Allan Kardec
Os tempos marcados por Deus são
chegados, dizem-nos de todos os lados, nos quais grandes acontecimentos vão
realizar-se para a regeneração da Humanidade.
Em que sentido devem ser
entendidas essas palavras proféticas? Para os incrédulos não têm a menor
importância. Aos seus olhos não passam da expressão de uma crença pueril sem
fundamento. Para a maioria dos crentes elas têm algo de místico e de sobrenatural,
que lhes parece ser o precursor da perturbação das leis da Natureza. Estas duas
interpretações são igualmente errôneas: a primeira, por implicar na negação da
Providência e porque os fatos realizados provam a veracidade dessas palavras; a
segunda, por não anunciar a perturbação das leis da Natureza, mas a sua
realização. Procuremos-lhes, pois, o sentido mais racional.
Tudo é harmonia na obra da
Criação, tudo revela uma previdência que não se desmente nem nas menores, nem
nas maiores coisas. Em primeiro lugar, devemos afastar toda ideia de capricho
inconciliável com a sabedoria divina; em segundo lugar, se nossa época está
marcada pela realização de certas coisas, é que elas têm sua razão de ser na
marcha geral do conjunto.
Isto posto, diremos que o nosso
globo, como tudo o que existe, está submetido à lei do progresso. Progride
fisicamente pela transformação dos elementos que o compõem, e moralmente pela
depuração dos Espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. Esses dois
progressos se seguem e marcham paralelamente, porque a perfeição da habitação
está em relação com o habitante. Fisicamente, o globo sofreu transformações,
constatadas pela Ciência, e que sucessivamente o tornaram habitável por seres
cada vez mais aperfeiçoados; moralmente a Humanidade progride pelo
desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do abrandamento dos costumes.
Ao mesmo tempo que se opera a melhoria do globo, sob o império das forças
materiais, os homens a isso concorrem pelos esforços de sua inteligência: saneiam
regiões insalubres, tornam mais fáceis as comunicações e a terra mais
produtiva.
Esse duplo progresso se realiza
de duas maneiras: uma lenta, gradual e insensível; outra por mudanças mais
bruscas, em cada uma das quais se opera um movimento ascensional mais rápido,
que marca, por caracteres distintos, os períodos progressivos da Humanidade.
Esses movimentos, subordinados nos
detalhes ao livre-arbítrio dos homens, são de certo modo fatais em seu
conjunto, porque estão submetidos a leis, como os que se operam na germinação,
no crescimento e na maturação das plantas, considerando-se que o objetivo da
Humanidade é o progresso, não obstante a marcha retardatária de algumas
individualidades. Eis por que o movimento progressivo algumas vezes é parcial,
isto é, limitado a uma raça ou a uma nação, outras vezes geral. O progresso da
Humanidade se efetua, pois, em virtude de uma lei.
Ora, como todas as leis da
Natureza são a obra eterna da sabedoria e da presciência divinas, tudo quanto
seja efeito dessas leis é o resultado da vontade de Deus, não de uma vontade
acidental e caprichosa, mas de uma vontade imutável. Então, quando a Humanidade
está madura para transpor um degrau, pode-se dizer que os tempos marcados por
Deus são chegados, como se pode dizer também que em tal estação eles chegaram
para a maturação dos frutos e para a colheita.
Pelo fato de o movimento
progressivo da Humanidade ser inevitável, porque está na Natureza, não se segue
que Deus a isso seja indiferente, e que, depois de ter estabelecido leis, tenha
entrado em inação, deixando as coisas ir sozinhas. Suas leis são eternas e
imutáveis, sem dúvida, mas porque sua própria vontade é eterna e constante e
seu pensamento anima todas as coisas sem interrupção; seu pensamento, que tudo
penetra, é a força inteligente e permanente que mantém tudo na harmonia; se
esse pensamento deixasse de agir um só instante, o Universo seria como um
relógio sem o pêndulo regulador. Deus vela incessantemente pela execução de
suas leis, e os Espíritos que povoam o espaço são seus ministros encarregados
dos detalhes, conforme as atribuições relativas ao seu grau de adiantamento.
