sábado, 30 de janeiro de 2021

DISTORÇÕES[1]

 


Orson Peter Carrara

 

Sabemos bem o que é o Espiritismo?

Embora lamentável o que se vem assistindo no movimento espírita – igualmente contagiado por fatores estranhos à sua genuína proposta, como acontece em tantos segmentos –, é natural que aconteça, face à imaturidade que ainda nos caracteriza. Muitos já reconhecemos sua real natureza e seus objetivos, mas seduzidos por interesses e paixões variadas, ainda nos mostramos incapazes de viver o que sabemos. A essência do Espiritismo está na caridade em sua ampla configuração, não restrita – é claro – à doação de bens materiais passageiros, mas sim e especialmente na atenção, na gentileza, no acolhimento (presente no abraço, no aperto de mão, no estímulo sincero em favor da felicidade alheia por exemplo), e também na fé e na esperança que se materializam na postura de retidão, na solidariedade e no respeito que nos devemos mutuamente, de vez que todos precisamos uns dos outros. E conforme encontramos no item 292 de O Livro dos Médiuns, o objetivo principal, prioritário, do Espiritismo está na nossa melhora moral, ou, em outras palavras, nos esforços que possamos desenvolver na aquisição de virtudes e na superação das más tendências.

Infelizmente, porém, nos dividimos, levados por fanatismos momentâneos ou visões distorcidas da realidade que conseguimos assimilar, iludidos que ainda estamos por posições, imposições, por ideias ou posturas dispensáveis, pois que incompatíveis com a moral de Jesus. Será uma ilusão de domínio de consciências alheias, será fruto do orgulho que ainda nos caracteriza ou da vaidade que se permite cultivar? Não sei exatamente, cada um descobrirá dentro de si mesmo tais razões, já que só o tempo nos levará ao amadurecimento que se busca.

Felizmente, porém, por outro lado, tudo isso é ação humana, bem própria de nossa mediocridade moral, e que nada tem a ver com a grandeza da Doutrina Espírita. Esta sim, impecável, inatacável e que recebe os impactos ingratos de todos nós, os espíritas, que embora reconheçamos devidamente sua grandeza e benefícios em favor da humanidade, que poderíamos multiplicar continuamente, permitimo-nos contagiar pela vaidade, pelo egoísmo ou pelo ciúme, e simplesmente iludidos por tolas e dispensáveis pretensões para quem pretende afirmar-se discípulo de Jesus.

Isso é pessimismo? Não! Absolutamente! É até um processo natural, bem próprio de aprendizados que nos amadureçam. Mas grita dentro de nós um apelo ao bom senso, ao discernimento, virtudes que tão bem caracterizaram a inigualável personalidade de Allan Kardec. Seja por gratidão à própria vida, ou aos exemplos marcantes de nomes veneráveis (e quantos não são?!) que abriram os primeiros caminhos e os mantiveram íntegros. Vamos, pois, rever os caminhos? Já não é hora de nos mostrarmos coerentes, agindo dentro da ética que aprendemos com o Espiritismo?

Sei que essa reflexão será ignorada ou desprezada pela maioria – somos assim mesmo, é de nossa natureza, nunca achar que somos nós os protagonistas de ações em desserviço do Espiritismo e que isso é culpa dos outros, nunca somos os responsáveis –, apreciada por outros com reserva e assimilada por minoria muito significativa, mas isso é secundário. O que é preciso é que se fale. Quem sabe um mínimo trovão consiga despertar alguns, até o próprio autor, sujeito também a equívocos de todo tipo, como criatura humana também em lutas.

O lamento, porém, é pela supervalorização de ações (e aqui é um universo delas) sempre em detrimento do estudo e da consciência doutrinária – que esclarecem e orientam –, substituindo prioridades por interesses que estimulam vaidades e supremacias, criando exércitos que seguem pessoas e não o Espiritismo, quando deveria ser o contrário, face à nossa condição de criaturas falíveis.

Mas a Lei do Progresso é determinante. Não há como impedi-la. A vida nos colocará devidamente no lugar no tempo certo, quando então deveremos rever posturas e reparar os estragos que causamos com nossas vãs e tolas pretensões. Felizmente, porque nos levará à maturidade de consciência que estamos tentando construir.

Mas a história pode ser diferente desde já. Basta o olhar da humildade e da constatação de nossa própria fragilidade, aprendizes ainda incapazes de domar a si próprios.

 

Fonte: Centro Espírita Irmão Agostinho

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

SINTONIA E OBSESSÃO[1]

 


Maísa Intelisano

 

Obsessão, assédio, encosto, mau-olhado, quebranto, ou seja, lá qual for o nome que se queira dar, é, acima de tudo, uma questão de atitude pessoal nossa. Somos nós que abrimos a nossa frequência para que entidades perturbadas, com ou sem ligações conosco, se aproximem e nos causem perturbações.

No universo tudo é uma questão de sintonia. Os semelhantes se atraem e, quando entram em ressonância uns com os outros, intensificam sua própria frequência, aumentando também seus efeitos e suas qualidades, boas ou más.

Isso não quer dizer que todos nós sejamos pessoas perturbadas e que, por isso, atraiamos só entidades perturbadas. Mas que, como todo mundo, cada um de nós passa por perturbações no seu dia a dia, as quais podem durar mais ou menos tempo, dependendo da gravidade da situação, da própria força para encarar e superar as contrariedades, do ambiente em que estamos ou que normalmente “frequentamos” no nosso dia a dia, etc.

Na maioria das vezes, não temos qualquer obsessor ou perseguidor de outras vidas ou de outras situações, mas nos permitimos ficar mais tempo remoendo uma determinada mágoa ou raiva, visualizando uma discussão ou briga. Ficamos deprimidos ou aborrecidos por mais tempo e alimentamos as formas astrais destas situações, que ficam circulando ao nosso redor. Com isso, diminuímos nossa frequência vibratória e, consequentemente, nos sintonizamos com as mentes que vibram na mesma faixa vibratória.

Normalmente, as frequências mais baixas são de entidades mais perturbadas, sofredores, ignorantes espirituais, etc. Eles não têm nada contra nós, mas simpatizam-se conosco simplesmente porque encontram “eco” em nós para os seus pensamentos e sentimentos. Acontece exatamente a mesma coisa conosco, encarnados: procuramos a companhia das pessoas que nos são mais afins, que combinam mais conosco, que pensam mais ou menos como a gente.

 

Afinidade

Da mesma forma, essas entidades ficam conosco simplesmente porque se sentem bem ao nosso lado, mais nada. Então, como elas gostam do que sentem, ajudam, inconscientemente, a alimentar esse quadro para mantê-lo enquanto puderem. Como estamos vulneráveis a essas sugestões, também intensificamos esse padrão. E, se não tomamos cuidado, isso rapidamente se transforma em assédio mais complicado ou mesmo obsessão, que começou apenas porque resolvemos dar guarida a pensamentos e sentimentos menos felizes que nós mesmos criamos e com os quais atraímos esses espíritos desavisados para nós. E aí, muitas vezes, não somos responsáveis só por nós mesmos, mas também um pouco responsáveis por eles que foram “fisgados” pelos nossos pensamentos e sentimentos, sem saberem onde estavam entrando.

 

Assediador ou obsessor?

Alguém já parou para pensar que somos nós que podemos estar perturbando esses espíritos mais do que eles a nós? Quem, então, seria o assediador ou o obsessor?

Mesmo que essas entidades sejam nossos “personal obsessors”, ou seja, mesmo que tenhamos com eles dívidas ou compromissos passados de outras vidas ou de outras situações desta vida mesmo, é sempre a nossa atitude íntima o que vai determinar se a sua influência vai ser mais profunda ou não, mais demorada ou não, mais extensa ou não, mais prejudicial ou não.

Existem, sim, muitos espíritos cruéis, oportunistas, frios, calculistas – exatamente como aqui no mundo físico –, mas o grau de influência que eles têm sobre nós sempre vai depender do nosso próprio grau de luz, amor e serenidade interior! Eles não têm mais poder do que nós. O poder é igual para todos, ou seja, temos tanto poder quanto eles.

Então, seja em que situação for, o melhor é sempre manter a “mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo” (acho que o verso é mais ou menos assim), para que, com vibrações mais saudáveis, mais luminosas e mais suaves, nós possamos transformar até aquele obsessor mais duro e cruel em amigo. Na pior das hipóteses, mesmo que ele não se torne nosso amigo, vai desistir da perseguição, pois vai se cansar de tentar nos desequilibrar sem sucesso e vai procurar outra “vítima”.

