segunda-feira, 31 de outubro de 2016

CONDÃO DO PASSE[1]



Miramez[2]


O passe é uma transfusão fácil de fluidos de uma pessoa para outra. No entanto, requer do doador, no caso de tratamento, o dom de curar e a disciplina das emoções, a educação da mente e o amor mais acentuado às criaturas. Os pensamentos desordenados desajustam o psiquismo e adelgaçam todo o mundo orgânico, com propensão a variados tipos de enfermidades. O operador magnético poderá restabelecer o doente impondo-lhe as mãos, auxiliando-o com os olhos, sob o controle da mente educada e da palavra serena.
Viajando nos caminhos evangélicos, encontramos cenas inumeráveis, tanto do Cristo como dos Seus discípulos, impondo as mãos sobre os enfermos e curando-os, falando com paralíticos e restabelecendo seus movimentos, olhando para pessoas desorientadas e desenvolvendo lhes a paz e a esperança. Jesus foi o Mestre, por excelência, nessa arte, e deixou para a humanidade esse recurso, como herança divina, e a Boa Nova como disciplinadora dessas forças benfeitoras.
A doença é excremento, de certo modo, da vitalidade. O passe multiplica a energia e faz circular o campo de força, preso por deficiência psicomental e cármica. E para que o alívio se estabeleça ou a cura se faça, é indispensável que se associe, com o passe, a instrução espiritual, e que o paciente queira assimilar, pela fé e pelo raciocínio, os dois polos que se completam.
O baço é uma glândula de secreção interna da mais alta importância. O seu duplo armazena energias consideráveis, vindas diretamente do sol, filtradas por centros de força e acumuladas nessa bateria, que as redistribui a todo o organismo. Essa glândula tem função de reator. Transforma e multiplica o magnetismo injetado nela por hábeis passistas, como também sobrecarrega a ação do passe, quando o operador não tem consciência do trabalho ou é envolvido por fluidos inferiores.
A conjuntura do medianeiro, na inoculação magnética no enfermo, é momento sagrado, que não dispensa o respeito, a oração, a fé e a tranquilidade. Os pensamentos devem obedecer à harmonia do coração, ajudando o doente a restabelecer-se. O Cristo tocava os enfermos com o mesmo amor. No entanto, para cada doente, tinha uma energia diferente. Para atingir essa medicina espiritual, é preciso que o curador seja sábio e santo.
Mas, até chegarmos lá, devemos começar a modificar nossos pensamentos, doutrinar nossas emoções, observar a nossa palavra, procurando filtrá-las e, quando a oportunidade nos convidar para a escola da cura, tentemos com fé, pois esta transporta montanhas. Mas nunca nos esqueçamos de que a fé é mais rica quando está, positivamente, ordenada pela conduta conceituada por Jesus.
O passe é uma benção de Deus para os homens. É um recurso que todos possuímos, até certo ponto, como luz doadora de alegria. Se existem fluidos de composições variadíssimas, que atendem ao mesmo tanto de desequilíbrios, a bondade de Deus coloca em nossas mãos um tipo universal, que alivia todos os que dele fazem uso, dando-nos acesso, por injustiça, ao aprendizado maior, para que, no futuro, possamos conhecer a ciência e nos aprofundar no amor, fazendo qual o Cristo com os sofredores: “Levanta-te e anda”. Usa o condão do passe. Tu és o médico, o passe é o remédio. Deus e Cristo, a ordem é curar.




[2] Extraído do Livro “Horizontes da Mente” por Miramez, psicografia de João Nunes Maia, Editora Fonte Viva.

sábado, 29 de outubro de 2016

Salvação ou evolução?[1]



JOSÉ PASSINI[2] - Juiz de Fora, MG (Brasil)
 

