segunda-feira, 8 de agosto de 2022

GERALDINE CUMMINS[1]

 

 

A irlandesa Geraldine Cummins nasceu em 24 de janeiro de 1890, em Cork, República da Irlanda. Filha de William Edward Ashley Cummins e de Jane Constable Hall.

Desafiou o senso corriqueiro ao tratar de assuntos considerados intocáveis por sacerdotes de diversas religiões.

Por intermédio de sua Mediunidade foram dadas notícias e detalhes a respeito da vida de Jesus e de Paulo, o apóstolo dos gentios.

Aqueles que foram analisar a atuação da médium, com o objetivo de desmascará-la, encontraram tanta sinceridade e espontaneidade que se propuseram a ler suas mensagens. Nelas foram encontrados tantos detalhes envolvendo questões históricas, referências geográficas e termos utilizados na antiga Palestina, que somente poderiam ter sido utilizados por quem tivesse vivido ou conhecido profundamente aquela região e os fatos que lá ocorreram.

Embora o conhecimento daqueles fatos pudessem ser alcançados por algum estudante dedicado, este não era o caso de Geraldine, que não se interessava por aqueles assuntos e nunca estivera no Egito ou na Palestina.

As sessões de experimentação foram iniciadas em 1923. Foi assim que Geraldine, que contava com a ajuda de sua amiga E. B. Gibbes descobriu-se médium psicógrafa.

Durante dois anos elas trabalharam em busca do desenvolvimento, até que, em 1925, surgiram mensagens tratando de fatos ligados à história do Cristianismo primitivo, o autor delas identificou-se pelo nome O Mensageiro.

Ernesto Bozzano esteve acompanhando as reuniões para verificar sua performance mediúnica e ressaltou que durante um semi-transe que dominou a médium ela escreveu com incrível rapidez.

(...) 1.500 palavras eram ditadas, sem interrupção, numa hora. Uma vez terminado o ditado, ele era imediatamente retirado, na ignorância do seu conteúdo, com o fim de se evitarem interferências possíveis de sua subconsciência[2].

No dia seguinte, Geraldine retomava a mensagem exatamente do ponto que parara, mesmo não tendo tomado conhecimento sobre o local da interrupção.

No dia 16 de março de 1926, durante uma reunião, ela escreveu mil setecentos e cinquenta palavras em uma hora e quinze minutos, com um detalhe: suas mensagens eram escritas à lápis, o que tornava o processo mais lento.

O primeiro livro mediúnico que ela recebeu foi “The Scripts of Cleophas[3]” (Os Escritos de Cleofás). O orientador espiritual de Geraldine informou que se tratava de suplementação do livro “Atos dos Apóstolos” e das epístolas de São Paulo. Neste trabalho foram tratados assuntos do Cristianismo primitivo e do trabalho dos apóstolos após a “morte” de Jesus, chegando até o momento em que Paulo partiu da Beréia para Atenas. Esta obra foi enaltecida por representantes do Protestantismo e do Catolicismo, pela clareza e detalhes que eram descritos os fatos e lugares relativos à época em que a história se passou.

É necessário um esclarecimento: Cleofás, a quem se referiu o título do primeiro livro, foi o discípulo para quem Jesus se revelou no caminho para Emaús, após a crucificação.

Após este livro, ela deu continuidade ao trabalho por meio do livro “Paul in Athens” (Paulo em Atenas) e depois com “The Great Days of Ephesus” (Os Grandes Dias de Éfeso).

O quarto livro que ela psicografou foi “The Road os Immortality” (A Estrada da Imortalidade), que foi o resultado de uma série de comunicações do Espírito Frederich W. H. Myers. Nele o pesquisador desencarnado dava uma visão do progresso do espírito humano, indo ao encontro da eternidade. Oliver Lodge prefaciou esta obra.

Em 1936, Geraldine protagonizou um episódio que dividiu a opinião pública e se tornou uma fonte de especulações, fornecendo “munição” para a imprensa sensacionalista. Ela afirmou que estava recebendo mensagens enviadas pelo topógrafo e coronel inglês Percy Harrison Fawcett.

A história de Percy H. Fawcett é cercada de mistérios e controvérsias. Em 1925, quando ele já havia se aposentado e estava interessado na descoberta de civilizações perdidas, recebeu, de presente, uma estatueta de um ídolo em pedra negra, que tinha sua provável origem no Brasil.

Ao consultar um médium, ele foi convencido de que o artefato fora construído por membros de uma civilização que habitava “um grande continente de forma irregular que estendia do litoral norte da África à América do Sul”. O explorador acreditou que se tratava da Atlântida, e que aquele objeto pertencera a remanescentes daquela cultura, que ainda habitavam terras brasileiras.

Movido pela curiosidade, o explorador veio para o Brasil e adquiriu um mapa antigo que mostrava uma cidade sem nome localizada numa região inexplorada do Mato Grosso. Fawcett nomeou-a como Cidade X, organizou uma expedição que incluía seu filho Jack Fawcett e se embrenhou pela selva à procura da confirmação de suas suspeitas.

Em sua última carta dirigida à sua esposa, o coronel escreveu a respeito de informações que obteve sobre uma velha metrópole abandonada, localizada às margens de um lago. Depois disto nunca mais se teve notícias confiáveis a respeito dos aventureiros.

Quando Geraldine divulgou seus contatos com o coronel, ela afirmou que ele enviava suas mensagens em estado de semiconsciência; estava ainda encarnado, mas bastante adoentado. Segundo a médium, ele afirmou ter encontrado relíquias e disse que os objetos tinham pertencido à civilização atlante. Ao final de quatro meses as mensagens foram interrompidas.

Em 1948, a médium afirmou que ele voltou a contatá-la, desta vez para informar que finalmente estava desencarnado.

A sintonia de Geraldine com Espíritos de pessoas que ficaram bastante conhecidas quando encarnadas não parou por aí. Em 1957, ela informou que o Espírito que fora Winnifred Coombe-Tennant e que tinha desencarnado em 1956, iniciou um contato que durou cerca de dois anos e meio e resultou numa série de quarenta manuscritos.

A importância da médium na Inglaterra pode ser medida pelo tratamento que Geraldine recebeu dos ingleses, que a ela se dirigiam como “a maior psicógrafa do mundo”.

Geraldine faleceu em 24 de agosto de 1969.



[2] Trecho retirado do livro “As Mulheres Médiuns”, de Carlos Bernardo Loureiro.

[3] The Scripts of Cleophas (1961).

sábado, 6 de agosto de 2022

CREMAÇÃO NA VISÃO ESPÍRITA[1]

 

Wagner Ideali

 

Cremar ou não cremar? Este tema provoca muita discussão.

Neste nosso estudo vamos basear-nos, como sempre, na codificação.

Kardec esclarece em O Livro dos Espíritos:

Pergunta 155:

Como se opera a separação da alma e do corpo?

