Paulo Henrique de Figueiredo
Muitas das grandes descobertas
da ciência tiveram início a partir de um simples fenômeno do cotidiano.
Todavia, o olhar atento de um cientista, fugindo do lugar comum, permite ver
naquilo a pista de algo maior. Durante séculos, por exemplo, o imã servia a
brincadeiras, como mover um barquinho de papel sobre as aguas, numa bacia de
ferro. Atualmente, ele move motores, gera energia elétrica, e se pensarmos bem,
transformou a vida humana. O mesmo ocorreu com tantos outros achados
fundamentais da tecnologia. Nos intriga, porém, como nossa civilização pode ter
avançado tanto na compreensão da matéria e nada saber sobre a alma. Quando ela
não é negada, como na doutrina materialista, é uma grande desconhecida, como
ocorre na psicologia. Isso ocorre porque os psicólogos não estão dando atenção
a um desses simples fenômenos do cotidiano que escondem gigantescas
descobertas, o sonambulismo.
Ele já foi retratado em desenhos
animados e histórias em quadrinhos, o indivíduo dormindo se levanta, com os
braços estendidos, e caminha para fora quarto, fugindo dos perigos. E quando
acorda leva um susto! Não se dando conta de tudo o que ocorreu. Esse
esquecimento justifica porque o sonambulo geralmente fica sabendo de sua
condição quando um familiar ou amigo conta, pois ele não se lembra de nada do
que faz dormindo.
Palestrando sobre o tema pelo
Brasil, tive oportunidade de ouvir interessantes histórias de sonâmbulos. Uma
moça aqui de São Paulo, que morava sozinha, contou-me que levantava durante a
noite, na cozinha preparava comida, sentava-se à mesa, comia, lavava a louça e
voltava para a cama. No dia seguinte, não se lembrava de nada. Começou a notar
falta de mantimentos e algumas desordens na cozinha. Foi quando uma amiga
dormiu em sua casa e narrou o intrigante fenômeno.
Outro caso foi de um engenheiro
do Rio de Janeiro que, durante a noite, dirigia-se até a sala, pegava um livro,
e dava conta da leitura por horas. Depois apoiava o marcador na página na qual
parou e voltava para a cama.
No século 19, narra Albert de
Rochas, um farmacêutico era famoso por levantar-se durante a noite, em estado
sonambúlico, sentava-se na escrivaninha, calculava as proporções e fases dos
remédios. Depois se dirigia ao laboratório que ficava numa sala de sua casa, e
lá ligava as chamas, misturava as substâncias, e preparava os remédios. Depois
de deixar tudo em ordem, voltava para a cama e dormia o resto da noite!
Esse fenômeno natural ocorre com
milhares de pessoas. Nem todos agem ativamente como os exemplos que demos.
Normalmente apenas balbuciam palavras, sentam na cama, andam pelo quarto.
Muitos abrem portas e há narrativas de que saem de pijama pela rua. Esse
fenômeno não chama a atenção de ninguém além de ser uma particularidade
curiosa. Não foi o que ocorreu com o médico Franz Anton Mesmer no século 19.
Ele atendia seus pacientes por meio dos passes, tratamento que chamou de
Magnetismo Animal, mesmo nome da ciência que desenvolveu. Pois bem, alguns dos
pacientes, diante dessa imposição de mãos que podia se transcorrer até por uma
hora, caiam em sono. Todavia, entre muitos, para alguns não era uma condição
comum. Eles podiam falar, ver, ler e até enxergar o que ocorria à distância
além das paredes, mantendo os olhos fechados. Em verdade, todos os sentidos
podiam ser aguçados nessa condição especial de sono, que se denominou
sonambulismo provocado. Até mesmo o paladar, como comentou Mesmer:
Conheço uma pessoa
vivaz cujos nervos são muito irritáveis e que, tendo unicamente na língua esta
irritação e conservando sua lucidez, disse-me várias vezes: “Comendo esta
pequena crosta de pão, do tamanho da cabeça de um alfinete, parece-me que tenho
um grande e saboroso pedaço. Mas, o que há de bem singular, não somente sinto o
sabor de um bom pedaço de pão, como sinto separadamente o gosto de todas as
partículas que o compõem – a água, a farinha, tudo enfim me produz uma multidão
de sensações que não posso expressar e que me dão ideias que se sucedem com
rapidez extrema, mas que não são exprimíveis por palavras[2]”.
