Monica Grady[2]
− The Open University (The Conversation) −
3 abril 2021
Se existe um Deus que criou todo o universo e TODAS as
leis da física, Deus segue as próprias leis de Deus? Ou Deus pode suplantar
suas próprias leis, como por exemplo viajar mais rápido do que a velocidade da
luz e, assim, ser capaz de estar em dois lugares diferentes ao mesmo tempo?
A resposta poderia nos ajudar a provar se Deus existe
ou não, ou é aqui que o empirismo científico e a fé religiosa se cruzam, sem
NENHUMA resposta verdadeira? (David Frost, 67 anos, Los Angeles).
Eu estava em confinamento quando
recebi essa pergunta e fiquei instantaneamente intrigada. Não é de se admirar o
momento — eventos trágicos, como pandemias, muitas vezes nos levam a questionar
a existência de Deus: se existe um Deus misericordioso, por que uma catástrofe
como esta está acontecendo?
A ideia de que Deus pode estar
"limitado" pelas leis da física — que também regem a química e a
biologia e, portanto, os limites da ciência médica — era interessante de
explorar.
Se Deus não fosse capaz de
infringir as leis da física, provavelmente não seria tão poderoso quanto você
esperaria que um ser supremo fosse. Mas se fosse capaz, por que não vemos nenhuma
evidência de que as leis da física foram infringidas no Universo?
Para abordar essa questão, vamos
analisá-la por partes. Primeiro, Deus pode viajar mais rápido que a luz? Vamos
apenas considerar a pergunta ao pé da letra. A luz viaja a uma velocidade
aproximada de 3 x 10⁵ km/s.
Aprendemos na escola que nada
pode viajar mais rápido do que a velocidade da luz — nem mesmo a nave espacial
USS Enterprise de Jornada nas Estrelas, quando estava com seu motor movido a
cristais de dilítio na potência máxima.
Mas isso é verdade? Alguns anos
atrás, um grupo de físicos postulou que as chamadas partículas táquions
viajavam acima da velocidade da luz. Felizmente, sua existência como partículas
reais é considerada altamente improvável.
Se existissem, teriam uma massa
imaginária e o tecido do espaço-tempo ficaria distorcido — levando a violações
de causalidade (e possivelmente uma dor de cabeça para Deus).
Tudo indica, até agora, que não
foi observado nenhum objeto que possa viajar mais rápido do que a velocidade da
luz. Isso em si não diz absolutamente nada sobre Deus. Apenas reforça o
conhecimento de que a luz viaja muito rápido.
As coisas ficam um pouco mais
interessantes quando você considera a distância que a luz viajou desde o
início.
Partindo do pressuposto da cosmologia
tradicional do Big Bang e da velocidade da luz de 3 x 10⁵ km/s, então podemos
calcular que a luz viajou aproximadamente 10²³ km nos 13,8 bilhões de anos de
existência do Universo. Ou melhor, da existência do Universo observável.
O Universo está se expandindo a
uma taxa de aproximadamente 70 km/s por Mpc (1 Mpc = 1 Megaparsec ou
aproximadamente 3 x 10 elevado à 19ª potência km), então as estimativas atuais
sugerem que a distância até os confins do Universo é de 46 bilhões de anos-luz.
Conforme o tempo passa, o volume
do espaço aumenta, e a luz precisa viajar por mais tempo para chegar até nós.
Há muito mais universo lá fora
do que somos capazes de enxergar, mas o objeto mais distante que vimos é uma
galáxia, GN-z11, observada pelo Telescópio Espacial Hubble.
Ela está a aproximadamente 10²³
km ou 13,4 bilhões de anos-luz de distância, o que significa que levou 13,4
bilhões de anos para que a luz da galáxia nos alcançar. Mas quando a luz
"foi acesa", a galáxia estava a apenas três bilhões de anos-luz de
distância da nossa galáxia, a Via Láctea.