O Universo é, ao mesmo tempo, um
mecanismo incomensurável, conduzido por um número não menos incomensurável de
inteligências, um imenso governo em que cada ser inteligente tem sua parte da
ação, sob o olhar do soberano Senhor, cuja vontade única mantém a unidade
por toda parte. Sob o império desse vasto poder regulador, tudo se move, tudo
funciona numa ordem perfeita; o que nos parece perturbações são movimentos
parciais e isolados, que só nos parecem irregulares porque nossa visão é
circunscrita. Se pudéssemos abarcar o seu conjunto, veríamos que essas são
apenas aparentes e que se harmonizam no todo.
A previsão dos movimentos
progressivos da Humanidade nada tem de surpreendente para os seres
desmaterializados, que veem o fim para onde tendem todas as coisas, alguns dos
quais possuem o pensamento direto de Deus, e que julgam, pelos movimentos
parciais, o tempo no qual poderá realizar-se um movimento geral, como se julga
previamente o tempo necessário para uma árvore dar frutos, como os astrônomos calculam
a época de um fenômeno astronômico pelo tempo requerido por um astro para fazer
a sua revolução.
Mas, certamente, nem todos os
que anunciam tais fenômenos, os autores de almanaques que predizem os eclipses
e as marés, por exemplo, estão em condições de fazer os cálculos necessários.
Não passam de ecos. Assim, há Espíritos secundários, cuja vista é limitada, e
que apenas repetem o que aos Espíritos superiores aprouve lhes revelar.
A Humanidade realizou até agora
incontestáveis progressos. Por sua inteligência, os homens chegaram a
resultados jamais atingidos em relação às ciências, às artes e ao bem-estar material;
resta-lhes ainda uma imensidão a realizar: é fazer reinar entre si a caridade,
a fraternidade e a solidariedade, para assegurar o seu bem-estar moral. Não o
podiam com suas crenças, nem com suas instituições antiquadas, resquícios de
uma outra idade, boas numa certa época, suficientes para um estado transitório,
mas que, tendo dado o que comportavam, seriam hoje um ponto de parada.
Tal uma criança estimulada por
móbiles, impotentes quando ela chega à idade madura. Já não é apenas o
desenvolvimento da inteligência que é necessário aos homens, é a elevação do sentimento
e, para tanto, é preciso destruir tudo quanto neles pudesse excitar o egoísmo e
o orgulho.
Tal o período em que agora vão
entrar, e que marcará uma das fases principais da Humanidade. A fase que neste momento
se elabora é o complemento necessário do estado precedente, como a idade viril
é o complemento da juventude; ela podia, pois, ser prevista e predita por
antecipação, e é por isto que se diz que os tempos marcados por Deus são
chegados.
Neste tempo não se trata de uma
mudança parcial, de uma renovação limitada a um país, a um povo, a uma raça; é
um movimento universal, que se opera no sentido do progresso moral. Uma nova ordem de coisas tende a se estabelecer e
os homens que a ela são mais opostos nela trabalham mal grado seu; a geração futura,
desembaraçada das escórias do velho mundo e formada de elementos mais
depurados, achar-se-á animada de ideias e sentimentos completamente diversos da
geração presente, que desaparece a passos de gigante. O velho mundo estará
morto e viverá na História, como hoje os tempos medievais, com seus costumes
bárbaros e suas crenças supersticiosas.
Aliás, cada um sabe que a ordem
de coisas atual deixa a desejar. Depois de haver, de certo modo, esgotado o
bem-estar material, que é produto da inteligência, chega-se a compreender que o
complemento desse bem-estar não pode estar senão no desenvolvimento moral.
Quanto mais se avança, mais se sente o que falta, sem, contudo, poder ainda o
definir claramente: é o efeito do trabalho íntimo que se opera para a regeneração;
tem-se desejos, aspirações que são como o pressentimento de um estado melhor.