“É assim que tudo serve, que tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou por ser átomo [3]”.  
Todos nós, Espíritos imortais, ao sermos criados, partimos de um mesmo ponto, recebendo como herança a capacidade de progredir, em medida absolutamente igual, em consonância com a indefectível justiça de Deus. Ao longo dos milênios sucessivos, através do esforço evolutivo individual, vamos revelando a luz divina que trazemos dentro de nós, conforme se depreende da recomendação de Jesus: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens (...) [4]”.
Jesus não teria feito essa recomendação se não soubesse da existência dessa herança divina imanente em todos os seres, cantada com o nome de amor pelo poeta: “O amor em nós, certo existe desde o nosso alvorecer, remontando a priscas eras, no esboço do nosso ser. Em estado de latência, no dealbar da existência,  Deus concede de antemão, a sua herança bendita,    que a alma busca contrita nas asas da evolução [5]”. 
A exteriorização mais ou menos intensa dessa herança divina que trazemos é que nos torna diferentes uns dos outros. Só dentro de uma perspectiva evolutiva é que podemos ver um silvícola feroz e um Francisco de Assis como filhos de um mesmo Deus justo, pois o que diferencia esses dois Espíritos não é a sua natureza, a sua origem, mas, apenas, evolução. As diferenças individuais se originam no homem, não em Deus.
A evolução do Espírito se efetiva através de inúmeras vidas sucessivas, que lhe oferecem oportunidades variadas de incorporar em si as experiências que o meio lhe propicia, num processo que se pode chamar de desenvolvimento da inteligência e das virtudes que lhe são imanentes. Essa visão da evolução do Espírito é muito clara no Espiritismo.
Em outras religiões reencarnacionistas, a reencarnação é vista apenas como oportunidade de os Espíritos faltosos retornarem à Terra a fim de reparar seus erros ou de concluir aquilo que deixaram inacabado. Admitem, também, a reencarnação de Espíritos mais adiantados, que retornam ao mundo físico em missão, para ensinar o caminho do Bem. Essas religiões não têm a perspectiva evolutiva. 
O Espiritismo não nega essas duas situações, indo, todavia, mais além, ensinando que não se reencarna só em missão ou resgate, mas que a reencarnação é absolutamente necessária, indistintamente, a todos os Espíritos, por ser inerente ao processo evolutivo. 
Portanto, a reparação de faltas anteriormente cometidas não é vista como punição, mas como elemento essencial da escalada evolutiva rumo à perfeição, a que todos estamos sujeitos. Igualmente, no desempenho de missão sacrificial, o Espírito Superior que a leva a efeito não está fora do processo evolutivo, porque também ele está progredindo, embora nada deva à Terra, tendo o seu retorno sido motivado apenas pelo amor.
No Espiritismo, a reencarnação ocupa lugar de destaque, constituindo-se num dos pilares básicos de toda sua estrutura doutrinária, contrapondo-se frontalmente à tese salvacionista, ensinada por outros setores do Cristianismo. Em verdade, a respeito de salvação, o Espiritismo vai muito além de outras religiões, pois ao nos ensinar que não existem penas eternas, leva-nos a concluir que todos estamos salvos, porque somos cidadãos do Universo, filhos amados de Deus, habitantes da “Casa do Pai”, conforme ensinou Jesus.
Em verdade, o Mestre nunca apresentou soluções mágicas de salvação gratuita, com base apenas na fé. Pelo contrário, suas lições sempre foram no sentido de acordar a criatura para a necessidade de assumir sua vida, tomando em suas mãos as rédeas do seu próprio destino: “(...) renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me [6]”. 
São muitas as recomendações do Mestre no sentido de a criatura despertar para a necessidade de progredir: “Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei o bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem [7]” e, mais adiante, continua a recomendação: “Sede, pois, vós outros, perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celestial [8]”.
E por ser uma doutrina eminentemente evolucionista e não salvacionista é que o Espiritismo prioriza a oração consciente, o estudo, a reflexão, obediente à recomendação do Espírito da Verdade: “Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo [9]”.
Assim, se bem atentarmos para a amplitude e profundidade dos ensinamentos de Jesus, veremos que, em última análise, seus ensinamentos se constituem numa ampla proposta de aperfeiçoamento do Espírito, num chamamento ao esforço individual, que não pode ser desenvolvido numa só vida. Por isso, quem medita sobre os ensinamentos e exemplos de Jesus encara o Evangelho não como um livro sagrado que deva ser lido de mãos cruzadas sobre o peito em atitude de reverência, mas o vê como um manual de evolução do Espírito, que traça um roteiro de luz, a ser seguido ao longo de milênios sucessivos.


[3] O Livro dos Espíritos, item 540.
[4] Mateus, cap. 5, vers. 16.                                                               
[5] José Soares Cardoso (Acordes Espirituais).
[6] Mateus, cap. 16, vers. 24.
[7] Mateus, cap. 5, vers. 44.
[8] Mateus, cap. 5, vers. 48.
[9] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 6, item 5.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

AS DELONGAS DO DESLIGAMENTO[1]



Richard Simonetti
 

Morte física e desencarne não ocorrem simultaneamente. O indivíduo morre quando o coração deixa de funcionar. O Espírito desencarna quando se completa o desligamento, o que demanda algumas horas ou alguns dias.
Basicamente o Espírito permanece ligado ao corpo enquanto são muito fortes nele as impressões da existência física.
Indivíduos materialistas, que fazem da jornada humana um fim em si, que não cogitam de objetivos superiores, que cultivam vícios e paixões, ficam retidos por mais tempo, até que a impregnação fluídica animalizada de que se revestem seja reduzida a níveis compatíveis com o desligamento.
Certamente os benfeitores espirituais podem fazê-lo de imediato, tão logo se dê o colapso do corpo. No entanto, não é aconselhável, porquanto o desencarnante teria dificuldades maiores para ajustar-se às realidades espirituais. O que aparentemente sugere um castigo para o indivíduo que não viveu existência condizente com os princípios da moral e da virtude, é apenas manifestação de misericórdia. Não obstante o constrangimento e as sensações desagradáveis que venha a enfrentar, na contemplação de seus despojes carnais em decomposição, tal circunstância é menos traumatizante do que o desligamento extemporâneo.
Há, a respeito da morte, concepções totalmente distanciadas da realidade. Quando alguém morre fulminado por um enfarte violento, costuma-se dizer:
"Que morte maravilhosa! Não sofreu nada!"
No entanto, é uma morte indesejável.
Falecendo em plena vitalidade, salvo se altamente espiritualizado, ele terá problemas de desligamento e adaptação, pois serão muito fortes nele as impressões e interesses relacionados com a existência física.
Se a causa da morte é o câncer, após prolongados sofrimentos, em dores atrozes, com o paciente definhando lentamente, decompondo-se em vida, fala-se:
"Que morte horrível! Quanto sofrimento!"
Paradoxalmente, é uma boa morte.
Doença prolongada é tratamento de beleza para o Espírito. As dores físicas atuam como inestimável recurso terapêutico, ajudando-o a superar as ilusões do Mundo, além de depurá-lo como válvulas de escoamento das impurezas morais. Destaque-se que o progressivo agravamento de sua condição torna o doente mais receptivo aos apelos da religião, aos benefícios da prece, às meditações sobre o destino humano. Por isso, quando a morte chega, ele está preparado e até a espera, sem apegos, sem temores.
Algo semelhante ocorre com as pessoas que desencarnam em idade avançada, cumpridos os prazos concedidos pela Providência Divina, e que mantiveram um comportamento disciplinado e virtuoso. Nelas a vida física extingue-se mansamente, como uma vela que bruxuleia e apaga, inteiramente gasta, proporcionando-lhes um retomo tranquilo, sem maiores percalços.