Esse fenômeno ganhou o nome de
sonambulismo provocado, por se trata do mesmo que narramos, só que provocado
pelos passes do magnetizador. Nessa condição, explica Mesmer, há uma ligação
mental, mediada por um meio material sutil, entre a vontade e o pensamento do
magnetizador e o sonambulo. De tal maneira que basta o magnetizador pensar que
o sonambulizado responde o age de acordo com o comando. Essa conquista
experimental de Mesmer foi fundamental para que esse estado alterado de
consciência deixasse de ser uma curiosidade para surpreender a ciência, pois
essa ligação, ou rapport como chamou
seu descobridor, deu a ele uma condição experimental. Era possível então
dialogar com o sonambulo, e conhecer suas incríveis capacidades. Nem todos têm
as mesmas capacidades, elas são variáveis, mas os sonâmbulos podem examinar os
organismo por dentro, descrever os estados dos órgãos e até propor diagnósticos
das doenças que porventura encontre. Foi por isso que os discípulos e futuros
pesquisadores da ciência criada por Mesmer criaram consultórios, onde os
sonâmbulos examinavam os pacientes, prescreviam tratamentos, e até previam os
passos e o momento exato da cura.
No entanto, para explicar
adequadamente tal extraordinário fenômeno seria preciso esperar o surgimento do
Espiritismo, pelo trabalho de Allan Kardec. Antes mesmo de iniciar as pesquisas
que levariam à publicação de O Livro dos Espíritos,
Kardec já havia estudado o sonambulismo, em todas as suas fases, por mais de
trinta e cinco anos! Os primeiros médiuns franceses que permitiram a pesquisa
para essa obra eram antigos sonâmbulos, que passaram a transmitir as palavras e
pensamentos dos espíritos superiores em seus ensinamentos. Foi exatamente nessa
obra inaugural do Espiritismo, que eles afirmaram:
Para o Espiritismo,
o sonambulismo é mais do que um fenômeno fisiológico, é uma luz projetada sobre
a Psicologia. É nele que se pode estudar a alma, porque é nele que ela se
mostra a descoberto.
Ou seja, essa curiosa condição
natural, que serve para fazer rir as crianças nos desenhos é o fenômeno chave
para o desenvolvimento experimental da psicologia, o que pode representar uma
nova era para a ciência. Até hoje, o desenvolvimento tecnológico se deu no
campo da matéria, e os resultados foram extraordinários para a humanidade.
Basta lembrar do que ocorreu quando se aprendeu a manipular as ondas
eletromagnéticas, resultando nas comunicações por satélites, celulares,
internet, e tudo o que hoje define a vida moderna. Pois bem, neste terceiro
milênio, será a compreensão das capacidades desconhecidas do homem o que irá
transformar definitivamente a vida humana! Tudo se dará quando os pesquisadores
voltarem a se dedicar a estudar o sonambulismo provocado. Uma educação dos
sentidos, a partir das descobertas da capacidade dos sonâmbulos, poderá
permitir no futuro a comunicação pelo pensamento, sem barreiras de distância.
Não há limites para se imaginar o que poderá ocorrer com essas extraordinárias
possibilidades. No entanto, o materialismo não tem meios de permitir avançar
nessa fabulosa descoberta. Somente o espiritualismo tem condições teóricas para
tanto. E essa busca já teve início nas pesquisas de Kardec, veja só:
Quando o sonâmbulo
descreve o que se passa à distância, é evidente que ele o vê, mas não pelos
olhos do corpo: vê-se a si mesmo no local, e para lá se sente transportado; lá
existe, portanto, qualquer coisa dele, e essa qualquer coisa, não sendo o seu
corpo, só pode ser a sua alma ou seu Espírito. Enquanto o homem se extravia nas
sutilezas de uma metafísica abstrata e ininteligível, na busca das causas de nossa
existência moral, Deus põe diariamente sob os seus olhos e sob as suas mãos os
meios mais simples e mais patentes para o estudo da psicologia experimental[3].
Tratamos do sonambulismo
provocado, e suas relações com o Magnetismo Animal e o Espiritismo, mais
extensamente na obra Revolução Espírita – a teoria esquecida de Allan Kardec.
Anteriormente tratamos dele em Mesmer – a ciência negada e os textos escondidos.
Fugir da “metafísica abstrata e
ininteligível” e percorrer o caminho adequado do estudo científico desse
fenômeno: esse será o caminho que tornará a psicologia neste terceiro milênio
para a alma o que foi a física e a química para a matéria no segundo. Não se
trata de uma profecia, mas um simples raciocínio resultante da análise dos
fatos. Quem viver verá!
[2] Paulo
Henrique de Figueiredo, “Mesmer – a ciência negada e os textos escondidos”,
página 613.
[3]
Allan Kardec, O Livro dos Espíritos.
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