sexta-feira, 30 de abril de 2021

NINGUÉM É DE NINGUÉM[1]

 

Simara Lugon Cabral

 

Quem é minha mãe? E quem são meus irmãos? E, estendendo a sua mão para os seus discípulos, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos; Porque, qualquer que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, e irmã e mãe.

MATEUS, 12:48 a 50

 

Todos os seres humanos, ao encarnarem na Terra, são recebidos por uma família consanguínea, que pode ser composta de diferentes formas: mãe, pai, irmãos, avós, tios ou tias. Porém esta família não é necessariamente a família espiritual do indivíduo, que é aquela com a qual o espírito possui maiores afinidades, e que pode se fazer presente por intermédio da adoção, da amizade ou até mesmo do casamento, e é com esta família que os laços de afeto são mais acentuados. Estes laços podem variar de intensidade e ternura ao longo da vida ou até mesmo das encarnações de cada um, e eles são necessários para que os espíritos possam vivenciar situações diferentes para sua evolução.

Portanto, em cada encarnação, os espíritos afins podem se aproximar de diferentes maneiras, e independentemente da forma como se aproximam, eles não pertencem uns ao outros, e sim percorrem a jornada da vida lado a lado para que possam cumprir determinadas provações. Por isso, Jesus pergunta quem é sua mãe e quem são seus irmãos, pois a conexão espiritual que ele mantinha com os seus discípulos era mais forte do que a que havia com sua família consanguínea, tanto que ele afirma que seus discípulos são seus verdadeiros irmãos. Assim, a família espiritual pode vir configurada de forma diferente da convencional, fazendo com que as afinidades apareçam de distintas maneiras, dependendo sempre da similaridade de virtudes, de ideias e do grau de evolução de cada um. De acordo com O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo IV, item 18, Kardec afirma que:

 

Os Espíritos formam no espaço grupos ou famílias unidos pelo afeto, simpatia e semelhança. Esses Espíritos, felizes de estarem juntos, procuram-se. A encarnação só os separa momentaneamente, porque, após sua reentrada na erraticidade, reencontram-se, como amigos no retorno de uma viagem. Muitas vezes, até se acompanham na encarnação, na qual são reunidos em uma mesma família ou em um mesmo círculo, trabalhando juntos para o mútuo progresso[2].

 

Isto não quer dizer que não se deve amar a própria família ou honrar os pais, e sim que o amor deve ser praticado entre todos, apesar da compatibilidade espiritual não ser a mesma entre as pessoas: o afeto pode variar de intensidade, porém a caridade, o respeito e a generosidade com o próximo, não.

Apesar deste fato, muitas pessoas se relacionam umas com as outras de forma egoísta, devido ao seu atraso espiritual, acreditando que as pessoas com as quais convivem e com as quais possuem laços afetivos são de sua propriedade, o que causa muito sofrimento ao longo de suas vidas, tais quais durante o divórcio entre cônjuges ou durante o desencarne de um ente querido. Porém, a realidade é que ninguém pertence a ninguém, nem pais, nem maridos, nem esposas, nem filhos. As pessoas não são objetos dos quais pode-se ter a posse, e sim espíritos livres, com sua própria individualidade, que caminham com o propósito de evoluírem até alcançarem a perfeição. O sentimento de posse em relação à vida de outra pessoa é irracional e perigoso, pois é devido a este sentimento que ocorre grande parte dos feminicídios: homens que não aceitam o fim do relacionamento e se acham no direito de tirar a vida da mulher, acreditando que esta pertence a eles. Além disso, o sentimento de posse também faz com que pessoas que possuem familiares doentes, à beira do desencarne, desejem ardentemente que seus entes permaneçam ao seu lado, e não reflitam sobre o quanto eles possam estar sofrendo devido às dores físicas ou moléstias graves, e terminam por atrapalhar o trabalho da espiritualidade no processo do desenlace espiritual do adoentado. Em outros casos, o sentimento de posse pode fazer com que filhos adolescentes ou até mesmo adultos tenham sua liberdade cerceada pelos pais, que julgam que os filhos lhes pertencem e impedem os mesmos de escolherem seus próprios caminhos, através de uma verdadeira prisão psicológica.

O amor deve ser praticado com desapego e livre de egoísmo, pois, segundo O Livro dos Espíritos:

 

O egoísmo é a fonte de todos os vícios, assim como a caridade é a fonte de todas as virtudes. Destruir um e desenvolver a outra, esse deve ser o alvo de todos os esforços do homem, se quer garantir sua felicidade, tanto no mundo terreno como no futuro[3].

 

Portanto, é importante que se pratique o amor para com o próximo, mas este amor deve ser fraternal, ele precisa ser vivenciado com a certeza de que todos são irmãos e fazem parte de uma grande família universal. Afinal, todos caminham rumo ao mesmo objetivo, o qual será alcançado à medida que cada indivíduo lute para superar seu próprio egoísmo, seu apego e seu sentimento de posse e se disponha a experimentar e viver o verdadeiro amor para com toda a humanidade.



[2] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Matheus Rodrigues de Carvalho. 43ª reimpressão. Capivari, SP: Editora EME, 2018, página 55.

[3] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Matheus Rodrigues de Carvalho. 24ª reimpressão. Capivari, SP: Editora EME, 2019, página 292.

quinta-feira, 29 de abril de 2021

GRADATIVIDADE[1]

 

Miramez

 

Por uma conduta perfeita podemos vencer já nesta vida todos os graus e tornar-nos Espírito puro, sem passar pelos intermediários?

‒ Não, pois o que o homem julga perfeito está longe da perfeição: há qualidades que ele desconhece e nem pode compreender. Pode ser tão perfeito quanto a sua natureza eterna o permita, mas esta não é a perfeição absoluta. Da mesma maneira que uma criança, por mais precoce que seja, deve passar pela juventude, antes de chegar à maturidade, e um doente deve passar pela convalescença, antes de recuperar a saúde. Além disso, o Espírito deve adiantar-se em conhecimento e moralidade, e se ele não progrediu senão num sentido, é necessário que o faça no outro, para chegar ao alto da escala. Entretanto, quanto mais o homem se adianta na vida presente, menos longas e penosas serão as provas seguintes.

a. O homem pode assegurar-se nesta vida uma existência futura menos cheia de amarguras?

‒ Sim, sem dúvida, pode abreviar o caminho e reduzir as dificuldades. Somente o desleixado fica sempre no mesmo ponto.