O problema é que, muitas vezes, queremos simplesmente afastar os assediadores e/ou obsessores, sem nos preocuparmos realmente com eles. Ou seja, tomamos uma atitude egoísta do tipo “eu quero mais é ficar livre deles e que eles se danem”.

Só que isso não resolve o problema. Primeiro porque, na verdade, não estamos sendo nada caridosos ou bondosos. Muito pelo contrário: nós os estamos tratando como nossos inimigos e, portanto, reforçando os sentimentos deles para conosco. Segundo, porque, se eles não melhoram intimamente, poderão voltar amanhã ou depois, assim que tivermos qualquer fraqueza ou abrirmos qualquer brecha vibratória.

 

Mude seu pensamento

O mais correto é pensar neles como irmãos ou amigos espirituais, temporariamente desviados de seu próprio caminho de iluminação interior, porque ninguém fica obsessor para sempre, ninguém permanece desorientado ou perturbado para sempre.

E quem garante que nós mesmos já não estivemos na condição de assediadores ou obsessores nos períodos em que estivemos desencarnados pela eternidade afora? E se estivéssemos nessas condições hoje? Como gostaríamos de ser tratados? Como iríamos querer que a nossa “vítima” agisse? Será que não iríamos gostar que nos perdoasse e nos ajudasse a sair dessa situação?

Infelizmente, toda uma “tradição” espiritual equivocada foi criada em relação às obsessões e assédios, fazendo parecer que os desencarnados que obsidiam e perturbam encarnados são sempre os carrascos, criminosos espirituais merecedores da nossa fúria e da nossa frieza, como se os encarnados fossem sempre pobres vítimas sofredoras.

Só que, em minha opinião, não é bem assim. Ainda mais se considerarmos que, em grande parte dos casos, eles são mais vítimas do que provocadores da situação.

Assim, sugiro que, acima de tudo, todos procurem vibrar sempre luz, em todos os lugares e em todos os momentos de nossa vida.

Com isso, estaremos garantindo que os nossos possíveis obsessores pensem duas vezes antes de quererem nos atacar ou perturbar.

Além disso, claro, as preces, orações, vibrações de amor, direcionadas a Deus ou ao ser supremo do universo, são, sim, excelentes, desde que sejam sinceras e profundas, emitidas com as melhores intenções, inclusive por aqueles que supostamente nos perseguem.

 

 

Artigo publicado na Revista Cristã de Espiritismo, Ed. 141.

Fonte: Vivência Espiritualista

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

RESPONSABILIDADE[1]

 

Miramez


Se uma fortuna foi mal adquirida, os herdeiros serão responsáveis por isso?

‒ Sem dúvida eles não são responsáveis pelo mal que outros tenham feito, tanto mais que o podem ignorar, mas fica sabendo que muitas vezes uma fortuna se destina a um homem para lhe dar ocasião de reparar uma injustiça. Feliz dele se o compreender! E se o fizer em nome daquele que cometeu a injustiça a reparação será levada em conta para ambos, pois esse mesmo quase sempre é quem a provoca.

Questão 809/O Livro dos Espíritos

 

Em tudo o que fazemos, a responsabilidade se apruma a nossa frente, pedindo, no silêncio da nossa imaginação, que entendamos este compromisso. Todos o entendem, mais ou menos, desde quando não deixem se perder as ondas emitidas pela consciência ao raciocínio.

No caso de herança, muitas vezes não se conhece a origem da fortuna herdada, mas, mesmo sem o beneficiário o saber, já é um compromisso assumido, ao pôr as mãos em dinheiro que não nasceu dos próprios esforços. O rico tem oportunidades inúmeras de ajudar aos que sofrem, pela caridade bem conduzida, aquela que não fica somente ciando pão aos que têm fome, mas que lhes ensina quando oportuno, a plantar o trigo.

Riqueza soma responsabilidades no caminho do seu portador. Ela é um empréstimo valioso de Deus para que se possa despertar no coração os sentimentos do amor, através do bem comum que se pode fazer. Quantas riquezas, observamos, estão sendo desperdiçadas em mãos invigilantes, em passeios desnecessários, que em muitos casos complicam a vida, em luxo extravagante que aumenta o orgulho da família, desperta a vaidade e traz sempre junto o egoísmo!

Se veio às tuas mãos a riqueza, pelo trabalho ou por herança, medita nos bens materiais e o porquê da sua existência em teu caminho. Analisa os homens generosos, estuda as grandes vidas e passa a copiar os ensinamentos dos grandes benfeitores da humanidade. O ouro é cego; o seu guia é que responde pelos seus feitos.

Disse Jesus que dificilmente entraria um rico no reino dos Céus, mas, isso nunca é impossível, porque não existe o impossível, onde a caridade é o clima e o amor o alimento. Jesus tem o poder de a tudo transformar, e sempre para melhor.

O rico tem muitas oportunidades de salvar-se porque, pelas suas possibilidades de conhecimento e de vigiar por toda parte, tem oportunidades variadas de perceber com maiores detalhes a vida de Jesus e os benefícios por Ele criados. Certamente que não lhes falta a oportunidade de acesso a muitas obras que falam sobre a vida do Guia Espiritual da Terra, e de perceber, por toda parte, os sinais dos Seus fenômenos. João anotou, no capítulo seis, versículo trinta e seis:

 

Porém, eu já vos disse que, embora me tenhais visto, não credes.

 

A riqueza, para quem tem olhos para ver, permite observar com facilidade a bondade de Deus por toda parte, e o próprio Jesus de braços abertos a chamar para o melhor trabalho que existe na Terra: ensinar aos outros, sem ostentação, a ganhar o seu próprio pão. A agricultura, a fruticultura, a floricultura e outros poderiam ser processos da multiplicação dos pães em tempos novos, promovida pelos ricos, para que os homens vissem o amor de Deus para com Seus filhos.

Também os ricos de conhecimento e de recursos intelectuais deveriam saber como guiar aos que lhes buscam orientação. Entretanto, parece que não veem que todos os meios de comunicação que têm em suas mãos são possibilidades de guiar a humanidade, esquecendo, muitas vezes, seus deveres de verdadeiros guias, lembrando-se apenas de sua posição.

Observemos as responsabilidades dessas heranças, que se não forem bem aplicadas, poderão ser atrofiadas pelo tempo e pela justiça.

Se a herança partiu de uma fonte injusta, pode-se transformá-la em ouro de luz, que ilumina os próprios pervertidos para, no amanhã, corrigirem seus deslizes.



[1] Filosofia Espírita – Volume 16 – João Nunes Maia

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

EVOLUÇÃO OU INVOLUÇÃO?[1]

 


Richard Simonetti – 6 de julho de 2010

 

Segundo disseram os Espíritos a Allan Kardec na questão 118 do O Livro dos Espíritos,

“nós podemos permanecer estacionados em nossa evolução, mas nós não regredimos”.

 

Mas, o que dizer quando vemos, estes três exemplos a seguir?

1 - Um chefe de família, pai de três filhos, marido carinhoso, vida conjugal tranquila abandona o lar para envolver-se com uma jovem volúvel.

2 - Uma pessoa boa, prestativa para todos, mas que um dia discute com um vizinho por causa do som e irrita-se, toma um revólver e atira no vizinho matando-o.

3 - Uma adolescente disciplinada e obediente que lamentavelmente se transforma ao entrar para a faculdade. Envolve-se com más companhias, torna a convivência um inferno. Desrespeita os pais, agride os irmãos, não aceita qualquer orientação, compromete-se em perniciosos desregramentos.

 

Quem convive com pessoas assim pode dizer que elas “INVOLUIRAM”?

Não. Elas apenas revelaram o que estava dentro delas.

Para o Espírito (encarnado) é fácil conservar a calma, a serenidade, o equilíbrio, quando tudo corre bem, dentro da rotina, quando não enfrenta desafios ou contestações.

É em circunstâncias especiais, de tensão e grande emoção, em crises existenciais, quando nos desnudamos, mostramos quem somos, qual o nosso estágio evolutivo.

No relacionamento diário há o verniz social, um conjunto de normas de civilidade que regem nossas relações. Mas é uma camada muito fina, que se rompe facilmente.

Isso ocorre também no plano coletivo.

A pessoa deixa-se envolver por impulsos instintivos da multidão e tornam-se capazes de cometer atrocidades. É difícil encontrar algo mais selvagem do que um linchamento. A turba desvairada massacra alguém que despertou sua ira. Querem fazer “justiça” com as próprias mãos. Não é difícil encontrar naquele meio, cidadãos pacatos que, aparentemente, jamais se prestariam a semelhante iniciativa.