[1] Quem tem medo da Morte – Richard Simonetti

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

“VENCER NA VIDA” E OS FASCÍNIOS UTÓPICOS[1]


 

Jorge Hessen
 

Na sociedade o “vencer na vida” é relativo; todos poderiam “vencer”, se se entendessem convenientemente, porque o verdadeiro “vencer na vida” consiste em cada um empregar o seu tempo como lhe apraza, e não na execução de trabalhos pelos quais nenhum gosto sinta. “Como cada um tem aptidões diferentes, nenhum trabalho útil ficaria por fazer. Em tudo existe o equilíbrio; o homem é quem o perturba [2]”.
É evidente que não é natural a “desigualdade extrema” na sociedade. É obra de alguns homens e não de Deus. Mas essa “desigualdade extrema” desaparecerá quando o egoísmo e o orgulho deixarem de predominar. Permanecerá porém a desigualdade do merecimento , pois que a cada um segundo seus méritos, como proferiu Jesus [3]”.
Sobre isso, li com atenção o depoimento de Fernanda Orsomarzo, uma juíza de direito do Tribunal de Justiça do Paraná, afirmando que “ralou duro” para ser Juíza de Direito. Chegou a estudar 12 horas por dia, abdicou de festas, passou feriados em frente aos livros. Sim, muito esforço pessoal[4]. Seria hipocrisia afirmar que se tornou juíza por méritos pessoais. Justifica que tudo lhe foi favorável, pois nasceu “branca”, era da classe média, estudou em escola particular, frequentou cursos de inglês e informática, teve acesso a filmes e livros. Contou com pais presentes e preocupados com a sua formação. Jamais faltou o seu café da manhã, almoço e jantar. Nunca se preocupou com merenda ou material escolar.
Não obstante seu esforço individual, no entanto, afiança que nada conquistaria sem as inúmeras oportunidades proporcionadas pelo fato de ter nascida “branca” e no seio de uma família de classe média bem estruturada. Justifica não ter mérito porque na competição em busca do “vencer na vida”, teve todas as vantagens desde que nasceu. Por isso, segundo afirma, não é justo ser exigido que alguém que sequer tem professores pagos pelo Estado entre nessa competição (“vencer na vida”) em iguais condições.
Alega que o discurso embasado na meritocracia desresponsabiliza o Estado e joga nos ombros do indivíduo todo o peso de sua omissão e da falta de políticas públicas. Segundo Orsomarzo, a meritocracia naturaliza a pobreza, encara com normalidade a desigualdade social.
Em que pese Fernanda ter um discurso charmoso, talvez resvale para uma ideologia capciosa. Sob o ponto de vista espírita não anuímos com a sua arenga. Observemos o seguinte cenário: abre-se vaga para médico, através de um concurso público (confiável). Poderão se inscrever os que satisfazem as exigências legais. Apresentam-se dois candidatos. O primeiro é filho de um professor, estudou em uma faculdade “de ponta”, teve no lar todos os estímulos para estudar todos os livros necessários e nunca precisou trabalhar. O segundo candidato é órfão de pai desde criança. Sua mãe é uma diarista, criou cinco filhos com enormes dificuldades. Esse candidato não teve muito tempo para estudar; sem livros, tendo que trabalhar desde cedo, estudando à noite em uma faculdade “fuleira”, pouca alimentação etc..
Pergunta-se: qual deles dois, considerando-se que possuem a mesma inteligência e se prepararam para o concurso, está, teoricamente, em melhores condições de vencer a disputa? Obviamente, o primeiro candidato.
Para os espíritas a meritocracia faz sentido a partir de uma abordagem reencarnacionista, e torna justa a lei de Deus. As nossas encarnações são construídas segundo duas variantes: a necessidade evolutiva e os resultados de nossas ações de vidas pregressas.
O primeiro candidato (filho do professor) pode ter sido um filho de lavadeira em reencarnação anterior, e que, superando todos os obstáculos, fez o melhor que pôde, adquirindo merecimentos, que lhe são considerados na existência atual. O segundo candidato (filho da lavadeira) talvez tenha sido um filho de professor no passado, que tendo recebido todas as facilidades em existência hipotética, desconsiderou-as, levando uma vida de ócio ou devassidão. Retorna, pela reencarnação, ao cenário da Terra, com dificuldades redentoras para, através da vida custosa, reeducar-se perante si mesmo. E assim a justiça se faz e o princípio do mérito torna-se aplicável às diferentes situações da vida.
Meritocracia (do latim meritum, “mérito”, e do sufixo cracia, “poder”) indica posições ou colocações conseguidas por mérito pessoal. É comum se fazer referência à meritocracia espírita, designada por Kardec como aristocracia intelecto-moral, desmerecendo-a por analogia à meritocracia vigente. A meritocracia espírita é fundamentada nas conquistas morais do Espírito encarnado. Os conceitos do Espiritismo defendem a meritocracia do ideário liberal, a liberdade individual e quem pugna por esses valores não deve ser tido como um reacionário.
O princípio da improfícua ideologia igualitária sempre fascinou a mente revoltosa, porque parece ser mais “justa”, e atender melhor à parte mais “desprotegida” da sociedade. Irrisão! Essa ideologia carrega consigo uma mancha execrável. Não é capaz de respeitar o que é inerente ao ser humano, que é o livre arbítrio individual. Como não conseguirá jamais se estabelecer com a concordância dos cidadãos, precisa se impor à força para que os “mais iguais” (grupelhos autoritários e minoritários) liderem e dirijam a “liberdade” do resto da massa narcotizada e reprimida.
Seria hoje possível a “igualdade absoluta” das riquezas, por exemplo ou das oportunidades? Óbvio que não é possível. “A isso se opõe a diversidade das faculdades e dos caracteres [5]“.  Há, teóricos que julgam ser a “igualitarismo” o remédio aos males da sociedade. Quase sempre tais partidários são ateus, materialistas e cultores de sistemas [coercitivos] ou interesseiros entupidos de cobiça. “Não compreendem que a “igualdade” com que sonham seria a curto prazo desfeita pela força das circunstâncias.
É importante sim combater o egoísmo, que é a chaga social, mas não correr atrás de quimeras utópicas [6]”.




