sexta-feira, 31 de maio de 2019

SOBRE A LIBERDADE E A OBSESSÃO[1]



Antônio Carlos Navarro

Em se tratando de obsessão e liberdade sempre haverá o que reavaliar.
O livro “Roteiro”, ditado por Emmanuel ao grande médium Francisco Cândido Xavier, traz lições altamente esclarecedoras a respeito do intercâmbio mental entre as criaturas humanas, estejam elas encarnadas ou desencarnadas.
No capítulo vinte e cinco da referida obra, intitulado “Ante a vida Mental”, entre outras coisas, encontramos:
A mente é manancial vivo de energias criadoras.
O pensamento é substância, coisa mensurável.
Encarnados e desencarnados povoam o Planeta, na condição de habitantes dum imenso palácio de vários andares, em posições diversas, produzindo pensamentos múltiplos que se combinam, que se repelem ou que se neutralizam.
Correspondem-se as ideias, segundo o tipo em que se expressam, projetando raios de força que alimentam ou deprimem, sublimam ou arruínam, integram ou desintegram, arrojados sutilmente do campo das causas para a região dos efeitos.
Quem mais pensa, dando corpo ao que idealiza, mais apto se faz à recepção das correntes mentais invisíveis, nas obras do bem ou do mal.
E, em razão dessa lei que preside à vida cósmica, quantos se adaptarem, ao reto pensamento e à ação enobrecedora, se fazem preciosos canais da energia divina, que, em efusão constante, banha a Humanidade em todos os ângulos do Globo, buscando as almas evoluídas e dedicadas ao serviço de santificação, convertendo-as em médiuns ou instrumentos vivos de sua exteriorização, para benefício das criaturas e erguimento da Terra ao concerto dos mundos de alegria celestial.

E no capítulo seguinte, o de número vinte e seis, intitulado “Afinidade”, esclarece o Grande Benfeitor como que a complementar o acima transcrito:
O homem permanece envolto em largo oceano de pensamentos, nutrindo-se de substância mental, em grande proporção.
Toda criatura absorve, sem perceber, a influência alheia nos recursos imponderáveis que lhe equilibram a existência. Em forma de impulsos e estímulos, a alma recolhe, nos pensamentos que atrai, as forças de sustentação que lhe garantem as tarefas no lugar em que se coloca.
De modo imperceptível, ingerimos pensamentos, a cada instante, projetando, em torno de nossa individualidade, as forças que acalentamos em nós mesmos.
Por isso, quem não se habilite a conhecimentos mais altos, quem não exercite a vontade para sobrepor-se às circunstâncias de ordem inferior, padecerá, invariavelmente, a imposição do meio em que se localiza.
Se nos confiamos às impressões alheias de enfermidade e amargura, apressadamente se nos altera o tônus mental, inclinando-nos à franca receptividade de moléstias indefiníveis.
Se nos devotamos ao convívio com pessoas operosas e dinâmicas, encontramos valioso sustentáculo aos nossos propósitos de trabalho e realização.
Falamos sempre ou sempre agimos pelo grupo de espíritos a que nos ligamos.
Somos obsidiados por amigos desencarnados ou não e auxiliados por benfeitores, em qualquer plano da vida, de conformidade com a nossa condição mental.
Daí o imperativo de nossa constante renovação para o bem infinito.
Trabalhar incessantemente é dever.
Servir é elevar-se.
Aprender é conquistar novos horizontes.
Amar é engrandecer-se.
Trabalhando e servindo, aprendendo e amando, a nossa vida íntima se ilumina e se aperfeiçoa, entrando gradativamente em contato com os grandes gênios da imortalidade gloriosa.

Estas informações são claríssimas, e seria de muito valor revisarmos os referidos capítulos integralmente, quando não o livro todo, para que possamos entender, definitivamente, que os processos obsessivos, ou a experiência da liberdade espiritual, começam em nosso próprio mundo mental, e consequentemente nas ações que perpetramos, porque estas sempre serão construções assentadas sobre o alicerce chamado pensamento.

Pensemos nisso.


Fonte: Kardec Rio Preto

quinta-feira, 30 de maio de 2019

PACTO DIFERENTE[1]



Miramez

Há alguma coisa de verdadeira nos pactos com os maus Espíritos?
‒ Não, não há pactos, mas uma natureza má simpatizando com maus Espíritos. Por exemplo: queres atormentar teu vizinho, e não sabes como fazê-lo; então chamas para ti os Espíritos inferiores que, como tu, não querem senão o mal, e para te ajudarem querem que lhes sirvas nos seus maus propósitos. Mas não se segue daí que teu vizinho não possa se livrar deles por uma conjuração contrária e pela sua vontade. Aquele que quer cometer uma ação má, chama, só por isso, maus Espíritos para ajuda-lo. Está, então, obrigado a servi-los, como o fazem para si, porque eles também têm necessidade dele para o mal que queiram fazer. E somente nisso que consiste o pacto.
A dependência em que o homem se encontra, algumas vezes, em relação aos Espíritos inferiores, provém de seu abandono aos maus pensamentos que eles lhe sugerem e não de quaisquer estipulações recíprocas. O pacto, no sentido vulgar que se dá a essa palavra, é uma alegoria que figura uma natureza má simpatizando com Espíritos malfazejos. (Allan Kardec)
                                                                  Questão 549/Livro dos Espíritos
                                                                                             
Entre os homens existem pactos, donde aparecem contratos assinados para que possam cumprir o prometido. Entre os Espíritos, em relação aos homens de má índole, o pacto é diferente: é a união de ideias, é a sintonia de sentimentos. Se queres fazer mal a alguém, é só te fixares nestes pensamentos, que logo surgirão Espíritos das mesmas ideias, e que, por vezes, não gostam dos que deverão ser atingidos.
Os papéis são os sentimentos, e as letras, o desejo, que somente existe entre Espíritos carregados de paixões inferiores, preocupados somente com a vingança e a maldade. Às pessoas deste teor espiritual nós aconselhamos atentar para o que diz Mateus, no capítulo 4, versículo 17:
“Daí por diante passou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus”.
Pediu o Senhor aos Espíritos de maus sentimentos para se arrependerem e não praticarem mais atos indignos, que logo chegaria para eles o reino dos céus, porque o representante deste reino estava na Terra, para escolher as Suas ovelhas. Ele era o Pastor de toda a humanidade.
E agora é hora de fazermos os nossos pactos com o bem e, através das nossas vidas, sermos honestos e sinceros aos ensinamentos do Mestre. Quando em tribulações, devemos orar, pedindo a Jesus que nos inspire para fazer o melhor. O fato de o homem ficar na dependência dos Espíritos inferiores se concretiza pelos pensamentos. O modo pelo qual vive a criatura atrai entidades da mesma natureza.
Se queres Espíritos bons em tua companhia, pensa diferente, muda as atitudes para o bem comum, pauta a tua vida no amor, sendo que Deus esteja em primeiro lugar, a receber tua atenção amorosa. Nada existe no mundo da matéria que afaste Espíritos maus das pessoas, a não ser o seu modo de viver.
Se queres Espíritos de luz a te inspirar, basta viveres na luz. Os Espíritos dotados de paixões inferiores buscam os homens dos mesmos sentimentos, e eis que aí se encontra o pacto por analogia de sentimentos.
A Doutrina dos Espíritos vem nos ensinar a fazer mudanças na moral, e cada vez mais crescer nas virtudes. Desta forma, somente os Espíritos de elevados sentimentos são capazes de acompanhar a criatura e fazê-la feliz.
Quando desejas o mal para tal ou qual pessoa, se esta não se encontra na faixa do mal, esse mal não chega ao seu ambiente; ele é desviado para lugares onde encontra sintonia, ou então volta para quem o desejou, e com mais intensidade. Quando o pensamento sai para seu destino, tem a força de atração dos seus iguais e vai se avolumando. Por lei, ele volta para onde nasceu. Quem deseja o mal, é sempre visitado por ele, e aquele que semeia o bem, ganha por isso, porque a lei é a mesma.
Aqueles que chamam os Espíritos maus pelas suas ideias, persistindo em fazer mal a outrem, atraem com isso maus Espíritos que ficam seus amigos, e passam a ser devedores desses Espíritos, podendo ser cobrados a qualquer momento. Ter amigos no mal, a razão nos informa que não é bom. Somente o amor constrói; todos os homens sabem disso, só faltando que todos eles passem a viver o amor, porque somente a vivência nos livra de todos os ataques.