Há alguns anos foi preso no Brasil o alemão Gustav Franz Wagner, apelidado de “besta humana”, em face das atrocidades que cometeu contra os judeus, na condição de carrasco nazista. Vizinhos que conviviam com ele tiveram dificuldade de aceitar sua verdadeira identidade, porque se tratava de um homem afável, simples, que as crianças chamavam de vovô.

Então, tais casos não se tratam de “INVOLUÇÃO”, são apenas “REVELAÇÃO”. O Espírito (encarnado) apenas revela o que é, mostrando que não conseguiu conter sua fraqueza moral. Transita pela Terra inteiramente distraído das finalidades da existência, marcando passo nos caminhos evolutivos.

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

OS TEMPOS SÃO CHEGADOS[1]

 


Allan Kardec

 

Os tempos marcados por Deus são chegados, dizem-nos de todos os lados, nos quais grandes acontecimentos vão realizar-se para a regeneração da Humanidade.

Em que sentido devem ser entendidas essas palavras proféticas? Para os incrédulos não têm a menor importância. Aos seus olhos não passam da expressão de uma crença pueril sem fundamento. Para a maioria dos crentes elas têm algo de místico e de sobrenatural, que lhes parece ser o precursor da perturbação das leis da Natureza. Estas duas interpretações são igualmente errôneas: a primeira, por implicar na negação da Providência e porque os fatos realizados provam a veracidade dessas palavras; a segunda, por não anunciar a perturbação das leis da Natureza, mas a sua realização. Procuremos-lhes, pois, o sentido mais racional.

Tudo é harmonia na obra da Criação, tudo revela uma previdência que não se desmente nem nas menores, nem nas maiores coisas. Em primeiro lugar, devemos afastar toda ideia de capricho inconciliável com a sabedoria divina; em segundo lugar, se nossa época está marcada pela realização de certas coisas, é que elas têm sua razão de ser na marcha geral do conjunto.

Isto posto, diremos que o nosso globo, como tudo o que existe, está submetido à lei do progresso. Progride fisicamente pela transformação dos elementos que o compõem, e moralmente pela depuração dos Espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. Esses dois progressos se seguem e marcham paralelamente, porque a perfeição da habitação está em relação com o habitante. Fisicamente, o globo sofreu transformações, constatadas pela Ciência, e que sucessivamente o tornaram habitável por seres cada vez mais aperfeiçoados; moralmente a Humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do abrandamento dos costumes. Ao mesmo tempo que se opera a melhoria do globo, sob o império das forças materiais, os homens a isso concorrem pelos esforços de sua inteligência: saneiam regiões insalubres, tornam mais fáceis as comunicações e a terra mais produtiva.

Esse duplo progresso se realiza de duas maneiras: uma lenta, gradual e insensível; outra por mudanças mais bruscas, em cada uma das quais se opera um movimento ascensional mais rápido, que marca, por caracteres distintos, os períodos progressivos da Humanidade. Esses movimentos, subordinados nos detalhes ao livre-arbítrio dos homens, são de certo modo fatais em seu conjunto, porque estão submetidos a leis, como os que se operam na germinação, no crescimento e na maturação das plantas, considerando-se que o objetivo da Humanidade é o progresso, não obstante a marcha retardatária de algumas individualidades. Eis por que o movimento progressivo algumas vezes é parcial, isto é, limitado a uma raça ou a uma nação, outras vezes geral. O progresso da Humanidade se efetua, pois, em virtude de uma lei.

Ora, como todas as leis da Natureza são a obra eterna da sabedoria e da presciência divinas, tudo quanto seja efeito dessas leis é o resultado da vontade de Deus, não de uma vontade acidental e caprichosa, mas de uma vontade imutável. Então, quando a Humanidade está madura para transpor um degrau, pode-se dizer que os tempos marcados por Deus são chegados, como se pode dizer também que em tal estação eles chegaram para a maturação dos frutos e para a colheita.

Pelo fato de o movimento progressivo da Humanidade ser inevitável, porque está na Natureza, não se segue que Deus a isso seja indiferente, e que, depois de ter estabelecido leis, tenha entrado em inação, deixando as coisas ir sozinhas. Suas leis são eternas e imutáveis, sem dúvida, mas porque sua própria vontade é eterna e constante e seu pensamento anima todas as coisas sem interrupção; seu pensamento, que tudo penetra, é a força inteligente e permanente que mantém tudo na harmonia; se esse pensamento deixasse de agir um só instante, o Universo seria como um relógio sem o pêndulo regulador. Deus vela incessantemente pela execução de suas leis, e os Espíritos que povoam o espaço são seus ministros encarregados dos detalhes, conforme as atribuições relativas ao seu grau de adiantamento.

O Universo é, ao mesmo tempo, um mecanismo incomensurável, conduzido por um número não menos incomensurável de inteligências, um imenso governo em que cada ser inteligente tem sua parte da ação, sob o olhar do soberano Senhor, cuja vontade única mantém a unidade por toda parte. Sob o império desse vasto poder regulador, tudo se move, tudo funciona numa ordem perfeita; o que nos parece perturbações são movimentos parciais e isolados, que só nos parecem irregulares porque nossa visão é circunscrita. Se pudéssemos abarcar o seu conjunto, veríamos que essas são apenas aparentes e que se harmonizam no todo.

A previsão dos movimentos progressivos da Humanidade nada tem de surpreendente para os seres desmaterializados, que veem o fim para onde tendem todas as coisas, alguns dos quais possuem o pensamento direto de Deus, e que julgam, pelos movimentos parciais, o tempo no qual poderá realizar-se um movimento geral, como se julga previamente o tempo necessário para uma árvore dar frutos, como os astrônomos calculam a época de um fenômeno astronômico pelo tempo requerido por um astro para fazer a sua revolução.

Mas, certamente, nem todos os que anunciam tais fenômenos, os autores de almanaques que predizem os eclipses e as marés, por exemplo, estão em condições de fazer os cálculos necessários. Não passam de ecos. Assim, há Espíritos secundários, cuja vista é limitada, e que apenas repetem o que aos Espíritos superiores aprouve lhes revelar.

A Humanidade realizou até agora incontestáveis progressos. Por sua inteligência, os homens chegaram a resultados jamais atingidos em relação às ciências, às artes e ao bem-estar material; resta-lhes ainda uma imensidão a realizar: é fazer reinar entre si a caridade, a fraternidade e a solidariedade, para assegurar o seu bem-estar moral. Não o podiam com suas crenças, nem com suas instituições antiquadas, resquícios de uma outra idade, boas numa certa época, suficientes para um estado transitório, mas que, tendo dado o que comportavam, seriam hoje um ponto de parada.

Tal uma criança estimulada por móbiles, impotentes quando ela chega à idade madura. Já não é apenas o desenvolvimento da inteligência que é necessário aos homens, é a elevação do sentimento e, para tanto, é preciso destruir tudo quanto neles pudesse excitar o egoísmo e o orgulho.

Tal o período em que agora vão entrar, e que marcará uma das fases principais da Humanidade. A fase que neste momento se elabora é o complemento necessário do estado precedente, como a idade viril é o complemento da juventude; ela podia, pois, ser prevista e predita por antecipação, e é por isto que se diz que os tempos marcados por Deus são chegados.

Neste tempo não se trata de uma mudança parcial, de uma renovação limitada a um país, a um povo, a uma raça; é um movimento universal, que se opera no sentido do progresso moral. Uma nova ordem de coisas tende a se estabelecer e os homens que a ela são mais opostos nela trabalham mal grado seu; a geração futura, desembaraçada das escórias do velho mundo e formada de elementos mais depurados, achar-se-á animada de ideias e sentimentos completamente diversos da geração presente, que desaparece a passos de gigante. O velho mundo estará morto e viverá na História, como hoje os tempos medievais, com seus costumes bárbaros e suas crenças supersticiosas.

Aliás, cada um sabe que a ordem de coisas atual deixa a desejar. Depois de haver, de certo modo, esgotado o bem-estar material, que é produto da inteligência, chega-se a compreender que o complemento desse bem-estar não pode estar senão no desenvolvimento moral. Quanto mais se avança, mais se sente o que falta, sem, contudo, poder ainda o definir claramente: é o efeito do trabalho íntimo que se opera para a regeneração; tem-se desejos, aspirações que são como o pressentimento de um estado melhor.

Mas uma mudança tão radical quanto a que se elabora não pode realizar-se sem comoção; há luta inevitável entre as ideias, e quem diz luta, diz alternativa de sucesso e de revés. Entretanto, como as ideias novas são as do progresso e o progresso está nas leis da Natureza, estas não deixam de triunfar sobre as ideias retrógradas. Desse conflito nascerão, forçosamente, perturbações temporárias, até que o terreno esteja livre dos obstáculos que se opõem à construção do novo edifício social. É, pois, da luta das ideias que surgirão os graves acontecimentos anunciados, e não de cataclismos, ou catástrofes puramente materiais. Os cataclismos gerais eram consequência do estado de formação da Terra; hoje não são mais as entranhas do globo que se agitam, são as da Humanidade.

