quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Os limites do encantamento[1]


Marco Milani


Na Parábola do Semeador, identificamos as diferentes maneiras pelas quais os ensinamentos do Evangelho podem ser aproveitados. Variando daqueles que nada se servem da Boa Nova até aqueles que a compreendem e aplicam a si mesmos, beneficiando-se do progresso realizado.
A mesma analogia pode ser feita aos adeptos do Espiritismo, passando por aqueles que nada mais fazem do que admirarem as manifestações espirituais e deterem-se na atitude mística e contemplativa até aqueles que depreendem as profundas consequências morais e seguem a orientação do Espírito da Verdade para amarem-se uns aos outros e instruírem-se.
Um dos pilares da doutrina espírita é a fé raciocinada, ou seja, aquela que se sustenta pela lógica diante da análise crítica dos fatos. Sabe-se porque efetivamente conhece-se e não porque se reproduz argumentos aceitos sem a necessária ponderação.
Assim como as sementes espargidas pelo semeador da parábola necessitam de boa terra para frutificarem, os ensinos dos Espíritos de escol que contribuíram diretamente para a construção do corpo teórico-doutrinário do Espiritismo pressupõem a fé raciocinada para a plena compreensão e aplicação.
A essência desses ensinamentos é simples e totalmente acessível. Porém, quanto mais nos aprofundarmos no conhecimento de nós mesmos e da realidade em que estamos inseridos, mais teremos elementos para planejar e agir adequadamente em prol de nossa melhoria e felicidade.
A jornada evolutiva é uma conquista interior, mas necessariamente implica aprender a amar a si mesmo e ao próximo, além de Deus.         
Certamente esses ensinamentos podem tocar o coração de cada um em diferentes momentos, conforme esforço nesse sentido, mas se torna cada vez mais premente nos desvencilharmos da inércia contemplativa e abraçarmos a atitude libertadora dos grilhões da ignorância. Ninguém absorve conhecimentos, como equivocadamente alguns supõem, mas os obtém por méritos próprios.
No movimento espírita encontramos muitos que acreditam estar absorvendo sabedoria ao deixarem-se encantar pela oratória eloquente deste ou daquele palestrante. Preocupantemente, o conteúdo pode passar a ser secundário diante da envolvente forma como é expresso. Que oratória fantástica, dizem, ainda que não se lembrem exatamente do que foi abordado nem como isso pode fazê-los progredir moral e intelectualmente. Locupletam-se emocionalmente e quanto mais famoso for o palestrante, mais afortunados se consideram.
Muitas casas espíritas convidam notórios expositores buscando lotar os seus salões sem conhecerem, muitas vezes, o teor do que será dito. Basta o nome do palestrante. O título da palestra é “tema livre”, pois vindo de quem vem, creem que será ótima.
Obviamente, as boas palestras atuam como poderosos elementos disseminadores dos princípios e valores espíritas e devem ser incentivadas.
O que poderíamos refletir é: até que ponto o carisma pessoal de terceiros estimula o próprio potencial de crescimento interior? O encantamento provocado por palestrantes carismáticos favorece o pensamento crítico ou a dependência intelectual?
Determinados autores de livros espíritas também provocam encantamento para um público específico de leitores. Foi o fulano quem psicografou ou escreveu, alegam alguns, portanto é verdade. Será?
Para identificar o grau de dependência ou emancipação de alguém perante algum autor ou palestrante, pode-se fazer o seguinte questionamento: se esse autor ou palestrante afirmar algo sobre um assunto que eu tenha dúvidas ou discorde, a partir desse momento passarei a aceitar a ideia dele (a) porque confio mais nele (a) do que em mim?
Se a resposta for “sim”, então a dependência é grande.
O próprio Kardec insiste na necessidade de tudo ser confrontado racionalmente mediante fatos e argumentos válidos, então por que acreditar cegamente em um palestrante ou escritor? Se tal afirmação contrariar os ensinamentos dos Espíritos que Kardec validou servindo-se de rigoroso método, mais um motivo para redobrar a cautela e analisar as evidências que são apresentadas. Diante de incerteza, não se pode aceitar ou refutar algo, a priori, mas aprofundar-se no que já se sabe por diferentes fontes, nunca por uma ou poucas pessoas somente.
Que possamos nos encantar pelo verdadeiro conhecimento, sempre valorizando a fé raciocinada.




[1] Texto publicado no jornal Correio Fraterno, ed. 472, p. 11.

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