segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Atmosfera Espiritual[1]

 

O Espiritismo nos ensina que os Espíritos constituem a população invisível do globo, estão no espaço e entre nós, vendo-nos e nos acotovelando incessantemente, de tal sorte que, quando nos julgamos sós, temos constantemente testemunhas secretas de nossas ações e de nossos pensamentos. Isto pode parecer constrangedor para certas pessoas, mas desde que assim é, não se pode impedir que assim seja. Cabe a cada um fazer como o sábio, que não teria medo se sua casa fosse de vidro. Sem nenhuma dúvida é a esta causa que se deve atribuir à revelação de tantas torpezas e infrações que se pensava sepultados na sombra.
Além disso sabemos que, numa reunião, além dos assistentes corporais, há sempre ouvintes invisíveis; que sendo a permeabilidade uma das propriedades do organismo dos Espíritos, estes podem achar-se em número ilimitado num dado espaço.
Muitas vezes nos foi dito que em certas sessões eles eram em quantidades inumeráveis. Na explicação dada ao Sr. Bertrand, a propósito das comunicações coletivas que ele obteve, foi dito que o número de Espíritos presentes era tão grande que a atmosfera estava, a bem dizer, saturada de seus fluidos. Isto não é novo para os espíritas, mas talvez não tenham sido deduzidas todas as consequências.
Sabe-se que os fluidos que emanam dos Espíritos são mais ou menos salutares, conforme o grau de sua depuração; conhece-se o seu poder curativo em certos casos e, também, seus efeitos mórbidos de indivíduo a indivíduo. Ora, desde que o ar pode ser saturado desses fluidos, não é evidente que, segundo a natureza dos Espíritos que sobejam em determinado lugar, o ar ambiente não se ache carregado de elementos salutares ou prejudiciais, que devem exercer uma influência sobre a saúde física, tanto quanto sobre a saúde moral? Quando se pensa na energia da ação que um Espírito pode exercer sobre um homem, é de admirar-se da que deve resultar da aglomeração de centenas ou de milhares de Espíritos? Esta ação será boa ou má conforme os Espíritos derramem num dado meio um fluido benéfico ou maléfico, agindo à maneira das emanações fortificantes ou dos miasmas deletérios, que se espalham no ar. Assim se podem explicar certos efeitos coletivos produzidos sobre massas de indivíduos, o sentimento de bem-estar ou de mal-estar que se experimenta em certos meios, e que não têm nenhuma causa aparente conhecida, o arrastamento coletivo para o bem ou para o mal, os impulsos generosos, o entusiasmo ou o desânimo, por vezes a espécie de vertigem que se apodera de toda uma assembleia, de toda uma cidade, mesmo de todo um povo. Cada indivíduo, em razão do seu grau de sensibilidade, sofre a influência desta atmosfera viciada ou vivificante. Por este fato, que parece fora de dúvida e que confirma, ao mesmo tempo, a teoria e a experiência, nós achamos nas relações do mundo espiritual com o mundo corporal, um novo princípio de higiene que, sem dúvida, um dia a Ciência levará em consideração.
Podemos, então, subtrair-nos a essas influências que emanam de uma fonte inacessível aos meios materiais? Sem sombra de dúvida, porquanto, assim como saneamos os lugares insalubres, destruindo a fonte dos miasmas pestilentos, podemos sanear a atmosfera moral que nos envolve, subtraindo-nos às influências perniciosas dos fluidos espirituais malsãos, e isto mais facilmente do que podemos escapar às exalações paludosas, pois depende unicamente de nossa vontade, e aí não estará um dos menores benefícios do Espiritismo, quando for universalmente compreendido e, sobretudo, praticado.
Um princípio perfeitamente constatado por todo espírita, é que as qualidades do fluido perispiritual estão na razão direta das qualidades do Espírito encarnado ou desencarnado; quanto mais elevados e desprendidos das influências da matéria forem os sentimentos, mais depurado será o seu fluido. Conforme os pensamentos que o dominam, o encarnado irradia fluidos, impregnados desses mesmos pensamentos, que os viciam ou os saneiam, fluidos realmente materiais, conquanto impalpáveis, invisíveis para os olhos do corpo, mas perceptíveis pelos sentidos perispirituais e visíveis pelos olhos da alma, pois impressionam fisicamente e afetam aparências muito diferentes para os que são dotados de visão espiritual.
