sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O QUE ESTÁ CONTIDO NOS ENSINOS DO CRISTO[1]



Robert Dale Owen

Agora pois permanecem a fé, a esperança e a caridade, essas três virtudes das quais a caridade é a maior.
I AOS CORÍNTIOS, XIII, 13
Venha a nós o vosso reino.
MATEUS, VI, 10

"Arrependei-vos, porque vem perto o reino de Deus". Foram estas, como já vimos, as primeiras palavras recordadas dos ensinos públicos do Cristo.
Os fariseus lhe perguntaram: Quando chegará o reino de Deus? Ele lhes respondeu: O reino de Deus não virá com ostentação. Ninguém poderá dizer: Ei-lo aqui! Ei-lo ali! Vede-o! O reino de Deus está dentro de vós.
Está dentro de nós a luz, o divino e inextinguível espírito de verdade. Quão longe vagamos, esquecidos dessas palavras do Cristo, buscando aquilo que se acha no nosso próprio coração!
Buscais por meio de profundos estudos descobrir Deus, seu reino e seu Espírito. O Espírito de Deus, porém, não está no sopro forte do Dogmatismo, devastando tudo em sua passagem; não está no terremoto dos credos guerreiros, dilacerando e convulsionando o mundo religioso; não está no zelo ardente que persegue e consegue; mas na voz tranquila e débil que, sem nunca se extinguir, fala na alma de cada um de nós. Obscurecida frequentemente, abafada muitas vezes por influências adversas e insignificantes cuidados, desprezada, desconhecida; mas, apesar disso, existindo seguramente no âmago da nossa alma, nos homens inteligentes e nos selvagens, nos nômades proscritos da civilização, como no cristão que vive mais conforme com os preceitos do seu Senhor.
Venha a nós o vosso reino.
Repetimos muitas vezes essas palavras da prece do Cristo, sem buscarmos compreender perfeitamente seu sentido profundo, sem nos lembrarmos de que o reino cujo advento imploramos é, se aceitamos a interpretação do Cristo, uma soberania cuja vinda não podemos testemunhar, à qual não podemos determinar sede num ponto designado, visto que o trazemos dentro de nós. Pedimos, mesmo sem conhecê-lo, que o Espírito de Deus se firme dentro de nós e nos dirija. Pedimos a soberania da consciência lúcida, a vinda do desenvolvimento ético e espiritual e que, quando ele venha, seja o poder diretor da nossa raça.
A consciência é o delegado de Deus, dirigindo com justiça o coração do homem. É somente sob a sua direção que o homem terá uma vida satisfatória. Essa é a doutrina do Cristo. Com que simplicidade e força ele o exprimiu'' "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados".
Fome e sede, não da vitória de um dogma ou de uma seita; não de ver triunfantes um ritual, certas cerimônias, as longas e palavrosas preces nas sinagogas; não de prata e ouro, mas fome e sede de justiça, que é o reino dos céus dentro de nós. Cristo manda fazer o bem por amor do bem; praticar a justiça sem calcular a sua recompensa, pois esta pertence a Deus. Aceitai as consequências.
Não indagueis sobre o que vos será dado.
As coisas podem parecer ir mal, os homens podem buscar desvirtuá-las, persegui-las e desacreditá-las: pouco deve importar isso, quando o próprio Jesus declara abençoado o que pratica a justiça. Que o abandonem, que mesmo lhe arranquem o pão da boca; só no fim ele será saciado. Se buscarmos cumprir a justiça de Deus antes de tudo, tudo o mais, diz-nos o Cristo, nos será dado de sobressalente.
Ele, porém, apresenta isso como um fato e não como um motivo. O motivo deve ser a fome e a sede de justiça e não a perspectiva do lucro. Conformarmo-nos com a lei humana por uma obediência forçada, com temor ao castigo e com a esperança de uma recompensa. A lei de Deus só deve ser cumprida por amor.
Cristo em parte alguma disse que eram abençoados os que praticassem o bem para alcançarem o céu ou escapar do inferno.
O temor não entra como móvel na sua doutrina. Ele não buscou como salmista, inculcar o medo de Deus; sua sabedoria tinha uma origem mais elevada. Baseava-se no amor perfeito e o amor repele o temor.
Um poeta exprimiu perfeitamente o pensamento cristão quando disse:
Somente pelo bem, ao bem amemos; não por temor ao inferno ou à previdência, das venturas do céu seguir devemos os ditames da nossa consciência.