Não podemos observar ou ver todo
o Universo que se desenvolveu desde o Big Bang porque não passou tempo
suficiente para que a luz das primeiras frações de segundo nos alcançasse.
Alguns argumentam que, por isso,
não podemos ter certeza se as leis da física poderiam ser violadas em outras
regiões cósmicas — talvez sejam apenas leis locais e acidentais. E isso nos
leva a algo ainda maior do que o Universo.
O multiverso
Muitos cosmologistas acreditam
que o Universo pode ser parte de um cosmos mais extenso, um multiverso, onde
muitos universos diferentes coexistem, mas não interagem.
A ideia do multiverso é apoiada
pela teoria da inflação — a ideia de que o universo se expandiu
enormemente antes de ter 10 elevado à potência de -32 segundos de idade.
A inflação é uma teoria
importante porque pode explicar por que o Universo tem a forma e a estrutura
que vemos ao nosso redor.
Mas se a inflação pode acontecer
uma vez, por que não várias vezes? Sabemos a partir de experimentos que as
flutuações quânticas podem dar origem a pares de partículas que passam a
existir repentinamente, e desaparecem momentos depois.
E se essas flutuações podem
produzir partículas, por que não átomos ou universos inteiros? Foi sugerido
que, durante o período de inflação caótica, nem tudo estava acontecendo no
mesmo ritmo — flutuações quânticas durante a expansão poderiam ter produzido
bolhas que explodiram para se tornarem universos por si só.
Mas como Deus se encaixa no
multiverso? Uma dor de cabeça para os cosmologistas é o fato de que nosso
Universo parece perfeitamente ajustado para a existência de vida.
As partículas fundamentais
criadas no Big Bang tinham as propriedades certas para permitir a formação de
hidrogênio e deutério — substâncias que produziram as primeiras estrelas.
As leis da física que regem as
reações nucleares nestas estrelas produziram as coisas de que a vida é feita —
carbono, nitrogênio e oxigênio.
Como todas as leis da física e
parâmetros do universo têm os valores que permitem que estrelas, planetas e,
por fim, a vida se desenvolvam?
Alguns argumentam que é apenas
uma feliz coincidência. Outros dizem que não deveríamos nos surpreender ao ver
leis físicas "bioamigáveis" — afinal elas nos produziram, então o que
mais poderíamos ver?
Alguns teístas, no entanto,
argumentam que isso indica a existência de um Deus criando condições
favoráveis.
Mas Deus não é uma explicação
científica válida. A teoria do multiverso, ao contrário, resolve o mistério
porque permite que universos distintos tenham leis físicas diferentes.
Portanto, não é surpreendente
que nos vejamos em um dos poucos universos que poderiam abrigar vida. Claro,
você não pode refutar a ideia de que um Deus pode ter criado o multiverso.
Tudo isso é muito hipotético, e uma
das maiores críticas às teorias do multiverso é que, como parece não ter havido
interações entre nosso Universo e outros universos, a noção de multiverso não
pode ser testada diretamente.
Estranheza quântica
Agora vamos considerar se Deus
pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Grande parte da ciência e
tecnologia que usamos na ciência espacial é baseada na teoria contraintuitiva
do minúsculo mundo de átomos e partículas conhecido como mecânica quântica.
A teoria permite algo chamado
entrelaçamento (ou emaranhamento) quântico: partículas assustadoramente
conectadas. Se duas partículas estão entrelaçadas, você manipula
automaticamente sua contraparte ao manipulá-la, mesmo se estiverem muito
distantes e sem interagir.
Há descrições de entrelaçamento
melhores do que a que estou apresentando aqui — mas isso é simples o suficiente
para que eu possa prosseguir.
Imagine uma partícula que decai
em duas subpartículas, A e B. As propriedades das subpartículas devem se somar
para formar as propriedades da partícula original — este é o princípio da
conservação.