Mas uma mudança tão radical
quanto a que se elabora não pode realizar-se sem comoção; há luta inevitável
entre as ideias, e quem diz luta, diz alternativa de sucesso e de revés.
Entretanto, como as ideias novas são as do progresso e o progresso está nas
leis da Natureza, estas não deixam de triunfar sobre as ideias retrógradas.
Desse conflito nascerão, forçosamente, perturbações temporárias, até que o
terreno esteja livre dos obstáculos que se opõem à construção do novo edifício
social. É, pois, da luta das ideias que surgirão os graves acontecimentos
anunciados, e não de cataclismos, ou catástrofes puramente materiais. Os
cataclismos gerais eram consequência do estado de formação da Terra; hoje não
são mais as entranhas do globo que se agitam, são as da Humanidade.
A Humanidade é um ser coletivo,
no qual se operam as mesmas revoluções morais que em cada ser individual, mas
com esta diferença: umas se realizam de ano a ano, e as outras de século em
século. Quem as seguir em suas evoluções através dos tempos verá a vida das
diversas raças marcada por períodos que dão a cada época uma fisionomia
particular.
Ao lado dos movimentos parciais
há um movimento geral, que dá impulso à Humanidade inteira; mas o progresso de cada
parte do conjunto é relativo ao seu grau de adiantamento. Tal seria uma família
composta de vários filhos, dos quais o mais jovem está no berço e o mais velho
com dez anos, por exemplo. Em dez anos, o mais velho terá vinte e será um
homem; o mais jovem terá dez e, embora mais adiantado, será ainda uma criança;
mas, por sua vez, se tornará homem. Dá-se o mesmo com as diversas frações da Humanidade;
os mais atrasados avançam, mas não atingem de um salto o nível dos mais
adiantados.
Tornando-se adulta, a Humanidade
tem novas necessidades, aspirações mais largas, mais elevadas; compreende o vazio
das ideias com que foi embalada, a insuficiência das instituições para a sua
felicidade; não mais encontra no estado de coisas as satisfações legítimas a
que se sente chamada. Eis por que sacode as fraldas e se lança, impelida por
uma força irresistível, para as margens desconhecidas, à descoberta de novos
horizontes menos limitados. E é no momento em que se encontra muito confinada
em sua esfera material, onde a vida intelectual transborda, onde se expande o
sentimento da espiritualidade, que homens, pretensos filósofos, esperam encher
o vazio pelas doutrinas do niilismo e do materialismo! Estranha aberração!
Esses mesmos homens que pretendem empurrá-la para frente, esforçam-se por
circunscrevê-la no estreito círculo da matéria, de onde aspira a sair;
fecham-lhe o aspecto da vida infinita, e lhe dizem, mostrando-lhe o túmulo: Nec plus ultra![2]
Como dissemos, a marcha progressiva
da Humanidade se opera de duas maneiras: uma gradual, lenta, insensível, se se consideram
as épocas mais próximas, que se traduz por sucessivas melhoras nos costumes,
nas leis, nos usos, e não se percebe senão com o tempo, como as mudanças que as
correntes de água trazem à superfície do globo; a outra, por um movimento
relativamente brusco, rápido, semelhante ao de uma torrente rompendo seus diques,
que lhe faz transpor em alguns anos o espaço que teria levado séculos a
percorrer. É então um cataclismo moral que, em alguns instantes, devora as
instituições do passado, e ao qual sucede uma nova ordem de coisas, que se
assenta pouco a pouco, à medida que a calma se restabelece e se torna
definitiva.
Para quem vive bastante para
abarcar os dois aspectos da nova fase, parece que um mundo novo saiu das ruínas
do antigo; o caráter, os costumes, os usos, tudo é mudado. É que, com efeito, homens
novos, ou, melhor, regenerados, surgiram. As ideias varridas pela geração que
se extingue deram lugar a ideias novas, na geração que se ergue.