− Desligando-se os liames que a retinham, ela se desprende.

 

Pergunta 155-a:

A separação se verifica instantaneamente, numa transição brusca? Há uma linha divisória bem marcada entre a vida e a morte?

− Não; a alma se desprende gradualmente e não escapa como um pássaro cativo que fosse libertado. Os dois estados se tocam e se confundem, de maneira que o Espírito se desprende pouco a pouco dos seus liames; estes se soltam e não se rompem.

 

O corpo é o veículo de manifestação do espírito, ou seja, somos todos espíritos vivendo uma experiência no corpo físico, mas não um corpo físico que tem espírito, pois o segundo permanece e o corpo não.

Quando acontece o desencarne, o espírito vai-se desligando do corpo físico lentamente. Todos os liames são passo a passo sendo removidos. Nos casos de acidente, mortes violentas, a separação é instantânea e pode até gerar sofrimento para o espírito.

No programa Pinga-fogo da TV Tupi, na década de 1970, fizeram uma pergunta ao querido Chico, sobre a cremação e ele informou que Emmanuel abordou esta questão no livro “O Consolador”, psicografado pelo Chico:

 

Pergunta 151:

O Espírito desencarnado pode sofrer com a cremação dos elementos cadavéricos?

Na cremação, faz-se mister exercer a caridade com os cadáveres, procrastinando por mais horas o ato de destruição das vísceras materiais, pois, de certo modo, existem sempre muitos ecos de sensibilidade entre o espírito desencarnado e o corpo onde se extinguiu o ‘tônus vital’, nas primeiras horas sequentes ao desenlace, em vista dos fluidos orgânicos que ainda solicitam a alma para as sensações da existência material.

 

Recorrendo à codificação, vamos ver nas perguntas 163 até 165 em O Livro dos Espíritos, que nos apresenta exatamente isso, ou seja, cada espírito tem um tempo de total desligamento.

Assim, poderíamos perguntar: E se cremar antes? O espírito vai ter problemas? Pode ter ou não, depende da evolução do espírito. Qual seria esse problema? Um desconforto mais ou menos acentuado, dependendo de sua evolução.

Se alguém do seu círculo pessoal decidir ser cremado, não existe nada que seja impeditivo dentro da ótica espírita, apenas ter consciência de que, dependendo da evolução do espírito que solicitou ser cremado, ele não vai ter qualquer problema de desconforto, por assim dizer no mundo espiritual, pois ele não tem amarras com a vida física.

Os seres encarnados que têm uma ligação muito forte com o corpo, vivem em função do corpo, a vida é o corpo e nada mais, necessário cautela para o processo de cremação para não ocorrer profundos desequilíbrios, desconfortos para o espírito no mundo espiritual.

Se tivermos os ensinos de Jesus em nossos corações, em nossos atos, palavras e pensamentos, não há por que se preocupar, pois nosso coração não está onde a traça corrói, o ladrão rouba, o tempo enferruja. O nosso coração estará nos valores profundos da alma, onde nada pode atrapalhar e nos criar situações que nos levem a desequilíbrios e dor.

 

Que Jesus nos abençoe hoje e sempre.



[1] O CONSOLADOR - Ano 16 - N° 782 - 24 de Julho de 2022 - http://www.oconsolador.com.br/ano16/782/ca7.html

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

PADRÃO DOS PENSAMENTOS DETERMINA AMBIENTE[1]

 

Orson Peter Carrara – 21/02/2012

     

Allan Kardec usou o mesmo título, em sua Revista Espírita de maio de 1867, para abordar a questão da influência dos maus fluidos - produzidos pelos sentimentos contrários à caridade -, que tornam os ambientes desagradáveis e muitas vezes intoleráveis.

      Não é outra a causa dos constrangimentos que se estabelecem nos relacionamentos, especialmente em grupos onde o ambiente "parece pesar" e surgem as sensações de desconforto. E há que se considerar que a permanências desses "ambientes pesados", característicos de ondas mentais conflitantes, pode acarretar graves prejuízos morais e mesmo desuniões e danos à saúde, já que desencadeadores de obsessões.

      A abordagem do Codificador é extremamente lúcida e coerente. Selecionamos alguns trechos ao leitor, indicando, todavia, a fonte original para leitura e estudo na íntegra, conforme citado no primeiro parágrafo.

      (...) sabemos que, numa reunião, além dos assistentes corporais, há sempre auditores invisíveis; que sendo a impermeabilidade uma propriedade do organismo dos Espíritos, estes podem achar-se em número ilimitado num dado espaço. (...) Sabe-se que os fluidos que emanam dos Espíritos são mais ou menos salutares, conforme seu grau de depuração. Conhece-se o seu poder curativo em certos casos e, também, seus efeitos mórbidos de indivíduo a indivíduo. Ora, desde que o ar pode ser saturado desses fluidos, não é evidente que, conforme a natureza dos Espíritos que abundam em determinado lugar, o ar ambiente se ache carregado de elementos salutares ou malsãos, que devem exercer influências sobre a saúde física, assim como sobre a saúde moral? Quando se pensa na energia da ação que um Espírito pode exercer sobre um homem, é de admirar-se da que deve resultar de uma aglomeração de centenas ou milhares de Espíritos? Esta ação será boa ou má conforme os Espíritos derramem num dado meio um fluido benéfico ou maléfico, agindo à maneira das emanações fortificantes ou dos miasmas deletérios, que se espalham no ar. Assim se pode explicar certos efeitos coletivos, produzidos sobre massas de indivíduos, o sentimento de bem-estar ou de mal-estar, que se experimenta em certos meios, e que não tem nenhuma causa aparente conhecida, o entusiasmo ou o desencorajamento, por vezes a espécie de vertigem que se apodera de toda uma assembleia, de toda uma cidade, mesmo de todo um povo. Em razão do seu grau de sensibilidade, cada indivíduo sofre a influência desta atmosfera viciada ou vivificante. Por este fato, que parece fora de dúvida e que, ao mesmo tempo que a teoria e a experiência, nós achamos nas relações do mundo espiritual com o mundo material, um novo princípio de higiene, que, sem dúvida, um dia a ciência fará entrar em linha de conta.(...)

      Ora, o trecho transcrito é por demais claro. Ele remete a outras tantas considerações, impossíveis de serem trazidas ao simples espaço de um artigo. Mas poderíamos ponderar sobre como subtrair-se a estas influências (e Kardec aborda isso na continuidade do texto).

      O fato concreto é que somos sempre responsáveis pelo tipo de influência que atraímos ou alterações que produzimos nos fluidos que nos circundam por força dos sentimentos e pensamentos que cultivamos.

      Numa assembleia, pequena ou numerosa, o padrão dominante dos pensamentos é fator decisivo para determinar o tipo de sensação que vigorará "no ar" daquele ambiente. Alterá-lo também é tarefa dos mesmos pensamentos e sentimentos. Fruto da perseverança no bem e no reconhecimento dos valores que conduzem ao estabelecimento da harmonia na convivência.