Questão 192/O Livro dos Espíritos

 

Existem os degraus, como sendo escala de ascensão, para todos os Espíritos no universo de Deus. Ninguém pode, e a razão não ensina o contrário, em somente uma existência, aperfeiçoar-se em todos os rumos. São necessários milhares e milhares delas, com acertos e desacertos, aprendendo e colhendo experiências para o grande celeiro da vida.

Em uma só encarnação, a alma não tem condições de alcançar a perfeição. Seria um contrassenso, uns passarem por caminhos tortuosos, sofrendo e disciplinando-se, e outros tomarem uma evolução reta e com poucos anos atingirem a angelitude. A evolução, ou o despertamento do Espírito, se processa de letra a letra, de passo a passo, de reencarnação a reencarnação.

Não haveria mérito algum para o Espírito se Deus já o fizesse em seu completo despertamento espiritual. Certamente que ele nos fez simples e ignorantes, contudo, os valores que carregamos desde a nossa formação se encontram em estado de sono, uns mais e outros menos, de acordo com a evolução de cada um. O Espírito mais velho, logicamente, tem mais experiência do que o mais novo, mas, todos têm as mesmas oportunidades de ascender para o infinito. A casa do Pai é grandiosa, e acolhe todos os filhos, dando a cada qual o que ele merece na pauta do seu despertamento espiritual.

O estudante da Doutrina dos Espíritos deve orar, meditar nas leis espirituais que, gradativamente, vão trazendo ao seu conhecimento os segredos da vida, e quando passa a conhecê-los, a liberdade vai chegando em seu coração.

Na nossa caminhada espiritual existe algo que deve ser feito por nós, e às vezes esse algo nos pede esforço e sacrifício, renúncia e coragem para vencer problemas inúmeros. A nossa tarefa é lutar, lutar todos os dias, porque toda a luz nasce do movimento e a inércia é a treva no caminho. Tudo que se faz bem feito, parte de um princípio: gradatividade.

Se queres fazer as coisas de uma só vez, sem obedecer à sequência estipulada pela harmonia divina, nada fazes bem. Até a criação de Deus, na sua grandiosidade, rompe em harmonia e dentro da Sua criatividade, Ele trabalha sempre e nada faz de uma vez. Nada se faz, tornamos a repetir, com passe de mágica; mesmo a nossa cooperação, naquilo que devemos cooperar, deve ser feita de acordo com as nossas forças, e o Senhor não nos pede mais, somente o que suportamos em caminho, porém, não devemos fazer menos do que podemos fazer.

O Espírito, desde a sua gênese, vem se despertando lentamente pelos processos estabelecidos pela lei do progresso e, quando chega a razão, aparece a sua parte a ser feita, e que ele deve fazer no âmbito das suas possibilidades. Deus criou a vida e leis para serem obedecidas; Deus criou os mundos e leis que os governam, assegurando a harmonia universal.

Lembremo-nos todos os dias da gradatividade; nunca parar, mas jamais crescer desordenadamente, sem as possíveis seguranças, como viajores de Deus e de Cristo.



[1] Filosofia Espírita – Volume 4 – João Nunes Maia

quarta-feira, 28 de abril de 2021

O FENÔMENO COMOVENTE DESCOBERTO POR MÉDICO QUE ACOMPANHA PESSOAS PRÓXIMAS À MORTE[1]

 


Carine Mardorossian[2] - The Conversation - 18 Abril 2021

 

Um dos elementos mais devastadores da pandemia do covid-19 tem sido a

incapacidade de cuidar pessoalmente de entes queridos que ficam doentes.

 

Repetidas vezes, familiares relataram como a morte de pessoas próximas foi mais devastadora porque foram incapazes de segurar sua mão para oferecer uma presença familiar e reconfortante em seus últimos dias e horas.

·         Covid-19: 'Dói demais ver as crianças morrendo sem poder ver os pais', diz pediatra de UTI.

·         O motorista de ambulância que ajuda paciente terminais a realizar últimos desejos

Alguns tiveram que se despedir pela tela de um smartphone segurado por um profissional de saúde. Outros recorreram ao uso de walkie-talkies ou a acenos pela janela.

Como você pode superar a dor e a culpa avassaladoras que surgem quando você pensa em um ente querido morrendo sozinho?

Não tenho uma resposta para essa pergunta. Mas o trabalho de um médico de cuidados paliativos chamado Christopher Kerr, com quem escrevi o livro Death Is But a Dream: Finding Hope and Meaning at Life's End ("A morte é apenas um sonho: encontrando esperança e sentido no fim da vida", em tradução livre), pode oferecer algum conforto.

 

Visitantes inesperados

No início de sua carreira, Kerr foi incumbido, como todos os médicos, de se ater aos cuidados físicos de seus pacientes.

Mas ele logo percebeu um fenômeno com o qual enfermeiras experientes já estavam acostumadas.

À medida que os pacientes se aproximavam da morte, muitos tinham sonhos e visões de entes queridos falecidos que voltavam para confortá-los em seus últimos dias.

Os médicos são treinados para interpretar esses eventos como alucinações delirantes ou induzidas por drogas que podem justificar mais medicação ou sedação completa.

Mas ao ver a paz e o conforto que essas experiências de fim de vida pareciam proporcionar a seus pacientes, Kerr decidiu parar e escutar.

Um dia, em 2005, uma paciente terminal chamada Mary teve uma dessas visões: ela começou a mover os braços como se estivesse embalando um bebê, ninando seu filho que havia morrido ainda criança décadas antes.

Para Kerr, isso não parecia declínio cognitivo. E se, ele se perguntou, as percepções dos próprios pacientes no fim da vida fossem importantes para o seu bem-estar de forma que não devessem interessar apenas a enfermeiros, capelães e assistentes sociais?

Como seria o atendimento médico se todos os médicos também parassem e escutassem?

 

O início do projeto

Assim, ao ver pacientes terminais chamarem seus entes queridos, muitos dos quais não viam, tocavam ou ouviam havia décadas, ele começou a coletar e registrar testemunhos daqueles que estavam morrendo.

Ao longo de 10 anos, Kerr e sua equipe de pesquisa registraram as experiências de fim de vida de 1,4 mil pacientes e famílias.

O que ele descobriu o espantou. Mais de 80% de seus pacientes, independentemente da classe social, origem ou faixa etária, tiveram experiências no fim da vida que pareciam envolver mais do que sonhos estranhos. Eram vívidos, significativos e transformadores. E sempre aumentavam em frequência perto da morte.

Eles incluíam visões de mães, pais e parentes há muito tempo perdidos, assim como animais de estimação mortos voltando para confortar seus antigos donos.

