Eusápia Paladino
Começo por citar dois casos que
dizem respeito à mediunidade de Eusápia Paladino. Eu não assisti à sessão em
que se verificou esse primeiro episódio, mas tive ocasião de entreter-me
longamente acerca dele, no dia seguinte, com as três pessoas que a assistiram.
O Sr. Felice Avelino, sócio do Circolo Scientifico Minerva, desejando
obter manifestações de caráter íntimo, de um parente que se materializou na
noite anterior graças a Eusápia Paladino, tomara disposições para ter uma sessão
especial com ela, na própria residência dele. Só assistiram a tal sessão ele,
uma sua irmã e uma jovem russa, também sócia do Circolo Minerva. No prédio não
se achavam outras pessoas, pois a família do Sr. Avelino estava em sua casa de
campo. Isto exposto, transcrevo a parte do relatório que diz respeito ao
fenômeno de transporte.
Escreve o Sr. Avelino:
5 de setembro de 1901 – A médium
era por mim controlada à direita e por minha irmã à esquerda.
Para o fim da sessão, quando já
obtivéramos quanto desejávamos em questão de fantasmas materializados, eis que
tomba do alto, com barulhento choque, no meio da mesa, algo de volumoso e
pesado. Estendo o braço e apalpo a parte superior da mesa para certificar-me do
que acontecera e apareceu-me debaixo da mão um objeto que não me demoro a
identificar como um pão de quatro pontas, chamado “massa de soda”.
Desejoso de ver e analisar
melhor esse curioso transporte, peço a John (espírito guia de Eusápia) permissão
para acender a luz, o que me é concedido, mas, com surpresa geral, apenas acesa
a luz, verificamos que nada mais existe ali. Examinamos o interior dos móveis
e, finalmente, as duas senhoras presentes inspecionam a médium: tudo é inútil e
o pão não é encontrado.
Só me resta recorrer a John, a
quem perguntei se porventura não o teria ocultado e ele, com um grande golpe
desferido na mesa, respondeu afirmativamente. Rogo então vivamente a John que
mo restitua, pois desejo mostrá-lo a meus amigos e parentes. Eis a resposta
tiptológica de John: “Pertence à padaria que fica perto daqui. Se quer ficar
com ele, dê-me dois soldos”. Tirei logo do bolso os dois soldos, convidando
John a recebê-los e ele ordenou tiptologicamente: “Apague a luz”. Assim fiz e,
ao mesmo tempo, tornamos a formar a cadeia. Eu controlava Eusápia com a mão
esquerda e, apertando entre os dedos da direita a moeda de dois soldos,
levantei o braço ao alto. E eis que uma mão desceu do alto e escamoteou-me de
entre os dedos a moeda.
Decorreram talvez vinte segundos
e eis que se faz ouvir outro golpe ruidoso sobre a mesa, idêntico ao ouvido
anteriormente.
Acesa a luz, apareceu diante de
nós o grande pão de “massa de soda”, desaparecido um pouco antes. Quanto à
moeda de dois soldos, essa desapareceu completamente e não a encontramos em
parte alguma.
Como complemento desse magnífico
tríplice caso de transporte do mesmo objeto, teria sido desejável que, chegado
o dia seguinte, se tivesse tentado a prova de uma indagação junto ao padeiro
indicado por John, mas indubitavelmente não passou pela mente do amigo Avelino
tentá-la e isto porque lhe pareceu certamente impraticável, tratando-se de uma
casa muito sortida e cujo proprietário não poderia dar nem pela falta do pão,
nem pela existência de mais dois soldos em caixa.
Todavia, esse tríplice fenômeno
de transporte não deixa de ser sempre muito interessante, bem como muito bem
precavido contra qualquer presunção de fraude. A tal respeito é de notar-se o
fato de que se tratava de um pão grande, o qual não seria facilmente ocultado
debaixo das roupas da médium e muito menos poderia escapar às apalpadelas a que
a submeteram as duas senhoras presentes, depois de verificado o desaparecimento
do objeto transportado. E a propósito, convém observar que a médium, se tivesse
produzido fraudulentamente o primeiro “grande transporte”, não se teria
permitido o capricho de fazê-lo desaparecer, correndo o risco de ser revistada,
como, na verdade, o foi. Note-se ainda que, quando o amigo Avelino levou o
braço ao alto, apertando a moeda entre os dedos, sentiu-a arrancada pela mão dali
proveniente, gesto que não poderia ser produzido por uma pessoa sentada e
segura pelas mãos.
Ficou por comentar o ato de
honestidade a toda prova relativo ao fenômeno de subtração de um pão
pertencente a outrem, ato de honestidade patenteado, pela resposta fornecida
pelo espírito guia de Eusápia. Observo que tal correção de conduta a propósito
de uma propriedade alheia mostra-se, como regra geral, nas personalidades
mediúnicas que dirigem os fenômenos de transportes e as modalidades com que se
manifesta a casuística, bem como a espécie especial dos objetos transportados o
demonstra de modo impressionante. Acontece que, do ponto de vista da gênese
presumível de uma boa parte dos fenômenos em apreço, essa circunstância de fato
assume tal importância teórica que não se pode discuti-la apressadamente em um
comentário, que me reservo de fazer amplamente nas conclusões.