      Uma vez mais surge a necessidade da melhora moral como único recurso de vivermos melhor.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

RESUMINDO OS FATOS[1]

 

Miramez

 

RESUMO TEÓRICO DO SONAMBULISMO, DO ÊXTASE E DA DUPLA VISTA

Os fenômenos do sonambulismo natural se produzem espontaneamente e independem de qualquer causa exterior conhecida; mas, entre algumas pessoas, dotadas de organização especial, podem ser provocados artificialmente, pela ação do agente magnético.

O estado designado pelo nome de sonambulismo magnético não difere do sonambulismo natural, senão pelo fato de ser provocado, enquanto o outro é espontâneo.

O sonambulismo natural é um fato notório, que ninguém pensa pôr em dúvida, apesar do aspecto maravilhoso dos seus fenômenos. Que haveria pois, de mais extraordinário ou de mais irracional no sonambulismo magnético, por ser ele produzido artificialmente, como tantas outras coisas? Dizem que os charlatães o têm explorado; mais uma razão para que não seja deixado nas suas mãos. Quando a Ciência se tiver apropriado dele, o charlatanismo terá muito menos crédito entre as massas. Mas, enquanto se espera, como o sonambulismo natural ou artificial são um fato, e contra fatos não há argumentos, ele se firma, apesar da má vontade de alguns, e isso no próprio seio da Ciência, onde penetra por uma infinidade de portas laterais, em vez de passar pela central. E, quando lá estiver plenamente firmado, será necessário lhe conceder o direito da cidadania.

Para o Espiritismo, o sonambulismo é mais do que um fenômeno fisiológico, é uma luz projetada sobre a Psicologia. É nele que se pode estudar a alma, porque é nele que ela se mostra a descoberto. Ora, um dos fenômenos pelos quais ela se caracteriza é o da clarividência, independente dos órgãos comuns da visão. Os que contestam o fato se fundam em que o sonâmbulo não vê sempre, e à vontade dos experimentadores, como através dos olhos. Seria de admirar que os meios sendo diferentes, os efeitos não sejam os mesmos? Seria racional buscar efeitos semelhantes, quando não existe o instrumento? A alma tem as suas propriedades, como os olhos têm a deles; é preciso julgá-los em si mesmos, e não por analogia.

A causa da clarividência do sonambulismo magnético e do sonambulismo natural são a mesma: um atributo da alma, uma faculdade inerente a todas as partes do ser incorpóreo que existe em nós, e que não tem limites além dos que são assinalados à própria alma. O sonâmbulo vê em toda parte a que sua alma possa transportar-se, qualquer que seja a distância.

No caso da visão à distância, o sonâmbulo não vê as coisas do lugar em que se encontra o seu corpo, à semelhança de um efeito telescópio. Ele as vê presentes, como se estivesse no lugar em que elas existem, porque a sua alma lá se encontra realmente; eis porque o seu corpo fica como aniquilado e privado de sensações, até o momento em que a alma se reapossar dele. Essa separação parcial da alma e do corpo é um estado anormal, que pode ter uma duração mais ou menos longa, mas não indefinida. Essa a causa da fadiga que o corpo experimenta, após um certo tempo, sobretudo quando a alma se entrega a um trabalho ativo.

A vista da alma ou do Espírito não sendo circunscrita e não tendo sede determinada, isso explica porque os sonâmbulos não podem assinalar para ela um órgão especial; eles veem porque veem, sem saber por que nem como, pois a vista não tem, para eles, como Espíritos, lugar próprio. Se eles se reportam ao corpo, esse lugar parece estar nos centros em que a atividade vital é maior, principalmente no cérebro, ou na região epigástrica, ou no órgão que, para eles, é o ponto de ligação mais intenso entre o Espírito e o corpo.

O poder de lucidez sonambúlica não é indefinido. O Espírito, mesmo quando completamente livre, é limitado em suas faculdades e em seus conhecimentos, segundo o grau de perfeição que tenha atingido; e é mais ainda, quando ligado à matéria, da qual sofre a influência. Essa a causa por que a clarividência sonambúlica não é universal nem infalível. E tanto menos se pode contar com a sua infalibilidade, quanto mais a desviem do fim proposto pela natureza e a transformem em objeto de curiosidade e de experimentação.

No estado de desprendimento em que se encontra o Espírito do sonâmbulo, entra ele em comunicação mais fácil com os outros Espíritos, encarnados ou não. Essa comunicação se estabelece pelo contato dos fluidos que compõem o perispírito e servem de transmissão ao pensamento, como o fio à eletricidade. O sonâmbulo não tem, pois, necessidade de que o pensamento seja articulado através da palavra: ele o sente e adivinha; é isso que o torna eminentemente impressionável e acessível às influências da atmosfera moral em que se encontra. É também por isso que uma influência numerosa de espectadores, e sobretudo de curiosos mais ou menos malévolos, prejudica essencialmente o desenvolvimento de suas faculdades, que, por assim dizer, se fecham sobre si mesmas e não se desdobram com toda a liberdade, como na intimidade e num meio simpático. A presença de pessoas malévolas ou antipáticas produz sobre ele o efeito do contato da mão sobre a sensitiva.

O sonâmbulo vê, ao mesmo tempo, o seu próprio Espírito e o seu corpo; eles são, por assim dizer, dois seres que lhe representam a dupla existência espiritual e corporal, confundidos, entretanto, pelos laços que os unem. Nem sempre o sonâmbulo se dá conta dessa situação, e essa dualidade faz que frequentemente ele fale de si mesmo como se falasse de uma pessoa estranha. É que num momento, o ser corporal fala ao espiritual, e noutro é o ser espiritual que fala ao ser corporal.

O Espírito adquire um acréscimo de conhecimentos e de experiências em cada uma de suas existências corpóreas. Esquece-os, em parte, durante a sua encarnação numa matéria demasiado grosseira, mas recorda-os como Espírito. É assim que certos sonâmbulos revelam conhecimentos superiores ao seu grau de instrução, e mesmo à sua capacidade intelectual aparente. A inferioridade intelectual e científica do sonâmbulo, em seu estado de vigília, não permite, portanto, prejulgar-se nada sobre os conhecimentos que ele pode revelar no estado lúcido. Segundo as circunstâncias e o objetivo que se tenha em vista, ele pode hauri-los na sua própria experiência, na clarividência das coisas presentes, ou nos conselhos que recebe de outros Espíritos; mas, como o seu próprio Espírito pode ser mais ou menos adiantado, ele pode dizer coisas mais ou menos justas.

Pelos fenômenos do sonambulismo, seja natural, seja magnético, a Providência nos dá a prova irrecusável da existência e da independência da alma, e nos faz assistir ao espetáculo sublime da sua emancipação; por esses fenômenos, ela nos abre o livro do nosso destino.

