Jorge Hessen
O homem contemporâneo, que investiga desde o
micro ao macrocosmo, cambaleia, ante os vestíbulos da sepultura com a mesma
amargura dos egípcios, dos gregos e dos romanos de épocas recuadas. Os milênios
que arrasaram civilizações e refundiram povos, não transformaram a emblemática
expressão do túmulo. Infinitos pontos de interrogação, a morte continua ferindo
sentimentos e torturando inteligências. O homem tem sentido perturbação e temor
perante a expectativa da desencarnação. E esse receio tem sido alimentado por
uma mistura de falsos conceitos religiosos, senso comum e crenças pessoais
arraigadas.
O problema do medo da morte é
que ele pode impedir que se tenha encanto na vida e minar a confiança de que a
vida tenha maior significado. As religiões textualistas são especialmente
responsáveis por gerar uma série de fobias e mitos a respeito da inevitável
viagem ao túmulo. A má formação religiosa tem deixado muitas pessoas confusas a
respeito da situação dos mortos no além-tumba. Os destinos, que incluem o céu,
inferno, purgatório, limbo, vão desde o misterioso até o absolutamente
assombrador. Por outro lado, obra “Death -The Final Stage of Growth” afiança
que a morte é uma parte integrante da nossa vida, é normal, é o fim natural de
todos os organismos vivos. Tal crença materialista, por sua vez tem fomentado
uma filosofia niilista e o comportamento pessimista.
Há pessoas que sofrem de
tanatofobia (receio mórbido da morte). Psicólogos têm examinado os efeitos
mentais e sociais causados por pensar na morte. Segundo alguns, pensar na morte
nos torna mais nacionalistas, mais preconceituosos e reforça atitudes
igrejeiras ou inconscientemente religiosas, bem como afetam as crenças
políticas. Narram que a morte nos deixa mais punitivos e conservadores. A
lembrança da morte alimenta o desejo por fama comumente associado a uma
imortalidade simbólica, daí a busca pela imortalidade nas tais academias de
letras.
Será que pensar mais na morte
pode nos tornarmos mais punitivos e preconceituosos? Talvez n’alguns tais
efeitos possam ocorrer justamente porque estejam desacostumados a pensar e
falar sobre a morte. Entendemos que pensarmos diariamente sobre a inexorável
lei da desencarnação podem nos tornar mais sóbrios diante dos desafios do
dia-a-dia. Reconhecemos além disso que o viver tentando ocultar na consciência
a futura desencarnação demonstra uma evidente pusilanimidade diante dos
necessários obstáculos da reencarnação.
O problema do medo da morte é
que ele pode impedir que tenhamos liberdade e prazer de viver. Daí o conforto
que a Doutrina Espírita nos traz, ao instruir sobre a vida do espírito aqui e
no além. Somos espíritos eternos, nossa vida não principia nem termina em uma
única existência. Da mesma forma, as legítimas afeições são para sempre. As
afeições não morrem com a desintegração do corpo físico. Os sentimentos não
pertencem ao corpo, mas ao espírito e os transportamos conosco. A morte apenas
dilata as concepções e nos aclara a introspecção, iluminando-nos o senso moral,
sem resolver, obviamente, de maneira absoluta, os problemas que o Universo nos
propõe a cada passo, com os seus espetáculos de grandeza.
A desencarnação é a única regra
para a qual não há exceção. Todos pereceremos, portanto não há como iludirmos o
pensamento tentando camuflar esse impositivo da natureza. Em face disso,
permitamos que o pensamento sobre a “morte” componha de forma ininterrupta e
serena nossos estados mentais, reflexão sem a qual estaremos desaparelhados
para a desencarnação ou até despreparados para enfrentarmos com resignação a “morte”
dos nossos entes queridos.
A “morte” física não é o
extermínio das aspirações e anseios no bem, porém o ingresso para a existência
autêntica, para a vida real. Sim! A existência física é ilusória, fugaz,
transitória demais. A separação do corpo pela “morte” não é uma anomalia da
natureza. Simplesmente transfere-se da dimensão física, para o ambiente
espiritual. Todavia, efetivamente, importa refletir que “morrer” (término da
vida biológica) e desencarnar (desligamento do perispírito) são fenômenos que nem
sempre acontecem simultaneamente. Os intervalos de tempo para desligar-se do
corpo variam para cada Espírito. Para uns podem ser mais demorados, para outros
podem ser passagens ligeiras.
Nossas ações tecem asas de
libertação ou grilhetas de cativeiro, para a nossa vitória ou nossa perda. A
maior surpresa da morte física é a de nos colocar face a face com própria
consciência, onde edificamos o céu, estacionamos no purgatório ou nos
precipitamos no abismo infernal, nesse sentido a ninguém devemos o destino
senão a nós próprios.
O intervalo de tempo entre a
“morte” biológica e a desencarnação tem relação direta com os pensamentos e
ações praticados enquanto encarnado. Ninguém topará com o “céu” ou o “inferno”
do lado de “lá”, porquanto o “empíreo” e a “geena” são conteúdos mentais
construídos aqui no plano físico. Após o fenômeno da desencarnação cada
Espírito irá deparar com o cárcere ou a liberdade de consciência a que faz
merecer como fruto do desleixo ou disciplina mental que cultivou durante a
experiência física.
São indescritíveis flagelações
no além, que vão da inconsciência descontínua à loucura completa, senhoreiam as
mentes torturadas, por tempo variável, conforme as atenuantes e agravantes da
culpa, induzindo as autoridades superiores a interna-las no plano físico
(reencarnação), quais enfermos graves, em celas físicas de breve duração, para
que se reabilitem, gradativamente, com a justa cooperação dos Espíritos
reencarnados, cujos débitos com eles se afinem. Os endividados que se afundaram
nos excessos, nas viciações, nos prazeres mundanos, cunham intensas impressões
e vínculos magnéticos na matéria, e unicamente alcançarão a liberação desses
laços após um intervalo de tempo muito longo. Lembrando que mesmo após a
ruptura dos embaraços magnéticos, que o algemavam à vida física, padecerá no
além, por tempo indefinido, os tormentos disseminados nas vias de suas
experiências no mal (eis aí a símbolo do inferno).
Já os que vivem com mais
dedicação às coisas do Espírito, esses encontram maiores elementos de paz e
felicidade no futuro. Todos os que alcançaram aproveitar a encarnação, sem
viciações e apegos, os que cumpriram a lei de amor, tornam-se menos densos os
laços magnéticos que prendem o Espírito ao corpo. Nesse caso, a desencarnação
será rápida, proporcionando adequada liberdade, até mesmo antes de sua
consumação. Para os que sofreram mais, em razão da sua renúncia aos apelos da
vida mundana, a morte é um remanso de tranquilidade e de esperança. Encontrarão
no além a paz ambicionada nos seus dias de lágrimas torturantes (eis aí a
metáfora do céu).
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