[1] Filosofia Espírita – Volume 11 – João Nunes Maia

quarta-feira, 29 de maio de 2019

ESPIRITISMO: Crença Compartilhada ou Doutrina Filosófica?[1]


Jáder dos Reis Sampaio

Há uma diferença entre crenças compartilhadas e doutrinas filosóficas. As primeiras se baseiam em um corpo de ideias, racionais ou não, com ou sem base empírica, propostas ou mantidas por pessoas consideradas autoridades por um grupo. Um exemplo famoso de crença compartilhada é o “senso comum” ou conhecimento popular, que é um conjunto de crenças aprendidas em sociedade que são passadas entre gerações e aceitas pelos membros dos grupos sociais.
Recordo-me das famílias que atendíamos no Lar Espírita Esperança, e com as quais conversávamos sobre noções de puericultura. Muitas mães, oriundas “da roça”, aprenderam em suas comunidades que se deve tratar do umbigo do recém-nascido com teias de aranha, fumo de rolo ou outras substâncias, que a medicina mostra trazerem riscos de saúde para o neonato, infecções ou outros problemas. Indicávamos o uso de álcool, com base na autoridade médica, mas muitas mães recusavam, dizendo que demorava muito para cair o umbigo.
Nas nossas cabeças, tratava-se de uma disputa de autoridades. Quem deveria ser considerado? Muitas mães achavam que suas mães, avós, vizinhas e outras pessoas “experientes” sabiam o que fazer. Nós acreditávamos na medicina, porque os médicos baseiam suas práticas em conhecimentos verificados, registrados e comparados, com uma casuística muito maior que a do conhecimento popular. Entre nós e elas havia apenas uma disputa de autoridades, mas espera-se do conhecimento médico uma decisão se possível consensual, com base em estudos, observações e comparações estatísticas.
Quando pensamos no Espiritismo, vemos um corpo imenso de proposições, a partir dos estudos de Allan Kardec. Que proposições devemos aceitar como espíritas? O próprio Kardec nos ensinou que muitas delas partiram de observações, outras de raciocínios filosóficos, outras de consenso entre espíritos considerados superiores, que se comunicavam por médiuns diferentes. Mais à frente, quando publicava a Revista Espírita, Kardec dá mostras de levar em consideração a análise e a crítica oriunda dos diversos grupos e leitores do periódico.
Como avança o pensamento espírita? Deveria ser da mesma forma. Novas proposições deveriam ser analisadas racionalmente, as observações que fundamentam essas proposições deveriam ser explicitadas e compartilhadas. Com certeza, a reputação dos médiuns é importante, sua participação voluntária (sem qualquer contrapartida econômica) no trabalho mediúnico também, mas sua reputação em si não deveria assegurar a veracidade ou não da sua produção mediúnica.
Qualquer médium é capaz de ser enganado por espíritos, de substituir as ideias de espíritos comunicantes por suas próprias ideias (sem o perceber), de não entender direito o que lhes é intuído e registrar algo originalmente certo de forma equivocada. Os médiuns são pessoas, então mesmo que tenham seu compromisso com a reforma íntima, têm seus sentimentos, suas vaidades, seu orgulho pessoal, e suas emoções podem muito bem interferir em questões que deveriam ser solucionadas de forma racional, como todos nós o fazemos em nossas vidas.
Quanto maior o respeito que tenhamos a um médium, cabe a um estudioso espírita perguntar-se sempre qual é o fundamento do que se afirma em nome do espiritismo. A assertiva respeita a razão? A proposição entra em contradição com o corpo doutrinário? Nesse caso, o que justificaria uma mudança de posição até então adotada? Que argumentos foram construídos? A interpretação do que diz o Espírito está correta? Onde mais encontramos ideias de mesmo teor? Há alguma base na observação ou experimentação científicos?
Alguns espíritas e algumas casas espíritas, contudo, não avançam em nível de análise. Escolhem autores e expositores e aceitam em bloco tudo o que afirmam em nome do espiritismo. Têm uma noção superficial do sentido dos conceitos, não fazem análise racional do que dizem, não consideram importante verificar a origem das teorias que esposam. Afirmam que o espiritismo é também uma filosofia, mas desconhecem o que é filosofia. Quando são questionados, geralmente respondem algo que se resume na expressão latina: magister dixit, ou seja, “o professor disse”. Outra expressão latina também ilustra bem essa forma de trabalhar: Roma locuta, causa finita ou seja, “Se Roma falou, a causa está encerrada”. É uma forma de pensar composta de dogmas, ideias indiscutíveis, mesmo que pensem o contrário.
O professor, ou Roma, pode ser um expositor famoso, um médium prestigiado, um dirigente de casa espírita, ou um “guia espiritual”. Todos os cuidados com o conhecimento propostos pelo velho Kardec são esquecidos, e o que passa a valer é uma espécie de referendo grupal das opiniões. O membro da casa espírita passa a se preocupar mais com a conformidade ou não de uma ideia com as dos demais membros que com sua realidade ou coerência. É algo como: creio porque todos creem nisso também. A crença coletiva passa a ser mais importante que a verdade, a razão e até mesmo o bom senso.
Pensemos nisso. Estudar o espiritismo é algo que exige da pessoa interessada mais que a compreensão e a fé; exige compromisso com a razão e com a busca da verdade.

terça-feira, 28 de maio de 2019

Um Criminoso Arrependido[1], [2]




Durante a visita que acabamos de fazer aos espíritas de Bruxelas, deu-se o seguinte fato em nossa presença, numa reunião íntima de sete ou oito pessoas, a 13 de setembro.
Solicitou-se a uma senhora médium que escrevesse, sem que se tivesse feito qualquer evocação especial. Assaltada por extraordinária agitação, e depois de haver rasurado violentamente o papel, escreve em caracteres muito grossos estas palavras: “Arrependo-me! arrependo-me! Latour.”
Surpreendidos com a inesperada comunicação, de modo algum provocada, visto que ninguém pensara nesse infeliz, cuja morte até então era ignorada por uma parte dos assistentes, dirigimos ao Espírito palavras de conforto e comiseração, fazendo-lhe em seguida esta pergunta:
– Que motivo vos levou a manifestar-vos aqui, de preferência a outro lugar, quando não vos evocamos?
Responde o médium de viva voz:
‒ Vi que, almas compassivas, teriam piedade de mim, ao passo que outros me evocavam mais por curiosidade que por caridade, ou de mim se afastavam horrorizados.
Depois começou por uma cena indescritível, que não durou mais de meia hora. O médium, juntando os gestos e a expressão da fisionomia à palavra, deixava patente a identificação do Espírito com a sua pessoa; às vezes, esses gestos de cruel desespero desenhavam vivamente o seu sofrimento; o tom da sua voz era tão compungido, as súplicas tão veementes, que ficávamos profundamente comovidos. Alguns estavam mesmo aterrorizados com a superexcitação do médium, mas sabíamos que a manifestação de um ente arrependido, que implora piedade, nenhum perigo poderia oferecer. Se ele buscou os órgãos do médium, é que melhor desejava patentear a sua situação, a fim de que mais nos interessássemos pela sua sorte, e não como os Espíritos obsessores e possessores, que visam apoderar-se dos médiuns para dominá-los. Tal manifestação lhe fora talvez permitida não só em benefício próprio, como também para edificação dos circunstantes.
Ei-lo a exclamar:
Oh! sim, piedade... Muito necessito dela... Não sabeis o que sofro... Não o sabeis, e não podereis compreendê-lo. É horrível! A guilhotina!... Que vale a guilhotina comparada a este sofrimento de agora? Nada! – É um instante. Este fogo que me devora, sim, é pior, porque é uma morte contínua, sem tréguas nem repouso... Sem-fim!... E as minhas vítimas, ali estão ao redor, a mostrar-me os ferimentos, a perseguir-me com seus olhares...
Aí estão, e vejo-as todas... Todas... Sem poder fugir-lhes!
E este mar de sangue?! E este ouro manchado de sangue? Tudo aí está!... Tudo... E sempre ante meus olhos! E o cheiro de sangue... Não o sentis? Oh! Sangue e sempre sangue! Ei-las que imploram, as pobres vítimas, e eu a feri-las sempre... Sempre... Impiedosamente!...
O sangue inebria-me... Acreditava que depois da morte tudo estaria terminado, e assim foi que afrontei o suplício e afrontei o próprio Deus, renegando-O!... Entretanto, quando me julgava aniquilado para sempre, que terrível despertar... Oh! Sim, terrível, cercado de cadáveres, de espectros ameaçadores, os pés atolados em sangue!!...
Acreditava-me morto, e estou vivo! Vivo para rever tudo isto! Para o ver incessantemente!... Horrendo! Horrendo! Mais horrendo que todos os suplícios da Terra! Ah! Se todos os homens pudessem saber o que há para além da vida, saberiam também quanto custam as consequências do mal! Certo não haveria mais assassínios, nem criminosos, nem malfeitores! Eu só quisera que todos os assassinos pudessem ver o que eu vejo e sofro...
Oh! Então não mais o seriam, porque é horrível este sofrimento! Bem sei que o mereci, oh! Meu Deus, porque também não tive compaixão das minhas vítimas; repelia as mãos súplices quando imploravam que as poupasse... Sim, fui cruel, decerto, matando-as covardemente para roubá-las! E fui ímpio, e fui blasfemo também, renegando o vosso sacratíssimo nome... Quis enganar-me, porque eu queria persuadir-me de que vós não existíeis...
Meu Deus, eu sou grande e criminoso! Agora o compreendo. Mas... Não tereis piedade de mim?... Vós sois Deus, isto é, a bondade, a misericórdia! Sois onipotente! Piedade, Senhor, Piedade! Eu vo-lo peço, não sejais inexorável; libertai-me destes olhares odiosos, destes espectros horríveis... Deste sangue... Das minhas vítimas... Olhares que, quais punhaladas, me varam o coração.
Vós outros, que aqui estais, que me ouvis, sede bondosos, almas caritativas. Sim, eu o vejo, sei que tendes piedade de mim, não é verdade? Haveis de orar por mim... “Oh! Eu vo-lo suplico, não me abandoneis como fiz outrora aos outros. Pedireis a Deus que me tire este horrendo espetáculo de ante os olhos, e Ele vos ouvirá porque sois bons... Imploro, orai por mim.

