Cairbar Schutel
Fundamentalmente inseridos no
contexto do materialismo, escapes e compensações servem também a todos os
outros desvios de conduta ligados ao egoísmo e ao orgulho.
Escape, no contexto da reforma
íntima, é o processo, composto por atos isolados ou conjuntos, em períodos ou
fases, que representa uma fuga à realidade por parte do encarnado, ao longo de
seu estágio na crosta terrestre.
Compensação, nesse mesmo
contexto, é o processo pelo qual o ser humano equilibra ou reequilibra a
interação razão-sentimento, buscando contrabalançar suas provas e suas
expiações com prazeres materiais ou fugazes, de qualquer ordem, objetivando
também uma fuga à realidade.
Escapes e compensações compõem o
cotidiano de vários indivíduos, indisciplinados e revoltados com o processo de
reforma íntima ou mesmo com as provas que devem enfrentar na jornada física.
Quando se depara com um
obstáculo, do qual se vê impossibilitado de fugir e não quer verdadeiramente
resolver, o ser humano, de regra, tende a tomar dois rumos alternativos: o
escape ou a compensação. Utilizando o escape, torna-se indiferente ou alheio à
questão, fechando- se em si mesmo e ignorando, em suma, o que se passa à sua
volta, quando o seu dever cristão impõe-lhe a luta e a perseverança. Ao usar a
compensação, mergulha num oceano de dádivas e dívidas materiais, quase sempre
no contexto do materialismo de qualquer espécie. Em ambos os casos não
consegue, porque não quer atacar de frente o empecilho natural e necessário que
a vida lhe impõe.
O estágio na Crosta é repleto de
pressões de toda ordem e o encarnado costuma ser cobrado pelos outros e por si
mesmo. Buscar ser fraterno e solidário, nesse quadro que seu coração considera
desolador, é-lhe um fardo.
Não vê por que, no seu
raciocínio constituído por teorias secundárias, deixar a pessoa de se conceder
uma compensação pelo que vivencia; encontra sempre uma justificativa fundada
para o seu escape.
A regra é que tais escapes e
compensações se dão no campo dos sentimentos negativos do ser. Hipótese rara,
quase inexistente no Globo, é a daquele que assimila bem e de modo positivo
suas frustrações diante das provas e expiações que tem a enfrentar.
A lógica explica. Se o indivíduo
não tem sensibilidade e raciocínio suficientes para compreender a necessidade
de tais enfrentamentos cotidianos, necessitando fantasiar sua existência para
suportar a jornada terrena, natural lhe parece que suas compensações se deem na
senda do erro.
Por outro lado, falar em escape,
por si só, significa um desvio. Fugir não significa elevação moral de ninguém
na maioria dos casos.
A compensação pode constituir um
equilíbrio baseado em atos positivos, tal como alguém "curar" uma
ansiedade gerada por um entrave qualquer dedicando-se cada vez mais à caridade
e ao auxílio fraterno ao próximo.
Escapes e compensações também
são mascarados em algumas situações. Faz parte de a natureza humana buscar
cobrir de aparência positiva os seus erros.
Aquele que muito trabalha,
alegando ser contra a ociosidade, a título de exemplo, mas impondo-se um regime
exagerado de isolamento social e privando-se do lazer, pode estar constituindo
para si mesmo um escape ou uma compensação. Porque não sabe lidar com alguma
insegurança ou deficiência sua, volta-se ao trabalho para fugir à realidade,
evitando contato com a comunidade ou mesmo com a família e, com isso, busca
suprir sua carência de solidariedade.
Normalmente o exagero demonstra
a impropriedade da conduta. Atirar-se com abuso a determinada atividade ou à
prática de algum comportamento evidencia indício de escape ou compensação.
Para enfrentar um único
problema, pode o encarnado valer-se desses dois mecanismos, ao mesmo tempo,
sucessiva ou alternadamente.
O procedimento cristão,
fundamentado nos bons sentimentos[2],
exige que o ser humano abstenha-se da prática frequente de fuga à realidade.
Esta não lhe traz progresso, porque o afasta da luta, evita o enfrentamento que
origina a modificação do seu comportamento, lapidando-lhe o âmago e aprimorando
a sua maneira de se conduzir na existência corpórea.
Em verdade, os escapes e as
compensações são utilizados porque o indivíduo teme sofrer. E sofre porque não
compreende a realidade e a inevitabilidade das sucessivas provas que possui.
Há, no entanto, vários modos da
pessoa vivenciar uma compensação ou utilizar um escape.