Quando o sonâmbulo descreve o que se passa à distância, é evidente que ele o vê, mas não pelos olhos do corpo: vê-se a si mesmo no local, e para lá se sente transportado; lá existe, portanto qualquer coisa dele, e essa qualquer coisa, não sendo o seu corpo, só pode ser a sua alma ou seu Espírito. Enquanto o homem se extravia nas sutilezas de uma metafísica abstrata e ininteligível, na busca das causas de nossa existência moral, Deus põe diariamente sob os seus olhos e sob as suas mãos os meios mais simples e mais patentes para o estudo da psicologia experimental.

O êxtase é o estado pelo qual a independência entre a alma e o corpo se manifesta da maneira mais sensível, e se torna, de certa forma, palpável.

No sonho e no sonambulismo a alma erra pelos mundos terrestres; no êxtase, ela penetra um mundo desconhecido, o dos Espíritos etéreos com os quais entra em comunicação, sem entretanto poder ultrapassar certos limites, que ela não poderia transpor sem romper inteiramente os laços que a ligam ao corpo. Um fulgor resplandecente e inteiramente novo a envolve, harmonias desconhecidas na Terra a empolgam, um bem-estar indefinível a penetra: ela goza, por antecipação, da beatitude celeste, e pode-se dizer que pousa um pé no limiar da eternidade.

No estado de êxtase o aniquilamento do corpo é quase completo; ele só conserva, por assim dizer, a vida orgânica. Sente-se que a alma não se liga a ele mais que por um fio, que um esforço a mais poderia romper sem remédio.

Nesse estado, todos os pensamentos terrenos desaparecem, para darem lugar ao sentimento puro que é a própria essência do nosso ser imaterial. Todo entregue a essa contemplação sublime, o extático não encara a vida senão como uma parada momentânea; para ele, os bens e os males, as alegrias grosseiras e as misérias deste mundo não são mais que fúteis incidentes de uma viagem da qual se sente feliz ao ver o termo.

Acontece com os extáticos o mesmo que com os sonâmbulos: sua lucidez pode ser mais ou menos perfeita, e seu próprio Espírito, conforme for mais ou menos elevado, é também mais ou menos apto a conhecer e a compreender as coisas. Verifica-se nele, às vezes, mais exaltação do que verdadeira lucidez, ou, melhor dito, sua exaltação prejudica a lucidez; é por isso que suas revelações são frequentemente uma mistura de verdades e erros, de coisas sublimes e de coisas absurdas, ou mesmo ridículas. Espíritos inferiores aproveitam-se muitas vezes dessa exaltação, que é sempre uma causa de fraqueza, quando não se sabe vencê-la, para dominar o extático, e para tanto se revestem aos seus olhos de aparências que o mantêm nas suas ideias preconceitos do estado de vigília. Este é um escolho, mas nem todos são assim; cabe-nos julgar friamente e pesar as suas revelações na balança da razão.

A emancipação da alma se manifesta às vezes no estado de vigília, e produz o fenômeno designado pelo nome de dupla vista, que dá aos que o possuem a faculdade de ver, ouvir e sentir além dos limites dos nossos sentidos. Eles percebem as coisas ausentes, por toda parte, até onde a alma possa estender a sua ação; veem, por assim dizer, através da vista ordinária, como por uma espécie de miragem.

No momento em que se produz o fenômeno da dupla vista, o estado físico é sensivelmente modificado: os olhos têm qualquer coisa de vago, olhando sem ver, e toda a fisionomia reflete uma espécie de exaltação. Constata-se que os órgãos da visão são alheios ao fenômeno, ao verificar-se que a visão persiste, mesmo com os olhos fechados.

Esta faculdade se afigura, aos que a possuem, tão natural como a de ver: consideram-na um atributo normal, que não lhes parece constituir exceção. O esquecimento se segue, em geral, a essa lucidez passageira, cuja lembrança se torna cada vez mais vaga, e acaba por desaparecer, como a de um sonho.

O poder da dupla vista varia desde a sensação confusa até à percepção clara e nítida das coisas presentes ou ausentes. No estado rudimentar, ela dá a algumas pessoas o tacto, a perspicácia, uma espécie de segurança nos seus atos, a que se pode chamar a justeza do golpe de vista moral. Mais desenvolvida, desperta os pressentimentos, e ainda mais desenvolvida, mostra acontecimentos já realizados ou em vias de realização.

O sonambulismo natural e artificial, o êxtase e a dupla vista, não são mais do que variedades ou modificações de uma mesma causa. Esses fenômenos da mesma maneira que os sonhos, pertencem à ordem natural. Eis por que existiram desde todos os tempos: a História nos mostra que eles foram conhecidos, e até mesmo explorados, desde a mais alta Antiguidade, e neles se encontra a explicação de uma infinidade de fatos que os preconceitos fizeram passar como sobrenaturais[2].

                                            Questão 455/O Livro dos Espíritos

 

Resumindo os fatos espirituais que provam a existência do Espírito imortal, podemos dizer que todos os fenômenos que partem da alma, são dons espirituais que nos fazem pensar e nos levam à fé que pode suportar a razão esclarecida.

O sonambulismo natural nos mostra a verdade, ou parte da verdade, com certa estabilidade e com grande promessa para o desenvolvimento das outras faculdades espirituais. Já o sonambulismo magnético, ou sonambulismo provocado, certamente que afrouxa os laços que prendem a alma ao corpo, sendo que não tem a mesma facilidade que o natural de revelar as belezas imortais do mundo da verdade, O natural está mais próximo do êxtase, que penetra os ambientes de luz, levando-nos perto dos altiplanos da espiritualidade superior. Em todos os casos, o sonambulismo provocado, se bem intencionado, é válido, desde quando seja dirigido por homens de boa fé e de pleno conhecimento da causa daquilo que se propõem a realizar.

Conclamamos a todos os praticantes de transe magnético que não se esqueçam de estudar mais profundamente os livros que esclarecem, juntamente com o Evangelho de Jesus, para que o bom senso direcione a razão. Que procurem igualmente o serviço da caridade em todos os seus aspectos, para que tenham um bom comportamento nas suas lides com as forças desconhecidas da natureza.

Para o Espiritismo e a própria ciência esclarecida, o magnetismo não é um fenômeno sem expressão; ele se encontra garantido por leis, que podem ser por demais úteis às criaturas que sofrem e choram sob o peso das suas culpas. Jesus usava todos os dias a Sua força magnética para cura dos enfermos e para a paz das criaturas de Deus, assim como o faziam todos os Seus discípulos.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra o quanto poderemos ser úteis aos irmãos que sofrem, pelo poder do magnetismo, desde quando o amor esteja presente nos nossos sentimentos.

Resumindo os fatos, a força magnética é um dom natural, de que podemos nos servir, buscando-a nos depósitos da natureza, pelos canais do amor, e usando-a nas conversações na expressão das ideias e mesmo com a presença. A mente é o instrumento que pode arrebanhar grande quantidade de magnetismo no próprio ar e distribuí-lo para onde desejar.