Foi a um desses períodos de
transformação ou, se quiserem, de crescimento
moral, que chegou a Humanidade. Da adolescência passa à idade viril; o
passado já não pode bastar às suas novas aspirações, às suas novas
necessidades; não pode mais ser conduzida pelos mesmos meios; não mais se
permite ilusões e sortilégios: sua razão amadurecida exige alimentos mais substanciais.
O presente é por demais efêmero; sente que seu destino é mais vasto e que a
vida corporal é muito restrita para a o encerrar.
Eis por que ela mergulha o olhar no passado e no futuro, a fim de aí descobrir
o mistério de sua existência e haurir uma segurança consoladora.
Quem quer que haja meditado
sobre o Espiritismo e suas consequências e não o tenha circunscrito à produção
de alguns fenômenos, compreende que ele abre à Humanidade uma nova via e lhe
desdobra os horizontes do infinito. Iniciando-os nos mistérios do mundo
invisível, mostra-lhe seu verdadeiro papel na Criação, papel perpetuamente ativo, tanto no estado
espiritual quanto no estado corporal. O homem não marcha mais às cegas: sabe de
onde vem, para onde vai e por que está na Terra. O futuro se lhe mostra em sua
realidade, isento dos preconceitos da ignorância e da superstição; já não é uma
vaga esperança: é uma verdade palpável, tão certa para ele quanto a sucessão
dos dias e das noites. Sabe que seu ser não está limitado a alguns instantes de
uma existência, cuja duração está submetida ao capricho do acaso; que a vida
espiritual não é interrompida pela morte; que já viveu, que reviverá ainda e que
de tudo que adquire em perfeição pelo trabalho, nada fica perdido; encontra em
suas existências anteriores a razão do que é hoje, e do que hoje a si faz, pode
concluir o que será um dia.
Com o pensamento de que a
atividade e a cooperação individuais na obra geral da civilização são limitadas
à vida presente, que nada se foi e nada
se será, que interessa ao homem o progresso ulterior da Humanidade? Que lhe
importa que no futuro os povos sejam mais bem governados, mais ditosos, mais esclarecidos,
melhores uns para os outros? Uma vez que disso não tira nenhum proveito, para
ele esse progresso não está perdido? De que lhe serve trabalhar para os que
vierem depois, se jamais os deverá conhecer, se são seres novos que, eles
também, pouco depois, entrarão no nada? Sob o império da negação do futuro individual,
tudo se reduz, forçosamente, às mesquinhas proporções do momento e da
personalidade.
Mas, ao contrário, que amplitude
dá ao pensamento do homem a certeza
da perpetuidade de seu ser espiritual! Que força, que coragem, não haure ele
contra as vicissitudes da vida material! Que de mais racional, de mais
grandioso, de mais digno do Criador que esta lei, segundo a qual a vida
espiritual e a vida corporal não passam de dois modos de existência, que se
alternam para a realização do progresso! Que de mais justo e mais consolador
que a ideia dos mesmos seres progredindo sem cessar, primeiro através das
gerações de um mesmo mundo e, depois, de mundo em mundo, até a perfeição, sem
solução de continuidade! Assim, todas as ações têm um objetivo, porquanto,
trabalhando para todos, trabalha-se para si, e reciprocamente, de tal sorte que
o progresso individual e o progresso geral jamais são estéreis; aproveitam às gerações
e às individualidades futuras, que outra coisa não são que as gerações e as
individualidades passadas, chegadas a um mais alto grau de adiantamento.
A vida espiritual é a vida
normal e eterna do Espírito e a encarnação é apenas uma forma temporária de sua
existência. Salvo a vestimenta exterior, há, pois, identidade entre os encarnados
e os desencarnados; são as mesmas individualidades sob dois aspectos diversos,
ora pertencendo ao mundo visível, ora ao mundo invisível, encontrando-se ora
num, ora noutro, concorrendo, num e noutro, para o mesmo objetivo, por meios apropriados
à sua situação.
