ORSON PETER CARRARA - orsonpeter92@gmail.com
- Matão, SP (Brasil)
Sobre as diferentes aptidões dos
seres humanos, os Espíritos foram claros na Codificação. À indagação de Allan
Kardec sobre as razões das desigualdades dessas aptidões, eles responderam que “Deus criou todos os Espíritos iguais, mas
cada um deles tem maior ou menor vivência e, por conseguinte, maior ou menor
experiência. A diferença está no grau da sua experiência e da sua vontade, que
é o livre-arbítrio: daí, uns se aperfeiçoam mais rapidamente e isso lhes dá
aptidões diversas. A variedade das aptidões é necessária, a fim de que cada um
possa concorrer aos objetivos da Providência no limite do desenvolvimento de
suas forças físicas e intelectuais: o que um não faz, outro faz. É assim que
cada um tem um papel útil (...)” [2].
Ora, a resposta acima enseja vários
desdobramentos. A própria indicação de maior ou menor vivência, de menos ou
mais experiência, que naturalmente vai determinar o grau de vontade e
liberdade, abre imensos espaços de atuação material e moral. Sim, porque cada
um de nós só poderá agir com desenvoltura na área que conhece, em que tem
experiência, que domina por vivência anterior, não necessariamente de
existência passada.
Isso também leva a refletir que
não se está impedido de iniciar campo novo de atuação, cuja constância e
perseverança também levará a novas experiências e acúmulo de outras vivências,
igualmente úteis em todo o processo evolutivo.
Na mesma resposta igualmente há
a indicação do aperfeiçoamento mais rápido (que gera novas e constantes
aptidões, nas diversas áreas) ou mais lento, a depender do esforço despendido e
da movimentação da vontade nesse objetivo.
O que causa os conflitos
Porém, os Espíritos são muito
claros. Como ensinam, “a variedade das aptidões é necessária”. Cada um trará
sua cota de contribuição, cada experiência será utilizada, cada força física ou
intelectual concorrerá para o bem coletivo e todos têm um papel a desempenhar,
sempre útil no conjunto geral, sempre bem de acordo com a Vontade Divina, útil
e sábia.
O interessante, porém, é que nem
sempre as diferenças – que devem concorrer para um objetivo útil, como bem
indicado em O Livro dos Espíritos 2
– conseguem estabelecer elos de harmonia. Muitas vezes as diferenças
individuais são causadoras de conflitos, fruto, é óbvio, da influência do
orgulho e do egoísmo que ainda dominam a condição humana.
Allan Kardec, porém, traz a
lucidez de seu pensamento em duas colocações – entre tantas no mesmo sentido –
que transcrevemos parcialmente aos leitores:
a) “Se um grupo quer estar em condições de ordem, de tranquilidade e de
estabilidade, é preciso que nele reine um sentimento fraternal. Todo grupo ou
sociedade que se forma sem ter a caridade efetiva por base não tem vitalidade;
ao passo que aqueles que serão fundados segundo o verdadeiro espírito da
Doutrina se olharão como membros de uma mesma família, que, não podendo todos
habitar sob o mesmo teto, moram em lugares diferentes.”
A observação está dirigida aos
grupos espíritas (em resposta a requerimento dos espíritas de Lyon, por ocasião
do Ano Novo) e consta da Revista Espírita de fevereiro de 1862 [3],
mas vale para qualquer grupamento. Onde há o sentimento de tolerância e
benevolência estarão presentes a ordem, a tranquilidade, a estabilidade.