Esse assunto básico de uma religião, é de grande importância prática. Apreciaremos mal a constituição espiritual do Cristo, se não percebermos que ele procura reformar o mundo, despertando no homem o adormecido amor da justiça, por amor dela mesma; e não estimulando a sua cobiça ou fazendo jogo com o seu temor:
Se um menino, saindo das mãos de seus mestres, tornar-se um homem honesto unicamente por julgar que a honestidade o livra das penas da lei, ele poderá ser um negociante honrado e, como tal, recomendável, mas não será um discípulo do Cristo. Se um professor de religião exibir o mais ardente zelo pela sua Igreja, atuado por um motivo não mais elevado que aquele que levou Luiz XIV a revogar o Édito de Nantes, isto é, a salvação de sua alma do inferno, ele poderá ser útil membro da Igreja, mas não um cristão.

Não há cristianismo sem a base permanente do amor à justiça.
Não desesperemos de que um dia a moralidade pública e privada será a base de civilização. Uma pequena previsão nos animará. Quando lançamos os olhos para a nossa juventude, não nos virá o pensamento de que não somos o que devíamos ser, de que a nossa natureza prometia mais do que a educação nos deu? Não sentiremos muitas vezes, que havia em nós germes de virtudes que raramente foram estudados, generosos impulsos que não procuramos excitar, nobres aspirações que nunca tentamos pôr em prática? Serão somente essas as convicções que nos virão? Levantar-nos-emos no templo para agradecer a Deus por não sermos como os outros homens? Não está escrito que o homem foi feito à imagem do seu Criador?
Não devemos desanimar pelo fato dessa mudança implicar uma reforma radical para o egoísmo hoje dominante, apesar de ser produzida para a nossa regeneração. O Cristo admitia. Ele via quão cego era o mundo que o cercava, em relação às coisas do céu, e por isso disse: "Não verá o reino de Deus senão aquele,. que nascer de novo".
Aqui se interpõe uma consideração que se sugere por si mesma.
A consciência só, por mais ativa que seja, não basta para reformar o mundo, se não tiver instrução e desenvolvimento.
O mais sincero amor da justiça só pode dar frutos segundo a luz e os conhecimentos adquiridos; mas, essa luz pode ser fraca e esses conhecimentos escassos. Além do resultado que devemos esperar dele para o progresso geral da civilização, não nos facultará o sistema do Cristo os elementos que ainda nos faltam?
A resposta prende-se ao assunto de que me ocupei no capítulo 2°., da parte primeira desta obra; Jesus, como aí vos fiz lembrar, ao terminar sua vida terrena, declarou aos que o seguiam:
Eu tinha ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não o posso fazer agora. Contudo, o espírito de verdade quando vier, vos ensinará toda a verdade, porque não falará por si mesmo, mas só dirá o que tiver ouvido.