A Humanidade é um ser coletivo, no qual se operam as mesmas revoluções morais que em cada ser individual, mas com esta diferença: umas se realizam de ano a ano, e as outras de século em século. Quem as seguir em suas evoluções através dos tempos verá a vida das diversas raças marcada por períodos que dão a cada época uma fisionomia particular.

Ao lado dos movimentos parciais há um movimento geral, que dá impulso à Humanidade inteira; mas o progresso de cada parte do conjunto é relativo ao seu grau de adiantamento. Tal seria uma família composta de vários filhos, dos quais o mais jovem está no berço e o mais velho com dez anos, por exemplo. Em dez anos, o mais velho terá vinte e será um homem; o mais jovem terá dez e, embora mais adiantado, será ainda uma criança; mas, por sua vez, se tornará homem. Dá-se o mesmo com as diversas frações da Humanidade; os mais atrasados avançam, mas não atingem de um salto o nível dos mais adiantados.

Tornando-se adulta, a Humanidade tem novas necessidades, aspirações mais largas, mais elevadas; compreende o vazio das ideias com que foi embalada, a insuficiência das instituições para a sua felicidade; não mais encontra no estado de coisas as satisfações legítimas a que se sente chamada. Eis por que sacode as fraldas e se lança, impelida por uma força irresistível, para as margens desconhecidas, à descoberta de novos horizontes menos limitados. E é no momento em que se encontra muito confinada em sua esfera material, onde a vida intelectual transborda, onde se expande o sentimento da espiritualidade, que homens, pretensos filósofos, esperam encher o vazio pelas doutrinas do niilismo e do materialismo! Estranha aberração! Esses mesmos homens que pretendem empurrá-la para frente, esforçam-se por circunscrevê-la no estreito círculo da matéria, de onde aspira a sair; fecham-lhe o aspecto da vida infinita, e lhe dizem, mostrando-lhe o túmulo: Nec plus ultra![2]

Como dissemos, a marcha progressiva da Humanidade se opera de duas maneiras: uma gradual, lenta, insensível, se se consideram as épocas mais próximas, que se traduz por sucessivas melhoras nos costumes, nas leis, nos usos, e não se percebe senão com o tempo, como as mudanças que as correntes de água trazem à superfície do globo; a outra, por um movimento relativamente brusco, rápido, semelhante ao de uma torrente rompendo seus diques, que lhe faz transpor em alguns anos o espaço que teria levado séculos a percorrer. É então um cataclismo moral que, em alguns instantes, devora as instituições do passado, e ao qual sucede uma nova ordem de coisas, que se assenta pouco a pouco, à medida que a calma se restabelece e se torna definitiva.

Para quem vive bastante para abarcar os dois aspectos da nova fase, parece que um mundo novo saiu das ruínas do antigo; o caráter, os costumes, os usos, tudo é mudado. É que, com efeito, homens novos, ou, melhor, regenerados, surgiram. As ideias varridas pela geração que se extingue deram lugar a ideias novas, na geração que se ergue.

Foi a um desses períodos de transformação ou, se quiserem, de crescimento moral, que chegou a Humanidade. Da adolescência passa à idade viril; o passado já não pode bastar às suas novas aspirações, às suas novas necessidades; não pode mais ser conduzida pelos mesmos meios; não mais se permite ilusões e sortilégios: sua razão amadurecida exige alimentos mais substanciais. O presente é por demais efêmero; sente que seu destino é mais vasto e que a vida corporal é muito restrita para a  o encerrar. Eis por que ela mergulha o olhar no passado e no futuro, a fim de aí descobrir o mistério de sua existência e haurir uma segurança consoladora.

Quem quer que haja meditado sobre o Espiritismo e suas consequências e não o tenha circunscrito à produção de alguns fenômenos, compreende que ele abre à Humanidade uma nova via e lhe desdobra os horizontes do infinito. Iniciando-os nos mistérios do mundo invisível, mostra-lhe seu verdadeiro papel na Criação, papel perpetuamente ativo, tanto no estado espiritual quanto no estado corporal. O homem não marcha mais às cegas: sabe de onde vem, para onde vai e por que está na Terra. O futuro se lhe mostra em sua realidade, isento dos preconceitos da ignorância e da superstição; já não é uma vaga esperança: é uma verdade palpável, tão certa para ele quanto a sucessão dos dias e das noites. Sabe que seu ser não está limitado a alguns instantes de uma existência, cuja duração está submetida ao capricho do acaso; que a vida espiritual não é interrompida pela morte; que já viveu, que reviverá ainda e que de tudo que adquire em perfeição pelo trabalho, nada fica perdido; encontra em suas existências anteriores a razão do que é hoje, e do que hoje a si faz, pode concluir o que será um dia.

Com o pensamento de que a atividade e a cooperação individuais na obra geral da civilização são limitadas à vida presente, que nada se foi e nada se será, que interessa ao homem o progresso ulterior da Humanidade? Que lhe importa que no futuro os povos sejam mais bem governados, mais ditosos, mais esclarecidos, melhores uns para os outros? Uma vez que disso não tira nenhum proveito, para ele esse progresso não está perdido? De que lhe serve trabalhar para os que vierem depois, se jamais os deverá conhecer, se são seres novos que, eles também, pouco depois, entrarão no nada? Sob o império da negação do futuro individual, tudo se reduz, forçosamente, às mesquinhas proporções do momento e da personalidade.

Mas, ao contrário, que amplitude dá ao pensamento do homem a certeza da perpetuidade de seu ser espiritual! Que força, que coragem, não haure ele contra as vicissitudes da vida material! Que de mais racional, de mais grandioso, de mais digno do Criador que esta lei, segundo a qual a vida espiritual e a vida corporal não passam de dois modos de existência, que se alternam para a realização do progresso! Que de mais justo e mais consolador que a ideia dos mesmos seres progredindo sem cessar, primeiro através das gerações de um mesmo mundo e, depois, de mundo em mundo, até a perfeição, sem solução de continuidade! Assim, todas as ações têm um objetivo, porquanto, trabalhando para todos, trabalha-se para si, e reciprocamente, de tal sorte que o progresso individual e o progresso geral jamais são estéreis; aproveitam às gerações e às individualidades futuras, que outra coisa não são que as gerações e as individualidades passadas, chegadas a um mais alto grau de adiantamento.

A vida espiritual é a vida normal e eterna do Espírito e a encarnação é apenas uma forma temporária de sua existência. Salvo a vestimenta exterior, há, pois, identidade entre os encarnados e os desencarnados; são as mesmas individualidades sob dois aspectos diversos, ora pertencendo ao mundo visível, ora ao mundo invisível, encontrando-se ora num, ora noutro, concorrendo, num e noutro, para o mesmo objetivo, por meios apropriados à sua situação.

Desta lei decorre a da perpetuidade das relações entre os seres; a morte não os separa, não põe termo às suas relações simpáticas e nem aos seus deveres recíprocos. Daí a solidariedade de todos para cada um, e de cada um para todos; daí, também, a fraternidade. Os homens só viverão felizes na Terra quando esses dois sentimentos tiverem entrado em seus corações e em seus costumes, porque, então, a eles sujeitarão suas leis e suas instituições. Será este um dos principais resultados da transformação que se opera.

Mas, como conciliar os deveres da solidariedade e da fraternidade com a crença de que a morte torna os homens para sempre estranhos uns aos outros? Pela lei da perpetuidade das relações que ligam todos os seres, o Espiritismo funda esse duplo princípio sobre as próprias leis da Natureza; disto faz não só um dever, mas uma necessidade. Pela lei da pluralidade das existências o homem se liga ao que está feito e ao que será feito, aos homens do passado e aos do futuro; não mais poderá dizer que nada tem de comum com os que morrem, pois uns e outros se encontram incessantemente, neste e no outro mundo, para subirem juntos a escada do progresso e se prestarem mútuo apoio. A fraternidade não está mais circunscrita a alguns indivíduos, que o acaso reúne durante uma vida efêmera; é perpétua como a vida do Espírito, universal como a Humanidade, que constitui uma grande família, cujos membros, em sua totalidade, são solidários uns com os outros, seja qual for a época em que tenham vivido.