Tratava-se de ressuscitar relacionamentos, reviver amores passados ​​e obter perdão. Muitas vezes traziam tranquilidade e apoio, paz e aceitação.

 

Tecelão de sonhos

A primeira vez que ouvi falar sobre a pesquisa de Kerr foi em um estábulo.

Eu estava ocupada limpando a baia do meu cavalo. Os estábulos ficavam na propriedade de Kerr, por isso frequentemente conversávamos sobre seu trabalho com os sonhos e visões de seus pacientes terminais.

Ele me contou sobre sua palestra no TEDx[3] sobre o assunto, assim como sobre o projeto do livro em que estava escrevendo.

Não pude deixar de me emocionar com o trabalho desse médico e cientista.

Quando ele revelou que não estava avançando muito na escrita, me ofereci para ajudar. Ele hesitou a princípio. Eu era uma professora de inglês especialista em desconstruir as histórias que outros escreveram, não em escrevê-las.

O agente dele estava preocupado com a possibilidade de eu não ser capaz de escrever de forma acessível ao público, algo pelo qual os acadêmicos não são exatamente conhecidos. Insisti, e o resto é história.

Foi essa colaboração que me tornou uma escritora.

Fui encarregada de incutir mais humanidade na notável intervenção médica que esta pesquisa científica representava, para dar um rosto humano aos dados estatísticos que já haviam sido publicados em revistas médicas.

As comoventes histórias dos encontros de Kerr com seus pacientes e famílias confirmaram como, nas palavras do escritor renascentista francês Michel de Montaigne, "aquele que ensina os homens a morrer, ao mesmo tempo os ensina a viver".

Fiquei sabendo sobre Robert, que se via diante da perda de Barbara, sua esposa de 60 anos, e estava tomado por sentimentos conflitantes de culpa, desespero e fé.

Um dia, ele inexplicavelmente a viu pegando o bebê que haviam perdido décadas atrás, em um breve período de sonhos lúcidos que lembravam a experiência de Mary anos antes.

Robert ficou impressionado com a atitude calma e o sorriso de felicidade da esposa.

Foi um momento de pura plenitude, transformando sua experiência no processo da morte.

Barbara estava vivendo sua partida como uma época de amor reconquistado, e vê-la reconfortada deu a Robert um pouco de paz em meio à perda irremediável.

Para os casais mais velhos de que Kerr cuidava, ser separado pela morte após décadas de união era simplesmente imensurável.

Os sonhos e visões recorrentes de Joan ajudaram a curar a ferida profunda deixada pela morte de seu marido meses antes.

Ela o chamava durante a noite e sinalizava sua presença durante o dia, inclusive em momentos de lucidez plena e articulada.

Para sua filha Lisa, esses eventos significavam que o vínculo de seus pais era indestrutível. Os sonhos e visões de sua mãe antes de morrer ajudaram Lisa em sua jornada rumo à aceitação, um elemento-chave no processamento da perda.

Quando as crianças estão morrendo, geralmente são seus amados animais de estimação falecidos que aparecem.

Jessica, de 13 anos, que estava morrendo de câncer nos ossos, começou a ter visões de seu antigo cachorro, Shadow. Sua presença a tranquilizou.

"Vou ficar bem", disse ela a Kerr em uma de suas últimas visitas.

Para a mãe de Jessica, Kristen, essas visões — e a tranquilidade resultante de Jessica — ajudaram a iniciar o processo ao qual ela vinha resistindo: deixá-la partir.

 

Isolados mas não sozinhos

O sistema de saúde é difícil de mudar. No entanto, Kerr espera ajudar os pacientes e seus entes queridos a resgatar o processo da morte — de uma abordagem clínica para uma que seja apreciada como uma experiência humana única e rica.

Os sonhos e visões anteriores à morte ajudam a preencher o vazio que, de outra forma, poderia ser criado pela dúvida e pelo medo que a morte evoca.

Eles ajudam os pacientes terminais a se reunirem com aqueles que amaram e perderam, aqueles que os protegeram, os apoiaram e trouxeram paz.

Eles curam velhas feridas, restauram a dignidade e recuperam o amor. Conhecer essa realidade paradoxal também ajuda os familiares a lidar com o luto.

Com hospitais e asilos ainda fechados para visitantes devido à pandemia de covid-19, pode ser útil saber que os pacientes terminais raramente falam sobre estar sozinhos. Eles falam sobre ser amados e voltar a ficar juntos.

Nada substitui poder abraçar nossos entes queridos em seus últimos momentos, mas pode ser um consolo saber que eles se sentem confortados.

 

Recomendo a leitura do Livro de Ernesto Bozzano:

·         FENÔMENOS PSÍQUICOS NO MOMENTO DA MORTE



[2] Carine Mardorossian é professora de inglês na Universidade de Buffalo, nos EUA.

[3] O filme apresenta legenda em português.

terça-feira, 27 de abril de 2021

EUGÉNIE COLOMBE – PRECOCIDADE FENOMENAL[1]

 

Allan Kardec

 

Vários jornais reproduziram o seguinte fato:

 

O Sentinelle, de Toulon, fala de um jovem fenômeno, que se admira no momento nesta cidade.

É uma menina de dois anos e onze meses, chamada Eugénie Colombe.

Esta menina já sabe ler e escrever perfeitamente; além disso está em condição de sustentar o mais sério exame sobre os princípios da religião cristã, sobre a gramática francesa, a geografia, a história da França e as quatro operações de aritmética.

 Conhece a rosa dos ventos e sustenta perfeitamente uma discussão científica sobre todos esses assuntos.

Esta admirável menina começou a falar muito distintamente com quatro meses de idade.

Apresentada nos salões da prefeitura marítima, Eugénie Colombe, dotada de um semblante encantador, obteve um sucesso admirável.

 

Este artigo nos tinha parecido, como a muitas outras pessoas, marcado de tal exagero, que não havíamos ligado nenhuma importância. Todavia, para saber positivamente a quem nos atermos, pedimos a um dos nossos correspondentes, oficial de marinha em Toulon, que se informasse do fato. Eis o que nos respondeu:

 

Para me assegurar da verdade, fui à casa dos pais da menina referida pelo Sentinelle Toulonnaise de 19 de novembro; vi essa encantadora menina, cujo desenvolvimento físico é compatível com sua idade: ela não tem mais que três anos. Sua mãe é professora e dirige a sua instrução. Em minha presença interrogou-a sobre o catecismo, a história sagrada, desde a criação do mundo até o dilúvio, os oito primeiros reis da França e diferentes circunstâncias relativas a seus reinados e ao de Napoleão I. Quanto à Geografia, a menina citou as cinco partes do mundo, as capitais dos países que encerram, várias capitais dos Departamentos da França. Também respondeu perfeitamente sobre as primeiras noções de gramática francesa e o sistema métrico. A menina deu todas essas respostas sem a menor hesitação, divertindo-se com os brinquedos que tinha em mãos. Sua mãe me disse que ela sabe ler desde os dois anos e meio e garantiu-me que é capaz de responder do mesmo modo a mais de quinhentas perguntas.