Os assistentes, sensibilizados, dirigiram-lhe palavras de conforto e consolação. Deus, disseram-lhe, não é inflexível; apenas exige do culpado um arrependimento sincero, aliado à vontade de reparar o mal praticado. Uma vez que o vosso coração não está petrificado e que lhe pedis o perdão dos vossos crimes, a sua misericórdia baixará sobre vós. Preciso é, pois, que persevereis na boa resolução de reparar o mal que fizestes. Certo, não podeis restituir às vítimas as vidas que lhes arrancastes, mas, se o impetrardes com fervor, Deus permitirá que as encontreis em uma nova encarnação, na qual lhes podereis patentear tanto devotamento quanto o mal que lhes fizestes. E quando a reparação lhe parecer suficiente, para logo entrareis na sua santa graça. Assim, a duração do vosso castigo está nas vossas mãos, dependendo de vós o abreviá-lo. Comprometemo-nos a auxiliar-vos com as nossas preces e invocar para vós a assistência dos Espíritos bons. Vamos pronunciar em vossa intenção a prece que se contém na Imitação do Evangelho, referente aos Espíritos sofredores e arrependidos. Não pronunciaremos a que se refere aos Espíritos maus, porque desde que vos arrependeis, que implorais, que renunciais ao mal, não passais para nós de um Espírito infeliz e não mau.
Feita essa prece, o Espírito continua, depois de breves instantes de calma:
Obrigado, meu Deus!... Oh! obrigado! Tivestes piedade de mim... Eis que se afastam os espectros... Não me abandoneis, enviai-me os vossos Espíritos bons para me sustentarem... Obrigado

Depois desta cena o médium fica alquebrado, abatido, os membros lassos por algum tempo. A princípio, apenas tem vaga ideia do que se há passado, mas pouco a pouco vai lembrando-se de algumas das palavras que pronunciou sem querer, reconhecendo que não era ele quem falara.
No dia seguinte, em nova reunião, o Espírito tornou a manifestar-se, reencetando a cena da véspera, porém por minutos apenas, e isso com a mesma gesticulação expressiva, posto que menos violenta. Depois, tomado de agitação febril, escreveu:
Grato às vossas preces. Experimento já uma sensível melhora. Foi tal o fervor com que orei, que Deus me concedeu um momentâneo alívio; não obstante, terei de ver ainda as minhas vítimas... Ei-las! Ei-las! Vedes este sangue?... (Repetiu-se a prece da véspera. O Espírito continua dirigindo-se ao médium.)
Perdoai o ter-me apossado de vós. Obrigado pelo alívio que proporcionais aos meus sofrimentos. Perdoai o mal que vos causei, mas eu tenho necessidade de me comunicar, e só vós o podeis...
Obrigado! Obrigado! Já sinto algum alívio, posto não tenha atingido o fim das provações. As minhas vítimas voltarão dentro em breve. Eis a punição a que fiz jus, mas Deus meu, sede indulgente.
Orai todos vós por mim, tende piedade.
Latour

Observação – Conquanto não tenhamos prova material da identidade do Espírito que se manifestou, também não temos motivo para duvidar. Em todo o caso, evidentemente é um Espírito muito culpado, mas arrependido, terrivelmente infeliz e torturado pelo remorso. Sob este aspecto, a comunicação é muito instrutiva, porque não se pode menosprezar a profundeza e o elevado alcance de algumas palavras que ela encerra; além disso, oferece um dos aspectos do mundo dos Espíritos castigados, acima do qual, entretanto, se vislumbra a misericórdia de Deus. A alegoria mitológica das Eumênides[3] não é, assim, tão ridícula quanto se pensa, e os demônios, carrascos oficiais do mundo invisível, que os substituem na crença moderna, são menos racionais, com seus chifres e seus tridentes, do que essas vítimas, elas próprias servindo para o castigo do culpado.
Admitindo a identidade desse Espírito, talvez se admirem de uma mudança assim tão imediata em seu estado moral.
É que, como fizemos notar em outra ocasião, muitas vezes há mais recursos num Espírito brutalmente mau, do que no que é dominado pelo orgulho, ou que oculta seus vícios sob o manto da hipocrisia. Este pronto retorno a melhores sentimentos indica uma natureza mais selvagem que perversa, à qual só faltou uma boa direção. Comparando sua linguagem com a de outro criminoso, citado na Revista de julho de 1864, sob o título de: Castigo pela Luz [publicado neste blog em 23/04/2019], é fácil ver qual dos dois é mais adiantado moralmente, a despeito da diferença de instrução e de posição social; um obedecia a um instinto natural de ferocidade, a uma espécie de superexcitação, enquanto o outro trazia na perpetração de seus crimes a calma e o sangue-frio de lenta e perseverante combinação e, depois da morte, ainda afrontava o castigo com orgulho. Sofre, mas não quer submeter-se, ao passo que o outro é domado imediatamente.
Assim, pode prever-se qual dos dois sofrerá por mais tempo.



