Marco Milani
Na Parábola do Semeador,
identificamos as diferentes maneiras pelas quais os ensinamentos do Evangelho
podem ser aproveitados. Variando daqueles que nada se servem da Boa Nova até
aqueles que a compreendem e aplicam a si mesmos, beneficiando-se do progresso
realizado.
A mesma analogia pode ser feita
aos adeptos do Espiritismo, passando por aqueles que nada mais fazem do que
admirarem as manifestações espirituais e deterem-se na atitude mística e
contemplativa até aqueles que depreendem as profundas consequências morais e
seguem a orientação do Espírito da Verdade para amarem-se uns aos outros e
instruírem-se.
Um dos pilares da doutrina
espírita é a fé raciocinada, ou seja, aquela que se sustenta pela lógica diante
da análise crítica dos fatos. Sabe-se porque efetivamente conhece-se e não
porque se reproduz argumentos aceitos sem a necessária ponderação.
Assim como as sementes
espargidas pelo semeador da parábola necessitam de boa terra para frutificarem,
os ensinos dos Espíritos de escol que contribuíram diretamente para a
construção do corpo teórico-doutrinário do Espiritismo pressupõem a fé
raciocinada para a plena compreensão e aplicação.
A essência desses ensinamentos é
simples e totalmente acessível. Porém, quanto mais nos aprofundarmos no
conhecimento de nós mesmos e da realidade em que estamos inseridos, mais
teremos elementos para planejar e agir adequadamente em prol de nossa melhoria
e felicidade.
A jornada evolutiva é uma
conquista interior, mas necessariamente implica aprender a amar a si mesmo e ao
próximo, além de Deus.
Certamente esses ensinamentos
podem tocar o coração de cada um em diferentes momentos, conforme esforço nesse
sentido, mas se torna cada vez mais premente nos desvencilharmos da inércia
contemplativa e abraçarmos a atitude libertadora dos grilhões da ignorância.
Ninguém absorve conhecimentos, como equivocadamente alguns supõem, mas os obtém
por méritos próprios.
No movimento espírita
encontramos muitos que acreditam estar absorvendo sabedoria ao deixarem-se
encantar pela oratória eloquente deste ou daquele palestrante.
Preocupantemente, o conteúdo pode passar a ser secundário diante da envolvente
forma como é expresso. Que oratória fantástica, dizem, ainda que não se lembrem
exatamente do que foi abordado nem como isso pode fazê-los progredir moral e
intelectualmente. Locupletam-se emocionalmente e quanto mais famoso for o
palestrante, mais afortunados se consideram.
Muitas casas espíritas convidam
notórios expositores buscando lotar os seus salões sem conhecerem, muitas
vezes, o teor do que será dito. Basta o nome do palestrante. O título da
palestra é “tema livre”, pois vindo de quem vem, creem que será ótima.
Obviamente, as boas palestras
atuam como poderosos elementos disseminadores dos princípios e valores
espíritas e devem ser incentivadas.
O que poderíamos refletir é: até
que ponto o carisma pessoal de terceiros estimula o próprio potencial de
crescimento interior? O encantamento provocado por palestrantes carismáticos
favorece o pensamento crítico ou a dependência intelectual?
Determinados autores de livros
espíritas também provocam encantamento para um público específico de leitores.
Foi o fulano quem psicografou ou escreveu, alegam alguns, portanto é verdade.
Será?
Para identificar o grau de
dependência ou emancipação de alguém perante algum autor ou palestrante,
pode-se fazer o seguinte questionamento: se esse autor ou palestrante afirmar
algo sobre um assunto que eu tenha dúvidas ou discorde, a partir desse momento
passarei a aceitar a ideia dele (a) porque confio mais nele (a) do que em mim?
Se a resposta for “sim”, então a
dependência é grande.
O próprio Kardec insiste na
necessidade de tudo ser confrontado racionalmente mediante fatos e argumentos
válidos, então por que acreditar cegamente em um palestrante ou escritor? Se
tal afirmação contrariar os ensinamentos dos Espíritos que Kardec validou
servindo-se de rigoroso método, mais um motivo para redobrar a cautela e
analisar as evidências que são apresentadas. Diante de incerteza, não se pode
aceitar ou refutar algo, a priori,
mas aprofundar-se no que já se sabe por diferentes fontes, nunca por uma ou
poucas pessoas somente.
Que possamos nos encantar pelo
verdadeiro conhecimento, sempre valorizando a fé raciocinada.
[1] Texto publicado no jornal Correio Fraterno, ed. 472, p.
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