Allan Kardec
Uma segunda carta do doutor Gregóry contém o seguinte:
Numa comunicação,
Erasto enunciou uma ideia que me surpreendeu e me fez refletir. O homem, diz
ele, tem sete sentidos: os sentidos bem conhecidos da audição, do olfato, da
visão, do gosto e do tato e, além destes, o
sentido sonambúlico e o sentido
mediúnico.
Acrescento a estas
palavras que estes dois últimos não existem senão por exceção, bastante
desenvolvidos nalgumas naturezas privilegiadas, caso existam em todo homem em
estado rudimentar. Ora, há em mim uma convicção adquirida por mais de uma
observação e por uma experiência bastante longa dos poderes homeopáticos: é que
nossos medicamentos, bem escolhidos e tomados por longo tempo, podem
desenvolver essas duas admiráveis faculdades.
Em nossa opinião seria erro
considerar o sonambulismo e a mediunidade como o produto de dois sentidos
diferentes, considerando-se que não passam de dois efeitos resultantes de uma
mesma causa. Essa dupla faculdade é um dos atributos da alma e tem por órgão o
perispírito, cuja irradiação transporta a percepção além dos limites da ação
dos sentidos materiais. A bem dizer é o sexto
sentido, que é designado sob o nome de sentido
espiritual.
O sonambulismo e a mediunidade
são duas variedades da atividade desse sentido que, como se sabe, apresentam
inúmeros matizes e constituem aptidões especiais. Fora destas duas faculdades,
mais notáveis porque mais aparentes, seria erro crer que o sentido espiritual não exista senão em estado rudimentar. Como os
outros sentidos, é mais ou menos desenvolvido, ou mais ou menos sutil conforme
os indivíduos, mas todo o mundo o possui, e não é o que presta menos serviços,
pela natureza toda especial das percepções das quais é a fonte. Longe de ser a
regra, sua atrofia é exceção, e pode ser considerada como uma enfermidade,
assim como a ausência da vista ou da audição. É por este sentido que recebemos
os eflúvios fluídicos dos Espíritos, que nos inspiramos, mal grado nosso, em
seus pensamentos, que nos são dados os avisos íntimos da consciência, que temos
o pressentimento e a intuição das coisas futuras ou ausentes, que se exercem a
fascinação, a ação magnética inconsciente e involuntária, a penetração do
pensamento, etc. Essas percepções são dadas ao homem pela Providência, assim
como a visão, a audição, o olfato, o gosto e o tato, para a sua conservação;
são fenômenos muito vulgares, que ele apenas os nota pelo hábito que tem de
experimentá-los, e dos quais não se deu conta até hoje, devido sua ignorância
das leis do princípio espiritual, da própria negação, em alguns, da existência
desse princípio. Mas, quem quer que leve sua atenção sobre os efeitos que
acabamos de citar, e sobre muitos outros da mesma natureza, reconhecerá quanto
eles são frequentes e como são completamente independentes das sensações
percebidas pelos órgãos do corpo.
A vista espiritual, vulgarmente chamada dupla vista ou segunda vista,
é um fenômeno menos raro do que se pensa; muitas pessoas têm esta faculdade sem
o suspeitar; apenas é mais ou menos acentuada, e é fácil certificar-se de que
ela é estranha aos órgãos da visão, pois que se exerce sem o auxílio desses
órgãos e até os cegos a possuem. Existe em certas pessoas no mais perfeito
estado normal, sem o menor traço aparente de sono nem de estado estático.
Conhecemos em Paris uma senhora na qual ela é permanente, e tão natural quanto
a vista ordinária; ela vê sem esforço e sem concentração o caráter, os hábitos,
os antecedentes de quem quer que dela se aproxime; descreve as doenças e
prescreve tratamentos eficazes com mais facilidade que muitos sonâmbulos
ordinários; basta pensar numa pessoa ausente para que a veja e a designe. Um
dia estávamos em sua casa e vimos passar na rua alguém com quem temos relações,
e que ela jamais tinha visto.
Sem ser provocada por qualquer
pergunta, fez-lhe o mais exato retrato moral e nos deu a seu respeito conselhos
muito sensatos.
E, contudo, essa senhora não é
sonâmbula. Fala do que vê, como falaria de qualquer outra coisa, sem se desviar
de suas ocupações. É médium? Ela mesma não sabe, porque até pouco tempo atrás
nem mesmo conhecia de nome o Espiritismo. Assim, nela essa faculdade é tão
natural e tão espontânea quanto possível.
Como ela percebe, senão pelo
sentido espiritual?
Devemos acrescentar que essa
senhora tem fé nos sinais da mão, examinando-a quando a interrogam e dizendo aí
ver o indício das doenças. Como vê certo e é evidente que muitas das coisas que
diz não podem ter nenhuma relação fisiológica com a mão, estamos persuadidos de
que para ela é simplesmente um meio de se pôr em relação e desenvolver sua
vista, fixando-a num ponto determinado; a mão faz o papel de espelho mágico ou psíquico; ela aí vê como outros veem num vaso, numa garrafa ou
noutro objeto.
Sua faculdade tem muita relação
com a do Vidente da floresta de
Zimmerwald, mas lhe é superior em certos aspectos. Aliás, como não tira disto
nenhum proveito, esta consideração afasta toda suspeita de charlatanismo e,
considerando-se que dela só se serve para prestar serviço, deve ser assistida
por Espíritos bons. (Vide a Revista de outubro de 1864: O sexto sentido e a visão espiritual; outubro de 1865: Novos estudos sobre os espelhos psíquicos. O
vidente da floresta de Zimmerwald).
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