ALEXANDRE FONTES DA FONSECA[2]
- Campinas, SP (Brasil)
Introdução
O capítulo XXIII de O Livro dos Médiuns[3]
(LM) trata de um tema importante para o movimento espírita, que é a obsessão.
Definida por Kardec, no item 237 do capítulo acima, como “o domínio que alguns Espíritos logram adquirir sobre certas pessoas”,
a obsessão é analisada desde sua forma mais simples (chamada de obsessão
simples) até a situação mais grave em que a vontade daquele que sofre essa
influência se torna fraca demais para evitá-la. A obsessão nunca é praticada
por um bom Espírito, e quando maus Espíritos dominam um indivíduo, “identificam-se com o Espírito deste e o
conduzem como se fora verdadeira criança”. Por essa razão, Kardec considera
que a obsessão é o mais difícil escolho
da prática do Espiritismo. Se de um lado a obsessão é algo com o qual devemos
nos preocupar, de outro, as soluções para evitá-la são bem simples como a que
foi apresentada pelos bons Espíritos no item 252 do LM, ao qual remetemos o
Leitor interessado.
Não é nosso propósito aqui
repetir o conteúdo do referido capítulo do LM a respeito da obsessão. Nosso
objetivo é fazer uma importante observação ao relacionar a forma de obsessão
chamada fascinação, a um
comportamento que vem surgindo no meio espírita, qual seja o de rejeitar ou
rechaçar o conhecimento científico ortodoxo e atual em nome de defender-se
certas ideias, teorias ou práticas espíritas que não são respaldadas pela
Ciência. Veremos, adiante, que Kardec não esteve alheio a esse tipo de problema
e que ele mesmo faz diversas recomendações de como proceder perante novidades
que surgem no meio espírita que parecem deslumbrar pela aparência científica,
mas que não tem, de fato, respaldo da Ciência.
Que é fascinação?
Primeiro, relembremos o conceito
de fascinação.
Diferente da obsessão simples, a fascinação “É
uma ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium
e que, de certa maneira, lhe paralisa o raciocínio, relativamente às
comunicações”. (Kardec, item 239, LM3) Como explica Kardec, o
problema com a fascinação é que o médium não acredita que sofre essa influência
perniciosa, e que “o Espírito tem a arte
de lhe inspirar confiança cega, que o impede de ver o embuste e de compreender
o absurdo do que escreve, ainda quando esse absurdo salte aos olhos de toda
gente. A ilusão pode mesmo ir até ao ponto de o fazer achar sublime a linguagem
mais ridícula”. (idem). Um fator que nos interessa aqui é o comentário de
Kardec de que dessa influência “não se
acham isentos nem os homens de mais
espírito, os mais instruídos e os mais inteligentes sob outros aspectos...” (idem, grifos
meus).
Kardec considera muito graves as
consequências da fascinação porque
podem levar a pessoa a “a aceitar as
doutrinas mais estranhas, as teorias mais falsas, como se fossem a única
expressão da verdade. Ainda mais, pode levá-lo a situações ridículas,
comprometedoras e até perigosas”. (idem)
A tática dos Espíritos que se
prestam à fascinação consiste de se fazer parecer um bom Espírito ao usar
termos como “caridade, humildade, amor de
Deus” que, como diz Kardec, “lhe
servem como que de carta de crédito, porém, através de tudo isso, deixa passar
sinais de inferioridade, que só o fascinado é incapaz de perceber”. (idem,
grifo do original.)
Por temer as pessoas que têm
conhecimento um pouco mais aprofundado, esses Espíritos inspiram “ao seu intérprete o afastamento de quem
quer que lhe possa abrir os olhos”. (idem). Esse último aspecto também é de
nosso maior interesse no tema deste artigo.
Perfil do Espírito
fascinador
No item 246 do capítulo XXIII do
LM, Kardec descreve o perfil de um tipo de Espírito obsessor que, dominado pelo
orgulho, tem a pretensão de transmitir um falso saber. Esse tipo de perfil é
justamente o que gera a fascinação:
além de não terem escrúpulos na utilização de nomes respeitáveis, “Procuram deslumbrar por meio de uma
linguagem empolada, mais pretensiosa do que profunda, eriçada de termos
técnicos e recheada das retumbantes palavras –– caridade e moral”.
(Kardec, item 246, LM[4],
grifos meus.) E mais: “A moral, porém,
para esses Espíritos é simples passaporte, é o que menos os preocupa. O que
querem, acima de tudo, é impor suas ideias por
mais disparatadas que sejam”. (idem, grifos meus.)
Vemos acima que na fascinação, em meio a conceitos e termos
bons, o Espírito enganador faz a sugestão de ideias “disparatadas” através da utilização de “termos técnicos”. Usam de termos respeitados como “caridade e moral” para nos fazerem
pensar que ele, o Espírito comunicante, é bom e que os termos técnicos ou as ideias
disparatadas que eles divulgam seriam avanços no conhecimento. A importância,
portanto, de se fazer passar toda comunicação mediúnica sob o crivo da razão
foi apresentada de modo bem claro por Kardec no item 248 do LM.