Tais são as ideias que ressaltam do Espiritismo, e que ele suscitará entre todos os homens, quando estiver universalmente espalhado, compreendido, ensinado e praticado. Com o Espiritismo a fraternidade, sinônimo da caridade pregada pelo Cristo, não é mais uma palavra vã; tem a sua razão de ser. Do sentimento da fraternidade nasce o da reciprocidade e dos deveres sociais, de homem a homem, de povo a povo, de raça a raça. Destes dois sentimentos bem compreendidos sairão, forçosamente, as mais proveitosas instituições para o bem-estar de todos.

A fraternidade deve ser a pedra angular da nova ordem social. Mas não haverá fraternidade real, sólida e efetiva se não for apoiada em base inabalável; esta base é a fé; não a fé em tais ou quais dogmas particulares, que mudam com os tempos e os povos e se atiram pedras, porque, anatematizando-se, entretêm o antagonismo; mas a fé nos princípios fundamentais que todo o mundo pode aceitar: Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinido, a perpetuidade das relações entre os seres. Quando todos os homens estiverem convictos de que Deus é o mesmo para todos, que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada pode querer de injusto, que o mal vem dos homens e não dele, olhar-se-ão como filhos de um mesmo pai e se darão as mãos. É esta fé que dá o Espiritismo e que, de agora em diante, será o pivô sobre o qual se moverá o gênero humano, sejam quais forem sua maneira de adorar e suas crenças particulares, que o Espiritismo respeita, mas das quais não deve se ocupar. Somente desta fé pode sair o verdadeiro progresso moral, porque só ela dá uma sanção lógica aos direitos legítimos e aos deveres; sem ela, o direito é o que é dado pela força; o dever, um código humano imposto pela violência. Sem ela que é o homem? Um pouco de matéria que se dissolve, um ser efêmero que apenas passa; o próprio gênio não é senão uma centelha que brilha um instante, para extinguir-se para sempre; por certo não há nisto muito para o erguer aos seus próprios olhos. Com tal pensamento, onde estão, realmente, os direitos e os deveres? Qual o objetivo do progresso? Somente esta fé faz o homem sentir sua dignidade pela perpetuidade e pela progressão de seu ser, não num futuro mesquinho e circunscrito à personalidade, mas grandioso e esplêndido; seu pensamento o eleva acima da Terra; sente-se crescer, pensando que tem seu papel no Universo, e que esse Universo é o seu domínio, que um dia poderá percorrer, e que a morte não fará dele uma nulidade, ou um ser inútil a si mesmo e aos outros.

O progresso intelectual realizado até hoje nas mais vastas proporções é um grande passo, e marca a primeira fase da Humanidade, mas, apenas ele, é impotente para a regenerar.

Enquanto o homem for dominado pelo orgulho e pelo egoísmo, utilizará sua inteligência e seus conhecimentos em benefício de suas paixões e de seus interesses pessoais, razão por que os aplica no aperfeiçoamento dos meios de prejudicar os outros e de se destruírem mutuamente. Só o progresso moral pode assegurar a felicidade dos homens na Terra, pondo um freio nas más paixões; somente ele pode fazer reinarem a concórdia, a paz, a fraternidade.

É ele que derrubará a barreira dos povos, que fará caírem os preconceitos de casta e calar os antagonismos de seitas, ensinando os homens a se olharem como irmãos, chamados a se ajudarem mutuamente, e não a viverem uns à custa dos outros. É ainda o progresso moral, aqui secundado pelo progresso da inteligência, que confundirá os homens numa mesma crença, estabelecida sobre verdades eternas, não sujeitas à discussão e, por isto mesmo, por todos aceitas. A unidade de crença será o laço mais poderoso, o mais sólido fundamento da fraternidade universal, em todos os tempos quebrada pelos antagonismos religiosos, que dividem os povos e as famílias, que fazem ver no próximo inimigos que é preciso fugir, combater, exterminar, em vez de irmãos que devem ser amados.

Tal estado de coisas supõe uma mudança radical no sentimento das massas, um progresso geral que não poderia realizar-se senão saindo do círculo das ideias estreitas e terra-a-terra, que fomentam o egoísmo. Em diversas épocas, homens de escol procuraram impelir a Humanidade nessa via; mas, ainda muito jovem, a Humanidade ficou surda, e seus ensinamentos foram como a boa semente caída sobre a pedra. Hoje ela está madura para lançar suas vistas mais alto do que o fez, a fim de assimilar ideias mais largas e compreender o que não havia compreendido. A geração que desaparece levará consigo os seus preconceitos e os seus erros; a geração que surge, temperada numa fonte mais depurada, imbuída de ideias mais justas, imprimirá ao mundo o movimento ascensional, no sentido do progresso moral, que deve marcar a nova fase da Humanidade. Esta fase já se revela por sinais inequívocos, por tentativas de reformas úteis, pelas ideias grandes e generosas que vêm à tona e que começam a encontrar eco. É assim que se vê fundar-se uma porção de instituições protetoras, civilizadoras e emancipadoras, sob o impulso e pela iniciativa de homens evidentemente predestinados à obra da regeneração; que as leis penais diariamente se impregnam de um sentimento mais humano. Os preconceitos de raça se enfraquecem, os povos começam a olhar-se como membros de uma grande família; pela uniformidade e facilidade dos meios de transação, suprimem as barreiras que os dividem de todas as partes do mundo, reúnem-se em comícios universais para os torneios pacíficos da inteligência. Mas faltam a essas reformas uma base para se desenvolverem, para se completarem e se consolidarem, uma predisposição moral mais geral para frutificarem e se fazerem aceitas pelas massas. Isto não é menos um sinal característico do tempo, o prelúdio do que se realizará em mais vasta escala, à medida que o terreno se tornar mais propício.

Um sinal não menos característico do período em que entramos, é a reação evidente que se opera no sentido das ideias espiritualistas, uma repulsa instintiva contra as ideias materialistas, cujos representantes se tornam menos numerosos ou menos absolutos. O espírito de incredulidade que se havia apoderado das massas, ignorantes ou esclarecidas, e as tinha feito repelir, com a forma, o próprio fundo de toda crença, parece ter sido um sono, ao sair do qual se experimenta a necessidade de respirar um ar mais vivificante. Involuntariamente, onde se fez o vazio procura-se algo, um ponto de apoio, uma esperança.

Neste grande movimento regenerador, o Espiritismo tem um papel considerável, não o Espiritismo ridículo, inventado pela crítica zombeteira, mas o Espiritismo filosófico, tal qual o compreende quem quer que se dê ao trabalho de procurar a amêndoa dentro da casca. Pelas provas que ele traz das verdades fundamentais, preenche o vazio que a incredulidade faz nas ideias e nas crenças; pela certeza que dá de um futuro conforme à justiça de Deus e que a mais severa razão pode admitir, ele tempera as amarguras da vida e previne os funestos efeitos do desespero.

Tornando conhecidas novas leis da Natureza, o Espiritismo dá a chave de fenômenos incompreendidos e problemas até agora insolúveis, e mata, ao mesmo tempo, a incredulidade e a superstição. Para ele não há sobrenatural nem maravilhoso; tudo se realiza no mundo em virtude de leis imutáveis. Longe de substituir um exclusivismo por outro, arvora-se como campeão absoluto da liberdade de consciência; combate o fanatismo sob todas as formas e o corta pela raiz, proclamando a salvação para todos os homens de bem, e a possibilidade, para os mais imperfeitos, de chegarem, por seus esforços, pela expiação e pela reparação, à perfeição, pois só ela conduz à suprema felicidade. Ao invés de desencorajar o fraco, encoraja-o, mostrando-lhe o fim que pode atingir.

Não diz: Fora do Espiritismo não há salvação, mas, com o Cristo: Fora da caridade não há salvação, princípio de união, de tolerância, que congraçará os homens num sentimento comum de fraternidade, em vez de dividi-los em seitas inimigas. Por este outro princípio: Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade, destrói o império da fé cega, que aniquila a razão, da obediência passiva, que embrutece; emancipa a inteligência do homem e levanta o seu moral.

Consequente consigo mesmo, não se impõe; diz o que é, o que quer, o que dá e espera que a ele venham livremente, voluntariamente; quer ser aceito pela razão, e não pela força.

Respeita todas as crenças sinceras e não combate senão a incredulidade, o egoísmo, o orgulho e a hipocrisia, que são as chagas da sociedade e os mais sérios obstáculos ao progresso moral; mas não lança o anátema a ninguém, nem mesmo aos seus inimigos, porque está convencido de que o caminho do bem está aberto aos mais imperfeitos e que, mais cedo ou mais tarde, nele entrarão.