A fraternidade e sua
importância
Da mesma forma, no exemplar de dezembro
de 1868 3, página 392, na Constituição Transitória do Espiritismo
(item IX – Conclusão), Kardec volta a afirmar:
b) “(...) mas pretender que o Espiritismo seja por toda a parte organizado
da mesma maneira; que os espíritas do mundo inteiro estejam sujeitos a um
regime uniforme, a uma mesma maneira de proceder, que devam esperar a luz de um
ponto fixo para o qual deverão fixar seus olhares, seria uma utopia tão absurda
quanto pretender que todos os povos da Terra não formem um dia senão uma única nação,
governada por um único chefe, regida pelo mesmo código de leis, e sujeitos aos
mesmos usos. Se há leis gerais que podem ser comuns a todos os povos, essas
leis serão sempre, nos detalhes, na aplicação e na forma, apropriadas aos
costumes, aos caracteres, aos climas de cada um. Assim o será com o Espiritismo organizado. Os espíritas do mundo
inteiro terão princípios comuns que os ligarão à grande família pelo laço
sagrado da fraternidade, mas cuja aplicação poderá variar segundo as regiões,
sem, por isto, que a unidade fundamental seja rompida, sem formar seitas
dissidentes se atirando pedras e o anátema, o que seria antiespírita (...)”.
Ora, é essa a questão das
diferenças nos relacionamentos, na convivência. Há diferenças, óbvio, até por
questão de entendimento nos diferentes estágios em que também nos encontramos,
os adeptos do Espiritismo. Isto, todavia, não elimina a fraternidade que deve
reinar para construção da paz no planeta e na intimidade individual.
Sem fraternidade, que vemos?
“(...) A fraternidade pura é um perfume do Alto, é uma emanação do
infinito, um átomo da inteligência celeste; é a base das instituições morais, e
o único meio de elevar um estado social que possa subsistir e produzir efeitos
dignos da grande causa pela qual combateis. Sede, pois, irmãos, se quiserdes
que o germe depositado entre vós se desenvolva e se torne a árvore que
procurais. A união é a força soberana que desce sobre a Terra; a fraternidade é
a simpatia na união. (...) É preciso estardes unidos para serdes fortes, e é
preciso ser forte para fundar uma instituição que não repouse senão sobre a
verdade tomada tão tocante e tão admirável, tão simples e tão sublime. Forças
divididas se aniquilam; reunidas elas são tantas vezes mais fortes. (...)”.
E conclui com sabedoria:
“(...) Sem a fraternidade, que vedes? O egoísmo, a ambição. Cada um em
seu objetivo; cada um persegue-o de seu lado; cada um caminha à sua maneira, e
todos são fatalmente arrastados no abismo onde são tragados, depois de tantos
séculos, todos os esforços humanos. Com a união, não há mais que um único alvo,
porque não há mais do que um único pensamento, um único desejo, um único
coração. Uni-vos, pois, meus amigos; é o que vos repete a voz incessante de
nosso mundo; uni-vos, e chegareis bem mais depressa ao vosso alvo (...)”.
O que um não faz,
outro faz
E qual seria o alvo, para nós
que professamos o Espiritismo?
Permitimo-nos reproduzir a
clareza da resposta com que iniciamos o presente comentário: “A variedade das aptidões é necessária, a fim
de que cada um possa concorrer aos objetivos da Providência no limite do
desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais: o que um não faz, outro
faz. É assim que, cada um tem um papel útil (...) “2.
Concentremos atenção no final da
frase: o que um não faz, outro faz. É
assim que cada um tem um papel útil (...).
Compreendendo este
esclarecimento vital, desaparecem as diferenças e a convivência toma seu
verdadeiro rumo: o da fraternidade. (Os destaques são nossos)
[2] Questão 804 de O
Livro dos Espíritos, 8ª edição IDE-Araras-SP, out/79, tradução de Salvador
Gentile.
[3] Edição IDE-Araras-SP, nov./92, tradução Salvador
Gentile.
[4] Mensagem obtida em reunião presidida por Allan Kardec,
ditada pelo Espírito Léon de Muriane, e publicada na edição de novembro de 1862
da Revista Espírita (edição IDE-Araras-SP, tradução Salvador Gentile, páginas
345 e 346).
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