*
Este é o segundo episódio
ocorrido com a mediunidade de Eusápia Paladino e que, como o anterior, se
verificou na residência do amigo Felice Avelino (Rua Caffaro 31, Gênova).
Trata-se de uma sessão especial, com rigoroso controle científico e presidido
pelo professor Enrico Morselli, sendo os outros experimentadores o Sr. Felice
Avelino com seu irmão e seu pai, o Sr. Giuseppe Venzano e eu, redator da ata. A
sessão foi feita no dia 9 de maio de 1903 e, do ponto de vista probatório, o
fenômeno mais importante produziu-se no início, quando experimentávamos à luz
de um bico de gás com camisa Auer. Em tais circunstâncias, as saias de Eusápia
funcionavam como “gabinete escuro” e toda vez que observávamos o encher delas,
subitamente dali emergia uma mãozinha de criança, perfeitamente formada e bem
visível a todos, que dava um puxão em nossas calças e amiúde se aventurava fora
da sombra da mesa e, movimentando-se rapidamente, puxava também os bigodes do
prof. Morselli.
Quando a luz foi apagada,
notáveis fenômenos de materialização começaram a se produzir, mas seria fora de
propósito narrá-los aqui. Já para o fim da sessão, produziu-se o seguinte
fenômeno de transporte a pedido. Eis o trecho da relação que a ele se refere:
“O tempo está péssimo e chove torrencialmente. O apartamento do amigo Avelino
está situado no 4° andar, porém o edifício, na parte traseira, está apoiado em
um morro cortado nesse ponto e resguardado por uma alta muralha que tem a
altura do referido apartamento. Em cima da muralha há um jardim com uma larga
fileira de plantas colocadas em vasos. Entre essas, pela manhã, eu havia notado
um magnífico pé de cravo encarnado, em plena florescência”.
Dirigi-me, pois, a John nas
seguintes palavras: “John, no jardim defronte desta janela, há um belíssimo pé
de cravos em flor. Ficar-lhe-ei muito agradecido se nos trouxer uma flor dele”.
Ressoou sobre a mesa uma forte
pancada de assentimento e pouco depois uma mão colocou algumas flores em cima
de meu joelho. Acendeu-se a luz, verificando-se que, efetivamente, se tratava
dos cravos encarnados, cortados, sem dúvida, da planta indicada, porém o
detalhe mais interessante do transporte foi este: como, no momento, estava
chovendo a cântaros, os cravos se achavam encharcados de água.
Esse fenômeno causou
extraordinária impressão no prof. Morselli que, embora já reconhecesse a
realidade incontestável dos fenômenos de materialização de fantasmas, não
admitia ainda a possibilidade científica e, por conseguinte, a genuinidade dos
fenômenos de transporte.
Foi precisamente pensando nisso
que me ocorreu tentar a prova de um transporte a pedido, que não despertasse as
suspeitas do professor. A tentativa teve um êxito superior à expectativa, já
que não tive em mente outra prova acerca da realidade do fenômeno que a
resultante do transporte, a pedido, de determinadas flores, porquanto estas
chegaram revestidas de uma contra prova de uma autenticidade inesperada: a de
estarem molhadas porque lá fora chovia.
Já fiz notar, em outras
circunstâncias, que os episódios do gênero são bastante frequentes nesta
casuística, conhecendo-se transportes de flores salpicadas de pedaços de neve.
Acrescento que se conhecem casos de transportes de conchas marinhas gotejando
água salgada e outros de botões de rosas com os cabos cheios de ácaros (piolhos
de rosa).
Enfim, deve-se inferir que os
transportes chegavam nas condições justas em que se achavam no momento, o que
serve para demonstrar que o fenômeno da desintegração do objeto transportado se
produz com o conjunto integral da matéria que constitui o objeto e a coisa
aderente ao mesmo objeto, não importando que esta última seja extrínseca a ele.
O seguinte episódio aconteceu
graças à mediunidade do Sr. Tino Aicardi, cujas faculdades supranormais se
revelaram de modo bastante curioso. Ele era um cético irredutível em matéria de
pesquisas mediúnicas e lamentava que nós, “pobres espíritas”, nos deixássemos
enganar por uma vulgar charlatã como Eusápia.
Aconteceu, pois, que, quando o
cav. Peretti o convidou para ir à sua casa a fim de assistir a uma sessão com
um médium privado, ele aceitou o convite com o propósito declarado de querer
abrir os olhos do amigo e convencê-lo de que era vítima de truques combinados
com credulidade, sugestão, autossugestão e não sei mais quantas coisas.