[1] Revista Espírita – Outubro/1864 – Allan Kardec
[2] N. do T.: Vide O Céu e o Inferno, 2ª parte, capítulo VI (Jacques Latour).
[3] Tragédia grega, de autoria de Ésquilo.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

PAUL GIBIER[1]




O Doutor Paul Gibier, um dos sábios pesquisadores da fenomenologia espírita no século XIX, membro da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres, nasceu em 9 de outubro de 1951, na França. Foi médico, diretor do Laboratório de Patologia Experimental e Comparada do Museu de História Natural de Paris, aluno predileto de Louis Pasteur, ex-interno dos Hospitais de Paris, condecorado pela Faculdade de Medicina de Paris pela apresentação de tese sobre a raiva, incumbido pelo governo francês de estudar na França e no Exterior várias epidemias de "cólera-morbo" e de febre amarela, diretor do Instituto Bacteriológico (Instituto Pasteur) de Nova Iorque, membro da Academia de Ciências de Nova Iorque, Cavaleiro da Legião de Honra.
Nos primeiros dias do mês de junho de 1900, os jornais de Nova Iorque anunciaram que o Doutor Gibier acabara de falecer, num acidente a cavalo. Esta notícia não deixou indiferente nenhum daqueles, hoje muito numerosos, na França e no estrangeiro, que seguem, com certa atenção, o progresso dos estudos psicológicos. Grandes jornais não se limitaram a reproduzir a notícia; eles evocaram testemunhos de estima pela vida e trabalhos do sábio, não mais discutindo a realidade dos fatos observados, mas emitindo somente a opinião de que ele tinha ido muito longe. Nós não vimos, entretanto, nenhuma tentativa de contestação de suas opiniões. Vê-se que já estávamos, naquela época, muito longe do tempo em que tomavam por argumentos, sem réplica, alguns gracejos banais e irrefletidos que, em todos os tempos, acolheram as ideias novas e as grandes descobertas!
Sabemos bem pouca coisa acerca do Dr.Gibier. Ele mesmo nos informa que, antes de se entregar ao estudo da medicina, consagrou cinco anos a estudar a técnica mecânica. Formado em Medicina, começou a trabalhar num dos laboratórios do Museu de História Natural de Paris, entregando-se com paixão a pesquisas sobre os infinitamente pequenos que ocupam um lugar importante na preocupação de todos. Ele realizava, ao mesmo tempo, experiências sobre os fenômenos psicológicos e, em pouco tempo, foi obrigado a deixar o Museu, por causa destas últimas pesquisas, na opinião dele e de seus amigos, e por outros motivos, segundo os sábios do Museu.
Sabemos que Pasteur depositou nele toda a sua confiança, muita estima e o encarregou de várias missões na América Central, com a finalidade de estudar, em campo, os agentes microscópicos das doenças epidêmicas e da febre amarela, em particular. Foi, em seguida, nomeado diretor do Instituto Pasteur da cidade de Nova Iorque, cidade onde acabou de sucumbir bruscamente.
Este sábio, incluído frequentemente entre os homens corajosos que não temem arriscar sua reputação e seu futuro, ao publicar suas opiniões apoiadas em fatos, nos deixou duas obras bem conhecidas, que merecem ser lidas e mais divulgadas. A primeira, "O Espiritismo (Faquirismo Ocidental)", apareceu em 1886, e a segunda, "Análise das Coisas", em 1890.
A partir desta data, ele não deixou de observar e experimentar. Sabe-se que ele se propunha a resumir, numa última obra, seus trabalhos precedentes e nos fazer revelações que considerava ainda prematuras naquela época. Porém, a morte o surpreendeu e a Humanidade não pôde tomar conhecimento do restante de sua obra, certamente a parte mais importante!
Na Introdução de seu primeiro livro escreveu:
Declaramos, à viva voz, que ao começar estas pesquisas, tínhamos a íntima convicção de que nos encontrávamos em face de uma colossal mistificação, que precisava ser descoberta, e levamos muito tempo para nos desfazermos desta ideia.

Portanto, este sábio, como tantos outros de sua época, partiu com a ideia de desmascarar as mistificações, com uma convicção e, pouco a pouco, se fez defensor da nova ciência psíquica, com uma certeza que aumentava no decorrer do número e da variedade de experiências.
Naquilo que deixou escrito, ficou bem claro seu propósito de não divulgar, no seu entender, prematuramente, com detalhes, tudo o que havia descoberto, em virtude da opinião contrária do "meio científico". Mas, mesmo assim, ficou comprovado que muito avançou, para a sua época, em suas pesquisas: teorias das mais ousadas sobre a matéria, o papel da força, a evolução dos mundos, a constituição do homem, os fenômenos que acompanham e seguem a morte etc.
Ajudado pelo médium Slade, estudou, de uma maneira toda especial, o curioso fenômeno da escrita direta na ardósia, ao qual consagrou 33 sessões. Numerosas mensagens, em diversas línguas, foram obtidas no interior de ardósias duplas, fornecidas pelo experimentador e seladas uma contra a outra.
Em 1900, enviou ao Congresso Internacional Oficial de Psicologia, reunido em Paris, um relatório de várias materializações de espíritos, observadas em seu laboratório em Nova Iorque, na presença de várias testemunhas, notadamente dos funcionários que o assistiam em seus estudos de biologia.

sábado, 25 de maio de 2019

LEI DO TRABALHO[1]



Divaldo Pereira Franco

Quando Allan Kardec, o codificador do Espiritismo, organizou O Livro dos Espíritos, dedicou uma parte da Obra, a 3ª, às Leis Morais.
Elucidando que a fundamental é a Lei Natural, a do Amor, estudou com percuciência as demais, em número de dez, destacando entre outras a Lei do Trabalho.
Indagou o emérito mestre de Lyon às Entidades que administram os destinos da Terra: Questão 647 - A necessidade do trabalho é lei da Natureza?
O trabalho é lei da Natureza, por isso mesmo que constitui uma necessidade, e a civilização obriga o homem a trabalhar mais, porque lhe aumenta as necessidades e os gozos.

O trabalho de qualquer espécie, particularmente aquele que faculta o desenvolvimento ético-moral do ser humano é um Lei Cósmica.
Jesus teve ocasião de afirmar: Meu Pai trabalha até hoje e eu próprio trabalho.
Após longos períodos de crescimento moral a sociedade entendeu que o trabalho não é uma punição imposta pela Divindade, mas um recurso dos mais valiosos para a educação dos sentimentos e um mecanismo eficaz para facultar o entendimento da vida e a melhor maneira de alcançar-se a plenitude.
De tal forma se compreendeu a necessidade do trabalho útil que a cultura moderna instituiu um dia no calendário dedicado a esse esforço que reúne todas as criaturas de bem a movimentar-se em favor de melhores estruturas de comportamento.
Paradoxalmente, no Dia do Trabalho, não se trabalha, como sendo a melhor maneira de respeitar o conceito, dispondo-se de tempo para o repouso, o divertimento, os contatos humanos de encontros e prazeres.
Constata-se o valor moral de um indivíduo, entre outros valores, pela sua capacidade de trabalhar, mantendo-se ativo no cumprimento do dever de contribuir em favor do progresso social e moral de todos, ao tempo em que a atividade lhe constitui verdadeira terapia preventiva a diversos males que atacam o organismo e interferem no comportamento emocional.
A pessoa diligente e operosa que trabalha não dispõe de tempo na sua agenda diária para a futilidade nem a observação perturbadora do comportamento alheio. Compreende que cada pessoa encontra-se em um diferente nível de consciência do dever, administrando, mediante a sua formação ética, todos os atos e oportunidades de que dispõe para o seu desenvolvimento intelecto-espiritual.
A existência planetária tem o fim de estimular as sementes do amor que jazem adormecidas no inconsciente do homem e da mulher, o que normalmente se diz como sendo o deus interno aguardando o momento de expandir-se.
O trabalho é Lei de Deus para a vida.




[1] Artigo publicado no jornal “A Tarde”, coluna Opinião, 02 de maio 2019.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

PRETOS VELHOS[1]



Richard Simonetti[2]

1 – O que dizer da manifestação de pretos velhos no Centro Espírita, com seu linguajar peculiar? Não devem ser estimulados a mudar a postura, instruindo-se?
‒ Parece-me que a evolução não tem nada a ver com a expressão física ou linguística. Espíritos que se manifestam como pretos velhos podem ser muito evoluídos, tanto quanto branquelos podem ser atrasados.

2 – O problema é quando Espíritos apresentam-se como orientadores. Fica complicado aceitar que um mentor não tenha aprendido a falar.
‒ Kardec orienta que devemos considerar o conteúdo, não a forma. Respeitando a opção do Espírito, tudo o que nos compete avaliar é se sua mensagem guarda compatibilidade com os princípios espíritas.

3 – Não devemos, portanto, opor resistência à manifestação de pretos velhos, índios, caboclos?…
‒ Não vejo motivo para cultivar preconceitos, mesmo porque, não raro, Espíritos dessa condição, menos esclarecidos e ainda vinculados às tradições da raça, manifestam-se para serem ajudados, não para receberem lições de português.

