Simara Lugon Cabral
Quem é minha mãe? E
quem são meus irmãos? E, estendendo a sua mão para os seus discípulos, disse:
Eis aqui minha mãe e meus irmãos; Porque, qualquer que fizer a vontade de meu
Pai que está nos céus, este é meu irmão, e irmã e mãe.
MATEUS, 12:48 a 50
Todos os seres humanos, ao
encarnarem na Terra, são recebidos por uma família consanguínea, que pode ser
composta de diferentes formas: mãe, pai, irmãos, avós, tios ou tias. Porém esta
família não é necessariamente a família espiritual do indivíduo, que é aquela
com a qual o espírito possui maiores afinidades, e que pode se fazer presente
por intermédio da adoção, da amizade ou até mesmo do casamento, e é com esta
família que os laços de afeto são mais acentuados. Estes laços podem variar de
intensidade e ternura ao longo da vida ou até mesmo das encarnações de cada um,
e eles são necessários para que os espíritos possam vivenciar situações diferentes
para sua evolução.
Portanto, em cada encarnação, os
espíritos afins podem se aproximar de diferentes maneiras, e independentemente
da forma como se aproximam, eles não pertencem uns ao outros, e sim percorrem a
jornada da vida lado a lado para que possam cumprir determinadas provações. Por
isso, Jesus pergunta quem é sua mãe e quem são seus irmãos, pois a conexão
espiritual que ele mantinha com os seus discípulos era mais forte do que a que
havia com sua família consanguínea, tanto que ele afirma que seus discípulos
são seus verdadeiros irmãos. Assim, a família espiritual pode vir configurada
de forma diferente da convencional, fazendo com que as afinidades apareçam de
distintas maneiras, dependendo sempre da similaridade de virtudes, de ideias e
do grau de evolução de cada um. De acordo com O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo IV, item 18, Kardec
afirma que:
Os Espíritos formam
no espaço grupos ou famílias unidos pelo afeto, simpatia e semelhança. Esses
Espíritos, felizes de estarem juntos, procuram-se. A encarnação só os separa
momentaneamente, porque, após sua reentrada na erraticidade, reencontram-se,
como amigos no retorno de uma viagem. Muitas vezes, até se acompanham na
encarnação, na qual são reunidos em uma mesma família ou em um mesmo círculo,
trabalhando juntos para o mútuo progresso[2].
Isto não quer dizer que não se
deve amar a própria família ou honrar os pais, e sim que o amor deve ser praticado
entre todos, apesar da compatibilidade espiritual não ser a mesma entre as
pessoas: o afeto pode variar de intensidade, porém a caridade, o respeito e a
generosidade com o próximo, não.
Apesar deste fato, muitas
pessoas se relacionam umas com as outras de forma egoísta, devido ao seu atraso
espiritual, acreditando que as pessoas com as quais convivem e com as quais
possuem laços afetivos são de sua propriedade, o que causa muito sofrimento ao
longo de suas vidas, tais quais durante o divórcio entre cônjuges ou durante o
desencarne de um ente querido. Porém, a realidade é que ninguém pertence a
ninguém, nem pais, nem maridos, nem esposas, nem filhos. As pessoas não são
objetos dos quais pode-se ter a posse, e sim espíritos livres, com sua própria
individualidade, que caminham com o propósito de evoluírem até alcançarem a
perfeição. O sentimento de posse em relação à vida de outra pessoa é irracional
e perigoso, pois é devido a este sentimento que ocorre grande parte dos
feminicídios: homens que não aceitam o fim do relacionamento e se acham no
direito de tirar a vida da mulher, acreditando que esta pertence a eles. Além
disso, o sentimento de posse também faz com que pessoas que possuem familiares
doentes, à beira do desencarne, desejem ardentemente que seus entes permaneçam
ao seu lado, e não reflitam sobre o quanto eles possam estar sofrendo devido às
dores físicas ou moléstias graves, e terminam por atrapalhar o trabalho da
espiritualidade no processo do desenlace espiritual do adoentado. Em outros
casos, o sentimento de posse pode fazer com que filhos adolescentes ou até
mesmo adultos tenham sua liberdade cerceada pelos pais, que julgam que os
filhos lhes pertencem e impedem os mesmos de escolherem seus próprios caminhos,
através de uma verdadeira prisão psicológica.
O amor deve ser praticado com
desapego e livre de egoísmo, pois, segundo O
Livro dos Espíritos:
O egoísmo é a fonte
de todos os vícios, assim como a caridade é a fonte de todas as virtudes.
Destruir um e desenvolver a outra, esse deve ser o alvo de todos os esforços do
homem, se quer garantir sua felicidade, tanto no mundo terreno como no futuro[3].
Portanto, é importante que se
pratique o amor para com o próximo, mas este amor deve ser fraternal, ele
precisa ser vivenciado com a certeza de que todos são irmãos e fazem parte de
uma grande família universal. Afinal, todos caminham rumo ao mesmo objetivo, o
qual será alcançado à medida que cada indivíduo lute para superar seu próprio
egoísmo, seu apego e seu sentimento de posse e se disponha a experimentar e
viver o verdadeiro amor para com toda a humanidade.
[2] KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Matheus Rodrigues de Carvalho.
43ª reimpressão. Capivari, SP: Editora EME, 2018, página 55.
[3] KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. Tradução de Matheus Rodrigues de Carvalho. 24ª
reimpressão. Capivari, SP: Editora EME, 2019, página 292.