terça-feira, 27 de abril de 2021

EUGÉNIE COLOMBE – PRECOCIDADE FENOMENAL[1]

 

Allan Kardec

 

Vários jornais reproduziram o seguinte fato:

 

O Sentinelle, de Toulon, fala de um jovem fenômeno, que se admira no momento nesta cidade.

É uma menina de dois anos e onze meses, chamada Eugénie Colombe.

Esta menina já sabe ler e escrever perfeitamente; além disso está em condição de sustentar o mais sério exame sobre os princípios da religião cristã, sobre a gramática francesa, a geografia, a história da França e as quatro operações de aritmética.

 Conhece a rosa dos ventos e sustenta perfeitamente uma discussão científica sobre todos esses assuntos.

Esta admirável menina começou a falar muito distintamente com quatro meses de idade.

Apresentada nos salões da prefeitura marítima, Eugénie Colombe, dotada de um semblante encantador, obteve um sucesso admirável.

 

Este artigo nos tinha parecido, como a muitas outras pessoas, marcado de tal exagero, que não havíamos ligado nenhuma importância. Todavia, para saber positivamente a quem nos atermos, pedimos a um dos nossos correspondentes, oficial de marinha em Toulon, que se informasse do fato. Eis o que nos respondeu:

 

Para me assegurar da verdade, fui à casa dos pais da menina referida pelo Sentinelle Toulonnaise de 19 de novembro; vi essa encantadora menina, cujo desenvolvimento físico é compatível com sua idade: ela não tem mais que três anos. Sua mãe é professora e dirige a sua instrução. Em minha presença interrogou-a sobre o catecismo, a história sagrada, desde a criação do mundo até o dilúvio, os oito primeiros reis da França e diferentes circunstâncias relativas a seus reinados e ao de Napoleão I. Quanto à Geografia, a menina citou as cinco partes do mundo, as capitais dos países que encerram, várias capitais dos Departamentos da França. Também respondeu perfeitamente sobre as primeiras noções de gramática francesa e o sistema métrico. A menina deu todas essas respostas sem a menor hesitação, divertindo-se com os brinquedos que tinha em mãos. Sua mãe me disse que ela sabe ler desde os dois anos e meio e garantiu-me que é capaz de responder do mesmo modo a mais de quinhentas perguntas.

 

O fato, escoimado do exagero do relato dos jornais, e reduzido às proporções acima, não é menos notável e importante em suas consequências. Chama forçosamente a atenção sobre fatos análogos de precocidade intelectual e conhecimentos inatos.

Involuntariamente se procura a sua explicação, e com as ideias que circulam, da pluralidade das existências, chega-se a encontrar a sua solução racional numa existência anterior. Há que se colocar esses fenômenos no número dos que são anunciados como devendo, por sua multiplicidade, confirmar as crenças espíritas e contribuir para o seu desenvolvimento.

No caso de que se trata, a memória parece certamente desempenhar um papel importante. Sendo professora a mãe da menina, sem dúvida a pequena se encontrava habitualmente na escola e terá retido as lições dadas aos alunos por sua mãe, ao passo que se veem certos alunos possuir, por intuição, conhecimentos de certo modo inatos e fora de qualquer ensino. Mas por que, nela e não em outros, esta facilidade excepcional para assimilar o que ouvia e que, provavelmente, não pensavam em lhe ensinar? É que o que ela ouvia apenas lhe despertava a lembrança do que sabia. A precocidade de certas crianças para as línguas, a música, as matemáticas etc., todas as ideias inatas, numa palavra, igualmente não passam de lembranças; elas se lembraram do que souberam, como se veem certas pessoas lembrar-se, mais ou menos vagamente, do que fizeram ou do que lhes aconteceu. Conhecemos um menino de cinco anos que, estando à mesa, onde nada na conversa poderia ter provocado uma ideia a esse respeito, pôs-se a dizer: “Eu fui casado, e me lembro bem; tinha uma mulher, de baixa estatura, jovem e linda, e tive vários filhos”. Certamente não se tem nenhum meio de controlar sua asserção, mas, pergunta-se, de onde lhe poderia ter vindo semelhante ideia, quando nenhuma circunstância a teria provocado?

Disto se deve concluir que as crianças que só aprendem à custa do trabalho foram ignorantes ou estúpidas em sua precedente existência? Por certo que não. A faculdade de se recordar é uma aptidão inerente ao estado psicológico, isto é, ao mais fácil desprendimento da alma em certos indivíduos do que em outros, uma espécie de visão espiritual, que lhes lembra o passado, ao passo que os que não a possuem, esse passado não deixa nenhum traço aparente. O passado é como um sonho, do qual nos lembramos com maior ou menor exatidão, ou do qual perdemos totalmente a lembrança. (Vide Revista Espírita de julho de 1860; idem de novembro de 1864).

No momento de ir para o prelo, recebemos de um dos nossos correspondentes da Argélia, que, de passagem por Toulon, viu a pequena Eugénie Colombe, uma carta contendo o relato seguinte, que confirma o precedente, e acrescenta detalhes que não deixam de ter interesse:

 

Esta menina, de notável beleza e extrema vivacidade, é de uma doçura angelical. Sentada nos joelhos de sua mãe, respondeu a mais de cinquenta perguntas sobre o Evangelho. Interrogada sobre Geografia, designou-me todas as capitais da Europa e de diversos estados da América; todas as capitais dos Departamentos franceses e da Argélia; explicou-me o sistema decimal, o sistema métrico. Em gramática, os verbos, os particípios e os adjetivos. Ela conhece, ou pelo menos define, as quatro operações. Escreveu o que lhe ditei com tal rapidez que fui levado a crer que escrevia mediunicamente. Na quinta linha interrompeu a escrita, olhou-me fixamente com seus grandes olhos azuis e me disse bruscamente: ‘Senhor, é bastante.’ Depois desceu da cadeira e correu aos seus brinquedos.

Esta criança é certamente um Espírito muito avançado, porque se vê que responde e cita sem o menor esforço de memória. Sua mãe me disse que desde a idade de 12 a 15 meses ela sonha à noite, mas numa linguagem que não permite compreendê-la. É caridosa por instinto; atrai sempre a atenção da mãe, quando avista um pobre; não suporta que batam nos cães, nos gatos, nem em qualquer animal. Seu pai é um operário do arsenal marítimo.

 

Só espíritas esclarecidos, como os nossos dois correspondentes, podiam apreciar o fenômeno psicológico que apresenta esta menina e sondar-lhe a causa; porque, assim como para julgar um mecanismo é preciso um mecânico, para julgar fatos espíritas é preciso ser espírita. Ora, em geral a quem encarregam da constatação e da explicação dos fenômenos deste gênero?

Precisamente a pessoas que não os estudaram e que, negando a causa primária, não lhe podem admitir as consequências.



[1] Revista Espírita – Fevereiro/1867 – Allan Kardec

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