Pelo só fato da presença dos encarnados numa assembleia, os fluidos ambientes serão bons ou maus. Quem quer que traga consigo pensamentos de ódio, de inveja, de ciúme, de orgulho, de egoísmo, de animosidade, de cupidez, de falsidade, de hipocrisia, de maledicência, de malevolência, numa palavra, pensamentos hauridos na fonte das más paixões, espalha em torno de si eflúvios fluídicos enfermiços, que reagem sobre os que o cercam. Ao contrário, numa assembleia em que cada um só trouxesse sentimentos de bondade, de caridade, de humildade, de devotamento desinteressado, de benevolência e de amor ao próximo, o ar é impregnado de emanações salubres, em meio às quais se sente viver mais à vontade.
Se agora se considerar que os pensamentos atraem os pensamentos da mesma natureza, que os fluidos atraem os fluidos similares, compreende-se que cada indivíduo traga consigo um cortejo de Espíritos simpáticos, bons ou maus, e que, assim, o ar seja saturado de fluidos em relação com os pensamentos que predominam. Se os maus pensamentos forem em minoria, não impedirão que as boas influências se produzam, pois estas os paralisam. Se dominarem, enfraquecerão a irradiação fluídica dos Espíritos bons, ou, mesmo, por vezes impedirão que os bons fluidos penetrem nesse meio, como o nevoeiro enfraquece ou detém os raios-do-sol.
Qual é, pois, o meio de se subtrair à influência dos maus fluidos? Esse meio ressalta da própria causa que produz o mal. Que se faz quando se reconhece que um alimento é prejudicial à saúde? É rejeitado e substituído por outro mais saudável. Já que são os maus pensamentos que engendram os maus fluidos e os atraem, deve-se envidar esforços para só os ter bons, repelir tudo o que é mal, como se repele um alimento que nos pode tornar doentes; numa palavra, trabalhar por seu melhoramento moral e, para nos servirmos de uma comparação do Evangelho, “não só limpar o vaso por fora, mas, sobretudo, limpá-lo por dentro.”
Melhorando-se, a Humanidade verá depurar-se a atmosfera fluídica em cujo meio vive, porque não lhe enviará senão bons fluidos, e estes oporão uma barreira à invasão dos maus. Se um dia a Terra chegar a ser povoada somente por homens que, entre si, pratiquem as leis divinas do amor e da caridade, ninguém duvida que eles se encontrarão em condições de higiene física e moral completamente diversas das hoje existentes.
Sem dúvida esse tempo ainda está longe, mas, enquanto se espera, essas condições podem existir parcialmente, cabendo às assembleias espíritas dar o exemplo. Os que tiverem possuído a luz serão mais repreensíveis, porque terão tido em mãos os meios de se esclarecer; incorrerão na responsabilidade dos retardamentos que seu exemplo e sua má vontade tiverem trazido ao melhoramento geral.
Isto é uma utopia, um discurso vão? Não; é uma dedução lógica dos próprios fatos, que o Espiritismo revela diariamente. Com efeito, o Espiritismo nos prova que o elemento espiritual, que até o presente tem sido considerado como a antítese do elemento material, tem com esse último uma conexão íntima, donde resulta uma porção de fenômenos não observados ou incompreendidos. Quando a Ciência tiver assimilado os elementos fornecidos pelo Espiritismo, ela aí colherá novos e importantes elementos para o melhoramento material da Humanidade. Assim, a cada dia vemos alargar-se o círculo das aplicações da doutrina que, como alguns ainda pensam, está longe de se restringir ao pueril fenômeno das mesas girantes e outros efeitos de mera curiosidade.
Realmente o Espiritismo não tomou o seu impulso senão no momento em que entrou na via filosófica; é menos divertido para certa gente, que nele buscava apenas uma distração, mas é mais bem apreciado pelas pessoas sérias, e o será ainda mais, à medida que for mais bem compreendido em suas consequências.



[1] Revista Espírita – Maio/1867

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