[2] Kardec Allan. O Livro dos Espíritos , questão 812, RJ: Ed. FEB, 2000.
[3] Idem, questão 806.
[5] Kardec Allan. O Livro dos Espíritos , questão 811, RJ: Ed. FEB, 2000.
[6] Idem inciso “a”.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

CÉLULAS-TRONCO E EMBRIÕES CONGELADOS[1]


 
 Dr. Décio Iandoli Junior[2]
 

A questão 353, de O Livro dos Espíritos, afirma que a encarnação só se completa após o nascimento, e a 344, que o espírito se liga ao novo corpo desde a concepção. Em Missionários da Luz (cap. XIII), Alexandre ensina que a encarnação só se completa por volta dos sete anos, mas começa na concepção, quando se inicia o continuum[3] , com a construção do corpo físico, comandado pelo modelo organizador biológico (perispírito). Sem este, não há diferenciação celular e organização espacial do novo organismo.
Por seu alto grau de vitalidade, a maquinaria celular embrionária tem certo automatismo. Este, aliado ao alto poder mental da mãe, garante o desenvolvimento do embrião antes da diferenciação celular começar, mesmo na ausência de um espírito reencarnante. Sendo assim, é teoricamente viável aceitar que muitos embriões concebidos in vitro não tenham espíritos, porém, é impossível aceitar que, nesse tipo de fertilização, nunca haverá ligação de espíritos. Classificar todos os embriões concebidos in vitro como montículos de células sem vida não é apenas uma suposição, mas também uma improbabilidade.
A ciência ainda não nos dá certeza de que um embrião tenha ou não espírito ligado. Talvez venhamos a tê-la, através da reprogramação epigênica, relatada no trabalho do Dr. Eggan[4], que pode significar a percepção biológica da reencarnação[5], ou pela identificação de campos biomagnéticos com aparelhos como o TEM, idealizado pelo Dr. Hernani Guimarães Andrade[6] .
Até lá, devemos tratar todos da mesma forma, pois o benefício da dúvida deve estar em favor da vida.
Como a maioria dos embriologistas, Keith L. Moore afirma, em Embriologia Clínica, que o zigoto é o início de um ser humano. Não cabe aqui nenhuma “flexibilização” do conceito, em nome de interesses outros que não os da dignidade humana.
Ao contrário do que se pensava, as células-tronco adultas (CTA) têm enorme versatilidade, pois já se pode produzir até células embrionárias a partir delas[7], além do que são mais “dóceis”, prestando-se a culturas em laboratório. Até o momento, todos os resultados positivos foram obtidos com elas, porque são retiradas do próprio paciente, reduzindo-se a praticamente zero a rejeição. Já as células-tronco embrionárias (CTE) não têm sido úteis devido à enorme dificuldade em se obter, com elas, culturas estáveis. A revista The Lancet, de julho de 2004, traz um artigo de Allegrucci e col, afirmando que as CT de embriões congelados não se prestam às pesquisas em terapia, daí a fixação dos especialistas na clonagem humana como única alternativa para a obtenção de CTE com fins terapêuticos.
Recentemente, o Dr. Woo-Suk Hwang anunciou, pela primeira vez, a conquista de cultura de CTE a partir de clones humanos, mas a revista Science, na qual o artigo tinha sido publicado, descobriu tratar-se de fraude, e retratou-se. Ainda que não fosse fraude, o número de células anunciadas no trabalho coreano, cerca de 150 por linhagem, seria inútil em terapia. Os tratamentos mais promissores com CTA utilizam cerca de 40 bilhões de células[8].
Na votação da Lei de Biossegurança, a opinião pública não foi devidamente esclarecida. Vimos portadores de deficiência física chorando, emocionados, com sua aprovação, o que demonstra o quanto foram iludidos. Trabalhar pelo progresso e desenvolvimento da ciência é uma obrigação, mas deve-se ter muito cuidado para não gerar falsas expectativas, manipulando de maneira desonesta a esperança das pessoas.
Os embriões congelados que estão sendo destinados às pesquisas foram produzidos com fins reprodutivos. Tinham, pois, a intenção de nascer, podendo ter espíritos ligados. É nosso dever alertar para essa distorção, porque o embrião “coisificado”, não considerado como organismo humano vivo, torna lícito o aborto. Se o embrião congelado não é vida, por que o embrião no útero seria? Alguns já defendem a interrupção da gestação de fetos portadores de anomalias, desde anencefalia até a Síndrome de Down. Onde vamos parar? Qual é o limite ético que se estabelecerá?
Seria muito mais lógico, antes de se descartar os embriões congelados, discutir a regulamentação de sua produção para fins reprodutivos. Se o embrião é considerado, pela ciência, organismo humano vivo, por que, principalmente nós, espíritas, não o respeitamos como tal?
Compreendo a preocupação legítima de alguns irmãos de Doutrina que temem assumir posições que possam obstruir a evolução da ciência. Creio, porém, não ser recomendável abandonarmos preceitos básicos, tentando “adaptá-los” para estarem “de acordo” com o modo de pensar dos cientistas materialistas.
Quando nós, médicos espíritas, rechaçamos a utilização de células embrionárias, o fazemos também baseados na ciência e não deixamos de lado os princípios da Doutrina. Alguns confrades argumentam que não precisamos nos preocupar com os embriões, pois a Espiritualidade Superior não permitiria que um espírito fosse prejudicado, designando-o a um embrião que não seria implantado no útero. Esquecem-se de que existem renascimentos não programados, uniões que obedecem tão somente à lei da atração entre os seres, exercida de forma irresistível, segundo Kardec. A nosso ver, as leis de Deus seriam muito pobres se dependessem do controle fortuito dos Seus filhos.
Reafirmamos o nosso entusiasmo pelo progresso da ciência, porém estamos atentos à responsabilidade de nossas escolhas. No caso das pesquisas de embriões, não queremos ser responsáveis por uma nova modalidade de crime – o “aborto de proveta” –, verdadeiro genocídio, que eliminará milhões. Como disse Madre Tereza: “Um país que aceita o aborto não está a ensinar os seus cidadãos a amar, mas a usar a violência para obter o que querem. É por isso que o maior destruidor do amor e da paz é o aborto.