4 – E se estivermos diante de um condicionamento mediúnico, médiuns falando como pretos velhos por imitação?
‒ É um problema que compete ao dirigente resolver, avaliando se está diante de manifestação autêntica ou de mero condicionamento a partir da influência de outros médiuns. Não costuma acontecer com médiuns que se preparam adequadamente em cursos específicos sobre mediunidade.

5 – Diante de uma manifestação autêntica, se o preto velho é um Espírito evoluído, não será razoável que se manifeste com linguagem escorreita, sem maneirismos?
‒ Penso que não devemos impor condições ao manifestante. Os Espíritos desencarnados, quando evoluídos, podem adotar a forma e o linguajar que lhes aprouver. É uma opção e um direito.

6 – Por que o fazem?
‒ Pretos velhos revivem, nas manifestações, o tempo em que estiveram em regime de escravidão, que lhes foi muito útil, ajudando-os a superar o orgulho que marca o comportamento humano. É uma homenagem que prestam à raça negra e um exercício de humildade.

7 – Quanto à morfologia perispiritual, tudo bem. Quanto à palavra, não seria interessante usar uma linguagem atual, não africanizada?
‒ Pode acontecer, mas aí vai depender do próprio grupo e de uma adequação dos médiuns. O Centro Espírita Amor e Caridade, em Bauru, foi orientado desde sua fundação, em 1919, por uma corrente africana. Seus representantes, em dado momento, observando a evolução do grupo, na década de 40, disseram: Pretalhada vai vestir casaca. Anunciavam por esta metáfora que a partir daquele momento eliminariam as expressões africanizadas, o que de fato ocorreu.

8 – Devemos, então, admitir que esses Espíritos façam uma adequação do linguajar, de conformidade com as tendências ou necessidades do grupo?
‒ Exatamente. Um confrade, médium vidente, visitou certa feita um grande terreiro de Umbanda, em Vitória, Espírito Santo. Viu algo que o perturbou: o Espírito Frederico Figner, que foi dedicado diretor da Federação Espírita Brasileira, manifestar-se como um preto velho. Julgou estar tendo uma alucinação e logo esqueceu. Algum tempo depois, em visita a Uberaba, ouviu alguém perguntar a Chico Xavier por onde andaria Frederico Figner. E o médium: Anda dando assistência a um terreiro de umbanda em Vitória, no Espírito Santo.


Fonte: Kardec Rio Preto




[2] Richard Simonetti é escritor, palestrante espírita e vice-presidente do CEAC (Bauru-SP). Também é diretor de divulgação da Doutrina Espírita, da mesma entidade. Falecido em 03/10/2018.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

ESCOLHA DE PROVAS[1]



Miramez

Quando no estado errante e antes de se reencarnar, o Espírito tem a consciência e a previsão das coisas que lhe sucederão durante a vida?
Ele próprio escolhe o gênero de provas que quer suportar e é nisso que consiste o seu livre-arbítrio.
Não é Deus que lhe impõe, então, as tribulações da vida como castigo?
Nada ocorre sem a permissão de Deus, pois é Ele quem estabelece todas as leis que regem o Universo. Perguntai, então, por que fez tal lei ao invés de outra. Dando ao Espírito a liberdade de escolha, deixa-lhe toda a responsabilidade de seus atos e suas consequências, de maneira que nada entrava o seu futuro; o caminho do bem, como o do mal, lhe está aberto. Se sucumbe, resta-lhe a consolação de que nem tudo se acabou para ele; Deus, na sua bondade, lhe dá a oportunidade de recomeçar o que foi mal feito. É necessário, aliás, distinguir o que é obra da vontade de Deus do que é da vontade do homem. Se um perigo vos ameaça, não fostes vós que criastes, mas Deus; contudo, pela própria vontade, a ele vos expondes porque vedes um meio de adiantar-vos e Deus o permitiu.
Questão 258/Livro dos Espíritos

A razão nos convida a apreciar com profundidade esse assunto de escolha de provas, quando o Espírito está na erraticidade. Temos o livre-arbítrio, mas em uma escala progressiva, e até certo ponto, porque Deus é quem comanda tudo, dentro da Sua autoridade total.
O Espírito pode escolher as provas que haverá de enfrentar na Terra, mas, quando passa dos limites, quando a sua usura, o seu orgulho falam mais alto do que as suas necessidades de se educar, a mão de Deus intervém, dando-lhe o que pode suportar e que lhe serve de aprendizado. É, pois, engenhosa essa escolha; nem sempre a alma pode escolher o que quer, porque por vezes não sabe optar pelo que realmente lhe convém.
No caso de Espíritos envolvidos nas paixões inferiores, que se encontram na inconsciência do que devem escolher, certamente que esses não podem programar as suas provas, assim como a criança, o velho esclerosado ou o retardado mental não podem sair para as ruas à hora que desejarem.
Para esse trabalho de escolha e assistência, aos reencarnantes, Deus colocou falanges e mais falanges de anjos benfeitores, conscientes de seus deveres ante os necessitados.
Nunca se pode generalizar esses casos de escolhas; elas são variadas, de acordo com o reencarnante, e muitos Espíritos, já com categoria espiritual elevada, pedem conselhos aos Espíritos que os guiam nas escolhas das suas provas, sobre a família e o meio social em que deverão reencarnar. São almas que desejam acertar e não querem negligenciar nas diretrizes do bem e da verdade, e ainda pedem aos seus mentores espirituais para avisar-lhes sobre os perigos, no momento em que estiverem à beira do abismo. São Espíritos com a maturidade que os assemelha à lavoura cuja colheita se aproxima. E que Deus nos abençoe e que existam muitos deles na Terra.
Mas quando o Espírito tem a liberdade de escolher suas provas e avança para certas dificuldades que pesam em seus ombros, e Deus o permite, Ele, o Senhor, é misericordioso e oferta muitos recursos para que a alma aproveite as lições. Nada é perdido em lugar algum do universo porque a Sabedoria Divina tudo vê, e Suas mãos sempre abençoam, convertendo o mal em bem, o ódio em amor, a violência em paz, a inimizade em perdão. Mesmo que o Espírito se desvie da estrada nobre que desejou seguir, ele acumula experiências e torna a voltar, revestindo-se de novo corpo, com mais facilidade de acertar.
Podemos ponderar sobre os nossos feitos na Terra e as decisões que tomamos no decorrer da nossa existência. Temos o livre-arbítrio de escolher, no entanto, muitas escolhas não acontecem, porque o Senhor não achou conveniente ao nosso tamanho evolutivo. Isso sucede todos os dias; basta observarmos os acontecimentos na sutileza da vida. Situações há em que determinada pessoa escolhe, por exemplo, dirigir um país e quase toda nação assim o deseja.
Entretanto, Deus não permite que assim aconteça.
Assim também se passa no mundo dos Espíritos: quem pode escolher, escolhe as provas; a quem não pode, elas são impostas, e outros pedem conselhos aos benfeitores maiores, sobre o que e melhor para eles. Enfim, tudo é escola, tudo são lições, porque nada se perde na casa de Deus. A Sua vontade é sempre soberana.