A segunda vista e o sonambulismo podem dar muitas notícias do mundo mais grosseiro que envolve a Terra, no entanto, o êxtase nos traz notícias de planos mais elevados, de modo que o próprio extático sente atração por esses planos e pode querer ficar por lá, pelo que vê e sente de felicidade. Enfim, esses dons nos mostram a independência da alma, e que a vida continua em todas as direções da vida imortal.

O resumo teórico apresentado por O Livro dos Espíritos na questão quatrocentos e cinquenta e cinco (acima), deve ser estudada pelo leitor pela profunda dissertação sobre esse assunto que ora resumimos. Pedimos a Deus e a Jesus nos esclareçam sempre, para sentirmos a luz da vida em uma compreensão mais nobre.



[1] Filosofia Espírita – Volume 9 – João Nunes Maia

[2] Todos estes fenômenos estão hoje cientificamente provados pelas pesquisas parapsicológicas, embora certos pesquisadores pretendam fazê-los "acomodar-se ao materialismo". Veja-se o que diz a respeito dessa acomodação, a resposta à pergunta 446 deste livro. (N. do T.)

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

A CIÊNCIA É CAPAZ DE COMPROVAR A EXISTÊNCIA DE DEUS[1]

 


Monica Grady[2] − The Open University (The Conversation) −  3 abril 2021

 

Se existe um Deus que criou todo o universo e TODAS as leis da física, Deus segue as próprias leis de Deus? Ou Deus pode suplantar suas próprias leis, como por exemplo viajar mais rápido do que a velocidade da luz e, assim, ser capaz de estar em dois lugares diferentes ao mesmo tempo?

A resposta poderia nos ajudar a provar se Deus existe ou não, ou é aqui que o empirismo científico e a fé religiosa se cruzam, sem NENHUMA resposta verdadeira? (David Frost, 67 anos, Los Angeles).

 

Eu estava em confinamento quando recebi essa pergunta e fiquei instantaneamente intrigada. Não é de se admirar o momento — eventos trágicos, como pandemias, muitas vezes nos levam a questionar a existência de Deus: se existe um Deus misericordioso, por que uma catástrofe como esta está acontecendo?

A ideia de que Deus pode estar "limitado" pelas leis da física — que também regem a química e a biologia e, portanto, os limites da ciência médica — era interessante de explorar.

Se Deus não fosse capaz de infringir as leis da física, provavelmente não seria tão poderoso quanto você esperaria que um ser supremo fosse. Mas se fosse capaz, por que não vemos nenhuma evidência de que as leis da física foram infringidas no Universo?

Para abordar essa questão, vamos analisá-la por partes. Primeiro, Deus pode viajar mais rápido que a luz? Vamos apenas considerar a pergunta ao pé da letra. A luz viaja a uma velocidade aproximada de 3 x 10⁵ km/s.

Aprendemos na escola que nada pode viajar mais rápido do que a velocidade da luz — nem mesmo a nave espacial USS Enterprise de Jornada nas Estrelas, quando estava com seu motor movido a cristais de dilítio na potência máxima.

Mas isso é verdade? Alguns anos atrás, um grupo de físicos postulou que as chamadas partículas táquions viajavam acima da velocidade da luz. Felizmente, sua existência como partículas reais é considerada altamente improvável.

Se existissem, teriam uma massa imaginária e o tecido do espaço-tempo ficaria distorcido — levando a violações de causalidade (e possivelmente uma dor de cabeça para Deus).

Tudo indica, até agora, que não foi observado nenhum objeto que possa viajar mais rápido do que a velocidade da luz. Isso em si não diz absolutamente nada sobre Deus. Apenas reforça o conhecimento de que a luz viaja muito rápido.

As coisas ficam um pouco mais interessantes quando você considera a distância que a luz viajou desde o início.

Partindo do pressuposto da cosmologia tradicional do Big Bang e da velocidade da luz de 3 x 10⁵ km/s, então podemos calcular que a luz viajou aproximadamente 10²³ km nos 13,8 bilhões de anos de existência do Universo. Ou melhor, da existência do Universo observável.

O Universo está se expandindo a uma taxa de aproximadamente 70 km/s por Mpc (1 Mpc = 1 Megaparsec ou aproximadamente 3 x 10 elevado à 19ª potência km), então as estimativas atuais sugerem que a distância até os confins do Universo é de 46 bilhões de anos-luz.

Conforme o tempo passa, o volume do espaço aumenta, e a luz precisa viajar por mais tempo para chegar até nós.

Há muito mais universo lá fora do que somos capazes de enxergar, mas o objeto mais distante que vimos é uma galáxia, GN-z11, observada pelo Telescópio Espacial Hubble.

Ela está a aproximadamente 10²³ km ou 13,4 bilhões de anos-luz de distância, o que significa que levou 13,4 bilhões de anos para que a luz da galáxia nos alcançar. Mas quando a luz "foi acesa", a galáxia estava a apenas três bilhões de anos-luz de distância da nossa galáxia, a Via Láctea.

Não podemos observar ou ver todo o Universo que se desenvolveu desde o Big Bang porque não passou tempo suficiente para que a luz das primeiras frações de segundo nos alcançasse.

Alguns argumentam que, por isso, não podemos ter certeza se as leis da física poderiam ser violadas em outras regiões cósmicas — talvez sejam apenas leis locais e acidentais. E isso nos leva a algo ainda maior do que o Universo.

 

O multiverso

Muitos cosmologistas acreditam que o Universo pode ser parte de um cosmos mais extenso, um multiverso, onde muitos universos diferentes coexistem, mas não interagem.

A ideia do multiverso é apoiada pela teoria da inflação — a ideia de que o universo se expandiu enormemente antes de ter 10 elevado à potência de -32 segundos de idade.

A inflação é uma teoria importante porque pode explicar por que o Universo tem a forma e a estrutura que vemos ao nosso redor.

Mas se a inflação pode acontecer uma vez, por que não várias vezes? Sabemos a partir de experimentos que as flutuações quânticas podem dar origem a pares de partículas que passam a existir repentinamente, e desaparecem momentos depois.

E se essas flutuações podem produzir partículas, por que não átomos ou universos inteiros? Foi sugerido que, durante o período de inflação caótica, nem tudo estava acontecendo no mesmo ritmo — flutuações quânticas durante a expansão poderiam ter produzido bolhas que explodiram para se tornarem universos por si só.

Mas como Deus se encaixa no multiverso? Uma dor de cabeça para os cosmologistas é o fato de que nosso Universo parece perfeitamente ajustado para a existência de vida.

As partículas fundamentais criadas no Big Bang tinham as propriedades certas para permitir a formação de hidrogênio e deutério — substâncias que produziram as primeiras estrelas.

As leis da física que regem as reações nucleares nestas estrelas produziram as coisas de que a vida é feita — carbono, nitrogênio e oxigênio.