Por exemplo, todas as partículas
têm uma propriedade quântica chamada spin— a grosso modo, elas se movem
como se fossem minúsculas agulhas de bússola.
Se a partícula original tem um spin
zero, uma das duas subpartículas deve ter um spin positivo, e a outra um
spin negativo, o que significa que cada uma, A e B, tem 50% de chance de
ter um spin positivo ou negativo. (De acordo com a mecânica quântica, as
partículas estão, por definição, em um misto de diferentes estados até que você
realmente as mede.)
As propriedades de A e B não são
independentes uma da outra — elas estão entrelaçadas —, mesmo se estiverem
localizadas em laboratórios separados, em planetas diferentes.
Se você medir o spin de A
e descobrir que é positivo, imagine que uma amiga mediu o spin de B
exatamente ao mesmo tempo que você mediu A. Para que o princípio da conservação
funcione, ela deve descobrir que o spin de B é negativo.
Mas — e é aqui que as coisas
ficam turvas — como a subpartícula A, B tinha 50% de chance de ser positiva,
então seu estado de spin "se tornou" negativo no momento em
que o estado de spin de A foi medido como positivo.
Em outras palavras, as
informações sobre o estado de spin foram transferidas entre as duas
subpartículas instantaneamente. Essa transferência de informações quânticas
aparentemente acontece mais rápido do que a velocidade da luz.
Dado que o próprio Einstein
descreveu o entrelaçamento quântico como "uma ação fantasmagórica à
distância", acho que todos nós podemos ser perdoados por achar esse efeito
um tanto bizarro.
Portanto, há algo mais rápido do
que a velocidade da luz, no fim das contas: a informação quântica.
Isso não prova ou refuta a
existência de Deus, mas pode nos ajudar a pensar em Deus em termos físicos —
talvez como uma chuva de partículas entrelaçadas, transferindo informações
quânticas para lá e para cá, e ocupando assim vários lugares ao mesmo tempo?
Até muitos universos ao mesmo tempo?
Eu tenho esta imagem de Deus
equilibrando pratos giratórios do tamanho de galáxias enquanto faz malabarismo
com bolas do tamanho de planetas — jogando fragmentos de informação de um
universo oscilante para outro, para manter tudo em movimento.
Felizmente, Deus pode realizar
várias tarefas ao mesmo tempo — mantendo o tecido do espaço-tempo em
funcionamento. Tudo o que é necessário é um pouco de fé.
Este artigo chegou perto de
responder às perguntas feitas? Suspeito que não: se você acredita em Deus (como
eu), então a ideia de Deus ser limitado pelas leis da física é absurda, porque
Deus pode fazer tudo, até mesmo viajar mais rápido que a luz. Se você não
acredita em Deus, a questão é igualmente absurda, porque não existe um Deus e
nada pode viajar mais rápido do que a luz.
Talvez a questão seja realmente
para agnósticos, que não sabem se Deus existe.
É aí que, de fato, a ciência e a
religião diferem. A ciência requer prova, a crença religiosa requer fé. Os
cientistas não tentam provar ou refutar a existência de Deus porque sabem que
não existe um experimento que possa detectar Deus.
E se você acredita em Deus, não importa
o que os cientistas descubram sobre o Universo — qualquer cosmos pode ser
considerado consistente com Deus.
Nossa visão de Deus, da física
ou de qualquer outra coisa, em última análise, depende da perspectiva.
Mas vamos terminar com a citação
de uma fonte verdadeiramente qualificada. Não, não é a Bíblia. Tampouco um
livro de cosmologia. É do livro “O senhor da foice”, do escritor britânico
Terry Pratchett:
"A luz pensa que viaja mais rápido do que qualquer
coisa, mas está errada. Não importa o quão rápido a luz viaje, ela descobre que
a escuridão sempre chegou primeiro, e está esperando por ela".
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias
acadêmicas The Conversai-o e republicado aqui sob uma licença Creative Commons.
Leia aqui a versão original
(em inglês).
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