Desta lei decorre a da
perpetuidade das relações entre os seres; a morte não os separa, não põe termo
às suas relações simpáticas e nem aos seus deveres recíprocos. Daí a solidariedade de todos para cada um, e
de cada um para todos; daí, também, a fraternidade.
Os homens só viverão felizes na Terra quando esses dois sentimentos tiverem
entrado em seus corações e em seus costumes, porque, então, a eles sujeitarão
suas leis e suas instituições. Será este um dos principais resultados da transformação
que se opera.
Mas, como conciliar os deveres
da solidariedade e da fraternidade com a crença de que a morte torna os homens
para sempre estranhos uns aos outros? Pela lei da perpetuidade das relações que
ligam todos os seres, o Espiritismo funda esse duplo princípio sobre as
próprias leis da Natureza; disto faz não só um dever, mas uma necessidade. Pela
lei da pluralidade das existências o homem se liga ao que está feito e ao que
será feito, aos homens do passado e aos do futuro; não mais poderá dizer que
nada tem de comum com os que morrem, pois uns e outros se encontram incessantemente,
neste e no outro mundo, para subirem juntos a escada do progresso e se prestarem
mútuo apoio. A fraternidade não está mais circunscrita a alguns indivíduos, que
o acaso reúne durante uma vida efêmera; é perpétua como a vida do Espírito, universal
como a Humanidade, que constitui uma grande família, cujos membros, em sua
totalidade, são solidários uns com os outros, seja qual for a época em que tenham vivido.
Tais são as ideias que ressaltam
do Espiritismo, e que ele suscitará entre todos os homens, quando estiver
universalmente espalhado, compreendido, ensinado e praticado. Com o Espiritismo
a fraternidade, sinônimo da caridade pregada pelo Cristo, não é mais uma
palavra vã; tem a sua razão de ser. Do sentimento da fraternidade nasce o da
reciprocidade e dos deveres sociais, de homem a homem, de povo a povo, de raça
a raça. Destes dois sentimentos bem compreendidos sairão, forçosamente, as mais
proveitosas instituições para o bem-estar de todos.
A fraternidade deve ser a pedra
angular da nova ordem social. Mas não haverá fraternidade real, sólida e
efetiva se não for apoiada em base inabalável; esta base é a fé; não a fé em
tais ou quais dogmas particulares, que mudam com os tempos e os povos e se
atiram pedras, porque, anatematizando-se, entretêm o antagonismo; mas a fé nos
princípios fundamentais que todo o mundo pode aceitar: Deus, a alma, o futuro, o
progresso individual indefinido, a perpetuidade das relações entre os seres. Quando todos os homens estiverem
convictos de que Deus é o mesmo para todos, que esse Deus, soberanamente justo
e bom, nada pode querer de injusto, que o mal vem dos homens e não dele, olhar-se-ão
como filhos de um mesmo pai e se darão as mãos. É esta fé que dá o Espiritismo
e que, de agora em diante, será o pivô sobre o qual se moverá o gênero humano,
sejam quais forem sua maneira de adorar e suas crenças particulares, que o
Espiritismo respeita, mas das quais não deve se ocupar. Somente desta fé pode sair
o verdadeiro progresso moral, porque só ela dá uma sanção lógica aos direitos
legítimos e aos deveres; sem ela, o direito é o que é dado pela força; o dever,
um código humano imposto pela violência. Sem ela que é o homem? Um pouco de
matéria que se dissolve, um ser efêmero que apenas passa; o próprio gênio não é
senão uma centelha que brilha um instante, para extinguir-se para sempre; por
certo não há nisto muito para o erguer aos seus próprios olhos. Com tal
pensamento, onde estão, realmente, os direitos e os deveres? Qual o objetivo do
progresso? Somente esta fé faz o homem sentir sua dignidade pela perpetuidade e
pela progressão de seu ser, não num futuro mesquinho e circunscrito à personalidade,
mas grandioso e esplêndido; seu pensamento o eleva acima da Terra; sente-se
crescer, pensando que tem seu papel no Universo, e que esse Universo é o seu
domínio, que um dia poderá percorrer, e que a morte não fará dele uma nulidade,
ou um ser inútil a si mesmo e aos outros.
