sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Escapes e Compensações[1]


 

Cairbar Schutel


Fundamentalmente inseridos no contexto do materialismo, escapes e compensações servem também a todos os outros desvios de conduta ligados ao egoísmo e ao orgulho.
Escape, no contexto da reforma íntima, é o processo, composto por atos isolados ou conjuntos, em períodos ou fases, que representa uma fuga à realidade por parte do encarnado, ao longo de seu estágio na crosta terrestre.
Compensação, nesse mesmo contexto, é o processo pelo qual o ser humano equilibra ou reequilibra a interação razão-sentimento, buscando contrabalançar suas provas e suas expiações com prazeres materiais ou fugazes, de qualquer ordem, objetivando também uma fuga à realidade.
Escapes e compensações compõem o cotidiano de vários indivíduos, indisciplinados e revoltados com o processo de reforma íntima ou mesmo com as provas que devem enfrentar na jornada física.
Quando se depara com um obstáculo, do qual se vê impossibilitado de fugir e não quer verdadeiramente resolver, o ser humano, de regra, tende a tomar dois rumos alternativos: o escape ou a compensação. Utilizando o escape, torna-se indiferente ou alheio à questão, fechando- se em si mesmo e ignorando, em suma, o que se passa à sua volta, quando o seu dever cristão impõe-lhe a luta e a perseverança. Ao usar a compensação, mergulha num oceano de dádivas e dívidas materiais, quase sempre no contexto do materialismo de qualquer espécie. Em ambos os casos não consegue, porque não quer atacar de frente o empecilho natural e necessário que a vida lhe impõe.
O estágio na Crosta é repleto de pressões de toda ordem e o encarnado costuma ser cobrado pelos outros e por si mesmo. Buscar ser fraterno e solidário, nesse quadro que seu coração considera desolador, é-lhe um fardo.
Não vê por que, no seu raciocínio constituído por teorias secundárias, deixar a pessoa de se conceder uma compensação pelo que vivencia; encontra sempre uma justificativa fundada para o seu escape.
A regra é que tais escapes e compensações se dão no campo dos sentimentos negativos do ser. Hipótese rara, quase inexistente no Globo, é a daquele que assimila bem e de modo positivo suas frustrações diante das provas e expiações que tem a enfrentar.
A lógica explica. Se o indivíduo não tem sensibilidade e raciocínio suficientes para compreender a necessidade de tais enfrentamentos cotidianos, necessitando fantasiar sua existência para suportar a jornada terrena, natural lhe parece que suas compensações se deem na senda do erro.
Por outro lado, falar em escape, por si só, significa um desvio. Fugir não significa elevação moral de ninguém na maioria dos casos.
A compensação pode constituir um equilíbrio baseado em atos positivos, tal como alguém "curar" uma ansiedade gerada por um entrave qualquer dedicando-se cada vez mais à caridade e ao auxílio fraterno ao próximo.
Escapes e compensações também são mascarados em algumas situações. Faz parte de a natureza humana buscar cobrir de aparência positiva os seus erros.
Aquele que muito trabalha, alegando ser contra a ociosidade, a título de exemplo, mas impondo-se um regime exagerado de isolamento social e privando-se do lazer, pode estar constituindo para si mesmo um escape ou uma compensação. Porque não sabe lidar com alguma insegurança ou deficiência sua, volta-se ao trabalho para fugir à realidade, evitando contato com a comunidade ou mesmo com a família e, com isso, busca suprir sua carência de solidariedade.
Normalmente o exagero demonstra a impropriedade da conduta. Atirar-se com abuso a determinada atividade ou à prática de algum comportamento evidencia indício de escape ou compensação.
Para enfrentar um único problema, pode o encarnado valer-se desses dois mecanismos, ao mesmo tempo, sucessiva ou alternadamente.
O procedimento cristão, fundamentado nos bons sentimentos[2], exige que o ser humano abstenha-se da prática frequente de fuga à realidade. Esta não lhe traz progresso, porque o afasta da luta, evita o enfrentamento que origina a modificação do seu comportamento, lapidando-lhe o âmago e aprimorando a sua maneira de se conduzir na existência corpórea.
Em verdade, os escapes e as compensações são utilizados porque o indivíduo teme sofrer. E sofre porque não compreende a realidade e a inevitabilidade das sucessivas provas que possui.
Há, no entanto, vários modos da pessoa vivenciar uma compensação ou utilizar um escape.
