segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Fascinação e o respeito à Ciência na atualidade[1]


 ALEXANDRE FONTES DA FONSECA[2] - Campinas, SP (Brasil)

Introdução 
O capítulo XXIII de O Livro dos Médiuns[3] (LM) trata de um tema importante para o movimento espírita, que é a obsessão. Definida por Kardec, no item 237 do capítulo acima, como “o domínio que alguns Espíritos logram adquirir sobre certas pessoas”, a obsessão é analisada desde sua forma mais simples (chamada de obsessão simples) até a situação mais grave em que a vontade daquele que sofre essa influência se torna fraca demais para evitá-la. A obsessão nunca é praticada por um bom Espírito, e quando maus Espíritos dominam um indivíduo, “identificam-se com o Espírito deste e o conduzem como se fora verdadeira criança”. Por essa razão, Kardec considera que a obsessão é o mais difícil  escolho da prática do Espiritismo. Se de um lado a obsessão é algo com o qual devemos nos preocupar, de outro, as soluções para evitá-la são bem simples como a que foi apresentada pelos bons Espíritos no item 252 do LM, ao qual remetemos o Leitor interessado.
Não é nosso propósito aqui repetir o conteúdo do referido capítulo do LM a respeito da obsessão. Nosso objetivo é fazer uma importante observação ao relacionar a forma de obsessão chamada fascinação, a um comportamento que vem surgindo no meio espírita, qual seja o de rejeitar ou rechaçar o conhecimento científico ortodoxo e atual em nome de defender-se certas ideias, teorias ou práticas espíritas que não são respaldadas pela Ciência. Veremos, adiante, que Kardec não esteve alheio a esse tipo de problema e que ele mesmo faz diversas recomendações de como proceder perante novidades que surgem no meio espírita que parecem deslumbrar pela aparência científica, mas que não tem, de fato, respaldo da Ciência. 

Que é fascinação?
Primeiro, relembremos o conceito de  fascinação. Diferente da obsessão simples, a fascinação “É uma ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium e que, de certa maneira, lhe paralisa o raciocínio, relativamente às comunicações”. (Kardec, item 239, LM3) Como explica Kardec, o problema com a fascinação é que o médium não acredita que sofre essa influência perniciosa, e que “o Espírito tem a arte de lhe inspirar confiança cega, que o impede de ver o embuste e de compreender o absurdo do que escreve, ainda quando esse absurdo salte aos olhos de toda gente. A ilusão pode mesmo ir até ao ponto de o fazer achar sublime a linguagem mais ridícula”. (idem). Um fator que nos interessa aqui é o comentário de Kardec de que dessa influência “não se acham isentos nem os homens de mais espírito, os mais instruídos e os mais inteligentes  sob outros aspectos...” (idem, grifos meus).
Kardec considera muito graves as consequências da fascinação porque podem levar a pessoa a “a aceitar as doutrinas mais estranhas, as teorias mais falsas, como se fossem a única expressão da verdade. Ainda mais, pode levá-lo a situações ridículas, comprometedoras e até perigosas”. (idem)
A tática dos Espíritos que se prestam à fascinação consiste de se fazer parecer um bom Espírito ao usar termos como “caridade, humildade, amor de Deus” que, como diz Kardec, “lhe servem como que de carta de crédito, porém, através de tudo isso, deixa passar sinais de inferioridade, que só o fascinado é incapaz de perceber”. (idem, grifo do original.)
Por temer as pessoas que têm conhecimento um pouco mais aprofundado, esses Espíritos inspiram “ao seu intérprete o afastamento de quem quer que lhe possa abrir os olhos”. (idem). Esse último aspecto também é de nosso maior interesse no tema deste artigo. 

Perfil do Espírito fascinador
No item 246 do capítulo XXIII do LM, Kardec descreve o perfil de um tipo de Espírito obsessor que, dominado pelo orgulho, tem a pretensão de transmitir um falso saber. Esse tipo de perfil é justamente o que gera a fascinação: além de não terem escrúpulos na utilização de nomes respeitáveis, “Procuram deslumbrar por meio de uma linguagem empolada, mais pretensiosa do que profunda, eriçada de  termos técnicos e recheada das retumbantes palavras –– caridade e moral”. (Kardec, item 246, LM[4], grifos meus.) E mais: “A moral, porém, para esses Espíritos é simples passaporte, é o que menos os preocupa. O que querem, acima de tudo, é impor suas ideias por mais disparatadas que sejam. (idem, grifos meus.) 
Vemos acima que na fascinação, em meio a conceitos e termos bons, o Espírito enganador faz a sugestão de ideias “disparatadas” através da utilização de “termos técnicos”. Usam de termos respeitados como “caridade e moral” para nos fazerem pensar que ele, o Espírito comunicante, é bom e que os termos técnicos ou as ideias disparatadas que eles divulgam seriam avanços no conhecimento. A importância, portanto, de se fazer passar toda comunicação mediúnica sob o crivo da razão foi apresentada de modo bem claro por Kardec no item 248 do LM.
É no item 250 do LM que encontramos um comentário de Kardec que indica a relação entre a fascinação e o respeito à Ciência. Neste item, para ajudar o médium fascinado, Kardec propõe o esclarecimento dos erros contidos nas ideias do Espírito obsessor. Ele diz: “A única coisa a fazer-se com a vítima é convencê-la de que está sendo ludibriada e reconduzir-lhe a obsessão ao caso da obsessão simples”. (item 250, LM4). 