O progresso intelectual
realizado até hoje nas mais vastas proporções é um grande passo, e marca a
primeira fase da Humanidade, mas, apenas ele, é impotente para a regenerar.
Enquanto o homem for dominado
pelo orgulho e pelo egoísmo, utilizará sua inteligência e
seus conhecimentos em benefício de suas paixões e de seus interesses pessoais,
razão por que os aplica no aperfeiçoamento dos meios de prejudicar os outros e
de se destruírem mutuamente. Só o progresso moral pode assegurar a felicidade
dos homens na Terra, pondo um freio nas más paixões; somente ele pode fazer
reinarem a concórdia, a paz, a fraternidade.
É ele que derrubará a barreira
dos povos, que fará caírem os preconceitos de casta e calar os antagonismos de
seitas, ensinando os homens a se olharem como irmãos, chamados a se ajudarem mutuamente,
e não a viverem uns à custa dos outros. É ainda o progresso moral, aqui
secundado pelo progresso da inteligência, que confundirá os homens numa mesma
crença, estabelecida sobre verdades eternas, não sujeitas à discussão e, por
isto mesmo, por todos aceitas. A unidade
de crença será o laço mais poderoso, o mais sólido fundamento da
fraternidade universal, em todos os tempos quebrada pelos antagonismos
religiosos, que dividem os povos e as famílias, que fazem ver no próximo
inimigos que é preciso fugir, combater, exterminar, em vez de irmãos que devem ser
amados.
Tal estado de coisas supõe uma
mudança radical no sentimento das massas, um progresso geral que não poderia realizar-se
senão saindo do círculo das ideias estreitas e terra-a-terra, que fomentam o
egoísmo. Em diversas épocas, homens de escol procuraram impelir a Humanidade
nessa via; mas, ainda muito jovem, a Humanidade ficou surda, e seus
ensinamentos foram como a boa semente caída sobre a pedra. Hoje ela está madura
para lançar suas vistas mais alto do que o fez, a fim de assimilar ideias mais
largas e compreender o que não havia compreendido. A geração que desaparece
levará consigo os seus preconceitos e os seus erros; a geração que surge,
temperada numa fonte mais depurada, imbuída de ideias mais justas, imprimirá ao
mundo o movimento ascensional, no sentido do progresso moral, que deve marcar a
nova fase da Humanidade. Esta fase já se revela por sinais inequívocos, por
tentativas de reformas úteis, pelas ideias grandes e generosas que vêm à tona e
que começam a encontrar eco. É assim que se vê fundar-se uma porção de
instituições protetoras, civilizadoras e emancipadoras, sob o impulso e pela iniciativa
de homens evidentemente predestinados à obra da regeneração; que as leis penais
diariamente se impregnam de um sentimento mais humano. Os preconceitos de raça
se enfraquecem, os povos começam a olhar-se como membros de uma grande família;
pela uniformidade e facilidade dos meios de transação, suprimem as barreiras
que os dividem de todas as partes do mundo, reúnem-se em comícios universais
para os torneios pacíficos da inteligência. Mas faltam a essas reformas uma
base para se desenvolverem, para se completarem e se consolidarem, uma predisposição
moral mais geral para frutificarem e se fazerem aceitas pelas massas. Isto não
é menos um sinal característico do tempo, o prelúdio do que se realizará em
mais vasta escala, à medida que o terreno se tornar mais propício.
Um sinal não menos
característico do período em que entramos, é a reação evidente que se opera no
sentido das ideias espiritualistas, uma repulsa instintiva contra as ideias
materialistas, cujos representantes se tornam menos numerosos ou menos absolutos.