Se o Cristo, em virtude do seu poder, previu isso, é porque tal entra nos planos de Deus, que em certa fase do progresso humano permitia que as revelações espirituais ao homem viessem perenemente de um mundo mais adiantado que este; se o autor do Cristianismo indica aí a fonte, onde ele crê que a consciência, se pode aqui empregar a palavra, irá beber a luz e os conhecimentos, a vós deixo o cuidado de decidir. Nas páginas precedentes vos forneci os elementos para essa decisão.
Rogo-vos, contudo, observeis que tendes de decidir, não se a massa toda das alegadas comunicações espirituais de hoje poderá educar convenientemente à consciência, mas, se quando presidirem no meio a prudência e reverência, um Espírito de verdade, vindo de uma esfera ultramundana e falando, não por si mesmo, mas pelo que aprendeu na sua celestial morada, não será o mensageiro espiritual prometido pelo Cristo para regenerar a humanidade. Prometido condicionalmente, pois que a base de tudo, a condição indispensável para que o fato se dê é a lealdade para com a consciência. A promessa foi feita àqueles que têm fome e sede de justiça. É a sua fome e a sua sede que se saciarão na fonte espiritual.
Reprimo a tentação de alargar-me sobre isso. Uma recapitulação não quer dizer uma repetição do trabalho. Permiti, contudo, que faça uma negação, desnecessária para as almas pensadoras, mas precisa para evitar uma interpretação má.
Longe de mim, asseverar que em nossos dias e nesta geração, a severidade seja sempre deslocada, que as penalidades legais sejam inúteis; ainda menos, que não se deva ensinar às crianças os sofrimentos que lhes advirão da prática do mal e os gozos que resultarão para elas da prática do bem, pois que isso é a rigorosa obrigação do educador.
Digo, porém, que o Cristo repele, no sentido que ligamos a esta palavra, a força, o medo e o lucro egoístico, como móvel dos nossos atos.
Somente vos faço lembrar que para a reforma do mundo o Cristo confia em influências mais elevadas, mais nobres, num impulso tão poderoso como a fome e a sede, na caridade que não visa o interesse, regozija-se com a verdade e prende os homens como por uma cadeia de aço, à prática do que é justo.
Outros ensinamentos característicos do Cristo se nos manifestam claramente:
O ensino do perdão em grau ainda desconhecido entre nós; o perdão concedido ao irmão que nos ofende, mesmo setenta vezes sete vezes; a promessa do perdão àqueles que perdoam, pois que a delinquente, excomungada pela sociedade, foi mandada embora, livre e sem condenação, apenas com o conselho de não mais pecar.

A beneficência, principalmente em favor dos cansados e sobrecarregados, é outra feição pronunciada desses ensinos, do mesmo modo que o auxílio ao pobre, o socorro ao estrangeiro, ao faminto, ao nu, ao enfermo e ao encarcerado, considerando que o que fazemos a eles, fazemos a Deus.
Somos prevenidos contra o perigo das riquezas, contra o exagerado cuidado pelo dia de amanhã, contra a ansiosa procura de empregos e posições. Os tesouros que a traça e a ferrugem destroem, os assentos mais elevados nos festins, os primeiros lugares nas sinagogas, são declarados coisas indignas de ocupar a atenção do homem.
São prescritas a mansidão, a paz e mesmo a não resistência ao mal que nos queiram fazer; a pureza nos pensamentos e nos atos, a resignação à vontade de Deus.
Pelo Cristo somos animados a ter fé e esperança, baseando-nos na certeza de que o Pai conhece as nossas necessidades e as satisfará, antes que nós lhe peçamos; mas, sobretudo e além de tudo, como sinal e testemunho do nosso apostolado, como um perfeito cumprimento dos preceitos de Deus, somos concitados a fazer alguma coisa maior que a fé, maior que a esperança, e que se eleva como a lei suprema: ‒ a caridade.
Isso não é mais que um esboço, pois o espaço não me permite dizer mais. Não merecerá esse sistema espiritual a honra de ser considerado como inspirado? Não será ele proveitoso como doutrina, como censura, como correção e como instrução no que se refere à retidão?
Possa esta geração prosseguir nas doutrinas espíritas, sem nunca se afastar dos seus preceitos!
Com o auxílio dos Espíritos que pela triunfal transformação da morte partiram antes de nós para a feliz região sideral, com o auxílio da plácida voz que nos aconselha e do Cristo, nosso guia principal, com segurança e proveito interrogaremos o Inexplorado. Precisamos conhecer suas leis; precisamos da evidência que os seus fenômenos nos dão. Nas fronteiras dos dois mundos encontramos influências muito mais necessárias, muito mais poderosas que qualquer das terrenas: influências benévolas, destinadas a reerguer a moral degenerada e auxiliar o progresso espiritual.




