quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Diferenças e convivência[1]


 
ORSON PETER CARRARA -  orsonpeter92@gmail.com -  Matão, SP (Brasil)


Sobre as diferentes aptidões dos seres humanos, os Espíritos foram claros na Codificação. À indagação de Allan Kardec sobre as razões das desigualdades dessas aptidões, eles responderam que “Deus criou todos os Espíritos iguais, mas cada um deles tem maior ou menor vivência e, por conseguinte, maior ou menor experiência. A diferença está no grau da sua experiência e da sua vontade, que é o livre-arbítrio: daí, uns se aperfeiçoam mais rapidamente e isso lhes dá aptidões diversas. A variedade das aptidões é necessária, a fim de que cada um possa concorrer aos objetivos da Providência no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais: o que um não faz, outro faz. É assim que cada um tem um papel útil (...)” [2].

Ora, a resposta acima enseja vários desdobramentos. A própria indicação de maior ou menor vivência, de menos ou mais experiência, que naturalmente vai determinar o grau de vontade e liberdade, abre imensos espaços de atuação material e moral. Sim, porque cada um de nós só poderá agir com desenvoltura na área que conhece, em que tem experiência, que domina por vivência anterior, não necessariamente de existência passada.

Isso também leva a refletir que não se está impedido de iniciar campo novo de atuação, cuja constância e perseverança também levará a novas experiências e acúmulo de outras vivências, igualmente úteis em todo o processo evolutivo.

Na mesma resposta igualmente há a indicação do aperfeiçoamento mais rápido (que gera novas e constantes aptidões, nas diversas áreas) ou mais lento, a depender do esforço despendido e da movimentação da vontade nesse objetivo.


 O que causa os conflitos

Porém, os Espíritos são muito claros. Como ensinam, “a variedade das aptidões é necessária”. Cada um trará sua cota de contribuição, cada experiência será utilizada, cada força física ou intelectual concorrerá para o bem coletivo e todos têm um papel a desempenhar, sempre útil no conjunto geral, sempre bem de acordo com a Vontade Divina, útil e sábia.

O interessante, porém, é que nem sempre as diferenças – que devem concorrer para um objetivo útil, como bem indicado em O Livro dos Espíritos 2 – conseguem estabelecer elos de harmonia. Muitas vezes as diferenças individuais são causadoras de conflitos, fruto, é óbvio, da influência do orgulho e do egoísmo que ainda dominam a condição humana.

Allan Kardec, porém, traz a lucidez de seu pensamento em duas colocações – entre tantas no mesmo sentido – que transcrevemos parcialmente aos leitores:

a) “Se um grupo quer estar em condições de ordem, de tranquilidade e de estabilidade, é preciso que nele reine um sentimento fraternal. Todo grupo ou sociedade que se forma sem ter a caridade efetiva por base não tem vitalidade; ao passo que aqueles que serão fundados segundo o verdadeiro espírito da Doutrina se olharão como membros de uma mesma família, que, não podendo todos habitar sob o mesmo teto, moram em lugares diferentes.”

A observação está dirigida aos grupos espíritas (em resposta a requerimento dos espíritas de Lyon, por ocasião do Ano Novo) e consta da Revista Espírita de fevereiro de 1862 [3], mas vale para qualquer grupamento. Onde há o sentimento de tolerância e benevolência estarão presentes a ordem, a tranquilidade, a estabilidade.


A fraternidade e sua importância

Da mesma forma, no exemplar de dezembro de 1868 3, página 392, na Constituição Transitória do Espiritismo (item IX – Conclusão), Kardec volta a afirmar:

b) “(...) mas pretender que o Espiritismo seja por toda a parte organizado da mesma maneira; que os espíritas do mundo inteiro estejam sujeitos a um regime uniforme, a uma mesma maneira de proceder, que devam esperar a luz de um ponto fixo para o qual deverão fixar seus olhares, seria uma utopia tão absurda quanto pretender que todos os povos da Terra não formem um dia senão uma única nação, governada por um único chefe, regida pelo mesmo código de leis, e sujeitos aos mesmos usos. Se há leis gerais que podem ser comuns a todos os povos, essas leis serão sempre, nos detalhes, na aplicação e na forma, apropriadas aos costumes, aos caracteres, aos climas de cada um. Assim o será com o Espiritismo organizado. Os espíritas do mundo inteiro terão princípios comuns que os ligarão à grande família pelo laço sagrado da fraternidade, mas cuja aplicação poderá variar segundo as regiões, sem, por isto, que a unidade fundamental seja rompida, sem formar seitas dissidentes se atirando pedras e o anátema, o que seria antiespírita (...)”.

Ora, é essa a questão das diferenças nos relacionamentos, na convivência. Há diferenças, óbvio, até por questão de entendimento nos diferentes estágios em que também nos encontramos, os adeptos do Espiritismo. Isto, todavia, não elimina a fraternidade que deve reinar para construção da paz no planeta e na intimidade individual.


 Sem fraternidade, que vemos?

Bem a propósito, como destaca a mensagem Fundamentos da ordem social[4]:

“(...) A fraternidade pura é um perfume do Alto, é uma emanação do infinito, um átomo da inteligência celeste; é a base das instituições morais, e o único meio de elevar um estado social que possa subsistir e produzir efeitos dignos da grande causa pela qual combateis. Sede, pois, irmãos, se quiserdes que o germe depositado entre vós se desenvolva e se torne a árvore que procurais. A união é a força soberana que desce sobre a Terra; a fraternidade é a simpatia na união. (...) É preciso estardes unidos para serdes fortes, e é preciso ser forte para fundar uma instituição que não repouse senão sobre a verdade tomada tão tocante e tão admirável, tão simples e tão sublime. Forças divididas se aniquilam; reunidas elas são tantas vezes mais fortes. (...)”.


E conclui com sabedoria:

“(...) Sem a fraternidade, que vedes? O egoísmo, a ambição. Cada um em seu objetivo; cada um persegue-o de seu lado; cada um caminha à sua maneira, e todos são fatalmente arrastados no abismo onde são tragados, depois de tantos séculos, todos os esforços humanos. Com a união, não há mais que um único alvo, porque não há mais do que um único pensamento, um único desejo, um único coração. Uni-vos, pois, meus amigos; é o que vos repete a voz incessante de nosso mundo; uni-vos, e chegareis bem mais depressa ao vosso alvo (...)”.

O que um não faz, outro faz           

E qual seria o alvo, para nós que professamos o Espiritismo?

Permitimo-nos reproduzir a clareza da resposta com que iniciamos o presente comentário: “A variedade das aptidões é necessária, a fim de que cada um possa concorrer aos objetivos da Providência no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais: o que um não faz, outro faz. É assim que, cada um tem um papel útil (...) “2.

Concentremos atenção no final da frase: o que um não faz, outro faz. É assim que cada um tem um papel útil (...).

Compreendendo este esclarecimento vital, desaparecem as diferenças e a convivência toma seu verdadeiro rumo: o da fraternidade.   (Os destaques são nossos)



[2] Questão 804 de O Livro dos Espíritos, 8ª edição IDE-Araras-SP, out/79, tradução de Salvador Gentile.
[3] Edição IDE-Araras-SP, nov./92, tradução Salvador Gentile.
[4] Mensagem obtida em reunião presidida por Allan Kardec, ditada pelo Espírito Léon de Muriane, e publicada na edição de novembro de 1862 da Revista Espírita (edição IDE-Araras-SP, tradução Salvador Gentile, páginas 345 e 346).

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