O que, ao contrário, ocorreu
nessa noite memorável foi bem outra coisa, pois, logo que se fez a obscuridade
e se estabeleceu a corrente entre os presentes, o recém-vindo caiu em profundo
transe, não tardando a manifestação de fenômenos de golpes fortíssimos à
distância, de transportes de objetos pesadíssimos e de luzes mediúnicas
belíssimas, manifestações que não havíamos obtido até aquela noite.
Quando, finalmente, depois de
duas horas de sono, o novo médium acordou, apressou-se em desculpar-se com as
senhoras pela inconveniência cometida, dormindo como um porco, durante a
sessão. E fácil de imaginar-se a surpresa do mesmo, quando se lhe respondeu
agradecendo-o pelas magníficas manifestações obtidas com o auxílio de sua
mediunidade!
Passo a referir um trecho da ata
da sessão realizada no dia 10 de dezembro de 1889 em casa do cav. Peretti,
funcionando, como médium, o Sr. Tito Aicardi, na qual se fala de um
interessante fenômeno de transporte.
Pela boca do médium em transe se
manifesta a entidade habitual de um hindu que diz ser o espírito de um iogue
desencarnado havia poucos anos, porém, como esse se expressa numa mistura de
italiano, inglês e sânscrito, quase inteiramente incompreensível, o cav.
Peretti pede à entidade comunicante para produzir um fenômeno de transporte
como já havia feito outras vezes. Por exemplo: Não poderia o espírito do iogue
presentear-lhe uma flor campestre trazida dos prados da Índia?
A personalidade comunicante
responde afirmativamente e abandona, rápido, o médium, que cai sobre o assento,
continuando a dormir profundamente. Transcorridos uns 10 minutos, o médium se
agita, suas mãos apertam convulsamente as dos seus fiscalizadores, emite um profundo
suspiro e murmura, em voz baixa, as seguintes palavras: Pronto! Luz! Acende-se
a luz e colhe-se, na mesa, um galhinho de uma planta desconhecida, com cerca de
20 centímetros, de folhas graciosamente coloridas, mas sem flores. O ramo é
composto de cinco ramificações dispostas em torno do caule, de forma alternada,
cada uma terminada em cinco folhinhas largas. Ele estava fresquíssimo, tanto
assim que se lhe tocasse, com um papel, a extremidade do talo cortado, ficava
nele uma mancha verde. No dia seguinte, com o fim de identificar a espécie de
planta a que pertencia esse galho, procuramos os principais floricultores da
cidade, mas inutilmente, porque nenhum deles jamais havia cultivado tal gênero
de planta e não podia classificá-la porque nunca a vira antes, estando, porém,
todos concordes em julgá-la uma exótica planta tropical, cultivada somente em
estufa.
Como esse galhinho foi
conservado, dissecando-o com todo o cuidado, alguns anos depois foi apresentado
ao prof. Otto Penzig, catedrático de botânica da Universidade de Gênova, que
reconheceu nele um arbusto bem comum da flora hindu, com os quais se fazem
sebes de divisão, ao norte da Índia.”
Eis os fatos. Quando em 1902
publiquei este episódio em meu livro Ipotesi
Spiritica e teoriche Scientifiche, apareceu um crítico que, embora
admitindo a autenticidade desse transporte, se mostrou surpreso com a enorme
distância existente entre Gênova e a Índia, por causa do que sugeriu como
explicação mais verossímil, que o transporte tivesse sido tirado de uma estufa
qualquer, existente nos arredores de Gênova. Nenhuma dúvida existe de que tal
explicação é racional e aceitável, mas não tira o valor probatório do fenômeno,
obtido a pedido. No entanto, o prof. Penzig não se mostrou dessa opinião,
observando que o arbusto de que se trata, embora interessante, não tinha nenhuma
qualidade de beleza floral e ornamental para que fosse exportado e cultivado em
uma estufa.
Assim sendo, é mais provável a
versão de que o transporte nos chegou de seu país de origem, embora longíssimo,
a cujo propósito repito o que antes disse, isto é, que, no nosso tempo, em que
assistimos às maravilhas do rádio, com o qual podemos escutar, de Roma, o
discurso que, no momento, pronuncia o presidente dos Estados Unidos da América,
não é para espantar-se se uma personalidade espiritual, independente das
limitações da matéria, se mostre capaz de fazer a viagem de Gênova à Índia com
a mesma rapidez com que anda a palavra transportada sobre as ondas etéreas.
Essa espécie de ceticismo era
mais do que justificada nos críticos das duas gerações passadas, mas não o é
mais em nossa época e esta consideração deveria ensinar muito a muita gente, especialmente
a respeito de outras formas análogas de ceticismos aparentemente justificados,
os quais estão em relação com os mistérios que ainda envolvem as manifestações
mediúnicas.
Se tivermos bastante paciência
em resignar-nos a esperar, poderemos ficar certos de que novas estupefacientes
descobertas científicas vertentes sobre o universo oculto e inexplorado das vibrações
físicas e psíquicas intervirão a seu tempo para ajudar-nos a compreender.
[1] Fenômenos de
Transporte – Ernesto Bozzano
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