Alguns levam o ser humano a um
universo inaceitável de erros de toda ordem. É o caso daquele que, por ter
nascido em família economicamente pobre, inconformado, sem saber como ou sem
querer enfrentar a prova que o estágio encarnatório lhe impõe, volta-se à
prática de crimes de toda espécie como compensação ao seu
"sofrimento". Trata-se de um exemplo de compensação danosa.
O homem cerca-se de negativismo,
temeroso de enfrentar conflitos na tão indispensável posição de pai ou esposo
em sua família (que implica dedicação e abnegação cotidianas), valendo-se de
seu trabalho a título de escape.
Certamente, há compensações e
escapes mais leves os quais, ainda que não ideais, são menos danosos ao
progresso do ser.
O materialista é o usuário por
excelência desses procedimentos, porque lhe é muito fácil trocar um bem terreno
por outro ou mesmo um prazer espiritual por algo material.
Outro exemplo: o homem que,
orgulhoso, vendo-se ferido no brio, sem saber como lidar com a sensação gerada,
explode em cólera. Sua reação de ira pode tanto estar no campo do escape quanto
da compensação. Aquele que sente prazer nessa troca está compensando (orgulho
ferido v. reação colérica). Quem reage inconscientemente, sem fazer a ligação
entre uma e outra, está escapulindo.
A reforma íntima deve fazer ver
ao ser humano indispensabilidade de diminuir, até cessar, a utilização do escape
e da compensação como processos de fuga à realidade.
Porém, mesmo no processo de
reforma íntima, utiliza-se o encarnado desses mecanismos. Para trabalhar a modificação
do seu âmago, que traz sofrimento porque implica luta, pode haver o uso de
compensações ou mesmo de escapes.
"Se devo promover minha
reforma íntima, necessito de uma compensação" — diz muitas vezes o homem.
Essa manifestação é natural, pois o ser, no atual estágio evolutivo da
humanidade, não está, de regra, preparado a ceder unilateralmente, sem receber em
troca algum benefício.
Menos mal assim, desde que
compense de forma plausível. Fará sua reforma íntima dessa maneira até que
compreenda; pelo aprimoramento sequencial do espírito, a inutilidade de
instrumentos acessórios para isso, seja quanto à compensação, seja quanto ao
escape.
Raciocínio: melhor a atitude
compensatória leve do que o erro grave; mais conveniente cada um promover a sua
reforma íntima diante de uma compensação, ainda que não ideal, mas próximo do
cristão, do que permanecer estagnado ou assumir novos e maiores débitos.
Sentimento: pior o escape do que
o enfrentamento do problema; mais conveniente a criatura instaurar e cultivar a
reforma íntima do que fugir à realidade, ainda que isso lhe traga sofrimento.
A compensação está para o
raciocínio do mesmo modo que o escape está para o sentimento. A primeira é mais
razão provocada por um processo de lógica, ao qual se vincula momento de
decidir. A segunda é mais sentimento, causado por uma instância emotiva, que
exalta a alma e provoca a decisão.
Caminhar no processo de reforma
íntima, de maneira crescente e segura, é uma peregrinação que demanda tempo. Não
se faz da noite para o dia. Pode levar períodos curtos, em cada uma de suas
fases, mas a regra é que dure anos, quiçá séculos. O procedimento pode ser
encurtado na exata medida em que livre-arbítrio é bem utilizado pelo indivíduo.
A irresignação, o que, de regra,
equivale ao sofrimento presente, confere à pessoa menores chances de recompensa
espiritual futura.
Escapes e compensações possuem o
seu lado positivo, mas não são o ideal a ser alcançado pelo homem na sua
caminhada evolutiva. Ao contrário, representam nesse caso o meio para o
encarnado chegar a uma finalidade maior, que é a prática da sua reforma íntima.
No decorrer desta última, instrumento de progresso, tais pretextos vão perdendo
a sua razão de ser e devem ser afastados pelo ser humano, imperando, em seu
lugar, a resignação.
[1] Fundamentos da
Reforma Íntima – Cairbar Schutel /
psicografado por Abel Glaser
[2] Abnegação, afabilidade, bem-querer, benevolência,
bondade, brandura, caridade, carinho, clemência, compaixão, confiança, coragem,
desprendimento, devotamento, disciplina, doçura, esperança, fé, flexibilidade,
generosidade, gratidão, humildade, indulgência, lealdade, justiça, mansuetude,
misericórdia, modéstia, otimismo, paciência, pacificidade, perseverança,
piedade, pureza de coração, resignação, responsabilidade, simpatia,
simplicidade, sinceridade, solidariedade, ternura.
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