É no item 250 do LM que encontramos
um comentário de Kardec que indica a relação entre a fascinação e o respeito à Ciência. Neste item, para ajudar o médium
fascinado, Kardec propõe o esclarecimento dos erros contidos nas ideias do
Espírito obsessor. Ele diz: “A única
coisa a fazer-se com a vítima é convencê-la de que está sendo ludibriada e
reconduzir-lhe a obsessão ao caso da obsessão simples”. (item 250, LM4).
Dificuldade em se
lidar com o médium fascinado
Kardec reconhece a dificuldade
de se conseguir libertar um médium fascinado a tal ponto que ele, muitas vezes,
se torna “surdo a toda sorte de
raciocínio, podendo chegar até, quando o Espírito comete alguma grossa heresia
científica, a pô-lo em dúvida sobre se
não é a ciência que se acha em erro”. (idem, grifos meus). Aqui está o
elo entre a fascinação e o respeito
que devemos ter pelo conhecimento formal da Ciência! Quando, em nome de
acreditar numa ideia, chegamos a ponto de negar o conhecimento bem estabelecido
da Ciência, estamos correndo o risco de estarmos fascinados pela ideia ou seu
autor.
Embora a análise de Kardec,
acima, diga respeito à influência perniciosa de Espíritos desencarnados,
observamos que a situação é idêntica se a fascinação
provier de um encarnado. Quando, em nosso meio espírita, abrimos mão do
exercício da fé raciocinada em nome de defendermos ideias só porque elas são
oriundas de companheiros que respeitamos, abrimos uma brecha à fascinação. Isso acontece principalmente
com conceitos, teorias e práticas que se dizem científicas e que são propostas
ao movimento espírita. A seguir, expomos algumas recomendações importantes de
Kardec.
Na biografia de Kardec incluída
na edição da Federação Espírita Brasileira da obra O Que É o Espiritismo[5]
(QE), em discurso aos espíritas lioneses, Kardec faz importante recomendação a
respeito de Espíritos fascinadores no sentido descrito no LM, isto é, dos que
usam palavras como caridade, fraternidade e humildade, para fazer passar “os mais grosseiros absurdos”.
A recomendação feita
por Kardec
Kardec disse: “É preciso, pois, evitar o deixar-se seduzir pelas aparências, tanto da parte dos
Espíritos, quanto da dos homens;
ora, eu o confesso, aí está uma das maiores dificuldades; (...). Para escapar à cilada, é preciso, antes de
tudo, fugir ao entusiasmo que cega,
ao orgulho que leva certos médiuns a
acreditarem-se os únicos intérpretes da verdade; é preciso que tudo seja friamente examinado, maduramente
pesado, confrontado, e, se desconfiamos do próprio julgamento, o que é
muitas vezes mais prudente, é preciso
recorrer a outras pessoas (...)”. (grifos em negrito e sublinhado,
meus.) Isto é, Kardec recomenda um exame muito criterioso de todas as ideias e
novidades, sejam elas oriundas de Espíritos desencarnados, “quanto da dos homens” como sublinhamos acima, isto é, sejam elas
oriundas de irmãos nossos encarnados.
Na Revista Espírita (RE) de Julho de 1868[6]
, Kardec recomenda: “Pelo fato de o
Espiritismo assimilar todas as ideias progressistas, não se
segue que se faça campeão cego de todas as concepções novas, por mais
sedutoras que sejam à primeira vista, com o risco de receber, mais tarde, um
desmentido da experiência e de se expor ao ridículo de haver patrocinado uma obra inviável”.
(grifos em negrito, meus.) Aqui vemos o cuidado de Kardec com relação às
novidades, e que não é porque o Espiritismo é uma doutrina progressista, que
aceitará, sem critério, qualquer ideia nova, qualquer ideia ou teoria que
apenas parece fazer sentido. Kardec se preocupou com a exposição do Espiritismo
e do movimento espírita ao ridículo de se divulgar ideias que parecem boas, “sedutoras à primeira vista” como ele
disse, mas que não têm base científica.
Nisso, quando uma ideia nova
baseada em conceitos da Ciência surge no meio espírita, além do bom senso, o
critério de validade das respectivas áreas da Ciência deve ser adotado na
análise da ideia. Se não sabemos analisar essas ideias com conhecimento
profundo dessas ciências, é bom que consultemos mais de um especialista. Isso
significa que “tudo seja friamente
examinado, maduramente pesado, confrontado” como disse Kardec em QE.