[1] Filosofia Espírita – Volume 6 –João Nunes Maia

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Internet é passado! Saiba como será possível conversar pelo pensamento: o futuro da comunicação[1]



Paulo Henrique de Figueiredo

Muitas das grandes descobertas da ciência tiveram início a partir de um simples fenômeno do cotidiano. Todavia, o olhar atento de um cientista, fugindo do lugar comum, permite ver naquilo a pista de algo maior. Durante séculos, por exemplo, o imã servia a brincadeiras, como mover um barquinho de papel sobre as aguas, numa bacia de ferro. Atualmente, ele move motores, gera energia elétrica, e se pensarmos bem, transformou a vida humana. O mesmo ocorreu com tantos outros achados fundamentais da tecnologia. Nos intriga, porém, como nossa civilização pode ter avançado tanto na compreensão da matéria e nada saber sobre a alma. Quando ela não é negada, como na doutrina materialista, é uma grande desconhecida, como ocorre na psicologia. Isso ocorre porque os psicólogos não estão dando atenção a um desses simples fenômenos do cotidiano que escondem gigantescas descobertas, o sonambulismo.
Ele já foi retratado em desenhos animados e histórias em quadrinhos, o indivíduo dormindo se levanta, com os braços estendidos, e caminha para fora quarto, fugindo dos perigos. E quando acorda leva um susto! Não se dando conta de tudo o que ocorreu. Esse esquecimento justifica porque o sonambulo geralmente fica sabendo de sua condição quando um familiar ou amigo conta, pois ele não se lembra de nada do que faz dormindo.
Palestrando sobre o tema pelo Brasil, tive oportunidade de ouvir interessantes histórias de sonâmbulos. Uma moça aqui de São Paulo, que morava sozinha, contou-me que levantava durante a noite, na cozinha preparava comida, sentava-se à mesa, comia, lavava a louça e voltava para a cama. No dia seguinte, não se lembrava de nada. Começou a notar falta de mantimentos e algumas desordens na cozinha. Foi quando uma amiga dormiu em sua casa e narrou o intrigante fenômeno.
Outro caso foi de um engenheiro do Rio de Janeiro que, durante a noite, dirigia-se até a sala, pegava um livro, e dava conta da leitura por horas. Depois apoiava o marcador na página na qual parou e voltava para a cama.
No século 19, narra Albert de Rochas, um farmacêutico era famoso por levantar-se durante a noite, em estado sonambúlico, sentava-se na escrivaninha, calculava as proporções e fases dos remédios. Depois se dirigia ao laboratório que ficava numa sala de sua casa, e lá ligava as chamas, misturava as substâncias, e preparava os remédios. Depois de deixar tudo em ordem, voltava para a cama e dormia o resto da noite!
Esse fenômeno natural ocorre com milhares de pessoas. Nem todos agem ativamente como os exemplos que demos. Normalmente apenas balbuciam palavras, sentam na cama, andam pelo quarto. Muitos abrem portas e há narrativas de que saem de pijama pela rua. Esse fenômeno não chama a atenção de ninguém além de ser uma particularidade curiosa. Não foi o que ocorreu com o médico Franz Anton Mesmer no século 19. Ele atendia seus pacientes por meio dos passes, tratamento que chamou de Magnetismo Animal, mesmo nome da ciência que desenvolveu. Pois bem, alguns dos pacientes, diante dessa imposição de mãos que podia se transcorrer até por uma hora, caiam em sono. Todavia, entre muitos, para alguns não era uma condição comum. Eles podiam falar, ver, ler e até enxergar o que ocorria à distância além das paredes, mantendo os olhos fechados. Em verdade, todos os sentidos podiam ser aguçados nessa condição especial de sono, que se denominou sonambulismo provocado. Até mesmo o paladar, como comentou Mesmer:
Conheço uma pessoa vivaz cujos nervos são muito irritáveis e que, tendo unicamente na língua esta irritação e conservando sua lucidez, disse-me várias vezes: “Comendo esta pequena crosta de pão, do tamanho da cabeça de um alfinete, parece-me que tenho um grande e saboroso pedaço. Mas, o que há de bem singular, não somente sinto o sabor de um bom pedaço de pão, como sinto separadamente o gosto de todas as partículas que o compõem – a água, a farinha, tudo enfim me produz uma multidão de sensações que não posso expressar e que me dão ideias que se sucedem com rapidez extrema, mas que não são exprimíveis por palavras[2]”.

Esse fenômeno ganhou o nome de sonambulismo provocado, por se trata do mesmo que narramos, só que provocado pelos passes do magnetizador. Nessa condição, explica Mesmer, há uma ligação mental, mediada por um meio material sutil, entre a vontade e o pensamento do magnetizador e o sonambulo. De tal maneira que basta o magnetizador pensar que o sonambulizado responde o age de acordo com o comando. Essa conquista experimental de Mesmer foi fundamental para que esse estado alterado de consciência deixasse de ser uma curiosidade para surpreender a ciência, pois essa ligação, ou rapport como chamou seu descobridor, deu a ele uma condição experimental. Era possível então dialogar com o sonambulo, e conhecer suas incríveis capacidades. Nem todos têm as mesmas capacidades, elas são variáveis, mas os sonâmbulos podem examinar os organismo por dentro, descrever os estados dos órgãos e até propor diagnósticos das doenças que porventura encontre. Foi por isso que os discípulos e futuros pesquisadores da ciência criada por Mesmer criaram consultórios, onde os sonâmbulos examinavam os pacientes, prescreviam tratamentos, e até previam os passos e o momento exato da cura.
No entanto, para explicar adequadamente tal extraordinário fenômeno seria preciso esperar o surgimento do Espiritismo, pelo trabalho de Allan Kardec. Antes mesmo de iniciar as pesquisas que levariam à publicação de O Livro dos Espíritos, Kardec já havia estudado o sonambulismo, em todas as suas fases, por mais de trinta e cinco anos! Os primeiros médiuns franceses que permitiram a pesquisa para essa obra eram antigos sonâmbulos, que passaram a transmitir as palavras e pensamentos dos espíritos superiores em seus ensinamentos. Foi exatamente nessa obra inaugural do Espiritismo, que eles afirmaram:
Para o Espiritismo, o sonambulismo é mais do que um fenômeno fisiológico, é uma luz projetada sobre a Psicologia. É nele que se pode estudar a alma, porque é nele que ela se mostra a descoberto.

Ou seja, essa curiosa condição natural, que serve para fazer rir as crianças nos desenhos é o fenômeno chave para o desenvolvimento experimental da psicologia, o que pode representar uma nova era para a ciência. Até hoje, o desenvolvimento tecnológico se deu no campo da matéria, e os resultados foram extraordinários para a humanidade. Basta lembrar do que ocorreu quando se aprendeu a manipular as ondas eletromagnéticas, resultando nas comunicações por satélites, celulares, internet, e tudo o que hoje define a vida moderna. Pois bem, neste terceiro milênio, será a compreensão das capacidades desconhecidas do homem o que irá transformar definitivamente a vida humana! Tudo se dará quando os pesquisadores voltarem a se dedicar a estudar o sonambulismo provocado. Uma educação dos sentidos, a partir das descobertas da capacidade dos sonâmbulos, poderá permitir no futuro a comunicação pelo pensamento, sem barreiras de distância. Não há limites para se imaginar o que poderá ocorrer com essas extraordinárias possibilidades. No entanto, o materialismo não tem meios de permitir avançar nessa fabulosa descoberta. Somente o espiritualismo tem condições teóricas para tanto. E essa busca já teve início nas pesquisas de Kardec, veja só:
Quando o sonâmbulo descreve o que se passa à distância, é evidente que ele o vê, mas não pelos olhos do corpo: vê-se a si mesmo no local, e para lá se sente transportado; lá existe, portanto, qualquer coisa dele, e essa qualquer coisa, não sendo o seu corpo, só pode ser a sua alma ou seu Espírito. Enquanto o homem se extravia nas sutilezas de uma metafísica abstrata e ininteligível, na busca das causas de nossa existência moral, Deus põe diariamente sob os seus olhos e sob as suas mãos os meios mais simples e mais patentes para o estudo da psicologia experimental[3].

Tratamos do sonambulismo provocado, e suas relações com o Magnetismo Animal e o Espiritismo, mais extensamente na obra Revolução Espírita – a teoria esquecida de Allan Kardec. Anteriormente tratamos dele em Mesmer – a ciência negada e os textos escondidos.
Fugir da “metafísica abstrata e ininteligível” e percorrer o caminho adequado do estudo científico desse fenômeno: esse será o caminho que tornará a psicologia neste terceiro milênio para a alma o que foi a física e a química para a matéria no segundo. Não se trata de uma profecia, mas um simples raciocínio resultante da análise dos fatos. Quem viver verá!