O espírito de incredulidade que se havia apoderado das massas, ignorantes ou
esclarecidas, e as tinha feito repelir, com a forma, o próprio fundo de toda
crença, parece ter sido um sono, ao sair do qual se experimenta a necessidade
de respirar um ar mais vivificante. Involuntariamente, onde se fez o vazio
procura-se algo, um ponto de apoio, uma esperança.
Neste grande movimento
regenerador, o Espiritismo tem um papel considerável, não o Espiritismo
ridículo, inventado pela crítica zombeteira, mas o Espiritismo filosófico, tal
qual o compreende quem quer que se dê ao trabalho de procurar a amêndoa dentro
da casca. Pelas provas que ele traz das verdades fundamentais, preenche o vazio
que a incredulidade faz nas ideias e nas crenças; pela certeza que dá de um
futuro conforme à justiça de Deus e que a mais severa razão pode admitir, ele
tempera as amarguras da vida e previne os funestos efeitos do desespero.
Tornando conhecidas novas leis
da Natureza, o Espiritismo dá a chave de fenômenos incompreendidos e problemas
até agora insolúveis, e mata, ao mesmo tempo, a incredulidade e a superstição.
Para ele não há sobrenatural nem maravilhoso; tudo se realiza no mundo em
virtude de leis imutáveis. Longe de substituir um exclusivismo por outro,
arvora-se como campeão absoluto da liberdade de consciência; combate o
fanatismo sob todas as formas e o corta pela raiz, proclamando a salvação para
todos os homens de bem, e a possibilidade, para os mais imperfeitos, de
chegarem, por seus esforços, pela expiação e pela reparação, à perfeição, pois só
ela conduz à suprema felicidade. Ao invés de desencorajar o fraco, encoraja-o,
mostrando-lhe o fim que pode atingir.
Não diz: Fora do Espiritismo não há salvação, mas, com o Cristo: Fora da caridade não há salvação,
princípio de união, de tolerância, que congraçará os homens num sentimento
comum de fraternidade, em vez de dividi-los em seitas inimigas. Por este outro princípio:
Fé inabalável só o é a que pode encarar
frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade, destrói o
império da fé cega, que aniquila a razão, da obediência passiva, que embrutece;
emancipa a inteligência do homem e levanta o seu moral.
Consequente consigo mesmo, não
se impõe; diz o que é, o que quer, o que dá e espera que a ele venham
livremente, voluntariamente; quer ser aceito pela razão, e não pela força.
Respeita todas as crenças
sinceras e não combate senão a incredulidade, o egoísmo, o orgulho e a
hipocrisia, que são as chagas da sociedade e os mais sérios obstáculos ao
progresso moral; mas não lança o anátema a ninguém, nem mesmo aos seus
inimigos, porque está convencido de que o caminho do bem está aberto aos mais
imperfeitos e que, mais cedo ou mais tarde, nele entrarão.
Se imaginarmos a maioria dos
homens imbuídos desses sentimentos, facilmente poderemos figurar as
modificações que trarão às relações sociais: caridade, fraternidade,
benevolência para todos, tolerância para todas as crenças, tal será sua divisa.
É o fim para o qual, evidentemente, tende a Humanidade, o objeto de suas aspirações,
de seus desejos, sem que se dê muita conta dos meios de as realizar; ela
ensaia, hesita, mas é detida pelas resistências ativas ou pela força da inércia
dos preconceitos, das crenças estacionárias e refratárias ao progresso. São
essas resistências que devem ser vencidas e isto será a obra da nova geração.
Se seguirmos o curso atual das coisas, reconheceremos que tudo parece
predestinado a lhe abrir a estrada; ela terá por si o duplo poder do número e
das ideias, além da experiência do passado.
Assim, a nova geração marchará
para a realização de todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento
a que tiver chegado. O Espiritismo, marchando para o mesmo objetivo e
realizando seus planos, eles se encontrarão no mesmo terreno, não como
concorrentes, mas como auxiliares, prestando-se mútuo apoio. Os homens de
progresso encontrarão nas ideias espíritas uma poderosa alavanca e o
Espiritismo encontrará nos homens novos espíritos inteiramente dispostos a acolhê-lo.