Como todas as leis da física e parâmetros do universo têm os valores que permitem que estrelas, planetas e, por fim, a vida se desenvolvam?

Alguns argumentam que é apenas uma feliz coincidência. Outros dizem que não deveríamos nos surpreender ao ver leis físicas "bioamigáveis" — afinal elas nos produziram, então o que mais poderíamos ver?

Alguns teístas, no entanto, argumentam que isso indica a existência de um Deus criando condições favoráveis.

Mas Deus não é uma explicação científica válida. A teoria do multiverso, ao contrário, resolve o mistério porque permite que universos distintos tenham leis físicas diferentes.

Portanto, não é surpreendente que nos vejamos em um dos poucos universos que poderiam abrigar vida. Claro, você não pode refutar a ideia de que um Deus pode ter criado o multiverso.

Tudo isso é muito hipotético, e uma das maiores críticas às teorias do multiverso é que, como parece não ter havido interações entre nosso Universo e outros universos, a noção de multiverso não pode ser testada diretamente.

 

Estranheza quântica

Agora vamos considerar se Deus pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Grande parte da ciência e tecnologia que usamos na ciência espacial é baseada na teoria contraintuitiva do minúsculo mundo de átomos e partículas conhecido como mecânica quântica.

A teoria permite algo chamado entrelaçamento (ou emaranhamento) quântico: partículas assustadoramente conectadas. Se duas partículas estão entrelaçadas, você manipula automaticamente sua contraparte ao manipulá-la, mesmo se estiverem muito distantes e sem interagir.

Há descrições de entrelaçamento melhores do que a que estou apresentando aqui — mas isso é simples o suficiente para que eu possa prosseguir.

Imagine uma partícula que decai em duas subpartículas, A e B. As propriedades das subpartículas devem se somar para formar as propriedades da partícula original — este é o princípio da conservação.

Por exemplo, todas as partículas têm uma propriedade quântica chamada spin— a grosso modo, elas se movem como se fossem minúsculas agulhas de bússola.

Se a partícula original tem um spin zero, uma das duas subpartículas deve ter um spin positivo, e a outra um spin negativo, o que significa que cada uma, A e B, tem 50% de chance de ter um spin positivo ou negativo. (De acordo com a mecânica quântica, as partículas estão, por definição, em um misto de diferentes estados até que você realmente as mede.)

As propriedades de A e B não são independentes uma da outra — elas estão entrelaçadas —, mesmo se estiverem localizadas em laboratórios separados, em planetas diferentes.

Se você medir o spin de A e descobrir que é positivo, imagine que uma amiga mediu o spin de B exatamente ao mesmo tempo que você mediu A. Para que o princípio da conservação funcione, ela deve descobrir que o spin de B é negativo.

Mas — e é aqui que as coisas ficam turvas — como a subpartícula A, B tinha 50% de chance de ser positiva, então seu estado de spin "se tornou" negativo no momento em que o estado de spin de A foi medido como positivo.

Em outras palavras, as informações sobre o estado de spin foram transferidas entre as duas subpartículas instantaneamente. Essa transferência de informações quânticas aparentemente acontece mais rápido do que a velocidade da luz.

Dado que o próprio Einstein descreveu o entrelaçamento quântico como "uma ação fantasmagórica à distância", acho que todos nós podemos ser perdoados por achar esse efeito um tanto bizarro.

Portanto, há algo mais rápido do que a velocidade da luz, no fim das contas: a informação quântica.

Isso não prova ou refuta a existência de Deus, mas pode nos ajudar a pensar em Deus em termos físicos — talvez como uma chuva de partículas entrelaçadas, transferindo informações quânticas para lá e para cá, e ocupando assim vários lugares ao mesmo tempo? Até muitos universos ao mesmo tempo?

Eu tenho esta imagem de Deus equilibrando pratos giratórios do tamanho de galáxias enquanto faz malabarismo com bolas do tamanho de planetas — jogando fragmentos de informação de um universo oscilante para outro, para manter tudo em movimento.

Felizmente, Deus pode realizar várias tarefas ao mesmo tempo — mantendo o tecido do espaço-tempo em funcionamento. Tudo o que é necessário é um pouco de fé.

Este artigo chegou perto de responder às perguntas feitas? Suspeito que não: se você acredita em Deus (como eu), então a ideia de Deus ser limitado pelas leis da física é absurda, porque Deus pode fazer tudo, até mesmo viajar mais rápido que a luz. Se você não acredita em Deus, a questão é igualmente absurda, porque não existe um Deus e nada pode viajar mais rápido do que a luz.

Talvez a questão seja realmente para agnósticos, que não sabem se Deus existe.

É aí que, de fato, a ciência e a religião diferem. A ciência requer prova, a crença religiosa requer fé. Os cientistas não tentam provar ou refutar a existência de Deus porque sabem que não existe um experimento que possa detectar Deus.

E se você acredita em Deus, não importa o que os cientistas descubram sobre o Universo — qualquer cosmos pode ser considerado consistente com Deus.

Nossa visão de Deus, da física ou de qualquer outra coisa, em última análise, depende da perspectiva.

Mas vamos terminar com a citação de uma fonte verdadeiramente qualificada. Não, não é a Bíblia. Tampouco um livro de cosmologia. É do livro “O senhor da foice”, do escritor britânico Terry Pratchett:

"A luz pensa que viaja mais rápido do que qualquer coisa, mas está errada. Não importa o quão rápido a luz viaje, ela descobre que a escuridão sempre chegou primeiro, e está esperando por ela".

 

 

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversai-o e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).

 



[2] Monica Grady é professora de ciências planetárias e espaciais na The Open University.

terça-feira, 2 de agosto de 2022

FLAGEOLET - ESPÍRITO MISTIFICADOR[1]

 

Allan Kardec

 

O fato seguinte nos é relatado por um dos nossos correspondentes de Maine-et-Loire, o Sr. doutor E. Champneuf.

Embora em si mesmo o fato não saia do círculo dos fenômenos conhecidos de manifestações físicas, é instrutivo no sentido de provar, uma vez mais, a diversidade dos tipos que se encontram no mundo invisível, e que, aí entrando, certos Espíritos não se despojam imediatamente de seu caráter. É o que se ignorava, antes que o Espiritismo nos tivesse posto em relação com os habitantes desse mundo. Eis o relato que nos é dirigido:

Permiti-me vos dar a conhecer um fato bastante curioso, não de um transporte, mas de uma subtração por um Espírito, produzida há oito dias em nosso meio.

Há um Espírito, frequentador do nosso grupo de Saumur há vários anos, que, desde algum tempo, se fez ainda mais familiar do nosso grupo de Vernantes. Disse chamar-se Flageolet; mas nosso médium, pelo qual se fez reconhecer, e que, com efeito, o conheceu quando vivia neste mundo, nos disse que ele tinha o nome de Biron, violinista, muito corajoso, boêmio, correndo tabernas onde fazia dançar. É um Espírito leviano, mistificador, mas não é mau.