[2] Paulo Henrique de Figueiredo, “Mesmer – a ciência negada e os textos escondidos”, página 613.
[3] Allan Kardec, O Livro dos Espíritos.

terça-feira, 21 de maio de 2019

A VOLTA DA FORTUNA[1] (Estudos Morais)




Lê-se no Siècle de 5 de junho de 1864:
O Sr. X..., berlinense, possuía imensa fortuna. Seu pai, ao contrário, em consequência de vários reveses, tinha caído em extrema miséria e se vira forçado a recorrer à generosidade do filho.
Este repeliu duramente a súplica do ancião que, para não morrer de fome, teve de recorrer à intervenção da justiça. O Sr. X... Foi condenado a fornecer ao pai uma pensão alimentar. Mas, antes, havia tomado suas precauções: prevendo que parte de seus rendimentos poderia ser confiscada, caso se recusasse a pagar a pensão, resolveu ceder a fortuna a um tio paterno.
O infeliz pai viu-se privado de sua última esperança.
Protestou que a cessão era fictícia e que o filho tinha recorrido a ela para escapar à execução da sentença. Mas teria que o provar; o velho, porém, não dispunha de condições para intentar um processo custoso, já que lhe faltavam as coisas essenciais à vida.
Um acontecimento imprevisto veio mudar tudo. O tio morreu subitamente, sem deixar testamento. Como não tivesse família, a fortuna reverteu, de direito, ao parente mais próximo, isto é, ao seu irmão.
Compreende-se o resto. Hoje os papéis estão invertidos. O pai está rico e o filho pobre. O que, sobretudo, deve aumentar o desespero deste último é que não pode invocar o fato de uma cessão fictícia, pois a lei interdita formalmente esse gênero de transação.

Dir-se-ia que se sempre fosse assim com o mal, melhor seria compreendida a justiça do castigo; sabendo o culpado por que é punido, saberia do que se deve corrigir.
Os exemplos de castigos imediatos são menos raros do que se pensa. Se se remontasse à fonte de todas as vicissitudes da vida, ver-se-ia, aí, quase sempre, a consequência natural de alguma falta cometida. A cada instante recebe o homem terríveis lições, das quais, infelizmente, bem poucos tiram proveito. Enceguecido pela paixão, não vê a mão de Deus, que o fere; longe de acusar-se por seus próprios infortúnios, põe a culpa na fatalidade e na má sorte; irrita-as muito mais do que se arrepende. Aliás, não nos surpreenderíamos se o filho, do qual se fala acima, em vez de ter reconhecido seus erros para com o pai, em lugar de lhe ter dispensado melhores sentimentos, passasse a lhe devotar maior animosidade. Ora, o que pede Deus ao culpado? O arrependimento e a reparação voluntária.
Para animá-lo a isto multiplica à sua volta, durante a vida inteira, todas as formas de advertências: desgraças, decepções, perigos iminentes; numa palavra, tudo o que é próprio a fazê-lo refletir. Se, a despeito disto, seu orgulho resiste, não é justo que seja punido mais tarde? É grave erro pensar que o mal possa ficar impune, uma ou outra vez, na vida atual. Se se soubesse tudo quanto acontece ao mau, aparentemente o mais próspero, ficar-se-ia convencido da verdade de que não há uma única falta nesta vida, uma só inclinação má, dizemos mais, um só mau pensamento que não tenha sua contrapartida. Daí a consequência que, se o homem aproveitasse os avisos que recebe, se se arrependesse e reparasse desde esta vida, teria satisfeito à justiça de Deus e não mais teria de expiar, nem de reparar, seja no mundo dos Espíritos, seja em nova existência. Se há, pois, os que nesta vida sofrem o passado de sua precedente existência, é que devem pagar uma dívida que não saldaram. Se o filho em questão morrer na impenitência, sofrerá, primeiramente, no mundo dos Espíritos, o castigo do remorso; sofrerá moralmente o que fez sofrer materialmente; será um Espírito infeliz, porque terá violado a lei que lhe dizia: Honra teu pai e tua mãe. Mas Deus, que é soberanamente bom e, ao mesmo tempo, soberanamente justo, permitirá que ele reencarne para reparar; talvez lhe dê o mesmo pai e, em sua bondade, lhe poupe a humilhante lembrança do passado; mas o culpado trará consigo a intuição das resoluções que tiver tomado, a vontade de fazer o bem, ao invés do mal; será a voz da consciência que lhe ditará a conduta.
Depois, quando retornar ao mundo dos Espíritos, Deus lhe dirá: Vem a mim, meu filho, tuas faltas estão apagadas. Mas, se falhar nessa nova prova, terá de recomeçar, até que se tenha despojado inteiramente do homem velho.
Deixemos, pois, de ver nas misérias que sofremos pelas faltas de uma existência anterior um mistério inexplicável e digamos que de nós depende evitá-las, obtendo nosso perdão desde esta vida. Depois de saldar nossas dívidas, Deus não nos fará pagá-las segunda vez; mas se permanecermos surdos às suas advertências, então exigirá até o último ceitil, ainda que após vários séculos ou milhares de anos. Para isto não exige vãos simulacros, mas a reforma radical do coração. A morada dos eleitos só é aberta aos Espíritos purificados; qualquer mácula lhes interdita o acesso. Cada um pode pretendê-lo; compete a todos fazer o que a isto for necessário e lá chegar, mais cedo ou mais tarde, conforme seus esforços e sua vontade. Mas jamais dirá Deus a alguém: Não te purificarás!




[1] Revista Espírita – Outubro/1864 – Allan Kardec

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Nicolas Camille Flammarion[1]