 

O fato, escoimado do exagero do relato dos jornais, e reduzido às proporções acima, não é menos notável e importante em suas consequências. Chama forçosamente a atenção sobre fatos análogos de precocidade intelectual e conhecimentos inatos.

Involuntariamente se procura a sua explicação, e com as ideias que circulam, da pluralidade das existências, chega-se a encontrar a sua solução racional numa existência anterior. Há que se colocar esses fenômenos no número dos que são anunciados como devendo, por sua multiplicidade, confirmar as crenças espíritas e contribuir para o seu desenvolvimento.

No caso de que se trata, a memória parece certamente desempenhar um papel importante. Sendo professora a mãe da menina, sem dúvida a pequena se encontrava habitualmente na escola e terá retido as lições dadas aos alunos por sua mãe, ao passo que se veem certos alunos possuir, por intuição, conhecimentos de certo modo inatos e fora de qualquer ensino. Mas por que, nela e não em outros, esta facilidade excepcional para assimilar o que ouvia e que, provavelmente, não pensavam em lhe ensinar? É que o que ela ouvia apenas lhe despertava a lembrança do que sabia. A precocidade de certas crianças para as línguas, a música, as matemáticas etc., todas as ideias inatas, numa palavra, igualmente não passam de lembranças; elas se lembraram do que souberam, como se veem certas pessoas lembrar-se, mais ou menos vagamente, do que fizeram ou do que lhes aconteceu. Conhecemos um menino de cinco anos que, estando à mesa, onde nada na conversa poderia ter provocado uma ideia a esse respeito, pôs-se a dizer: “Eu fui casado, e me lembro bem; tinha uma mulher, de baixa estatura, jovem e linda, e tive vários filhos”. Certamente não se tem nenhum meio de controlar sua asserção, mas, pergunta-se, de onde lhe poderia ter vindo semelhante ideia, quando nenhuma circunstância a teria provocado?

Disto se deve concluir que as crianças que só aprendem à custa do trabalho foram ignorantes ou estúpidas em sua precedente existência? Por certo que não. A faculdade de se recordar é uma aptidão inerente ao estado psicológico, isto é, ao mais fácil desprendimento da alma em certos indivíduos do que em outros, uma espécie de visão espiritual, que lhes lembra o passado, ao passo que os que não a possuem, esse passado não deixa nenhum traço aparente. O passado é como um sonho, do qual nos lembramos com maior ou menor exatidão, ou do qual perdemos totalmente a lembrança. (Vide Revista Espírita de julho de 1860; idem de novembro de 1864).

No momento de ir para o prelo, recebemos de um dos nossos correspondentes da Argélia, que, de passagem por Toulon, viu a pequena Eugénie Colombe, uma carta contendo o relato seguinte, que confirma o precedente, e acrescenta detalhes que não deixam de ter interesse:

 

Esta menina, de notável beleza e extrema vivacidade, é de uma doçura angelical. Sentada nos joelhos de sua mãe, respondeu a mais de cinquenta perguntas sobre o Evangelho. Interrogada sobre Geografia, designou-me todas as capitais da Europa e de diversos estados da América; todas as capitais dos Departamentos franceses e da Argélia; explicou-me o sistema decimal, o sistema métrico. Em gramática, os verbos, os particípios e os adjetivos. Ela conhece, ou pelo menos define, as quatro operações. Escreveu o que lhe ditei com tal rapidez que fui levado a crer que escrevia mediunicamente. Na quinta linha interrompeu a escrita, olhou-me fixamente com seus grandes olhos azuis e me disse bruscamente: ‘Senhor, é bastante.’ Depois desceu da cadeira e correu aos seus brinquedos.

Esta criança é certamente um Espírito muito avançado, porque se vê que responde e cita sem o menor esforço de memória. Sua mãe me disse que desde a idade de 12 a 15 meses ela sonha à noite, mas numa linguagem que não permite compreendê-la. É caridosa por instinto; atrai sempre a atenção da mãe, quando avista um pobre; não suporta que batam nos cães, nos gatos, nem em qualquer animal. Seu pai é um operário do arsenal marítimo.

 

Só espíritas esclarecidos, como os nossos dois correspondentes, podiam apreciar o fenômeno psicológico que apresenta esta menina e sondar-lhe a causa; porque, assim como para julgar um mecanismo é preciso um mecânico, para julgar fatos espíritas é preciso ser espírita. Ora, em geral a quem encarregam da constatação e da explicação dos fenômenos deste gênero?

Precisamente a pessoas que não os estudaram e que, negando a causa primária, não lhe podem admitir as consequências.



[1] Revista Espírita – Fevereiro/1867 – Allan Kardec

segunda-feira, 26 de abril de 2021

CARLOS ANTÔNIO BACCELLI[1]

 


Nascido em Uberaba-MG , em 09 de novembro de 1952, é filho de Roberto Baccelli e Maria Odette Prata Baccelli. Casado com a Profª. Márcia Queiroz Silva Baccelli é pai de dois filhos, Thiago e Marcela. Formado em Odontologia, é funcionário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos há 24 anos.

Há 30 anos cooperando com as atividades da Casa Espírita "Bittencourt Sampaio", Baccelli é idealizador e fundador de várias instituições espíritas em Uberaba, entre as quais o Grupo Espírita "Pão Nosso", o Lar Espírita "Pedro e Paulo", O Grupo Espírita "Irmão José", a "Casa do Caminho", esta ultima de amparo às vítimas do HIV.

Como escritor e jornalista, é autor de várias obras de significativa importância para a Doutrina: "O Espiritismo em Uberaba", "Divaldo Franco em Uberaba", "Chico Xavier, Mediunidade e Coração", "Chico Xavier, Mediunidade e Luz", "Chico Xavier, Mediunidade e Ação", "Chico Xavier, Mediunidade e Paz", "Chico Xavier à sombra do Abacateiro", "Chico e Emmanuel", "Chico Xavier, 70 anos de Mediunidade", "As Bênçãos de Chico Xavier" e agora "O Evangelho de Chico Xavier".