Alguns levam o ser humano a um universo inaceitável de erros de toda ordem. É o caso daquele que, por ter nascido em família economicamente pobre, inconformado, sem saber como ou sem querer enfrentar a prova que o estágio encarnatório lhe impõe, volta-se à prática de crimes de toda espécie como compensação ao seu "sofrimento". Trata-se de um exemplo de compensação danosa.
O homem cerca-se de negativismo, temeroso de enfrentar conflitos na tão indispensável posição de pai ou esposo em sua família (que implica dedicação e abnegação cotidianas), valendo-se de seu trabalho a título de escape.
Certamente, há compensações e escapes mais leves os quais, ainda que não ideais, são menos danosos ao progresso do ser.
O materialista é o usuário por excelência desses procedimentos, porque lhe é muito fácil trocar um bem terreno por outro ou mesmo um prazer espiritual por algo material.
Outro exemplo: o homem que, orgulhoso, vendo-se ferido no brio, sem saber como lidar com a sensação gerada, explode em cólera. Sua reação de ira pode tanto estar no campo do escape quanto da compensação. Aquele que sente prazer nessa troca está compensando (orgulho ferido v. reação colérica). Quem reage inconscientemente, sem fazer a ligação entre uma e outra, está escapulindo.
A reforma íntima deve fazer ver ao ser humano indispensabilidade de diminuir, até cessar, a utilização do escape e da compensação como processos de fuga à realidade.
Porém, mesmo no processo de reforma íntima, utiliza-se o encarnado desses mecanismos. Para trabalhar a modificação do seu âmago, que traz sofrimento porque implica luta, pode haver o uso de compensações ou mesmo de escapes.
"Se devo promover minha reforma íntima, necessito de uma compensação" — diz muitas vezes o homem. Essa manifestação é natural, pois o ser, no atual estágio evolutivo da humanidade, não está, de regra, preparado a ceder unilateralmente, sem receber em troca algum benefício.
Menos mal assim, desde que compense de forma plausível. Fará sua reforma íntima dessa maneira até que compreenda; pelo aprimoramento sequencial do espírito, a inutilidade de instrumentos acessórios para isso, seja quanto à compensação, seja quanto ao escape.
Raciocínio: melhor a atitude compensatória leve do que o erro grave; mais conveniente cada um promover a sua reforma íntima diante de uma compensação, ainda que não ideal, mas próximo do cristão, do que permanecer estagnado ou assumir novos e maiores débitos.
Sentimento: pior o escape do que o enfrentamento do problema; mais conveniente a criatura instaurar e cultivar a reforma íntima do que fugir à realidade, ainda que isso lhe traga sofrimento.
A compensação está para o raciocínio do mesmo modo que o escape está para o sentimento. A primeira é mais razão provocada por um processo de lógica, ao qual se vincula momento de decidir. A segunda é mais sentimento, causado por uma instância emotiva, que exalta a alma e provoca a decisão.
Caminhar no processo de reforma íntima, de maneira crescente e segura, é uma peregrinação que demanda tempo. Não se faz da noite para o dia. Pode levar períodos curtos, em cada uma de suas fases, mas a regra é que dure anos, quiçá séculos. O procedimento pode ser encurtado na exata medida em que livre-arbítrio é bem utilizado pelo indivíduo.
A irresignação, o que, de regra, equivale ao sofrimento presente, confere à pessoa menores chances de recompensa espiritual futura.
Escapes e compensações possuem o seu lado positivo, mas não são o ideal a ser alcançado pelo homem na sua caminhada evolutiva. Ao contrário, representam nesse caso o meio para o encarnado chegar a uma finalidade maior, que é a prática da sua reforma íntima. No decorrer desta última, instrumento de progresso, tais pretextos vão perdendo a sua razão de ser e devem ser afastados pelo ser humano, imperando, em seu lugar, a resignação.




[1] Fundamentos da Reforma Íntima – Cairbar Schutel / psicografado por Abel Glaser
[2] Abnegação, afabilidade, bem-querer, benevolência, bondade, brandura, caridade, carinho, clemência, compaixão, confiança, coragem, desprendimento, devotamento, disciplina, doçura, esperança, fé, flexibilidade, generosidade, gratidão, humildade, indulgência, lealdade, justiça, mansuetude, misericórdia, modéstia, otimismo, paciência, pacificidade, perseverança, piedade, pureza de coração, resignação, responsabilidade, simpatia, simplicidade, sinceridade, solidariedade, ternura.

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