[1] Matéria publicada na Folha Espírita em março de 2006.
[2] Vice-presidente da AME-Santos, professor titular da cadeira de Fisiologia da UNISANTA, cirurgião do Aparelho Digestório.
[3] Para os embriologistas Moore e Persaud, na página 2 do livro Embriologia Humana, “O desenvolvimento humano é um processo contínuo que começa quando um ovócito é fertilizado por um espermatozoide”.
[4] EGGAN, K., RIDEOUT III, W.M., JAENISCH, R. - Nuclear cloning and epigenetic reprogramming of the genome. Science, v. 293, p. 1093-98, aug./2001.
[5] Esta argumentação está no capítulo III do livro A reencarnação como lei biológica.
[6] No livro “Espírito, perispírito e alma” encontramos o embasamento teórico deste postulado.
[7] Trabalho realizado pelo Dr. Rudolf Jaenisch, do Instituto Whitehead, nos EUA, pesquisador do mesmo grupo do Dr. Kevin Eggan, já citado anteriormente. Revista Cell de maio de 2005.
[8] Segundo trabalhos já publicados por Dohmman, do Rio de Janeiro, e Ribeiro dos Santos, da Bahia.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

AS PROVAS CIENTÍFICAS[1]



Aécio Pereira Chagas
 

Certas pessoas, muitas vezes bem-intencionadas, buscam provas científicas referentes à imortalidade do Espírito, à comunicabilidade deste conosco, à reencarnação e sobre outros pontos fundamentais da Doutrina Espírita. Isso é muito salutar, mas o problema é que, entre essas pessoas, algumas passam toda a existência terrena procurando essas provas, ou melhor, atrás "da prova", e nunca a encontram apesar de terem tido contato com inúmeros fatos que a confirmam. Algumas assim agem por um ceticismo crônico, crentes de bem procederem cientificamente, pois acreditam (aqui elas não são céticas) que um "verdadeiro cientista não tem ideias preconcebidas". Acho que essas pessoas que passam o tempo todo atrás das provas e continuam insatisfeitas precisam ser informadas do que vem a ser uma "prova científica". É o que pretendemos mostrar.
Vamos utilizar-nos de um exemplo para ilustrar nossos pontos de vista. E o que escolhemos é a "teoria atômico-molecular", devido à nossa experiência como pesquisador no campo da Química. O que se segue é um diálogo imaginário (ou não tão imaginário assim) que tivemos com uma pessoa a princípio cética.
Inicialmente ela nos perguntou:
- Você acredita na existência de átomos e moléculas?
- Não só acredito, mas sei que eles existem, respondi.
- Como você pode provar isso?
- Não lhe posso oferecer nenhuma prova como aquelas apresentadas nos tribunais; inclusive nunca os vi, toquei ou mesmo os senti de alguma maneira, nas formas que penso que sejam. O que me faz saber que os átomos e as moléculas existem é um conjunto de evidências experimentais, um conjunto de provas. Nenhuma delas por si é suficiente par provar a existência dos átomos ou das moléculas. Vendo a coisa de outra maneira, todo esse conjunto de evidências experimentais ou de experimentos só pode ser explicado, entendido, racionalizado, por meio da admissão da existência dos átomos e moléculas, e essa miríade de experimentos é que constitui "a prova". Cada um dos experimentos, considerados separadamente, pode até ser explicado por outras hipóteses ou teorias, mas até hoje ninguém encontrou nenhuma outra alternativa que desse conta de todo o conjunto de experimentos considerados, a não ser a "teoria atômico-molecular". Um dado experimento pode ser explicado pela hipótese de que a matéria é contínua, alguns outros também, mas há muitos outros que não. Podemos até inventar hipóteses as mais estapafúrdias, mas com lógica e bom senso perceberemos que poderão dar conta apenas de alguns poucos fatos. Não vou citar aqui os experimentos; nas bibliotecas encontramos centenas e centenas de descrições deles.
Ainda mais: como já sei que os átomos e as moléculas existem, como cientista não vou mais procurar provas de sua existência. Vou daí para a frente. Vou realizar experimentos nos quais a priori já considero existentes os átomos e moléculas, e os resultados têm sido até agora coerentes com isso. Assim procedem também os meus colegas cientistas do mundo todo.
Da mesma maneira que se faz a pergunta sobre os átomos e as moléculas, faz-se também com relação à existência dos Espíritos e a outros pontos que mencionamos no início deste artigo. A resposta que daríamos a essa pergunta seria a mesma dada sobre os átomos e as moléculas: "Não só acredito, mas sei que eles existem”.
- Como você pode provar isso?
- Não posso lhe oferecer nenhuma prova, como aquelas apresentadas num tribunal; inclusive nunca os vi, toquei ou mesmo os senti de alguma maneira, na forma que penso que tenham. O que me faz saber que os Espíritos existem é um conjunto de provas (...).
O leitor poderá continuar o diálogo, é só trocar “átomos e moléculas” por “Espíritos”.
Alternativa para “Espíritos” (como a hipótese da matéria contínua no lugar dos átomos)?
É só procurar uma dessas muitas explicações "parapsicológicas" que há por aí (o inconsciente etc.).
Quanto aos novos experimentos, já há uma diferença: são poucos os que vão à frente, a maioria ainda está querendo "provar" que o Espírito existe.
Se as pessoas que buscam provas sobre esses pontos básicos da Doutrina Espírita, após examinarem todo esse conjunto de evidências que a própria Doutrina oferece, além de outras procedentes de fontes não espíritas, ainda quiserem "a prova", é porque continuam desinformadas sobre a atividade científica (ou não a aceitam) ou realmente não querem aceitar nada. Mas isso não acontece apenas com o Espiritismo. Com átomos e moléculas hoje em dia não se pode ser cético, mas com outras coisas...
Há pouco ouvi: "(...) afinal de contas, a teoria da Evolução ainda não está cientificamente provada"...




segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Fenômenos de Transporte[1]


Eusápia Paladino
 
Ernesto Bozzano

Começo por citar dois casos que dizem respeito à mediunidade de Eusápia Paladino. Eu não assisti à sessão em que se verificou esse primeiro episódio, mas tive ocasião de entreter-me longamente acerca dele, no dia seguinte, com as três pessoas que a assistiram.
O Sr. Felice Avelino, sócio do Circolo Scientifico Minerva, desejando obter manifestações de caráter íntimo, de um parente que se materializou na noite anterior graças a Eusápia Paladino, tomara disposições para ter uma sessão especial com ela, na própria residência dele. Só assistiram a tal sessão ele, uma sua irmã e uma jovem russa, também sócia do Circolo Minerva. No prédio não se achavam outras pessoas, pois a família do Sr. Avelino estava em sua casa de campo. Isto exposto, transcrevo a parte do relatório que diz respeito ao fenômeno de transporte.
Escreve o Sr. Avelino:
5 de setembro de 1901 – A médium era por mim controlada à direita e por minha irmã à esquerda.
Para o fim da sessão, quando já obtivéramos quanto desejávamos em questão de fantasmas materializados, eis que tomba do alto, com barulhento choque, no meio da mesa, algo de volumoso e pesado. Estendo o braço e apalpo a parte superior da mesa para certificar-me do que acontecera e apareceu-me debaixo da mão um objeto que não me demoro a identificar como um pão de quatro pontas, chamado “massa de soda”.
Desejoso de ver e analisar melhor esse curioso transporte, peço a John (espírito guia de Eusápia) permissão para acender a luz, o que me é concedido, mas, com surpresa geral, apenas acesa a luz, verificamos que nada mais existe ali. Examinamos o interior dos móveis e, finalmente, as duas senhoras presentes inspecionam a médium: tudo é inútil e o pão não é encontrado.
Só me resta recorrer a John, a quem perguntei se porventura não o teria ocultado e ele, com um grande golpe desferido na mesa, respondeu afirmativamente. Rogo então vivamente a John que mo restitua, pois desejo mostrá-lo a meus amigos e parentes. Eis a resposta tiptológica de John: “Pertence à padaria que fica perto daqui. Se quer ficar com ele, dê-me dois soldos”. Tirei logo do bolso os dois soldos, convidando John a recebê-los e ele ordenou tiptologicamente: “Apague a luz”. Assim fiz e, ao mesmo tempo, tornamos a formar a cadeia. Eu controlava Eusápia com a mão esquerda e, apertando entre os dedos da direita a moeda de dois soldos, levantei o braço ao alto. E eis que uma mão desceu do alto e escamoteou-me de entre os dedos a moeda.
Decorreram talvez vinte segundos e eis que se faz ouvir outro golpe ruidoso sobre a mesa, idêntico ao ouvido anteriormente.
Acesa a luz, apareceu diante de nós o grande pão de “massa de soda”, desaparecido um pouco antes. Quanto à moeda de dois soldos, essa desapareceu completamente e não a encontramos em parte alguma.
Como complemento desse magnífico tríplice caso de transporte do mesmo objeto, teria sido desejável que, chegado o dia seguinte, se tivesse tentado a prova de uma indagação junto ao padeiro indicado por John, mas indubitavelmente não passou pela mente do amigo Avelino tentá-la e isto porque lhe pareceu certamente impraticável, tratando-se de uma casa muito sortida e cujo proprietário não poderia dar nem pela falta do pão, nem pela existência de mais dois soldos em caixa.
Todavia, esse tríplice fenômeno de transporte não deixa de ser sempre muito interessante, bem como muito bem precavido contra qualquer presunção de fraude. A tal respeito é de notar-se o fato de que se tratava de um pão grande, o qual não seria facilmente ocultado debaixo das roupas da médium e muito menos poderia escapar às apalpadelas a que a submeteram as duas senhoras presentes, depois de verificado o desaparecimento do objeto transportado. E a propósito, convém observar que a médium, se tivesse produzido fraudulentamente o primeiro “grande transporte”, não se teria permitido o capricho de fazê-lo desaparecer, correndo o risco de ser revistada, como, na verdade, o foi. Note-se ainda que, quando o amigo Avelino levou o braço ao alto, apertando a moeda entre os dedos, sentiu-a arrancada pela mão dali proveniente, gesto que não poderia ser produzido por uma pessoa sentada e segura pelas mãos.
Ficou por comentar o ato de honestidade a toda prova relativo ao fenômeno de subtração de um pão pertencente a outrem, ato de honestidade patenteado, pela resposta fornecida pelo espírito guia de Eusápia. Observo que tal correção de conduta a propósito de uma propriedade alheia mostra-se, como regra geral, nas personalidades mediúnicas que dirigem os fenômenos de transportes e as modalidades com que se manifesta a casuística, bem como a espécie especial dos objetos transportados o demonstra de modo impressionante. Acontece que, do ponto de vista da gênese presumível de uma boa parte dos fenômenos em apreço, essa circunstância de fato assume tal importância teórica que não se pode discuti-la apressadamente em um comentário, que me reservo de fazer amplamente nas conclusões.