Dificuldade em se lidar com o médium fascinado
Kardec reconhece a dificuldade de se conseguir libertar um médium fascinado a tal ponto que ele, muitas vezes, se torna “surdo a toda sorte de raciocínio, podendo chegar até, quando o Espírito comete alguma grossa heresia científica, a pô-lo em dúvida sobre se não é a ciência que se acha em erro. (idem, grifos meus). Aqui está o elo entre a fascinação e o respeito que devemos ter pelo conhecimento formal da Ciência! Quando, em nome de acreditar numa ideia, chegamos a ponto de negar o conhecimento bem estabelecido da Ciência, estamos correndo o risco de estarmos fascinados pela ideia ou seu autor.
Embora a análise de Kardec, acima, diga respeito à influência perniciosa de Espíritos desencarnados, observamos que a situação é idêntica se a fascinação provier de um encarnado. Quando, em nosso meio espírita, abrimos mão do exercício da fé raciocinada em nome de defendermos ideias só porque elas são oriundas de companheiros que respeitamos, abrimos uma brecha à fascinação. Isso acontece principalmente com conceitos, teorias e práticas que se dizem científicas e que são propostas ao movimento espírita. A seguir, expomos algumas recomendações importantes de Kardec.
Na biografia de Kardec incluída na edição da Federação Espírita Brasileira da obra O Que É o Espiritismo[5] (QE), em discurso aos espíritas lioneses, Kardec faz importante recomendação a respeito de Espíritos fascinadores no sentido descrito no LM, isto é, dos que usam palavras como caridade,  fraternidade e  humildade, para fazer passar “os mais grosseiros absurdos”

A recomendação feita por Kardec
Kardec disse: “É preciso, pois, evitar o deixar-se seduzir pelas aparências, tanto da parte dos Espíritos, quanto da dos homens; ora, eu o confesso, aí está uma das maiores dificuldades; (...). Para escapar à cilada, é preciso, antes de tudo, fugir ao entusiasmo que cega, ao orgulho que leva certos médiuns a acreditarem-se os únicos intérpretes da verdade; é preciso que tudo seja friamente examinado, maduramente pesado, confrontado, e, se desconfiamos do próprio julgamento, o que é muitas vezes mais prudente, é preciso recorrer a outras pessoas (...)”. (grifos em negrito e sublinhado, meus.) Isto é, Kardec recomenda um exame muito criterioso de todas as ideias e novidades, sejam elas oriundas de Espíritos desencarnados, “quanto da dos homens” como sublinhamos acima, isto é, sejam elas oriundas de irmãos nossos encarnados.
Na Revista Espírita (RE) de Julho de 1868[6] , Kardec recomenda: “Pelo fato de o Espiritismo assimilar todas as ideias progressistas,  não se segue que se faça campeão cego de todas as concepções novas, por mais sedutoras que sejam à primeira vista, com o risco de receber, mais tarde, um desmentido da experiência e de  se expor ao ridículo  de haver patrocinado uma obra inviável”. (grifos em negrito, meus.) Aqui vemos o cuidado de Kardec com relação às novidades, e que não é porque o Espiritismo é uma doutrina progressista, que aceitará, sem critério, qualquer ideia nova, qualquer ideia ou teoria que apenas parece fazer sentido. Kardec se preocupou com a exposição do Espiritismo e do movimento espírita ao ridículo de se divulgar ideias que parecem boas, “sedutoras à primeira vista” como ele disse, mas que não têm base científica.
Nisso, quando uma ideia nova baseada em conceitos da Ciência surge no meio espírita, além do bom senso, o critério de validade das respectivas áreas da Ciência deve ser adotado na análise da ideia. Se não sabemos analisar essas ideias com conhecimento profundo dessas ciências, é bom que consultemos mais de um especialista. Isso significa que “tudo seja friamente examinado, maduramente pesado, confrontado” como disse Kardec em QE. 