Foi durante muito tempo diretor da Aliança Municipal Espírita de Uberaba e secretário da Comunhão Espírita Cristã, antiga casa de trabalho do médium Chico Xavier. Com Chico Xavier, no "Grupo Espírita Prece", publicou vários livros em parceria mediúnica, editados pelo IDEAL, de São Paulo, e pelo IDE, de Araras - livros que lhe abriram caminho para o trabalho mediúnico que agora se amplia com outros que têm sido publicados pela "DIDIER" de Votuporanga. Baccelli, ainda, é colaborador assíduo de "A Flama Espírita", importante mensário de Uberaba, orador que, tem viajado pelo Brasil levando consigo a mensagem da Terceira Revelação, sendo que, por quase três anos consecutivos apresentou na TV local o apreciado programa "Espiritismo Explicando".

Como se percebe pelas suas múltiplas atividades, Baccelli procura não perder tempo e, neste resumo, não se encontram em registros as tarefas que desenvolve na periferia de Uberaba, junto às comunidades carentes.

Atualmente, dirige a Creche "Vovó Zoraide" e o Lar Espírita "Pedro e Paulo", entidade que abriga 25 velhinhos de ambos os sexos, mantendo ali as suas atividades públicas de psicografia, aos sábados e domingos pela manhã, atendendo a centenas de pessoas que acorrem em busca de uma palavra de consolo e de esclarecimento de seus entes queridos que demandaram a Vida Maior.

sábado, 24 de abril de 2021

O DIA EM QUE UM PRETO VELHO FOI EXPLULSO DE UM CENTRO ESPÍRITA[1]

 

Hugo Lapa

 

Essa é uma história verdadeira. Ela de fato aconteceu em um centro espírita de uma pequena cidade do estado de Minas Gerais, há algum tempo atrás.

Conta-se que os médiuns estavam realizando seus trabalhos de esclarecimento e doutrinação num centro espírita do estado de Minas Gerais. Subitamente um preto velho incorporou numa médium e começou a falar. No momento em que os trabalhadores perceberam que o espírito incorporado era um preto velho, mandaram suspender a incorporação. Nesse centro não eram aceitos pretos velhos, pois os dirigentes consideravam que os pretos velhos são espíritos não muito evoluídos. Por isso, ele não poderia ser admitido a orientar uma atividade de doutrinação. O espírito foi então convidado a se retirar do centro. O preto velho fez o que eles pediram e foi embora.

Logo depois, a médium incorporou um espírito de um filósofo, um doutor de nome difícil, provavelmente europeu, que foi muito bem recebido por todos os presentes. O filósofo deu instruções aos membros do centro, fez os trabalhos de doutrinação e todos ficaram felizes e maravilhados com a intervenção desse espírito, que consideraram um espírito muito elevado.

Os dirigentes então resolveram que já era hora de encerrar os trabalhos. No entanto, a médium novamente começou a incorporar um espírito. Todos olharam com interesse aquela manifestação mediúnica espontânea. Um dos trabalhadores disse que as atividades do dia já estavam terminando e perguntou quem estava ali. O espírito respondeu que era de novo o preto velho. O dirigente fez cara de tédio e perguntou o que ele ainda queria ali nos trabalhos do centro. O preto velho então disse: 

 

Zifio… Ce suncê mi permiti, só quiria que ocês sobessem qui o dotô que apareceu agora há poquinho era este preto velho aqui, que agora proseia com vosmicês.

 

Todos ficaram espantados com a revelação… O preto velho então começou a não mais falar como um preto velho:

É engraçado isso, meus irmãos, pois quando eu apareci como preto velho, fui praticamente expulso dos trabalhos de vocês. Mas depois quando eu apareci no formato de um doutor, um filósofo europeu prestigiado, que tem conhecimento acadêmico, com toda a pompa e com ar de autoridade, todos me trataram muito bem, ouviram meus conselhos e ficaram felizes e maravilhados com a aparição. Por que isso, meus filhos? Devo alerta-los para esse comportamento de vocês. Prestem muita atenção nisso, meus irmãos…

No plano espiritual, assim como em toda a realidade universal, não existem aparências. As aparências existem apenas aqui na Terra. Deus, em sua sabedoria infinita, oculta aos vossos olhos as verdades do espírito camufladas pelas aparências do mundo… para que vocês aprendam a vê-las com os olhos do coração, com a visão da alma e possam enxergar a verdade como ela é. No plano espiritual, meus irmãos, não existem doutores, não existem classes sociais, não existem nacionalidades, não existem religiões, não existem raças, não existem essas divisões humanas que vocês criaram em toda parte para poderem se sentir melhores uns que os outros. No plano espiritual o que vale é o que você é lá no fundo, e não o que você tem.

Não, meus irmãos… todas essas divisões são ilusórias. No plano espiritual o que vale é o amor, a verdade, a paz, a harmonia interior. No plano espiritual ninguém é julgado por ser rico ou pobre, branco ou negro, doutor ou uma pessoa simples. Lembram-se do que disse o nazareno sobre isso meus irmãos? O mestre disse:

Deus revela aos simples de coração aquilo que esconde dos doutos.

Quando cada um de vocês chegar ao plano espiritual, meus filhos, os anjos de Deus não vão perguntar quantos títulos de doutor vocês conquistaram, quantos bens vocês acumularam, quanto sucesso vocês fizeram, quantos altos cargos vocês subiram na empresa ou quanto de boa fama vocês projetaram. Não meus queridos filhos… os anjos vão perguntar quanta luz você espalhou pela Terra; quanto você tocou o coração dos outros com justiça e benevolência e o quanto a sua obra foi pautada no amor e na paz… ou se sua passagem na Terra foi apenas um capricho do ego, voltada apenas para seu mundinho egoísta e para os prazeres da matéria.

Vamos tomar cuidado, meus queridos filhos, com o veneno da hipocrisia e do preconceito. Não permitam que as aparências do mundo roubem a sua essência. O importante, meus filhos, é o que cada um traz em sua alma, em seu espírito. O que importa de verdade é ser simples e verdadeiro… ser honesto e ter caráter, ser caridoso e ter o amor de Deus no coração. Não se deixem levar pelas aparências, todas elas estão erradas e vemos isso muito claramente quando chegamos ao plano espiritual. Lá, meus filhos, não existem discriminações, todos trabalham por Deus e Deus é a essência regente tudo. É isso que vocês devem buscar a partir de agora, meus queridos filhos.