Assim, Flageolet instalou-se em casa de meu irmão, onde ocorrem nossas sessões. E os almoços e jantares são alegrados pelas árias tocadas, que lhe pedem ou não, feliz quando os copos e os pratos não são derrubados por seus gracejos deveras escandalosos.

Há oito dias meu irmão, que fuma bastante, tinha, como de ordinário, sua tabaqueira ao seu lado, sobre a mesa e, como também de costume, Flageolet assistia ao jantar de família.

Após algumas árias e marchas, o Espírito se pôs a tocar a ária: Tenho bom tabaco em minha tabaqueira. Nesse momento meu irmão procurou a sua, que não estava mais ao seu lado; relanceou o olhar em torno de si, remexeu os bolsos, nada. A mesma ária continua com mais animação; ele se levanta, explora a mesinha da chaminé, os móveis, leva as investigações até os cômodos vizinhos e a ária da tabaqueira, cantada com mais vigor, o persegue com redobrada zombaria, à medida que ele se afasta e se anima em suas buscas. Se se aproxima da chaminé, as batidas tornam-se mais fortes e mais precipitadas. Enfim o procurador, irritado com essa harmonia impiedosa, pensa em Flageolet e lhe diz:

 – Foste tu que pegaste minha tabaqueira?

– Sim.

 – Queres me devolver?

– Sim.

– Pois bem! Fala.

Tomaram o alfabeto e um lápis e o Espírito dita: Eu a pus no fogo. Remexem as cinzas muito quentes e ali encontram, no fundo da lareira, a tabaqueira, cujo pó estava calcinado.

Todos os dias há alguma surpresa de sua parte ou algum truque à sua maneira. Há três dias ele nos deu a conhecer o conteúdo de um cesto bem amarrado, que acabava de chegar.

Ontem à noite, era uma nova malícia contra meu irmão. Este, durante o dia, entrando em casa procura o boné que usa no interior e, não o encontrando, decide não pensar mais no caso. À noite, Flageolet, sem dúvida aborrecido de tocar suas árias sem que lhe dessem atenção, e sem que pensassem em o interrogar, pediu para escrever. Pusemo-nos à sua disposição e ele ditou:

– Eu surrupiei teu barrete.

– Queres dizer onde está?

– Sim.

– Onde o colocaste?

– Eu o dei a Napoleão.

Persuadidos de que era uma brincadeira do Espírito, perguntamos:

– Qual?

– O teu.

Desde alguns anos há uma estátua de Napoleão I, de médio porte, na sala onde se realizam as nossas sessões. Dirigimo-nos para a estátua, lâmpada na mão, e encontramos o boné desaparecido, que recobria o pequeno chapéu histórico.

 

Observação – Tudo, no Espiritismo, é assunto de estudo para o observador sério; fatos aparentemente insignificantes têm sua causa e esta causa pode ligar-se aos mais importantes princípios. As grandes leis da Natureza não se revelam no menor inseto, como no animal gigantesco? No grão de areia que cai, como no movimento dos astros? O botânico despreza uma flor porque é humilde e sem brilho? Dá-se o mesmo na ordem moral, onde tudo tem o seu valor filosófico, como na ordem física tudo tem o seu valor científico.

Enquanto certas pessoas não verão no fato acima relatado senão uma coisa curiosa, divertida, um assunto de distração, outros aí verão uma aplicação da lei que rege a marcha progressiva dos seres inteligentes e colherão um ensinamento.

Sendo o mundo invisível o meio onde fatalmente desemboca a Humanidade, nada do que pode ajudar a torná-lo conhecido poderia ser indiferente. O mundo corporal e o mundo espiritual, desaguando incessantemente um no outro, pelas mortes e pelos nascimentos, se explicam um pelo outro. Eis uma das grandes leis reveladas pelo Espiritismo.

O caráter desse Espírito não é o de uma criança travessa? Entretanto, em vida era um homem feito e mesmo de certa idade. Então alguns Espíritos retornariam crianças? Não; o Espírito realmente adulto não volta atrás, como o rio não remonta à sua fonte. Mas a idade do corpo não é absolutamente um índice da idade do Espírito. Como é necessário que todos os Espíritos que se encarnam passem pela infância corporal, resulta que em corpos de crianças se encontram, forçosamente, Espíritos adiantados.

Ora, se esses Espíritos morrem prematuramente, revelam sua superioridade desde que se despojaram de seu envoltório. Pela mesma razão, um Espírito jovem, espiritualmente falando, não podendo chegar à maturidade no curso de uma existência, que é menos que uma hora em relação à vida do Espírito, um corpo adulto pode encerrar um Espírito criança, pelo caráter e pelo desenvolvimento moral.

Flageolet pertencia incontestavelmente a esta última categoria de Espíritos; avançará mais rapidamente que outros, porque apenas tem em si a leviandade, e no fundo não é mau. O meio sério no qual se manifesta, o contato de homens esclarecidos amadurecerão suas ideias; sua educação é uma tarefa que lhes incumbe, ao passo que nada ganharia com pessoas fúteis, que se teriam divertido com suas facécias, como com as de um palhaço.



[1] Revista Espírita – Março/1868 – Allan Kardec

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

FABIANO DE CRISTO[1]

 


João Barbosa nasceu em Soengas, Portugal, no dia 8 de fevereiro de 1676. Foi frade da ordem dos Franciscanos é mais conhecido pelo nome que adotou ao entrar nessa ordem, Fabiano de Cristo. Ainda jovem veio para o Brasil e aqui desenvolveu seu trabalho de dedicação e amor ao próximo. Foram anos ininterruptos de completa doação em favor dos menos favorecidos, dos desvalidos e dos doentes.

Filho de Gervásio Barbosa e da Senhorinha Gonçalves, era um dos seis filhos do casal, o único homem. De suas irmãs, quatro se tornaram religiosas. João Barbosa foi criado no campo, cuidando de ovelhas. Sua família havia sido abastada e agora sofria limitações financeiras. Por esses motivos João não teve oportunidade de dedicar-se aos estudos. Buscando retomar os tempos áureos da nobreza, João muda-se para a cidade do Porto onde espera enriquecer para dar vida mais confortável à família. Na cidade do Porto, trabalha como conferente de cargas de uma companhia exportadora de especiarias e lá ouve os rumores de uma terra rica que existia do outro lado do Atlântico. Era o tempo do ciclo do ouro no Brasil e chegam a João, pelos marinheiros, as notícias da riqueza e das oportunidades. João fica maravilhado e resolve mudar-se para o Brasil. Junta-se com dois sócios e realizam a travessia do Atlântico, desembarcando, meses depois, no Rio de Janeiro.

