Sendoa Ballesteros Peña[2] ‒ 12 novembro 2020
O fato de a fantasia de
morto-vivo ser uma das mais recorrentes na noite de Halloween, véspera do Dia
de Todos os Santos, não é por acaso. A possibilidade de os mortos voltarem à
vida tirou o sono dos humanos desde a época medieval até o início do século 19.
Lendas sobre "mortos-vivos" surgiram na Europa do século XI, embora o
mito, provavelmente, seja bem anterior.
A arqueologia revelou
testemunhos de rituais funerários grotescos, como enterros com o rosto para
baixo ou foices colocadas sobre a garganta de mortos para evitar que
ressuscitassem no túmulo.
No entanto, a partir do século
19, generalizou-se um novo medo, estimulado pela literatura romântica sombria
da época: o de ser enterrado vivo. Pouco depois de 1800, começou a ser vendido
o primeiro caixão de segurança. Este dispositivo permitia o acionamento de uma
campainha localizada fora da própria sepultura, para o caso de o suposto
falecido ter "acordado". Até meados do século 20, pelo menos 22
patentes desse dispositivo foram contabilizadas nos Estados Unidos, embora não
haja registro ou testemunho de que ele tenha sido usado por uma pessoa
declarada morta por engano.
É possível declarar
morta uma pessoa viva?
Ao longo da história, a forma de
diagnosticar a morte de uma pessoa sofreu variações. Durante séculos, foi
aceito que a ausência de respiração, pulso, batimento cardíaco e reação a
estímulos eram sinais inequívocos de morte. No entanto, esses critérios nem
sempre eram determinados por um médico qualificado e não seria de estranhar se
houvesse desconfiança no diagnóstico.
Nessas circunstâncias, e para
evitar o erro de enterrar alguém que estivesse vivo, nasceu a tradição do
velório, cuja duração varia, dependendo das culturas, de um a três dias. Na
verdade, na Espanha, até 2011 era necessário esperar 24 horas antes de proceder
ao sepultamento de um corpo. Hoje, a ciência e a tecnologia estão avançadas o
suficiente para não permitir erros dessa natureza. Embora, às vezes, a imprensa
ecoe eventos quase inverossímeis de "ressuscitações".
Caberia pensar que tal afirmação
corresponde ao mundo da lenda ou do cinema. Mas quando, na última década, esta
pergunta foi feita a uma amostra de profissionais de saúde, 45% dos médicos de
emergência na França, 37% dos intensivistas canadenses e 37% dos holandeses responderam
que, durante suas carreiras, haviam testemunhado pelo menos um caso de
autorressuscitação de um paciente na ausência de manobras de reanimação
cardiopulmonar.
Paralelamente, a literatura
científica tem casos documentados de pacientes que recuperaram os sinais vitais
após a interrupção das manobras de reanimação cardiopulmonar ou na ausência
delas. É um estranho acontecimento denominado "fenômeno de Lázaro",
alusivo à conhecida passagem bíblica.
Desde 1984, há evidências de que
o fenômeno de Lázaro afetou pelo menos 63 pacientes clinicamente mortos, tanto
em idade adulta quanto pediátrica. O tempo desde a suspensão das manobras de
reanimação até a recuperação espontânea dos sinais vitais variou de alguns
segundos a três horas e meia. E 35% dos "ressuscitados" sobreviveram
até a alta hospitalar e, na maioria das vezes, sem sequelas neurológicas.
No entanto, tendo em vista a
alta proporção de médicos que afirmam ter testemunhado uma ressuscitação e a
modesta descrição de casos em revistas especializadas, parece haver alguma
subdocumentação de "fenômenos de Lázaro". Essa falta de informação
pode ser devida a temores dos médicos em face das consequências médico-legais,
descrédito profissional ou mesmo a descrença do pessoal de saúde em suas observações.
Ao contrário da literatura biomédica, textos jornalísticos trazem regularmente
reportagens que relatam fatos compatíveis com o fenômeno de Lázaro.
Por que o fenômeno de
Lázaro ocorre?
Embora não se duvide da
existência de processos de autorressuscitação, atualmente não se sabe por quais
mecanismos fisiopatológicos ocorrem os fenômenos de Lázaro.
Várias hipóteses plausíveis para
o fenômeno foram consideradas, embora, sozinhas, não tenham conseguido explicar
todos os casos documentados.
Uma delas tem a ver com um
possível efeito retardado de medicamentos usados durante a reanimação, como
adrenalina ou bicarbonato. Outras possíveis explicações para o fenômeno têm
sido relacionadas à presença de marcapassos ativos ou autoperfusão miocárdica
após o descolamento de placas de ateroma nas artérias coronárias.
Mas a hipótese mais razoável
apontaria para a existência de um aumento das pressões intratorácicas
produzidas pela ventilação artificial. Este processo pode desencadear uma
diminuição da perfusão coronária e a cessação da atividade cardíaca. Ao término
das manobras de reanimação, haveria uma diminuição da pressão intratorácica e,
em seguida, a recuperação espontânea do movimento mecânico do coração.
Seja como for, o fenômeno de
Lázaro desafia a compreensão humana. Uma lenda se transformou em observação
clínica sem uma explicação científica.
Esse artigo foi
publicado originalmente no site The
Conversation e é publicada aqui sob uma licença Creative Commons.
[2] *Sendoa Ballesteros Peña é enfermeiro no serviço de
saúde basco e professor associado da Faculdade de Medicina e Enfermagem da
Universidade do País Basco
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