Se imaginarmos a maioria dos homens imbuídos desses sentimentos, facilmente poderemos figurar as modificações que trarão às relações sociais: caridade, fraternidade, benevolência para todos, tolerância para todas as crenças, tal será sua divisa. É o fim para o qual, evidentemente, tende a Humanidade, o objeto de suas aspirações, de seus desejos, sem que se dê muita conta dos meios de as realizar; ela ensaia, hesita, mas é detida pelas resistências ativas ou pela força da inércia dos preconceitos, das crenças estacionárias e refratárias ao progresso. São essas resistências que devem ser vencidas e isto será a obra da nova geração. Se seguirmos o curso atual das coisas, reconheceremos que tudo parece predestinado a lhe abrir a estrada; ela terá por si o duplo poder do número e das ideias, além da experiência do passado.

Assim, a nova geração marchará para a realização de todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento a que tiver chegado. O Espiritismo, marchando para o mesmo objetivo e realizando seus planos, eles se encontrarão no mesmo terreno, não como concorrentes, mas como auxiliares, prestando-se mútuo apoio. Os homens de progresso encontrarão nas ideias espíritas uma poderosa alavanca e o Espiritismo encontrará nos homens novos espíritos inteiramente dispostos a acolhê-lo. Nesse estado de coisas, que poderão fazer os que quisessem opor obstáculos?

Não é o Espiritismo que cria a renovação social, é a maturidade da Humanidade que faz desta renovação uma necessidade. Por seu poder moralizador, por suas tendências progressivas, pela amplidão de suas vistas, pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é, mais que qualquer outra doutrina, apto a secundar o movimento regenerador, razão por que é seu contemporâneo. Veio no momento em que podia ser útil, porque também para ele os tempos são chegados; mais cedo, teria encontrado obstáculos intransponíveis; inevitavelmente teria sucumbido, porque os homens, satisfeitos com o que tinham, ainda não sentiam a necessidade do que ele traz. Hoje, nascido com o movimento das ideias que fermentam, encontra o terreno preparado para recebê-lo. Cansados da dúvida e da incerteza, apavorados com o abismo que se abre diante deles, os espíritos o acolhem como uma tábua de salvação e uma suprema consolação.

Dizendo que a Humanidade está madura para a regeneração, isto não quer dizer que todos os indivíduos o sejam no mesmo grau, mas muitos têm, por intuição, o germe das ideias novas, que as circunstâncias farão eclodir; então eles se mostrarão mais adiantados do que se pensava, e seguirão com ardor o impulso da maioria.

Há, entretanto, os que são refratários por natureza, mesmo entre os mais inteligentes e que, certamente, jamais se ligarão, pelo menos nesta existência, uns de boa-fé, por convicção, outros por interesse. Aqueles cujos interesses materiais estão ligados ao estado presente das coisas, e que não são bastante adiantados para dele fazer abnegação, que o bem geral toca menos que o seu bem pessoal, não podem ver sem apreensão o menor movimento reformador; para eles a verdade é uma questão secundária ou, melhor dito, a verdade está toda inteira no que não lhes causa nenhuma perturbação; aos seus olhos, todas as ideias progressivas são subversivas, razão por que lhes votam um ódio implacável e lhes fazem uma guerra encarniçada. Muito inteligentes para não ver no Espiritismo um auxiliar dessas ideias e os elementos da transformação, que temem porque não se sentem à sua altura, esforçam-se para o abater; se o julgassem sem valor e sem alcance, com ele não se preocupariam. Aliás já o dissemos:

Quanto maior é uma ideia, mais adversários encontra, e pode medir-se a sua importância pela violência dos ataques de que ela é objeto.

 

O número dos retardatários sem dúvida ainda é grande, mas que podem contra a onda que sobe, senão lançar lhe algumas pedras? Essa onda é a geração que surge, enquanto eles desaparecem com a geração que vai a largos passos. Até lá defenderão o terreno palmo a palmo. Há, pois, uma luta inevitável, mas desigual, porque é a do passado decrépito, que cai em farrapos, contra o futuro juvenil; da estagnação contra o progresso; da criatura contra a vontade de Deus, porque os tempos por ele marcados são chegados.

 

 

Nota – As reflexões que precedem são o desenvolvimento das instruções dadas pelos Espíritos sobre o mesmo assunto, num grande número de comunicações, seja a nós, seja a outras pessoas. A que publicamos a seguir [a postagem das INSTRUÇÃO DOS ESPÍRITOS SOBRE A REGENERAÇÃO DA HUMANIDADE será feita na próxima semana] é o resumo de várias conversas que tivemos, através de dois dos nossos médiuns habituais, em estado de sonambulismo extático, e que, ao despertarem, não conservam nenhuma lembrança. Coordenamos metodicamente as ideias, a fim de lhes dar mais sequência, suprimindo todos os detalhes e acessórios supérfluos. Os pensamentos foram reproduzidos rigorosamente, e as palavras também são textuais, tanto quanto foi possível recolhê-las pela audição.



[1] Revista Espírita – Outubro/1866 – Allan Kardec

[2] locução latina que significa "não mais além"

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

ARTHUR LINS DE VASCONCELLOS LOPES[1]

 


 

Sua vida terrena teve início no dia 27 de março de 1891, na cidade de Teixeira, alto sertão da Paraíba do Norte. Era sertanejo. Conheceu nos primeiros anos da meninice as dificuldades dos que vivem afastados das grandes cidades, sem recursos. Começou, assim, a lutar desde a infância, fortalecendo nos labores da vida o seu espírito empreendedor.

Enquanto outras crianças brincavam, despreocupadas, ele limpava com a enxada a plantação, ou roçava para a semeadura. Quando lhe sobrava tempo, aprendia a ler e a escrever. Já rapazinho, veio a ser tropeiro, a demandar as serranias do sul do Estado.

Moço feito, rumou para o Recife, onde exerceu atividade de caixeiro de casa comercial. Ali, porém, não ficou. Sentia-se atraído para as terras do sul do País, e é assim que se transfere para Curitiba, capital do Estado do Paraná, onde viveu longa parte de sua existência, e onde se entregou com todo o ardor ao estudo.

Alistando-se no exército, foi servir no 3º Regimento de Infantaria (3º R.I.) sediado naquela Capital, formando no 18º Batalhão. Em pouco tempo, pela sua dedicação e pelo seu esforço, alcançava o posto de sargento. Iniciou seus estudos superiores matriculando-se, em 1918, na Escola Superior de Agronomia de Curitiba, onde fez brilhantemente seu curso de engenheiro agrônomo.

Se os que não precisam pensar nas despesas vultosas com estudos nem sempre fazem com facilidade a escalada do monte da sabedoria. Imaginemos os que precisam pensar nos estudos e nos meios para custeá-los. Outras vezes foi necessário gratificar outros camaradas de caserna, que não se preocupavam com os livros, para não perder as aulas da Faculdade.

Mantendo desde moço uma independência religiosa, embora aceitando desde a infância a ideia da existência de Deus, Lins de Vasconcellos não se prendeu, nessa etapa da vida, a um conceito religioso definido.

Só um caminho poderia conduzi-lo à compreensão do por que da vida, das desigualdades sociais, do desequilíbrio na organização humana, que provoca a desventura e a infelicidade dos seres; todas as indagações de seu espírito empreendedor seriam respondidas mais tarde, quando, pelas mãos carinhosas de Antonio Duarte Veloso – dedicado servidor da Causa Espírita ‒, conheceu as belezas incomparáveis da Doutrina Espírita, isto em 1912. Era a base segura que lhe faltava para suportar o gigantesco edifício de sua formação humanitária e altruística, ansiosa de ver a felicidade de todos os seus irmãos em Humanidade.

Em 1915, como secretário geral da Federação Espírita do Paraná, ele participava, com a alma em regozijo, da inauguração do Albergue Noturno daquela entidade, inauguração que contou com a presença do então Governador do Estado, Sr. Carlos Cavalcanti de Albuquerque.

Em 1916, trabalhou ativamente no II Congresso Espírita Paranaense.

Criada a “Revista do Espiritualismo”, órgão da Sociedade Publicadora Kardecista do Paraná, Lins se tornou um dos seus diretores.

Em seu último estágio em Curitiba, Lins de Vasconcellos fora elevado à posição de escrevente juramentado em certo tabelionato daquela cidade. Exercia com probidade e competência suas funções, quando inesperadamente, se viu demitido. É que ele, na qualidade de presidente da Federação Espírita do Paraná, protestara contra ato inconstitucional do Governo do Estado, que doara terras para a instalação de dois bispados. O protesto de Lins de Vasconcellos foi secundado pelo do Prof. Dario Veloso, ilustre homem de letras e presidente do Instituto Néo-Pitagórico de Curitiba, bem como por outros livres-pensadores.