Depois de desembarcar, ruma para a cidade de Paraty, ponto de partida para os mineradores. Após muitas viagens conhece as cidades de Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo (hoje Mariana) e Ouro Preto. Descobre várias formas de trabalho e resolve voltar a Paraty para abrir um comércio seguindo a “carreira das minas”. Com sua habilidade para o comércio, enriquece em pouco tempo e, em 1704 já tem um imponente residência. Mesmo na opulência, auxilia os necessitados, até que um fato inusitado vem modificar sua vida. Um de seus sócios e um companheiro são assassinados na aldeia de Aparição sem motivo aparente o que faz João repensar sobre sua situação e perceber que a fortuna amealhada não representava nada.

Em meio a essa confusão em sua mente, certo dia ele retorna para casa. Havia acabado de auxiliar financeiramente uma família e caminhava pelas ruas da cidade. Percebe que a multidão na calçada desvia de algo no chão. Aproximando-se, percebe que ali havia uma pessoa abandonada no chão frio. Num impulso de solidariedade, João abaixa-se e agasalha o estranho em seus braços.

Tentando acalmar o desconhecido João fala:

Vamos amigo, não tenha medo, procurarei ajudá-lo.

Sentindo um energia estranha João prossegue e o homem lhe diz:

Fui vítima de assaltantes.

João retruca:

Não fale agora. Aqui perto há uma hospedaria. Lá será mais confortável e mais fácil tratá-lo.

Uma vez na hospedaria, João passa a noite ao lado do enfermo que em meio a delírios de febre lhe diz:

Finalmente vens de encontro ao meu regaço.

João assusta-se:

Mas quem é o senhor que parece conhecer-me?

E para sua surpresa, o estranho lhe diz:

Sou aquele a quem há muitos séculos serves. Voltastes a procurar-me porque cansaste de juntar bens materiais, mas vieste ao meu encontro por procurares atender os aflitos, aplacando a fome do corpo. Mas seu coração inundado de luz alcança muito mais. Para continuar a servir-me, vá onde a dor é imensa. Enxugue as lágrimas maternais, ensine o caminho do Bem a quem desviar-se por arrastamentos e tentações inferiores. Veja que é chegada a hora para ti, de encontrares o verdadeiro tesouro que está nas Leis do nosso Pai.

João pergunta:

Mas quem é o senhor afinal?

O “desconhecido” responde:

Eu sou o Cristo, meu filho, e voltei para buscar-te e lembrar-te de tua verdadeira missão. A todos que servires, será a mim que estarás servindo. Portanto, dá tudo o que tens e terás a vida eterna. Terás-me por inteiro, e dessa forma trabalharemos juntos a servir o nosso Pai.

Em pranto, João reflete sobre as palavras do “doente” que desaparece sem deixar esclarecimentos. Passa o dia sem poder esquecer aquele encontro a noite foi passada em claro. Quando a dia está para nascer João consegue dormir e tem um sonho estranho. Vê-se num lugar muito bonito e à sua frente um ser luminoso com um hábito marrom que lhe estende a mão sorrindo. Reconhecendo a figura, João cai de joelhos e exclama:

Francisco de Assis!

Francisco de Assis diz:

Pois bem, meu irmão, se seu coração anseia em amparar os aflitos e servir ao Senhor Jesus, vem comigo.

Ao que João retruca:

Mas tenho que despojar-me dos bens terrenos.

E Francisco lhe fala mansamente:

Os bens da vida eterna é que devem ser entesourados, Barbosa. De agora em diante, o Evangelho será o seu tesouro maior. Não percas mais tempo. Aplique-o na prática da caridade maior, entre todos. Você não precisará mais percorrer muitos lugares para falar da paz e do amor de Cristo. Muitos irão procurá-lo e você irá orientar-lhes para que encontrem o Reino de Deus. Para que você trabalhe com tranquilidade, seu trabalho será de cargo singelo. Seu coração se nutrirá de paciência e resignação. Seu corpo sofrerá para que liberto seja o seu espírito das tentações da carne.

Aos poucos as palavras de Francisco de Assis iam ser tornando incompreensíveis e a figura desaparece. João Barbosa acorda assustado, mas com uma paz indizível. Surge então em sua mente o Convento de São Bernardino de Sena. Ele não tem dúvida era ali que ele deveria se entregar ao Cristo!

Dividiu a sua fortuna em três partes: a primeira foi enviada a Portugal para a família e outros acertos; a segunda, parte foi destinada às obras de caridade; e a terceira foi distribuída entre os pobres. E em 8 de novembro de 1704 apresenta-se no convento e, em 11 de novembro do mesmo ano, veste o hábito marrom de São Francisco trocando seu nome de João para "Frei Fabiano de Cristo". Na sua formação optou por ser frade franciscano.

Em 1705, Frei Fabiano de Cristo é transferido para o Convento Santo Antônio, no Rio de Janeiro. Lá ele desempenharia a função de porteiro. Por volta de 1708, Frei Fabiano assume o cargo de enfermeiro, muito embora não tivesse conhecimento sobre o assunto. Na enfermaria, como em todos os cargos que ocuparia, seu amor seria exemplo de dedicação. Optou por dormir na própria enfermaria a fim de ficar junto com os doentes noite e dia caso algum deles precisasse de seus cuidados. Serviu nesse posto por quase trinta e oito anos.

Frei Fabiano após anos de serviço no bem, desenvolveu uma erisipela crônica nas pernas que o impedia de maiores movimentos. Apareceu-lhe também um quisto num dos joelhos que, segundo os médicos era pelas horas que Fabiano ficava de joelho ao orar. Embora a recomendação de repouso Fabiano não reduziu as horas de trabalho em benefício do próximo. Nunca se queixou de dores, apenas de não poder trabalhar mais na enfermaria. Seu joelho foi submetido a quatro operações sem anestesia, inexistente na época. Prevendo sua partida, Fabiano anuncia três dias antes, que estava próximo o momento de sua ida. Em 17 de outubro de 1747, por volta das duas da tarde, rodeado pelos confrades, Fabiano deixa a vida física. Uma multidão vem às portas do convento para se despedir de Fabiano. Conta-se que ele foi se despedir do Superior do Convento e pede-lhe para abraçar, um por um, todos os enfermos e companheiros da enfermaria um dia antes de sua morte. Sua ossada ainda se encontra no Convento em que ele passou maior parte de sua vida e não são poucos os que ali vão para pedir a cura de enfermidades e as graças para o Frei Fabiano de Cristo.

Segundo os espíritas, Frei Fabiano de Cristo seria a reencarnação do Padre José de Anchieta, e até hoje trabalharia em favor dos necessitados inspirando mãos amigas na Terra. Muitas instituições foram fundadas com o seu nome, a maioria espíritas. São muitos os casos de que Fabiano teria curado vários doentes quando ainda trabalhava na enfermaria do convento, ou de pessoas que, mesmo distantes, afirmam ter recebido a visita espiritual de Fabiano curando-as mesmo quando ele ainda estava vivo num fenômeno chamado de desdobramento.