[1] Região em Litígio – Robert Dale Owen

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

OS ESPÍRITOS TIVERAM PRINCÍPIO?[1]



Miramez

Os Espíritos tiveram princípio ou existem de toda a eternidade?
‒ Se os Espíritos não tivessem tido princípio, seriam iguais a Deus, mas pelo contrário, são sua criação, submetidos à sua vontade. Deus existe de toda a eternidade, isso é incontestável: mas quando e como ele criou, não o sabemos. Podes dizer que não tivemos princípio, se com isso entendes que Deus, sendo eterno, deve ter criado sem cessar; mas quando e como cada um de nós foi feito, eu te repito, ninguém o sabe; isso é mistério.
Questão 78/O Livro dos Espíritos

Se foram criados, certamente que tiveram início. O início e como foram criados permanece como mistério de Deus, entretanto, a luz virá quando o Senhor achar conveniente. Devemos nos preparar como o aluno que domina todos os cursos, nas bênçãos do tempo, para receber o diploma. A aflição a nada nos leva. O nosso procedimento é crer em Deus sobre todas as coisas, e confiar na ajuda do próximo, juntando com o nosso esforço, no sentido de que a luz se faça em nosso entendimento. Que queremos mais, se estamos já recebendo muito? Basta olharmos para trás, que notaremos o quanto aprendemos da bondade de Deus.
Todos já conhecem que o universo é montado na mais profunda harmonia, sem nenhuma fração de desequilíbrio, e se todos os nossos corpos, como nós mesmos, somos microuniversos, é de ordem natural que procuremos viver em harmonia com o macrocosmo. Esse é o caminho que deveremos conquistar. E se por fora de nós chamamos essa ordem de harmonia, dentro de nós ela passa a se chamar amor, carregando consigo o ambiente do próprio Criador.
Tudo que existe é criação de Deus, dos vírus aos homens e destes aos anjos, da matéria interatômica aos mundos, e desses aos ninhos galáticos. Estamos todos e tudo ligados por fios invisíveis do amor de Deus que, por vezes, não percebemos; no entanto, nem tudo é espírito, nem tudo é matéria. As divisões são enormes na sequência evolutiva de todas as coisas. Devemos passar a compreender cada coisa em seu lugar com os direitos e deveres de uns para com os outros. O nosso amor deve atingir a tudo que existe, em todas as frequências de vida, que por ele recebemos o que doamos, com acréscimo da misericórdia do Senhor.
Os espíritos tiveram, sim, um princípio, sob o comando daquele que gera a vida e que alimenta tudo que existe no estirão da eternidade. A questionamentos entre pessoas, uns afirmando que existem os mistérios, outros negando. Todavia, mistérios sempre existiram e vão existir por toda a eternidade, em relação a nós, as criaturas, porque nunca seremos iguais ao Criador. A nossa evolução ou despertamento é eterna, mas Deus está fora da eternidade que conhecemos e compreendemos. As suas leis não tem ação sobre Ele.
Devagar vamos descobrindo que as leis foram criadas porque nós ainda somos inferiores. No mundo existem prisões por causa dos desobedientes, existem escolas para ensinar a quem não sabe, existem hospitais por causa dos doentes.
Quando houver o equilíbrio de todas as coisas e de todos os seres, tudo mudará.
Deus nunca erra! Para que leis para ele? Esta é, pois, uma lógica que não merece discussão. É bom afirmar que vivemos para sempre.




[1] Filosofia Espírita – Volume 2 – João Nunes Maia

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

FALHAS NA MEMÓRIA PODEM SER IMPORTANTES PARA FUNCIONAMENTO DO CÉREBRO, DIZ ESTUDO[1]