É preciso cuidado com
as novidades
Evitar dar publicidade a uma
novidade em nome do Espiritismo é uma forma de cuidar para que o Espiritismo
não corra o risco de “se expor ao
ridículo” de haver incentivado uma ideia inviável. Nisso, o rigor
científico tem um papel fundamental para avaliar a ideia nova que use conceitos
científicos, e ela só deve ser divulgada em nome do Espiritismo quando a
Ciência, de fato, a aprovar e comprovar. Isso é exatamente o que Kardec diz na
referência da RE de Julho de 1868: “Eis
por que não aceita imediatamente as ideias
novas, mesmo as que lhe pareçam justas, senão sob muita reserva, e de maneira definitiva apenas quando
chegaram ao estado de verdades reconhecidas”. (grifos em negrito meus.)
Eis a recomendação sábia e
prudente de Kardec com relação às novidades, mormente àquelas que envolvem
conceitos da Ciência.
Há no movimento espírita um
pouco de entusiasmo na adoção de teorias, práticas e ideias que parecem ser
científicas, mas não o são de fato. Reconhecemos publicamente a boa intenção
daqueles que propõem essas ideias, teorias e práticas, mas a recomendação de
Kardec é bem clara: que busquemos analisar de modo que “tudo seja friamente examinado, maduramente pesado, confrontado”.
Exemplos de análises de algumas teorias antigas e recentes são dados nas
referências[7] [8]
[9]
[10].
Incluem-se aqui temas que embora sejam sérios e de interesse científico, não
são da alçada do Espiritismo como, por exemplo, práticas alternativas de
medicina, tratamento e cura; o estudo de objetos voadores não identificados; e
doutrinas outras que utilizam conceitos científicos como os da Física
Quântica.
A prudência é sempre
louvável
Assim, convidamos o Leitor a
observar como tem enxergado as objeções científicas que podem ser feitas com
relação a ideias espiritualistas que “parecem
justas” mas que não são capazes de “encarar
a razão face a face” da Ciência na atualidade. Será que estamos agindo como
o médium fascinado que põe “em dúvida
sobre se não é a ciência que se acha em erro” (item 250, LM[11]?
Não nos consideramos donos da
Verdade, mas é por isso mesmo que a Doutrina Espírita nos convida ao exercício
da fé raciocinada. Vivemos num momento de avanço científico e tecnológico, onde
a qualidade na divulgação do Espiritismo não pode sofrer com um tipo de “zelo mais ardente do que refletido” (Kardec, Revista Espírita, Julho 1860[12]).
Um zelo ardente é aquele que pensa
estar ajudando por entusiasmo, mas que, por não ser refletido,
pode se enganar e comprometer o ideal que se deseja defender e divulgar.
Para quem pensa que, talvez,
isso seja um excesso, e que essa postura cuidadosa seja prejudicial ao
progresso do Espiritismo, vejamos novamente o pensamento de Kardec com relação
à divulgação de novidades: “O excesso em
tudo é prejudicial, mas, em semelhante caso,
vale mais pecar por excesso de
prudência do que por excesso de confiança”. (Capítulo “Impressões
Gerais”, Viagem Espírita em 1862 [13],
grifos em negrito, meus.) Por fim, essa postura reflete simplesmente uma das
mais sábias recomendações d´O Evangelho
segundo o Espiritismo (ESE): “Fé
inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da
Humanidade”. (Kardec, item 7 do cap. XIX de ESE[14])
[6] A. Kardec, “A Geração Espontânea e A Gênese”, Revista Espírita, Jornal de
Estudos Psicológicos, Julho, p. 285 (1868) Editora FEB.
[7] A. F. da Fonseca, “Análise da Teoria Corpuscular do
Espírito”. Publicados nos links seguintes:
http://eradoespirito.blogspot.com.br/2012/12/13-analise-de-teoria-corpuscular-do.html http://eradoespirito.blogspot.com.br/2012/12/23-analise-de-teoria-corpuscular-do.html http://eradoespirito.blogspot.com.br/2013/01/33-analise-de-teoria-corpuscular-do.html
[8] A. F. da Fonseca, “Análise Científica da Teoria da
Apometria”, FidelidadESPÍRITA 118, p. 9
(2013). Link para obter uma cópia autorizada deste exemplar da revista: http://nossolarcampinas.org.br/site/wp-content/uploads/2015/02/Apometria.pdf
[9] A. F. da Fonseca, “O que a física quântica tem a ver
com o espiritismo? (versão ampliada)”, Correio Fraterno, link: http://correiofraterno.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1279:o-que-a-fisica-quantica-tem-a-ver-com-o-espiritismo-versao-ampliada&catid=14:entrevista&Itemid=2
[10] A. F. da Fonseca, “Uma análise científica de algumas
afirmações de A Grande Síntese”, Jornal de Estudos Espíritas 2, 010203 (2014).
Acesso gratuito através do link: https://sites.google.com/site/jeespiritas/volumes/volume-2---2014/resumo---art-n-010203
[11] A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Editora FEB, 71a
edição, Rio de Janeiro (2003)
[12] A. Kardec, “Observação Geral, após Exame Crítico das
várias Comunicações Espontâneas do Espírito Charlet, na Sociedade de Paris”,
Revista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos, Julho, p. 325 (1860) Editora
FEB.
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