Flammarion foi um homem cujas obras encheram de luzes o século XIX.
Camille Flammarion nasceu em 26 de fevereiro de 1842, em Val-de-Meuse, na França e faleceu em 3 de junho de 1925, na cidade de Juvisy-sur-Orge, também na França onde passou a sua infância. 
Ele era o mais velho de uma família de quatro filhos, entretanto, desde muito jovem se revelaram nele qualidades excepcionais. Queixava-se constantemente que o tempo não lhe deixava fazer um décimo daquilo que planejava. Aos quatro anos de idade já sabia ler, aos quatro e meio sabia escrever e aos cinco já dominava rudimentos de gramática e aritmética. Tornou-se o primeiro aluno da escola onde frequentava.
Para que ele seguisse a carreira eclesiástica, puseram-no a aprender latim com o vigário Lassalle. Aí Flammarion conheceu o Novo Testamento e a Oratória. Em pouco tempo estava lendo os discursos de Massilon e Bonsuet. O padre Mirbel falou da beleza da ciência e da grandeza da Astronomia e mal sabia que um de seus auxiliares lhe bebia as palavras. Esse auxiliar era Camille Flammarion, aquele que iria ilustrar a letra e a significação galo-romana do seu nome - Flammarion: "Aquele que leva a luz".
Nas aulas de religião era ensinado que uma só coisa é necessária: "a salvação da alma", e os mestres falavam: "De que serve ao homem conquistar o Universo se acaba perdendo a alma?"
Foi dura a vida dos Flammarions, e Camille compreendeu o mérito de seu pai entregando tudo aos credores. Reconhecia nele o mais belo exemplo de energia e trabalho, entretanto, essa situação levou-o a viver com poucos recursos.
Camille, depois de muito procurar, encontrou serviço de aprendiz de gravador, recebendo como parte do pagamento casa e comida. Comia pouco e mal, dormia numa cama dura, sem o menor conforto; era áspero o trabalho e o patrão exigia que tudo fosse feito com rapidez. Pretendia completar seus estudos, principalmente a matemática, a língua inglesa e o latim. Queria obter o bacharelado e por isso estudava sozinho à noite. Deitava-se tarde e nem sempre tinha vela. Escrevia ao clarão da lua e considerava-se feliz. Apesar de estudar a noite, trabalhava de 15 a 16 horas por dia. Ingressou na Escola de desenho dos frades da Igreja de São Roque, a qual frequentava todas as quintas-feiras. Naturalmente tinha os domingos livres e tratou de ocupá-los. Nesse dia assistia às conferências feitas pelo abade sobre Astronomia. Em seguida tratou de difundir as associações dos alunos de desenho dos frades de São Roque, todos eles aprendizes residentes nas vizinhanças. Seu objetivo era tratar de ciências, literatura e desenho, o que era um programa um tanto ambicioso.
Aos 16 anos de idade, Camille Flammarion foi presidente da Academia, a qual, ao ser inaugurada, teve como discurso de abertura o tema "As Maravilhas da Natureza". Nessa mesma época escreveu "Cosmogonia Universal", um livro de quinhentas páginas; o irmão, também muito seu amigo, tomou-se livreiro e publicava-lhe os livros. A primeira obra que escreveu foi "O Mundo antes da Aparição dos Homens", o que fez quando tinha apenas 16 anos de idade. Gostava mais da Astronomia do que da Geologia. Assim era sua vida: passar mal, estudar demais, trabalhar em exagero.
Um domingo desmaiou no decorrer da missa, por sinal, um desmaio muito providencial. O doutor Edouvard Fornié foi ver o doente. Em cima da sua cabeceira estava um manuscrito do livro "Cosmologia Universal". Após ver a obra, achou que Camille merecia posição melhor. Prometeu-lhe, então, colocá-lo no Observatório, como aluno-astrônomo. Entrando para o Observatório de Paris, do qual era diretor Levèrrier, muito sofreu com as impertinências e perseguições desse diretor, que não podia conceber a ideia de um rapazola acompanhá-lo em estudos de ordem tão transcendental.
Retirando-se em 1862 do Observatório de Paris, continuou com mais liberdade os seus estudos, no sentido de legar à Humanidade os mais belos ensinamentos sobre as regiões silenciosas do Infinito.
Livre da atmosfera sufocante do Observatório publicou no mesmo ano a sua obra "Pluralidade dos Mundos Habitados", atraindo a atenção de todo o mundo estudioso. Para conhecer a direção das correntes aéreas, realizou, no ano de 1868, algumas ascensões aerostáticas.
Pela publicação de sua "Astronomia Popular", recebeu da Academia Francesa, no ano de 1880, o prêmio Montyon. Em 1870 escreveu e publicou um tratado sobre a rotação dos corpos celestes, através do qual demonstrou que o movimento de rotação dos planetas é uma aplicação da gravidade às suas densidades respectivas.
Ainda jovem e estudante, Flammarion teve o seu primeiro contato com o Espiritismo, associando-se à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, fundada e dirigida por Allan Kardec. Tornando-se espírita convicto, foi amigo pessoal e dedicado de Allan Kardec. Nessa oportunidade escrevia ele o livro "A Pluralidade dos Mundos Habitados" quando veio a conhecer O Livro dos Espíritos identificando-se de imediato com a obra. Como as sessões da Sociedade eram em parte dedicadas à psicografia, Flammarion iniciou um treinamento, visando desenvolver esta faculdade, e conseguindo, trouxe à luz o trabalho intitulado "Uranografia Geral" assinado por Galileu e que faz parte da obra A Gênese de Allan Kardec. Participando dos principais grupos espíritas parisienses e sendo secretário de um deles Flammarion enriquecia o seu espírito e transcrevia para os livros as maravilhas que os invisíveis lhes transmitiam. "A Terra não tem nenhuma proeminência no sistema solar de maneira a ser o único mundo habitado", comenta ao defender a teoria que muitos outros planetas seriam habitados. Em 1865, sob o título "Forças Naturais Desconhecidas" ele publicou o seu primeiro livro sobre pesquisas psíquicas que era um estudo crítico a propósito dos fenômenos produzidos pelos irmãos Davenport e sobre médiuns em geral.
Quando a 31 de março de 1869 desencarnou Allan Kardec, Flammarion foi convidado para proferir uma das 4 orações à beira do túmulo, o que o fez impressionando a todos ao afirmar o caráter científico do Espiritismo, a excelência do trabalho de Kardec, a realidade das ciências físicas no além, a existência da alma e da sua indestrutibilidade, terminando por considerar o desencarnante como “o bom senso encarnado”. Nesse mesmo ano a Sociedade Dialética de Londres iniciou suas investigações sobre os fenômenos mediúnicos, havendo Flammarion apresentando-se perante a comissão que concluiu como relatório final, ser o assunto digno de mais séria atenção e cuidadosa investigação do que tinha sido até então.
Em 1879 é publicado o seu livro "Astronomia Popular", considerada a melhor obra do gênero do século XIX. Passa então a estudar o fenômeno mediúnico no que resultou mais um livro de sua autoria, que levou o título de "Forças Psíquicas Misteriosas" onde anota:
O fenômeno mediúnico tem para mim a estampa de absoluta certeza e incontestabilidade e amplia o suficiente para provar que as forças físicas desconhecidas existem fora do ordinário e estabelecido domínio da filosofia natural.

Em 1882, já destacado como profissional, instalou um observatório privado, sabedor de que a Ciência, notadamente a Astronomia, como sendo velha conselheira das verdades espirituais, muito ajudaria os homens em suas buscas para encontrar Deus. Nesse mesmo ano ele fundou a revista "A Astronomia" e em 1887 a Sociedade Astronômica da França.
Em 1899, Flammarion começou a fazer um censo sobre alucinação. De 4.280 pessoas consultadas, 1.824 responderam que elas tinham tido visões de fantasmas. Deste total, 786 casos foram coletados como de valor evidencial. Revisados e ampliados, estes artigos formaram a substância do livro "O Desconhecido e os Problemas Psíquicos", reforçando as provas de telepatia, aparições de mortos, sonhos premonitórios e clarividência. Na citada obra, à vista do conjunto dos fatos, Flammarion conclui:
·         a alma existe como personalidade real, independente do corpo;
·         a alma é dotada de faculdades ainda desconhecidas da ciência;
·         ela pode agir e perceber, à distância, sem os sentidos como intermediários;
·         o futuro é de antemão preparado; determinado pelas causas que o produzirão. A alma percebe-o algumas vezes.
Ao mesmo tempo em que se dedicava às pesquisas psíquicas, Flammarion desenvolvia fecundos estudos no campo da Astronomia. Além deste, abordava temas sobre Deus, reformas políticas e sociais, evolução do homem, fenômeno da morte e as pesquisas psíquicas. Mas, evidentemente, que, como popularizador de sua ciência predileta, muitas de suas obras versaram sobre Astronomia. É o caso de "Urânia":
A missão de a Astronomia ser mais elevada ainda. Depois de vos haver feito sentir e dado a conhecer que a Terra não é mais do que uma cidade na pátria celeste, e que o homem é cidadão do céu, ir mais longe. Descobrindo o plano sobre o qual o universo físico está construído, mostrar que o universo moral se acha alicerçado sobre esse mesmo plano; que os dois mundos não formam senão um mesmo mundo, e que o Espírito governa a Matéria. (...) A Astronomia ser é pois, eminentemente e antes de tudo, a diretriz da Filosofia. E a filosofia astronômica ser a religião dos espíritos superiores.

Suas obras, de uma forma geral, giram em torno do postulado espírita da pluralidade dos mundos habitados e são as seguintes: "Os Mundos Imaginários e os Mundos Reais", "As Maravilhas Celestes", "Deus na Natureza", "Contemplações Científicas", "Estudos e Leitura sobre Astronomia", "Atmosfera", "Astronomia Popular", "Descrição Geral do Céu", "O Mundo antes da Criação do Homem", "Os Cometas", "As Casas Mal- Assombradas", "Narrações do Infinito", "Sonhos Estelares", "Urânia", "Estela", "O Desconhecido", "A Morte e seus Mistérios", "Problemas Psíquicos", "O Fim do Mundo" e outras.
Assim foi Flammarion. Um poeta dos céus, de Deus e da natureza, como o denominava Michelet. Um pesquisador que tinha o sonho de tornar a religião científica e a ciência religiosa, equilibrando o espírito em seus voos pelo infinito. Cientista emérito, escritor de brilho, garimpeiro das galáxias, dedicou todo o seu talento em mostrar as maravilhas que Deus criou para que pudéssemos definir e materializar a paz. Com o olho no céu e a mão no papel foi poeta o bastante para transportar as estrelas para a Terra, a fim de que ele viesse a ser apenas um minúsculo mundo perdido no universo. Seu nome brilha entre os estudiosos do Espiritismo como os sóis que pesquisou, e, não há névoa por mais espessa, que um dia lhe venha a ofuscar a magnitude.
Camille Flammarion, segundo Gabriel Delanne, foi um filósofo enxertado em sábio, possuindo a arte da ciência e a ciência da arte. Flammarion tornou-se baluarte do Espiritismo, pois, sempre coerente com suas convicções inabaláveis, foi um verdadeiro idealista e inovador.