22 agosto 2017

Qual foi o ganhador do Oscar de Melhor Filme em 1972?[2]
Se você acertou de primeira, sem apelar para o Google, parabéns. Mas poderia ser melhor não ter lembrado: um estudo de cientistas canadenses sugere que o esquecimento pode ser importante para a manutenção da memória.
O argumento é que "deletar" informações irrelevantes ajuda o cérebro a se concentrar em aspectos que possam ajudar a tomada de decisões no dia a dia.
"O verdadeiro papel da memória é otimizar o processo decisório", diz Blake Richards, cientista da Universidade de Toronto e principal autor do novo trabalho.
Segundo Richards, o grosso das pesquisas em neurobiologia relacionadas à memória prioriza os mecanismos celulares de armazenamento de informações pelo cérebro, um processo conhecido como persistência. E pouca atenção é dada aos mecanismos responsáveis pelo processo de esquecimento (transiência).
Também é comum que a falta de habilidade para lembrar seja atribuída a uma falha no armazenamento e acionamento de informações pelo cérebro.
"Encontramos bastante evidência de que há mecanismos promovendo a perda de memória e que são distintos dos envolvidos no armazenamento de informações", diz Paul Frankland, outro cientista participando do estudo.
Frankland explica que um outro experimento realizado por seu laboratório no hospital infantil SickKids constatou que o crescimento de novos neurônios no hipocampo (estrutura cerebral considerada a principal sede da memória) parece promover o esquecimento. Em pessoas jovens, essa é área do cérebro que gera mais células.
Tal mecanismo pode explicar por que adultos normalmente não têm memórias para eventos ocorridos antes dos 4 anos de idade.
Em um texto publicado na revista científica “Neuron”, os cientistas canadenses fazem também referência a um experimento em ratos colocados em labirintos, que tiveram menos dificuldades para encontrar saídas diferentes quando foram drogados para esquecer a localização da saída anterior.
Richards explica que há duas grandes razões para explicar por que o cérebro gasta energia para deletar informações depois de também consumir reservas para armazená-las. A primeira é a necessidade de eliminar informações ultrapassadas.
"Se você está navegando pelo mundo e seu cérebro está constantemente carregando memórias conflitantes, isso tornará mais difícil tomar uma decisão consciente".
A outra razão está ligada a um conceito usado em projetos de inteligência artificial, a regularização. Consiste em tentar fazer com que computadores aprendam a fazer generalizações com base em grande quantidade de dados. Para fazer isso, é necessário esquecer detalhes nos dados para priorizar a informação necessária para decisões.
"A melhor coisa para a memória não é guardar absolutamente tudo", diz Richards. "Se você está tentando tomar uma decisão, isso será impossível se seu cérebro é constantemente bombardeado com informações inúteis".
O cientista canadense questiona ainda o que chama de "idealização" de pessoas com boa memória.
"O objetivo da memória não é ser capaz de lembrar quem ganhou o quê em 1972", ressalta.




[2] O Oscar para Melhor Filme em 1972 foi para "Operação França"

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

DOIS IRMÃOS IDIOTAS[1]