Nesse estado de coisas, que poderão fazer os que quisessem opor obstáculos?
Não é o Espiritismo que cria a
renovação social, é a maturidade da Humanidade que faz desta renovação uma necessidade.
Por seu poder moralizador, por suas tendências progressivas, pela amplidão de
suas vistas, pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é, mais
que qualquer outra doutrina, apto a secundar o movimento regenerador, razão por
que é seu contemporâneo. Veio no momento em que podia ser útil, porque também
para ele os tempos são chegados; mais cedo, teria encontrado obstáculos
intransponíveis; inevitavelmente teria sucumbido, porque os homens, satisfeitos
com o que tinham, ainda não sentiam a necessidade do que ele traz. Hoje,
nascido com o movimento das ideias que fermentam, encontra o terreno preparado
para recebê-lo. Cansados da dúvida e da incerteza, apavorados com o abismo que
se abre diante deles, os espíritos o acolhem como uma tábua de salvação e uma
suprema consolação.
Dizendo que a Humanidade está
madura para a regeneração, isto não quer dizer que todos os indivíduos o sejam
no mesmo grau, mas muitos têm, por intuição, o germe das ideias novas, que as
circunstâncias farão eclodir; então eles se mostrarão mais adiantados do que se
pensava, e seguirão com ardor o impulso da maioria.
Há, entretanto, os que são
refratários por natureza, mesmo entre os mais inteligentes e que, certamente,
jamais se ligarão, pelo menos nesta existência, uns de boa-fé, por convicção, outros
por interesse. Aqueles cujos interesses materiais estão ligados ao estado
presente das coisas, e que não são bastante adiantados para dele fazer
abnegação, que o bem geral toca menos que o seu bem pessoal, não podem ver sem
apreensão o menor movimento reformador; para eles a verdade é uma questão secundária
ou, melhor dito, a verdade está toda inteira no que não lhes causa nenhuma
perturbação; aos seus olhos, todas as ideias progressivas são subversivas,
razão por que lhes votam um ódio implacável e lhes fazem uma guerra
encarniçada. Muito inteligentes para não ver no Espiritismo um auxiliar dessas ideias
e os elementos da transformação, que temem porque não se sentem à sua altura,
esforçam-se para o abater; se o julgassem sem valor e sem alcance, com ele não
se preocupariam. Aliás já o dissemos:
Quanto maior é uma ideia,
mais adversários encontra, e pode medir-se a sua importância pela violência dos
ataques de que ela é objeto.
O número dos retardatários sem
dúvida ainda é grande, mas que podem contra a onda que sobe, senão lançar lhe
algumas pedras? Essa onda é a geração que surge, enquanto eles desaparecem com
a geração que vai a largos passos. Até lá defenderão o terreno palmo a palmo.
Há, pois, uma luta inevitável, mas desigual, porque é a do passado decrépito,
que cai em farrapos, contra o futuro juvenil; da estagnação contra o progresso;
da criatura contra a vontade de Deus, porque os tempos por ele marcados são
chegados.
Nota – As
reflexões que precedem são o desenvolvimento das instruções dadas pelos
Espíritos sobre o mesmo assunto, num grande número de comunicações, seja a nós,
seja a outras pessoas. A que publicamos a seguir [a postagem das INSTRUÇÃO DOS ESPÍRITOS SOBRE A REGENERAÇÃO DA
HUMANIDADE será feita na próxima semana] é o resumo de várias conversas que
tivemos, através de dois dos nossos médiuns habituais, em estado de
sonambulismo extático, e que, ao despertarem, não conservam nenhuma lembrança.
Coordenamos metodicamente as ideias, a fim de lhes dar mais sequência,
suprimindo todos os detalhes e acessórios supérfluos. Os pensamentos foram reproduzidos
rigorosamente, e as palavras também são textuais, tanto quanto foi possível
recolhê-las pela audição.
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