 

O preto velho despediu-se de todos e então deixou a sala de atendimento do centro espírita. Os trabalhadores ficaram envergonhados com seu próprio comportamento, mas adquiriram uma pérola de sabedoria que nunca mais, em toda a sua vida, seria esquecida.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

A CORRUPÇÃO ESTÁ NA ALMA DO BRASILEIRO?[1]

 

Entrevista de Richard Simonetti sobre corrupção.

 

1 – Sucedem-se os governos no Brasil e perpetua-se a corrupção, em todos os níveis de atividade, na área pública e privada. Está na alma do brasileiro?

‒ A corrupção está na alma da Humanidade, excrescência do comportamento egoístico que caracteriza os habitantes deste planeta de provas e expiações. A preocupação exacerbada com o próprio bem-estar e, no caso, com os patrimônios materiais, inspira e sustenta a desonestidade.

 

2 – Mas essa tendência parece ser mais forte em nosso país.

‒ A tendência é universal. Ocorre que em países desenvolvidos é controlada e punida. A impunidade no Brasil, principalmente em relação aos que mais se comprometem com a corrupção, é assustadora. Com raras exceções, somente os pobres vão parar na cadeia.

 

3 – No seu entender, quais as medidas que deveriam ser tomadas pelo governo?

‒ Compete-lhe aprimorar os controles e instituir mecanismos que levem à punição exemplar dos infratores. Mas isso não basta, já que sempre haverá espertos capazes de burlar as leis. A educação orientada para a cidadania é o caminho mais acertado, estabelecendo controles a partir da consciência de que ser cidadão é, acima de tudo, respeitar as leis.

 

4 – E quanto ao Espiritismo?

‒ Há duas frentes de ação, inspirando a honestidade. Em primeiro lugar, também a educação, não a formal, mas a educação espiritual. Com a consciência de que somos Espíritos imortais em jornada de evolução na Terra, onde nos compete combater os impulsos egoísticos que favorecem a corrupção, somos decisivamente estimulados a respeitar as leis.

 

5 – E a segunda frente?

‒ Mostrar que todos responderemos por nossas ações quando retornarmos ao Mundo Espiritual, em observância plena à advertência de Jesus de que a cada um será dado segundo suas obras (Mateus, 16:27). Quem está consciente dessa realidade será sempre o fiscal incorruptível de si mesmo.

 

6 – Qual seria o castigo da corrupção?

‒ Diz Dante, em A Divina Comédia, que os corruptos vão parar numa vala de piche fervente, no inferno, atormentados por demônios perversos. Suas fantasias guardam algo da realidade espiritual. Em O Céu e o Inferno, Allan Kardec reporta-se a Espíritos comprometidos com o erro, o vício, o crime, a desonestidade, enquanto encarnados. Inúmeros deles descrevem, em manifestações mediúnicas, seus tormentos morais, piche fervente em suas consciências, reunidos, por afinidade, em correspondência à natureza de seus crimes, em tenebrosos vales de sofrimento.

 

7 – A honestidade seria o passaporte para regiões mais amenas?

‒ Sim, mas não basta cumprir as leis dos homens. Sobretudo, é preciso ser honesto perante Deus, como explica o Espírito Joseph Brê, dirigindo-se à sua neta, na obra citada: “Honesto aos olhos de Deus será aquele que, possuído de abnegação e amor, consagre a existência ao bem, ao progresso dos seus semelhantes; aquele que, animado de um zelo sem limites, for ativo na vida; ativo no cumprimento dos deveres materiais, ensinando e exemplificando aos outros o amor ao trabalho; ativo nas boas ações, sem esquecer a condição de servo ao qual o senhor pedirá contas, um dia, do emprego do seu tempo; ativo finalmente na prática do amor a Deus e ao próximo”.

 

 

Fonte: Kardec Rio Preto

quinta-feira, 22 de abril de 2021

PROCURANDO A SOCIEDADE[1]

 

Miramez

 

O homem, ao buscar a sociedade, obedece apenas a um sentimento pessoal ou há também nesse sentimento uma finalidade providencial, de ordem geral?

‒ O homem deve progredir, mas sozinho não o pode fazer porque não possui todas as faculdades: precisa do contato dos outros homens. No isolamento, ele se embrutece e se estiola.

Nenhum homem dispõe de faculdades completas e é pela união social que eles se completam uns aos outros, para assegurarem, seu próprio bem-estar e progredirem. Eis porque, tendo necessidade uns dos outros, são feitos para viver em sociedade e não isolados. (Allan Kardec)

Questão 768/O Livro dos Espíritos

 

O homem procura a sociedade por instinto, por inteligência e pela própria intuição, pois é nela que ele evolui. Não tendo todos os dons desenvolvidos, a alma precisa de viver em relação com muitas das suas irmãs para se completar. O que não encontra em uma, acha em outra, e desta forma é capaz de viver bem melhor. Todavia, ela, isolada, sofre muitas restrições; é a mesma coisa que um doente não querer companhia, detestar médicos e remédio.

A mulher ou o homem pode recusar a vida em família e os filhos? Sem lar eles podem se perder, não encontrando meios para o devido aprendizado. O progresso dos homens depende do conjunto nos quais podem trocar experiências. Deus já os fez assim, visando entre todos a fraternidade e o amor.

Ninguém pode viver só, pois o Senhor não nos criou para vivermos sozinhos, entrementes, para que isso aconteça, necessário se faz que nos eduquemos, na obediência às leis naturais.

Como vivermos juntos, discutindo, brigando e ofendendo uns aos outros?

As guerras são produto das incompreensões. Quando os homens compreenderem a missão de Jesus e seguirem Seus preceitos, as guerras e a discórdia em todo mundo desaparecerão por completo e aí passarão a sentir o perfume do paraíso prometido, onde a felicidade é uma realidade.

A lei de união não é somente para os homens, é para tudo. Os semelhantes se juntam; os próprios pensamentos dos homens se reúnem, por sintonia. São massas fluídicas que se congregam por peso, por vibrações magnéticas, por junções atômicas, uns buscando aos da mesma estirpe e, nesse aconchego, são estudados pelos engenheiros siderais, sobre onde podem ser usados. Na lavoura imensa da Terra, nada se perde. Os próprios pensamentos inferiores são desviados em parte para um campo magnético que circula a Terra e dali, depois das devidas modificações, são usados para muitos trabalhos. As viagens das formas-pensamentos na atmosfera da Terra são imensuráveis, procurando companhias idênticas para se ajustarem.

A sintonia é até de nações para nações. Eis porque o Cristo nos ensinou que devemos amar, nos levando para todas as virtudes nascidas do amor; foi para mudar também as formas-pensamentos, criando, assim, um clima de paz na face da Terra.