É preciso cuidado com as novidades
Evitar dar publicidade a uma novidade em nome do Espiritismo é uma forma de cuidar para que o Espiritismo não corra o risco de “se expor ao ridículo” de haver incentivado uma ideia inviável. Nisso, o rigor científico tem um papel fundamental para avaliar a ideia nova que use conceitos científicos, e ela só deve ser divulgada em nome do Espiritismo quando a Ciência, de fato, a aprovar e comprovar. Isso é exatamente o que Kardec diz na referência da RE de Julho de 1868: “Eis por que não aceita imediatamente  as ideias novas, mesmo as que lhe pareçam justas, senão sob muita reserva, e de maneira definitiva apenas quando chegaram ao estado de verdades reconhecidas. (grifos em negrito meus.)
Eis a recomendação sábia e prudente de Kardec com relação às novidades, mormente àquelas que envolvem conceitos da Ciência.
Há no movimento espírita um pouco de entusiasmo na adoção de teorias, práticas e ideias que parecem ser científicas, mas não o são de fato. Reconhecemos publicamente a boa intenção daqueles que propõem essas ideias, teorias e práticas, mas a recomendação de Kardec é bem clara: que busquemos analisar de modo que “tudo seja friamente examinado, maduramente pesado, confrontado”. Exemplos de análises de algumas teorias antigas e recentes são dados nas referências[7] [8] [9] [10]. Incluem-se aqui temas que embora sejam sérios e de interesse científico, não são da alçada do Espiritismo como, por exemplo, práticas alternativas de medicina, tratamento e cura; o estudo de objetos voadores não identificados; e doutrinas outras que utilizam conceitos científicos como os da Física Quântica. 

A prudência é sempre louvável
Assim, convidamos o Leitor a observar como tem enxergado as objeções científicas que podem ser feitas com relação a ideias espiritualistas que “parecem justas” mas que não são capazes de “encarar a razão face a face” da Ciência na atualidade. Será que estamos agindo como o médium fascinado que põe “em dúvida sobre se não é a ciência que se acha em erro” (item 250, LM[11]
Não nos consideramos donos da Verdade, mas é por isso mesmo que a Doutrina Espírita nos convida ao exercício da fé raciocinada. Vivemos num momento de avanço científico e tecnológico, onde a qualidade na divulgação do Espiritismo não pode sofrer com um tipo de “zelo mais ardente do que refletido”  (Kardec, Revista Espírita, Julho 1860[12]). Um zelo ardente é aquele que pensa estar ajudando por entusiasmo, mas que, por não ser  refletido, pode se enganar e comprometer o ideal que se deseja defender e divulgar.
Para quem pensa que, talvez, isso seja um excesso, e que essa postura cuidadosa seja prejudicial ao progresso do Espiritismo, vejamos novamente o pensamento de Kardec com relação à divulgação de novidades: “O excesso em tudo é prejudicial, mas, em semelhante caso,  vale mais pecar por excesso de prudência do que por excesso de confiança”. (Capítulo “Impressões Gerais”, Viagem Espírita em 1862 [13], grifos em negrito, meus.) Por fim, essa postura reflete simplesmente uma das mais sábias recomendações d´O Evangelho segundo o Espiritismo (ESE): “Fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade”. (Kardec, item 7 do cap. XIX de ESE[14]





[3] A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Editora FEB, 71a edição, Rio de Janeiro (2003).
[4]   A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Editora FEB, 71a edição, Rio de Janeiro (2003).
[5] A. Kardec, O Que É o Espiritismo, Editora FEB, 56a ed. Brasília (2013).
[6] A. Kardec, “A Geração Espontânea e  A Gênese”, Revista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos, Julho, p. 285 (1868) Editora FEB.
[8] A. F. da Fonseca, “Análise Científica da Teoria da Apometria”, FidelidadESPÍRITA  118, p. 9 (2013). Link para obter uma cópia autorizada deste exemplar da revista:  http://nossolarcampinas.org.br/site/wp-content/uploads/2015/02/Apometria.pdf
[9] A. F. da Fonseca, “O que a física quântica tem a ver com o espiritismo? (versão ampliada)”, Correio Fraterno, link:  http://correiofraterno.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1279:o-que-a-fisica-quantica-tem-a-ver-com-o-espiritismo-versao-ampliada&catid=14:entrevista&Itemid=2
[10] A. F. da Fonseca, “Uma análise científica de algumas afirmações de A Grande Síntese”, Jornal de Estudos Espíritas 2, 010203 (2014). Acesso gratuito através do link:  https://sites.google.com/site/jeespiritas/volumes/volume-2---2014/resumo---art-n-010203
[11] A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Editora FEB, 71a edição, Rio de Janeiro (2003)
[12] A. Kardec, “Observação Geral, após Exame Crítico das várias Comunicações Espontâneas do Espírito Charlet, na Sociedade de Paris”, Revista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos, Julho, p. 325 (1860) Editora FEB.
[13] A. Kardec, Viagem Espírita em 1862, Editora O Clarim, 2a edição, Matão (1968).
[14] A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Editora FEB, 120a edição, Rio de Janeiro (2002).

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