Lins de Vasconcellos sofre perseguição e muitos aborrecimentos, inclusive condenação judicial, mais tarde revogada pelo Tribunal. Embora desequilibrado em suas finanças, não caiu em desânimo. Possuído de alto tino comercial, lança-se ao comércio madeireiro. Começa a prosperar e a enriquecer.

Em 1930, resolve mudar-se para o Rio de Janeiro, e é nessa ocasião eleito presidente honorário da Federação Espírita do Paraná, pelos assinalados serviços a ela prestados.

Os bens materiais multiplicam-se rapidamente em suas mãos.

Consolidada a sua posição social e financeira com a fundação da Companhia Pinheiro Indústria e Comércio, da qual era diretor-presidente, não tendo dali por diante maiores preocupações de ordem econômica, mercê de uma independência que conquistara com sua visão de industrial operoso, dedicou-se inteiramente ao Espiritismo, a este dando tudo que lhe foi possível dar.

Sua cooperação humanitária, junto aos companheiros espíritas de vários Estados, foi multiforme: nos movimentos educativos da criança, no socorro às instituições de amparo à velhice e à infância abandonada, no empenho para a criação de Lares Infantis, Sanatórios, Hospitais, Ginásios, Creches, Institutos de Ensino etc., tudo em benefício do indivíduo e da coletividade, num trabalho contínuo que durou até aos seus últimos dias de vida terrena. “A maior glória de Lins” - escreveu um seu biógrafo – “é não ter sido ele corrompido pelo fascínio do ouro”.

Cremos tenha sido a Federação Espírita do Paraná a primeira entidade a receber sua colaboração doutrinária e econômica. Quando na sua presidência, traçou um longo programa de realizações em todos os setores de atividade daquela Instituição Estadual, nela incluindo, então, o programa de ensino do Espiritismo às crianças, antevendo a necessidade de prepará-las, para que investidas, no futuro, nas organizações espíritas, pudessem produzir mais e melhor.

Por volta de 1938, em passeio a Curitiba e presente à reunião do Conselho da Federação Espírita do Paraná, Lins de Vasconcellos propôs-se entrar com apreciável soma de recursos para o reinicio das obras do atual Hospital Espírita de Psiquiatria “Bom Retiro”, tendo mantido sua colaboração econômica até a inauguração do mesmo.

Participou ativamente da Coligação Nacional pró Estado Leigo, da qual foi presidente, dedicando-lhe todos os esforços para que a luta pela laicidade do Estado fosse uma batalha constante até à conquista da independência da nação na questão do campo religioso.

Em 1948, quando a “Gráfica Mundo Espírita” enfrentava uma crise seríssima, sua cooperação espontânea e sincera veio evitar o desaparecimento dela, e, assumindo a sua direção, enfrentou todas as dificuldades decorrentes de sua atitude salvadora. Imprimiu nova orientação doutrinária a “Mundo Espírita”, periódico fundado em 1932, evitando que suas colunas servissem de veículo de ideias destruidoras e separatistas.

Apesar dos grandes prejuízos causados pela publicação do jornal e de livros doutrinários, ele sustentou a luta e esteve à frente de “Mundo Espírita” até aos últimos momentos. Esse jornal passou a ser o órgão noticioso e doutrinário da Federação Espírita do Paraná.

Ainda em 1948 empenhou-se na realização do I Congresso de Mocidades Espíritas do Brasil, apoiando a ideia do Deputado Campos Vergal, transformada em realidade pela atuação de Leopoldo Machado. Foi uma de suas principais figuras, contribuindo, ainda, decisivamente na parte financeira. Por unanimidade, foi proclamado seu presidente de honra e, na sessão de instalação, na manhã do dia 18 de junho de 1948, proferiu discurso, fazendo a entrega simbólica do Congresso aos moços espíritas ali reunidos.

Em fevereiro de 1949, fundou Lins de Vasconcellos a Ação Social Espírita – sonho maior de sua vida – instituição que se destinava ao trabalho social do Espiritismo em todos os seus aspectos e sob todas as formas.

Graças ao seu espírito de colaboração e boa vontade, realizou-se a Primeira Festa Nacional do Livro Espírita, de 14 a 18 de abril de 1949.

Quando dos preparativos para a realização do II Congresso Espírita Pan-Americano, que se reuniu no Rio de Janeiro, no período de 3 a 12 de outubro de 1949, foi Lins de Vasconcellos chamado para participar da Comissão Organizadora, sendo-lhe entregue o cargo de Tesoureiro da Comissão, devendo-se ressaltar que da sua ação coordenadora e sensata deve-se o êxito alcançado por aquele certame.

A unificação da família espírita brasileira viria, mais cedo ou mais tarde, se essa era a vontade superior. Mas, talvez não viesse tão depressa, não fosse a ação e a atividade conciliatória e aproximativa de Lins de Vasconcellos. Ninguém, como ele, almejava reunir os seus irmãos em ideal para um trabalho em comum. Esse foi sempre seu grande sonho. Vivia para concretizar esse desejo e os mentores espirituais fizeram-no o instrumento sensato e prudente para que essa aproximação se desse.

Contribuiu largamente para a expansão do Espiritismo no Brasil. Levantou e apoiou inúmeras obras de caridade e beneficência, nas quais até hoje lhe abençoam o nome, devendo-se-lhe o prédio onde se acha instalada a Federação Espírita Paraibana. Desenvolveu obra de assistência social, sem paralelo no meio espírita nacional. Pacificador por excelência, padrão do verdadeiro homem de bem, tolerante em todos os sentidos, foi alçado à posição de líder pelos próprios espíritas brasileiros.

Sua existência foi um impressionante libelo contra a ociosidade e o desânimo.

Em 5 de outubro de 1949 foi, talvez o dia mais feliz da sua vida. Foi o dia do “Pacto Áureo”, o dia áureo da confraternização. Se nada mais houvesse feito em prol da Causa –e foram tantos os benefícios que prestou ao Espiritismo – sua ação para a união da família espírita brasileira, em torno da Casa de Ismael, lhe teria valido como uma certeza de que não fora vazia e inexpressiva sua vida no mundo.

Era ainda o Dr. Lins, no campo das atividades doutrinárias, representante da Federação Espírita do Paraná, no Conselho Federativo Nacional, membro efetivo da Assembleia Deliberativa da Federação Espírita Brasileira, vice-presidente da Liga Espírita do Estado da Guanabara, 1º Secretário da Sociedade de Medicina e Espiritismo do Rio de Janeiro e seu presidente de honra.

Não se pode dispensar a colaboração da mulher nas grandes Causas. Todos os grandes homens tiveram em suas vidas a influência da mulher. Lins de Vasconcellos não foi uma exceção à regra. Nada realizava sem que ouvisse sua esposa. Fazia questão que em tudo aparecesse aquela que partilhava de sua vida e conhecia as suas aspirações e desejos. E a esposa dedicada que foi Dona Hercília César de Vasconcellos Lopes retribuía-lhe essa justa consideração com o seu carinho e a sua afeição. Compreendia ele o papel da mulher na reforma do mundo e, sempre que se lhe oferecia oportunidade, concitava os homens ao amparo e proteção à mulher e à criança.

E a Companheira de longos anos de luta e realizações soube enfrentar o momento da partida do ente amado, demonstrando, na serenidade a resignação, que estava bem à altura do querido ausente.

Toda a família espírita sentiu o seu desaparecimento da vida física, em 21 de março de 1952, ficando a Seara do Senhor, no campo terreno, desfalcada de um de seus mais denodados e dedicados servidores, sendo o seu corpo sepultado, conforme seus desejos, no jardim do Sanatório “Bom Retiro”, em Curitiba, cidade que muito amou.

Respeitáveis nomes do Espiritismo no Brasil teceram longos e justos elogios à obra do benfeitor e do homem de ação, ouvindo-se, ainda, a palavra do grande médium brasileiro, Francisco Cândido Xavier, nessa afirmativa: “Era ele uma coluna firme da doutrina em nosso País e um companheiro abnegado de nosso movimento de unificação”.

Mais tarde, a Federação Espírita do Paraná, que tantos benefícios recebeu de Lins de Vasconcellos, inclusive através de testamento, prestou-lhe significativa homenagem, dando-lhe o inesquecível nome ao educandário por ela criado – “Instituto Lins de Vasconcellos”, – hoje, Colégio “Lins de Vasconcellos”.