*
Este é o segundo episódio ocorrido com a mediunidade de Eusápia Paladino e que, como o anterior, se verificou na residência do amigo Felice Avelino (Rua Caffaro 31, Gênova). Trata-se de uma sessão especial, com rigoroso controle científico e presidido pelo professor Enrico Morselli, sendo os outros experimentadores o Sr. Felice Avelino com seu irmão e seu pai, o Sr. Giuseppe Venzano e eu, redator da ata. A sessão foi feita no dia 9 de maio de 1903 e, do ponto de vista probatório, o fenômeno mais importante produziu-se no início, quando experimentávamos à luz de um bico de gás com camisa Auer. Em tais circunstâncias, as saias de Eusápia funcionavam como “gabinete escuro” e toda vez que observávamos o encher delas, subitamente dali emergia uma mãozinha de criança, perfeitamente formada e bem visível a todos, que dava um puxão em nossas calças e amiúde se aventurava fora da sombra da mesa e, movimentando-se rapidamente, puxava também os bigodes do prof. Morselli.
Quando a luz foi apagada, notáveis fenômenos de materialização começaram a se produzir, mas seria fora de propósito narrá-los aqui. Já para o fim da sessão, produziu-se o seguinte fenômeno de transporte a pedido. Eis o trecho da relação que a ele se refere: “O tempo está péssimo e chove torrencialmente. O apartamento do amigo Avelino está situado no 4° andar, porém o edifício, na parte traseira, está apoiado em um morro cortado nesse ponto e resguardado por uma alta muralha que tem a altura do referido apartamento. Em cima da muralha há um jardim com uma larga fileira de plantas colocadas em vasos. Entre essas, pela manhã, eu havia notado um magnífico pé de cravo encarnado, em plena florescência”.
Dirigi-me, pois, a John nas seguintes palavras: “John, no jardim defronte desta janela, há um belíssimo pé de cravos em flor. Ficar-lhe-ei muito agradecido se nos trouxer uma flor dele”.
Ressoou sobre a mesa uma forte pancada de assentimento e pouco depois uma mão colocou algumas flores em cima de meu joelho. Acendeu-se a luz, verificando-se que, efetivamente, se tratava dos cravos encarnados, cortados, sem dúvida, da planta indicada, porém o detalhe mais interessante do transporte foi este: como, no momento, estava chovendo a cântaros, os cravos se achavam encharcados de água.
Esse fenômeno causou extraordinária impressão no prof. Morselli que, embora já reconhecesse a realidade incontestável dos fenômenos de materialização de fantasmas, não admitia ainda a possibilidade científica e, por conseguinte, a genuinidade dos fenômenos de transporte.
Foi precisamente pensando nisso que me ocorreu tentar a prova de um transporte a pedido, que não despertasse as suspeitas do professor. A tentativa teve um êxito superior à expectativa, já que não tive em mente outra prova acerca da realidade do fenômeno que a resultante do transporte, a pedido, de determinadas flores, porquanto estas chegaram revestidas de uma contra prova de uma autenticidade inesperada: a de estarem molhadas porque lá fora chovia.
Já fiz notar, em outras circunstâncias, que os episódios do gênero são bastante frequentes nesta casuística, conhecendo-se transportes de flores salpicadas de pedaços de neve. Acrescento que se conhecem casos de transportes de conchas marinhas gotejando água salgada e outros de botões de rosas com os cabos cheios de ácaros (piolhos de rosa).
Enfim, deve-se inferir que os transportes chegavam nas condições justas em que se achavam no momento, o que serve para demonstrar que o fenômeno da desintegração do objeto transportado se produz com o conjunto integral da matéria que constitui o objeto e a coisa aderente ao mesmo objeto, não importando que esta última seja extrínseca a ele.
O seguinte episódio aconteceu graças à mediunidade do Sr. Tino Aicardi, cujas faculdades supranormais se revelaram de modo bastante curioso. Ele era um cético irredutível em matéria de pesquisas mediúnicas e lamentava que nós, “pobres espíritas”, nos deixássemos enganar por uma vulgar charlatã como Eusápia.
Aconteceu, pois, que, quando o cav. Peretti o convidou para ir à sua casa a fim de assistir a uma sessão com um médium privado, ele aceitou o convite com o propósito declarado de querer abrir os olhos do amigo e convencê-lo de que era vítima de truques combinados com credulidade, sugestão, autossugestão e não sei mais quantas coisas.