Vamos ver o que Lucas anotou, no capítulo dois, versículo dezenove:

Maria, porém, guardava todas essas palavras, meditando-as no coração.

As palavras que vieram dos céus pelos ministros de Deus, chegaram aos ouvidos de Maria, e ela, sentindo a verdade, guardou-as no coração. É o que devemos fazer, ao escutarmos as palavras do Evangelho e as mensagens dos benfeitores da espiritualidade maior. O mundo espiritual derrama em todos os corações o amor, falando de modo que se pode vivê-lo, dando sinal de fé na propagação do bem.

Homem nenhum possui faculdades completas de tudo saber sem o concurso dos outros. Os completistas não vivem na área em que a maior parte dos homens habita, e mesmo esses, vivem juntos, por amor à grande causa de viver melhor.

Agrada-nos saber que Deus está sempre presente em nossos corações, nos ajudando e nos intuindo para a felicidade eterna.



[1] Filosofia Espírita – Volume 16 ‒ João Nunes Maia

quarta-feira, 21 de abril de 2021

DESCOBERTO ELO ENTRE MEDITAÇÃO E RESPIRAÇÃO QUE CONTROLA A MENTE[1]

 

Descoberto elo entre meditação e respiração que controla a mente

 

Noradrenalina[2] e concentração

Iogues e budistas ensinam há milênios que a meditação e práticas focadas na respiração, como o pranayama, fortalecem nossa capacidade de nos concentrarmos nas tarefas.

Pesquisadores do Trinity College de Dublin (Irlanda) descobriram agora uma ligação neurofisiológica entre a respiração e a atenção que pode ser uma das responsáveis por esses efeitos.

A respiração ‒ um elemento-chave das práticas de meditação e de mente alerta ‒ afeta diretamente os níveis de um mensageiro químico natural do cérebro chamado noradrenalina.

Esse mensageiro químico é liberado quando somos desafiados, quando ficamos curiosos, focados ou somos emocionalmente estimulados. Quando produzido nos níveis adequados, ele ajuda o cérebro a desenvolver novas conexões, funcionando como uma espécie de "fertilizante cerebral".

Em outras palavras, a maneira como respiramos afeta diretamente a química dos nossos cérebros de uma maneira que pode melhorar nossa atenção e melhorar nossa saúde cerebral.

 

Respiração e concentração

Os voluntários do estudo que se concentravam bem enquanto realizavam uma tarefa que exigia muita atenção apresentaram maior sincronização entre seus padrões respiratórios e sua atenção do que aqueles que tinham um foco deficiente. Os pesquisadores concluem que isto pode explicar como as práticas de controle da respiração funcionam para estabilizar a atenção e melhorar a atividade do cérebro.

"Os praticantes de ioga afirmam há cerca de 2.500 anos que a respiração influencia a mente. Em nosso estudo, nós procuramos um elo neurofisiológico que pudesse ajudar a explicar essas afirmações medindo a respiração, o tempo de reação e a atividade cerebral em uma pequena área do tronco cerebral, o cerúleo (locus coeruleus), onde a noradrenalina é produzida.

"A noradrenalina é um sistema de ação para todos os fins no cérebro. Quando estamos estressados produzimos noradrenalina demais e não conseguimos nos concentrar. Quando nos sentimos sem energia, produzimos muito pouco e de novo não há foco. Há um ponto ideal de noradrenalina no qual nossas emoções, pensamentos e memória são muito mais claros," detalhou o professor Michael Melnychuk, coordenador da pesquisa.

A meditação focada na respiração e as práticas de respiração iogue têm inúmeros benefícios cognitivos conhecidos, incluindo maior capacidade de concentração, diminuição das divagações mentais, melhor nível de alerta, mais emoções positivas, menor reatividade emocional, e muitos outros. Os cientistas, no entanto, ainda lutam para encontrar conexões neurofisiológicas entre a respiração e a cognição para explicar os benefícios registrados nos experimentos.



[2] A noradrenalina ou norepinefrina é um hormônio e também um neurotransmissor do sistema nervoso simpático. Ela é produzida na medula da glândula suprarrenal, sendo liberada diretamente na corrente sanguínea. Também pode ser secretada por neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso simpático.

terça-feira, 20 de abril de 2021

REFUTAÇÃO DA INTERVENÇÃO DO DEMÔNIO[1]

 

Allan Kardec

 

(Por monsenhor Freyssinous, bispo de Hermópolis)

 

Em resposta à opinião que atribui a uma astúcia do demônio as transformações morais operadas pelo ensino dos Espíritos, temos dito muitas vezes que o diabo seria muito pouco hábil se, para chegar a perder o homem, começasse por o tirar do atoleiro da incredulidade e o reconduzisse a Deus; que esta seria a conduta de um tolo e de um simplório. A isto objetam que é precisamente aí que está a obra-prima da malícia desse inimigo de Deus e dos homens. Confessamos não compreender a malícia.

Um dos nossos correspondentes nos dirige, em apoio ao nosso raciocínio, as palavras que seguem, de monsenhor Freyssinous, bispo de Hermópolis, tiradas de suas Conferências sobre a religião, tomo II, página 341; Paris – 1825.

 

Se Jesus-Cristo tivesse operado seus milagres pela virtude do demônio, o demônio teria trabalhado para destruir o seu império e teria empregado seu poder contra si mesmo. Certamente, um demônio que procurasse destruir o reino do vício para estabelecer o da virtude, seria um demônio singular. Eis por que Jesus, para repelir a absurda acusação dos judeus, lhes dizia: Se opero prodígios em nome do demônio, então o demônio está dividido consigo mesmo; ele procura, pois, destruir-se, resposta que não sofre réplica.

 

Obrigado ao nosso correspondente pelo obséquio de nos assinalar esta importante passagem, da qual nossos leitores saberão aproveitar oportunamente. Obrigado, também, a todos os que nos transmitem o que encontram, em suas leituras, de interessante para a doutrina. Nada é perdido.

Como se vê, nem todos os eclesiásticos professam, sobre a doutrina demoníaca, opiniões tão absolutas quanto as de certos membros do clero. Nestas matérias, o monsenhor de Hermópolis é uma autoridade cujo valor não poderiam recusar. Seus argumentos são precisamente os mesmos que os espíritas opõem aos que atribuem ao demônio os bons conselhos que recebem dos Espíritos. Com efeito, que fazem os Espíritos, senão destruir o reino do vício para estabelecer o da virtude? Reconduzir a Deus os que o desconhecem e o negam? Se tal fosse a obra do demônio, ele agiria como um ladrão profissional, que restituísse o que tinha roubado e induzisse os outros ladrões a se tornarem honestos. Então deveria ser cumprimentado por sua transformação. Sustentar a cooperação voluntária do Espírito do mal para produzir o bem, não só é um contra-senso, mas é renegar a mais alta autoridade cristã: a do Cristo.