Para mais detalhes consultar o livro "Lins de Vasconcellos ‒ o diplomata da unificação e o paladino do Estado leigo" de autoria de Ney Lobo, editado pela Federação Espírita do Paraná.

sábado, 23 de janeiro de 2021

O ÚLTIMO DESPREENDIMENTO[1]

 


Carlos Imbassahy

 

Da obra de Chevreuil colhemos o seguinte depoimento de notável facultativo; o fato consta de suas memórias:

Minhas faculdades permitiram-me estudar o fenômeno psíquico e fisiológico da morte à cabeceira de um moribundo. Era uma senhora de uns 60 anos, a quem costumava dar conselhos médicos. Quando chegou a hora da morte, eu me achava em perfeita saúde, o que me tornava possível exercitar minha faculdade de vidência. Pus-me então a estudar o mistério da morte. Vi que o seu organismo já não podia satisfazer às necessidades do princípio espiritual, mas pareceu-me que vários órgãos opunham resistência à partida da alma. O sistema muscular tentava reter as forças motrizes; o vascular debatia-se para reter o princípio vital; o nervoso lutava contra o aniquilamento aos sentidos físicos e o cerebral procurava reter o princípio intelectual. Corpo e alma, como cônjuges, resistiam à separação. Esses conflitos pareciam produzir sensações penosas, de sorte que me alegrei quando percebi que aquelas manifestações físicas indicavam, não a dor e a enfermidade, senão a separação da alma.

Nos seres voluntariosos, dominadores, materiais, a agonia é às vezes dolorosa. Há agonizantes que se contraem horrivelmente, que se agarram, arranham a parede, arrancam com as unhas pedaços de pele.

Pouco depois a cabeça cercou-se de brilhante atmosfera e vi, de repente, o cérebro e o cerebelo estenderem as suas partes inferiores e ficarem paralisadas as funções galvânicas. A cabeça ficou como que iluminada e notei que as extremidades se tornaram frias e escuras, enquanto o cérebro adquiria especial refulgência.

Em torno da atmosfera fluídica que lhe rodeava a cabeça, formou-se outra cabeça que cada vez mais se acentuava. Tão brilhante era que mal a podia fixar. À medida, porém que essa cabeça fluídica se condensava, desaparecia a atmosfera brilhante. Com surpresa, acompanhei as fases do fenômeno: vi formarem-se sucessivamente o pescoço, as espáduas, o conjunto do corpo fluídico. Tornou-se me evidente que as partes intelectuais do ser humano são dotadas de uma afinidade eletiva quê lhes permite reunirem-se no momento da morte. Os defeitos físicos tinham desaparecido quase por completo do corpo fluídico.

Para as vistas materiais das pessoas presentes, o corpo da moribunda parecia apresentar sintoma de angústia: eram, porém fictícios; provinham das forças que se retiravam do corpo, que se concentram no cérebro e depois no novo corpo.

O Espírito elevou-se em ângulo reto acima da cabeça do corpo abandonado; antes, porém da separação vi uma corrente de eletricidade vital formar-se sobre a cabeça da agonizante e por sob o novo corpo fluídico.

Convenci-me que a morte não é mais do que um renascimento da alma, elevando-se de um estado inferior, e que o nascimento de uma criança neste mundo ou a formação de um espírito no outro, são fatos idênticos. Nada falta, nem mesmo o cordão umbilical, figurado por um laço de eletricidade vital. Este laço subsistiu por algum tempo entre os organismos. Descobri então que parte do fluido vital volta ao corpo físico, logo que se rompe o cordão. Esse elemento fluídico ou elétrico, espalhando-se pelo organismo, lhe impede a rápida dissolução. "Logo que a alma se soltou dos laços tenazes que a prendiam verifiquei que o órgão fluídico tinha a aparência terrena. Foi-me impossível descobrir o que se passava naquela inteligência que revivia; notei-lhe, entretanto, calma e espanto por ver os outros chorarem. Dir-se-ia ter percebido a ignorância em que estavam do que realmente se havia passado[2].

 

Fonte: O que é a Morte - Edicel




[2] Léon Chevreuil. On ne meurt pas. Paris. Pág. 290. Erny. Le Psychisme expérimental. Ed. Fiam. Págs. 94-97.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

OS BENEFÍCIOS DO ESQUECIMENTO DO PASSADO[1]

 


Andréa Laporte[2]

 

Muitas pessoas questionam não somente quando e como ocorre o esquecimento das lembranças das nossas existências anteriores, mas também a justiça desse esquecimento e o real objetivo da reencarnação sem o conhecimento evidente desse passado.

Como a doutrina espírita explica que somos seres imortais, criados simples e ignorantes, e passamos por diversas experiências nem sempre agradáveis, podemos começar a esclarecer a questão já partindo da informação trazida em O Livro dos Espíritos, item 257, sobre o perispírito: “liame que une o Espírito à matéria do corpo, princípio da vida orgânica, mas não o da vida intelectual”.

Aprende-se também no espiritismo que “o perispírito é apenas um agente de transmissão, pois é o Espírito que possui a consciência...”, o que nos permite perceber que nossas memórias ficam gravadas, portanto, no Espírito, ainda que nunca se veja separado do seu envoltório fluídico.

Como a sabedoria e a misericórdia divinas são incontestáveis, Deus em sua perfeição considerou mais adequado que ao reencarnar o Espírito tivesse o esquecimento do passado, pois nos seria extremamente constrangedor ter todas as lembranças de nossas experiências passadas na vida corpórea. Afinal, não podemos esquecer que em nosso atual grau evolutivo ainda oscilamos entre as boas e as más ações nos nossos caminhos de tantos aprendizados.

Saber quem fomos, o que fizemos, a quem prejudicamos e por quem fomos prejudicados certamente nos causaria desequilíbrios. Longe, porém, de acharmos que fomos “jogados” na roda da vida, pois o esquecimento, plenamente ao nosso favor, é apenas temporário.

Na erraticidade, de acordo com seu estágio evolutivo, o Espírito é capaz de verificar sua trajetória, avaliar suas faltas e conquistas, para poder repensar novas oportunidades que possam melhor solidificar seu aprendizado, preparando-o para novas tentativas antes do retorno à vida material.

Na reencarnação, o processo de ligação entre o Espírito e a matéria propriamente dita se inicia no momento da concepção com a ligação fluídica entre seu perispírito e o novo corpo, sendo ele submetido a certa perturbação.

Quando nasce, o ser reencarnante vai recobrando as suas faculdades, retomando a consciência, mas com o esquecimento do que se passou. Durante a vida material, enquanto o corpo descansa, dorme, a alma se desprende. Ao despertar, podem inclusive ocorrer algumas recordações dessas vivências e certas lembranças surgirem em forma de intuições, pois “as nossas tendências instintivas são uma reminiscência do nosso passado” (LE-393). A cada nova experiência corpórea, o ser também está mais e melhor desenvolvido em seu aspecto intelectual, o que vai também lhe permitindo maior compreensão do bem e do mal, para melhor resistir às tendências de suas imperfeições, passando a compreender e a analisar mais adequadamente a sua situação atual, como um verdadeiro estímulo para o despertar e aprimoramento de suas virtudes.

Se o Espírito se lembrasse de todas os acontecimentos de sua trajetória, certamente suas escolhas pretéritas influenciariam diretamente em suas atitudes no presente, retirando-lhe o mérito de suas conquistas, pois as vívidas lembranças de seus atos e, principalmente, de pessoas de sua relação envolvidas em situações conflituosas seriam obstáculos a serem superados. E é assim que cada nova existência é sempre um novo recomeçar, com aptidões e capacidades em nós permanecendo de maneira latente. Vale lembrar que algumas pessoas podem ter fortes lembranças de vidas anteriores, o que serve para convencimento e reflexão a respeito da pluralidade das existências. Há também quem tenha apenas ilusões a respeito. Todos nós, entretanto, somos intuídos pelas lembranças das nossas consciências e, para saber o que fomos, sugere-se analisar as nossas boas e más tendências na vida atual.

Pela perfeição de suas leis, Deus nos concede de forma justa e benevolente o que nos é necessário e suficiente para o nosso aprimoramento, cabendo a nós aproveitar da melhor maneira as infinitas oportunidades de recomeço, fortalecidos na determinação de vencermos a nós mesmos e, também, de aproveitarmos o próprio desafio da nova experiência para a reparação de questões anteriores, através do reencontro com aqueles que prejudicamos ou que nos prejudicaram em existências precedentes.

O segredo da certeza do dever cumprido está justamente em aproveitar da melhor forma essa encarnação, utilizando-se as conquistas intelectuais para análise de nossos pensamentos, sentimentos e ações, que visem ao autoconhecimento para que se promova um esforço contínuo para domar paixões e tendências inferiores, nos adequando à prática e vivência cristã.

 

Fonte: Correio.News



[2] Assessora do Departamento de Doutrina da USE Estadual e secretária da USE Regional de Campinas, SP.