O que, ao contrário, ocorreu nessa noite memorável foi bem outra coisa, pois, logo que se fez a obscuridade e se estabeleceu a corrente entre os presentes, o recém-vindo caiu em profundo transe, não tardando a manifestação de fenômenos de golpes fortíssimos à distância, de transportes de objetos pesadíssimos e de luzes mediúnicas belíssimas, manifestações que não havíamos obtido até aquela noite.
Quando, finalmente, depois de duas horas de sono, o novo médium acordou, apressou-se em desculpar-se com as senhoras pela inconveniência cometida, dormindo como um porco, durante a sessão. E fácil de imaginar-se a surpresa do mesmo, quando se lhe respondeu agradecendo-o pelas magníficas manifestações obtidas com o auxílio de sua mediunidade!
Passo a referir um trecho da ata da sessão realizada no dia 10 de dezembro de 1889 em casa do cav. Peretti, funcionando, como médium, o Sr. Tito Aicardi, na qual se fala de um interessante fenômeno de transporte.
Pela boca do médium em transe se manifesta a entidade habitual de um hindu que diz ser o espírito de um iogue desencarnado havia poucos anos, porém, como esse se expressa numa mistura de italiano, inglês e sânscrito, quase inteiramente incompreensível, o cav. Peretti pede à entidade comunicante para produzir um fenômeno de transporte como já havia feito outras vezes. Por exemplo: Não poderia o espírito do iogue presentear-lhe uma flor campestre trazida dos prados da Índia?
A personalidade comunicante responde afirmativamente e abandona, rápido, o médium, que cai sobre o assento, continuando a dormir profundamente. Transcorridos uns 10 minutos, o médium se agita, suas mãos apertam convulsamente as dos seus fiscalizadores, emite um profundo suspiro e murmura, em voz baixa, as seguintes palavras: Pronto! Luz! Acende-se a luz e colhe-se, na mesa, um galhinho de uma planta desconhecida, com cerca de 20 centímetros, de folhas graciosamente coloridas, mas sem flores. O ramo é composto de cinco ramificações dispostas em torno do caule, de forma alternada, cada uma terminada em cinco folhinhas largas. Ele estava fresquíssimo, tanto assim que se lhe tocasse, com um papel, a extremidade do talo cortado, ficava nele uma mancha verde. No dia seguinte, com o fim de identificar a espécie de planta a que pertencia esse galho, procuramos os principais floricultores da cidade, mas inutilmente, porque nenhum deles jamais havia cultivado tal gênero de planta e não podia classificá-la porque nunca a vira antes, estando, porém, todos concordes em julgá-la uma exótica planta tropical, cultivada somente em estufa.
Como esse galhinho foi conservado, dissecando-o com todo o cuidado, alguns anos depois foi apresentado ao prof. Otto Penzig, catedrático de botânica da Universidade de Gênova, que reconheceu nele um arbusto bem comum da flora hindu, com os quais se fazem sebes de divisão, ao norte da Índia.”
Eis os fatos. Quando em 1902 publiquei este episódio em meu livro Ipotesi Spiritica e teoriche Scientifiche, apareceu um crítico que, embora admitindo a autenticidade desse transporte, se mostrou surpreso com a enorme distância existente entre Gênova e a Índia, por causa do que sugeriu como explicação mais verossímil, que o transporte tivesse sido tirado de uma estufa qualquer, existente nos arredores de Gênova. Nenhuma dúvida existe de que tal explicação é racional e aceitável, mas não tira o valor probatório do fenômeno, obtido a pedido. No entanto, o prof. Penzig não se mostrou dessa opinião, observando que o arbusto de que se trata, embora interessante, não tinha nenhuma qualidade de beleza floral e ornamental para que fosse exportado e cultivado em uma estufa.
Assim sendo, é mais provável a versão de que o transporte nos chegou de seu país de origem, embora longíssimo, a cujo propósito repito o que antes disse, isto é, que, no nosso tempo, em que assistimos às maravilhas do rádio, com o qual podemos escutar, de Roma, o discurso que, no momento, pronuncia o presidente dos Estados Unidos da América, não é para espantar-se se uma personalidade espiritual, independente das limitações da matéria, se mostre capaz de fazer a viagem de Gênova à Índia com a mesma rapidez com que anda a palavra transportada sobre as ondas etéreas.
Essa espécie de ceticismo era mais do que justificada nos críticos das duas gerações passadas, mas não o é mais em nossa época e esta consideração deveria ensinar muito a muita gente, especialmente a respeito de outras formas análogas de ceticismos aparentemente justificados, os quais estão em relação com os mistérios que ainda envolvem as manifestações mediúnicas.
Se tivermos bastante paciência em resignar-nos a esperar, poderemos ficar certos de que novas estupefacientes descobertas científicas vertentes sobre o universo oculto e inexplorado das vibrações físicas e psíquicas intervirão a seu tempo para ajudar-nos a compreender.




[1] Fenômenos de Transporte – Ernesto Bozzano