Que os fariseus do tempo de Jesus tivessem acreditado nisto de boa-fé, podia conceber-se, porque então não se era mais esclarecido sobre a natureza de Satã do que sobre a de Deus, e que entrava na teogonia[2] dos judeus deles fazer dois grandes rivais. Mas hoje uma tal doutrina é tão inadmissível quanto a que atribuía a Satã certas invenções industriais, como a imprensa, por exemplo. Os mesmos que a defendem talvez sejam os últimos a nela crer; já cai no ridículo e não amedronta a ninguém; em pouco tempo ninguém ousará mais invocá-la seriamente.

A Doutrina Espírita não admite poder rival ao de Deus, e ainda menos poderia admitir que um ser decaído, precipitado por Deus no abismo, pudesse ter recuperado bastante poder para contrabalançar os seus desígnios, o que tiraria de Deus a sua onipotência. Segundo esta doutrina, Satã é a personificação alegórica do mal, como entre os pagãos Saturno era a personificação do tempo, Marte a da guerra, Vênus a da beleza.

Os Espíritos que se manifestam são as almas dos homens e no número os há, como entre os homens, bons e perversos, adiantados e atrasados; os bons dizem boas coisas, dão bons conselhos; os perversos os dão maus, inspiram maus pensamentos e fazem o mal como o faziam na Terra. Vendo a maldade, a velhacaria, a ingratidão, a perversidade de certos homens, reconhece-se que não valem mais que os piores Espíritos; mas, encarnados ou desencarnados, esses Espíritos maus um dia chegarão a se melhorar, quando tiverem sido tocados pelo arrependimento.

Comparai uma e outra doutrina, e vereis qual a mais racional, a mais respeitosa para com a divindade.



[1] Revista Espírita – Fevereiro/1867 – Allan Kardec

[2] Teogonia - genealogia e filiação dos deuses; conjunto de divindades cujo culto constitui o sistema religioso de um povo politeísta; poema de Hesíodo de mais de 10 000 versos, acerca da genealogia dos deuses. (https://dicionario.priberam.org/teogonia [consultado em 18-0 4-2021].

segunda-feira, 19 de abril de 2021

CÂNDIDA AUGUSTA BEZERRA DE MENEZES[1]

 

1851 - 1909

 

Cândida Augusta Bezerra de Menezes, filha de Mariano José Machado e Maria Cândida de Lacerda, casara-se com Bezerra de Menezes, em 21 de janeiro de 1865, dois anos após a desencarnação de Maria Cândida, a primeira esposa do Médico dos Pobres e irmã materna de Cândida Augusta. Cândida, após o matrimônio, colheu os dois sobrinhos que ficaram como filhos do coração, dando-lhes novos irmãos.

Cândida Augusta Bezerra de Menezes, nome que passou a utilizar depois do casamento, nasceu, provavelmente, em 1851, pois que desencarnou aos 58 anos.

O fato de ser 20 anos mais nova que o marido, nascido em 1831, era algo comum no Brasil do século XIX. Por uma questão cultural das famílias, à época, as filhas também se casavam bastante cedo. Curiosamente, Cândida Augusta nasceu no ano da chegada de Bezerra ao Rio de Janeiro.

Meigo espírito veio, certamente, com a missão precípua de dar o suporte familiar e afetuoso necessário ao esposo, quando este, no futuro, iniciasse suas atividades na seara espírita.

Cândida era conhecida pelos familiares e, provavelmente, pelo próprio marido através do terno apelido de Dodoca. Levou uma existência de virtudes, de trabalho e de provações, ao lado do amado companheiro.

Bezerra de Menezes, depois de ter perdido na política do Império a fortuna que adquirira como empresário, viveu os últimos anos de sua existência, pobre, cercado de embaraços e dificuldades. Para isso contribuiu, também, a magnanimidade do seu coração, o seu espírito despojado, que o levava frequentemente a repartir tudo quanto possuía com os necessitados que a ele recorriam.

Em meio às privações daí resultantes, dos dissabores e vicissitudes tão comuns à vida do homem público de seu tempo, a Misericórdia Divina lhe ensejou o amparo carinhoso de sua querida Dodoca, com quem partilhava as alegrias e as amarguras do coração.

Foram 35 anos de afetuosa convivência, até a separação física de Bezerra, ocorrida em 11 de abril de 1900. O desenlace do marido converteu-se numa dolorosa provação na sua vida, até aí tão tranquila e feliz, não obstante as intempéries existenciais anteriormente experimentadas.

Entretanto, conforme testemunham aqueles que a conheceram, Dodoca era uma alma de criança, duplicada de meiguice e singeleza, que nem os anos nem as vicissitudes e decepções do mundo conseguiram modificar.

Apesar de seu desejo em se reunir, brevemente, ao esposo amado no mundo espiritual, era para ela angustiante essa possibilidade, em face da situação dos filhos menores que deixaria. Ao desencarnar, Bezerra deixou seis filhos: Ernestina, Otávio, José Rodrigues, Francisco da Cruz, Hilda e Maria da Conceição. Estes três últimos tinham, respectivamente, 16, 14 e 9 anos.

Dodoca era espírita, absolutamente convencida da imortalidade e da sobrevivência da alma. Quando a enfermidade, que há longos anos lhe minava o organismo, a prostrou definitivamente no leito, ela foi, aos poucos, preparada para a desencarnação, através da ação de amigos espirituais e particularmente de Bezerra de Menezes, que via frequentemente à cabeceira do leito.

Sob essa influência suave e amorosa, manteve-se resignada e confiante de tal forma que, poucas semanas antes de desencarnar, fez suas últimas disposições, indicando até as roupas com as quais gostaria de ser amortalhada.

Conversava sobre o próximo desfecho com a mesma tranquilidade como se tratasse de uma viagem ou de um passeio.

Assim lúcida, confortada se conservou Dodoca, tendo apenas intermitências de angústias físicas que a enfermidade lhe provocava, e durante as quais só se lhe ouviam sair dos lábios os nomes de Jesus e de Bezerra, até que o seu débil corpo sucumbiu, aos 58 anos, e o seu espírito feliz partiu para as regiões da luz.

No dia 20 de março de 1909, desencarnou, na cidade do Rio de Janeiro, Cândida Augusta de Lacerda Machado, a segunda esposa de Bezerra de Menezes.