chamamos 'dimensões' do espaço e do tempo sejam apenas variedades geométricas adaptadas a nossa competência limitada de medição no Universo.
Com tais conclusões, uma bifurcação de entendimento se apresenta:
1.      Somos as únicas criaturas conscientes em um Universo enorme, mas completamente vazio, somos menos que espumas a existir por brevíssimos momentos na vida do Cosmo,
2.      OU não estamos sozinhos, mas diante de um Universo que revelará fatos ainda mais surpreendentes sobre aquilo que nele pode existir e ter consciência.
A primeira possibilidade tem sido explorada em inúmeros documentários e livros de divulgação científica. O materialismo e ateísmo vigentes têm como certo um Universo vazio, onde a vida humana vale apenas dentro do círculo estreito de seus interesses transitórios. As consequências dessa visão limitada são a um Universo frio, amoral e incriado. Nele não há nenhum papel para Deus que, portanto, não existe.
Entretanto, como nossos sentidos e compreensão se mostraram muito limitados, parece fazer mais sentido aceitar a segunda possibilidade. O vazio revelado é fruto de nossa incapacidade em perceber o todo, pois apenas vislumbramos o Universo por meio de estreitíssima janela. Seria necessário que a sensibilidade humana transcendesse muito os sentidos ordinários para que a nós fosse possível visualizar um pouco melhor o Universo. Não devemos, portanto, nos apressar nas conclusões niilistas.
É nesse ponto que intervêm as revelações do Espiritismo:
·         A sensibilidade humana é limitada, mas, por meio da mediunidade, é possível acessar uma grande variedade de fenômenos que também expandiram nosso conhecimento sobre o Universo;
·         Os sentidos humanos dilatados pela mediunidade revelaram que não somos as únicas 'consciências' que existem: em torno de nós pulula um grande contingente de novas formas de vida que existem aparentemente em um extrato 'não material' do Universo. Essas consciências interagem com os humanos e influenciam sua vida privada. Quando querem, porém, podem se manifestar publicamente.
·         Mas, matéria ou 'não matéria' são termos intercambiáveis: o que chamamos 'matéria' é apenas um tipo de manifestação de fenômeno adaptado a nossa presente condição ou capacidade sensorial. Em particular, a Humanidade continua a existir de outras formas (outros extratos). O homem sobreviverá à morte, entendida agora como rompimento dos laços que prendem a sua real natureza (o Espírito) àquela camada do Universo onde ele transitoriamente vive;
·         A vida humana se estende de forma inconcebível, tanto para trás no tempo, como para frente. O Espírito existirá por tempo indefinido. Sua existência real se dá, portanto, em uma dessas camadas do Universo que tangenciam a existência material inúmeras vezes (reencarnações), mas por breves momentos na escala universal de tempo.
Os estudos da Astronomia e da Física mostram a convergência entre o macro e o micro: as superestruturas da escala astronômica se sustentam como imensas formações que têm por base forças minúsculas e influências recíprocas indetectáveis aos sentidos humanos. Da mesma forma interagem matéria e espírito para formarem a porção do que é visível a esse último, numa realidade que se mostra muito limitada para os sentidos humanos, por enquanto.
Isso foi justamente o que C. Flammarion representou na ilustração do início deste post. Um indivíduo que sai de sua vida ordinária, mesquinha, limitada e pequena. Segue além da fronteira do Universo, não como uma divisa física, mas de dimensão, a do limite imposto por uma única faixa de vida até então tomada como única existente. O que ele vê então? Mundos e vidas incontáveis, uma variedade de formas e coisas tão grande quanto o próprio tamanho e idade do Universo. Nessa nova perspectiva muito dilatada, tudo lhe parece fazer sentido. As maiores dores e calamidades humanas nada são, porque a vida humana verdadeira é infinita em continuidade e significado. A vida na Terra é um momento fugaz, os dramas humanos pequenos demais diante da verdadeira destinação reservada a ele. E o Universo se revela então com uma manifestação Divina, organizada de forma inteligente e absolutamente perfeita.
A imagem do Universo complementado pelo Espiritismo é assim a de um Cosmos repleto de vida em múltiplas camadas a se interpenetrarem. O homem nele é Espírito encarnado brevemente, que deixa seu casulo corpóreo muitíssimas vezes para ascender numa escala de bondade e conhecimento.  A noção de justiça verdadeira não se aplica apenas à vida transitória que leva por tão breve tempo. Por isso a ideia de eternidade trazida pelo Espiritismo permite vislumbrar nosso verdadeiro papel no Universo, que não é mais limitado no tempo e no espaço. O mais próximo da sensação de deslumbramento que podemos sentir ao perceber essa realidade futura é quando olhamos para o alto. Para isso, basta uma noite límpida, sem nuvens...