James Melley - Do programa da BBC Victoria Derbyshire
"É como estar em uma sala
cheia de gente. Só o que você escuta são múltiplas vozes gritando com
você", conta a britânica Laura Moulding, hoje com 21 anos, sobre a
experiência de ter passado anos da sua infância escutando vozes em sua cabeça ‒
e que vêm à sua mente até hoje.
O caso de Moulding é, na verdade,
mais comum do que se imagina: levantamento feito no Reino Unido estimou que
cerca de 8% das crianças ouvem com alguma frequência vozes que não existem no
mundo real, ou seja, alucinações auditivas. Trata-se, segundo a pesquisadora
Sarah Parry, da Universidade Metropolitana de Manchester, de algo que chega a
ser tão comum quanto asma ou dislexia.
Mas a forma como os pais e os
demais adultos reagem a isso pode ter grande influência no futuro dessas
crianças.
No caso de Laura, as vozes
começaram a povoar sua mente aos 3 anos de idade. Ela estava sentada nas
escadas da casa de seus avós e escutou um leão e um urso de um programa
infantil lhe dizendo: "vou pegar você, vou pegar você",
repetidamente.
Foi uma experiência assustadora,
diz Laura.
"Elas são uma combinação de
vozes masculinas e femininas, de crianças e de adultos", conta ela à BBC.
"Praticamente o tempo todo elas me dizem que eu não valho nada".
Automutilação
Na primeira vez em que Laura
contou aos pais o que ouvia, eles acharam que ela estava falando de amigos
imaginários.
Depois disso, ela passou anos
sem falar sobre o assunto, mas continuou sendo perturbada pelas vozes em sua
cabeça.
Até que, aos 15 anos, decidiu
pedir ajuda a sua mãe, que a levou ao médico.
"Eu estava me
automutilando, foi uma época terrível", lembra Laura. "Era difícil
porque as vozes eram altas, intimidadoras, abusivas. Era algo com o que eu não
conseguia lidar".
Agora, a pesquisadora Sarah
Parry está compilando casos como o de Laura em um amplo estudo com crianças que
sofram esse tipo de alucinação. Ela dá ideias sobre como lidar com a questão.
"As crianças veem essas
vozes como parte delas mesmas, então quando um adulto lhes diz que as vozes são
um problema, pode causar estresse. E isso pode fazer com que essas vozes se tornem
mais incômodas", explica ela, citando o exemplo de uma criança que disse
que "as vozes que ouvia ficaram mais assustadas porque ninguém acreditou
nelas".
O que Parry sugere é que, em vez
de deixar a criança pensar que "está ficando louca" ou se sentir mal
por não conseguir controlar as vozes ‒ o que pode levar à automutilação ou ao
uso de drogas ‒, os adultos devem abordar o tema com "curiosidade" e
"aceitação", além de buscar orientação psicológica especializada caso
a criança esteja sendo afetada negativamente pela experiência.
Motivos por trás das
vozes
Estudos acadêmicos mostram que,
em alguns casos, essas alucinações auditivas podem ser causadas por momentos de
estresse ou trauma na vida das crianças e adolescentes ou por consequência de
problemas médicos, como distúrbios do sono, desequilíbrios metabólicos ou
enxaquecas.
Uma pesquisa publicada em 1998
no Journal of Child Neurology, nos EUA, associou essas alucinações a uma
prevalência maior de crises de pânico ou dores de cabeça nas crianças.
E alguns episódios podem estar
associados a "sintomas prematuros de reações esquizofrênicas" nas
crianças ou a algum tipo de psicopatologia que requer atenção médica cuidadosa
para não evoluir ou derivar em comportamentos perigosos ‒ pensamentos suicidas,
por exemplo.
"A observação das
alucinações em crianças e adolescentes requer exame clínico e psicológico para
descartar (possíveis) causas médicas e identificar os fatores psicopatológicos,
psicossociais ou culturais associados a essas experiências", diz estudo de
2014 de coautoria do pesquisador francês Renaud Jardri, que estuda o tema no
Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Lille.
Em muitos casos, porém, os pais
descobrirão que não há motivo para preocupação: as vozes podem ser um fenômeno
isolado em crianças saudáveis e desaparecer espontaneamente, conclui a pesquisa
de Jardri.
'A voz da minha mãe'
Dentro desse universo, há
crianças que relatam ouvir vozes que as trazem conforto ou as divertem.
É o caso de Tia (nome fictício),
de 13 anos, que ouviu vozes a partir dos 7 anos ‒ e teve uma experiência muito
mais positiva do que Laura com as vozes em sua cabeça.
"Eu ouvia muito a voz da
minha mãe", lembra. Ela também escutava gritos distantes de homens ou
torres de alta tensão cantando, coisas que, em vez de incomodá-la, a faziam dar
risada.
A ponto de ela levar bronca
durante as aulas na escola porque "uma das vozes estava brincando comigo,
me fazendo rir muito".
Assim como em muitas crianças, a
causa por trás das vozes ouvidas por Tia parece ser uma experiência traumática
relacionada à saúde de sua mãe, que sofre de uma doença crônica e acha que o
estresse que isso impôs na família afetou sua filha profundamente.
"Tia passou por muita coisa
e agora está expressando isso (com as vozes)", diz a mãe.
Ela decidiu não levar a filha
para ser examinada por médicos, mas buscou ajuda de um grupo de apoio britânico
chamado Hearing Voice Network.
Até que, certo dia, as vozes
deixaram de aparecer na cabeça de Tia.
"Foi tipo, 'ei, não tem
nada na minha mente ‒ ninguém está falando comigo. Posso ouvir meus próprios
pensamentos’", lembra. "E não sinto saudades delas (vozes)".
Laura, por sua vez, ainda escuta
as vozes, mas aprendeu a lidar com elas com a ajuda de medicamentos. Também
ouve música quando quer abafá-las.
"Hoje me sinto mais forte,
melhor comigo mesma, embora as vozes continuem aqui", conta. "Elas
não me controlam mais. Eu as controlo".
Nenhum comentário:
Postar um comentário