Allan Kardec

Numa família de operários de Paris encontram-se duas crianças acometidas de idiotia. Até a idade de 5 ou 6 anos desfrutavam de todas as suas faculdades intelectuais, relativamente bem desenvolvidas. A menos que seja provocada por uma causa acidental, a idiotia nas crianças resulta quase sempre de uma parada no desenvolvimento dos órgãos, manifestando-se, por conseguinte, desde o nascimento. Além disso, o que é de notar aqui é o fato de duas crianças atingidas pela mesma enfermidade em condições idênticas.
Podendo esse duplo fenômeno ser objeto de estudo interessante, do ponto de vista psicológico, o Sr. Desliens, um dos membros da Sociedade de Paris, foi introduzido na família por um amigo, a fim de poder dar contas à Sociedade. Eis o resultado de suas observações:
Disse ele: Quando o pai soube do objetivo de minha visita passou a um gabinete, de onde voltou trazendo nos braços um ser que, por suas feições, mais se parecia a um animal do que a um foco de inteligência. Trouxe igualmente um segundo no mesmo estado de embrutecimento, mas com aparências físicas mais humanas. Nenhum som inteligível escapava da boca desses infortunados; gritinhos agudos, grunhidos roucos são suas únicas manifestações ruidosas. Quase sempre um riso bestial lhes anima a fisionomia. O mais velho chama-se Alfred, e o segundo, Paulin.
Alfred, atualmente com dezessete anos, nasceu com toda a sua inteligência, que se manifestou mesmo com certa precocidade. Aos três anos falava convenientemente e compreendia os menores sinais. Teve então uma ligeira doença, depois da qual perdeu o uso da palavra e as faculdades mentais. Os tratamentos médicos apenas levaram ao esgotamento das forças vitais, hoje traduzido por um raquitismo absoluto.
Este ser, que de um homem nem mesmo guarda a aparência, tem, contudo, sentimento; ama a seus pais e a seu irmão, e sabe manifestar simpatia ou repulsão por aqueles que o cercam.
Compreende tudo quanto lhe dizem; olha com olhos brilhantes e inteligentes; procura incessantemente, mas sem resultado, responder quando lhe falam de coisas que o interessam. Tem um medo invencível da morte e não pode ver um carro fúnebre sem procurar esconder-se. Certo dia, tendo sua tia lhe dito, por brincadeira, que o envenenaria se ele continuasse a ser mau, compreendeu tão bem que durante mais de um ano se negou a receber qualquer alimento de sua mão, embora tenha um apetite extraordinário.
Do ponto de vista corporal, Paulin, de 15 anos, tem uma aparência mais humana. Traz no rosto embrutecido a marca de um idiotismo absoluto. Contudo ama, limitando-se a isto suas manifestações exteriores. Também nasceu com toda a razão, que conservou integral até os seis anos. Gostava muito do irmão. A essa idade adoeceu e passou pelas mesmas fases do mais velho.
Ultimamente foi acometido por uma doença de largo curso, depois da qual parece compreender melhor o que lhe dizem. O cura e os padres da paróquia fizeram a família saber que havia possessão do demônio e que era preciso exorcizar os meninos. Os pais hesitaram.
Contudo, fatigados com a insistência daqueles senhores, e temendo perder o auxílio que recebiam por causa dos filhos, concordaram.
Mas, então, aqueles senhores sustentaram que, de fato, teria havido possessão numa época anterior, mas que hoje já não se tratava disto e que nada mais havia a fazer. É preciso dizer, em louvor aos pais, que sua ternura por essas infortunadas criaturas jamais foi desmentida e que elas têm sido constantemente objeto dos mais afetuosos cuidados.
Os senhores eclesiásticos renunciaram sabiamente ao exorcismo, que só teria levado a um fracasso. As crianças não apresentam nenhum dos caracteres da obsessão, no sentido do Espiritismo, e tudo prova que a causa do mal é puramente patológica. Em ambos a idiotia se produziu em consequência de uma doença que, indubitavelmente, ocasionou a atrofia dos órgãos da manifestação do pensamento. Mas é fácil ver, por trás desse véu, que existe um pensamento ativo, que encontra um obstáculo invencível à sua livre emissão. A inteligência dessas crianças, durante os primeiros anos, nelas prova Espíritos adiantados, que mais tarde se acharam contidos em laços muito apertados para que pudessem manifestar-se. Num envoltório em condições normais teriam sido homens inteligentes; e quando a morte os tiver libertado de seus entraves, recobrarão o livre uso de suas faculdades.
Esse constrangimento imposto ao Espírito deve ter uma causa moral, providencial e essa causa deve ser justa, já que Deus é a fonte de toda justiça. Ora, como esses meninos nada fizeram nesta existência que pudesse merecer um castigo qualquer, é preciso admitir que pagam a dívida de uma existência anterior, a menos que se negue a justiça de Deus. Eles nos oferecem uma prova da necessidade da reencarnação, essa chave que resolve tantos problemas e que, diariamente, projeta luz sobre tantas questões ainda obscuras. (Vide O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, nº 6: “Causas anteriores das aflições terrenas”) [2].

A respeito do assunto, foi dada a seguinte comunicação na Sociedade de Paris, no dia 7 de julho de 1865. (Médium: Sr. Desliens).
A perda da inteligência nos dois idiotas a que nos referimos é, certamente, explicável do ponto de vista científico.
Cada um deles teve uma curta doença; pode-se, pois, concluir com razão que os órgãos cerebrais foram afetados. Mas por que esse acidente ocorreu após a manifestação evidente de todas as suas faculdades, contrariamente ao que, em geral, se passa na idiotia?
Repito: toda perturbação da inteligência ou das funções orgânicas pode ser explicada fisiologicamente, seja qual for a causa primeira, considerando-se que o Criador estabeleceu leis para as relações entre a inteligência e os órgãos de transmissão, leis que não podem ser derrogadas. A perturbação dessas relações é uma consequência mesma dessas leis, e pode ferir o culpado por suas faltas anteriores: aí está a expiação.
Por que esses dois seres foram feridos juntos? Porque participaram da mesma vida; como estavam ligados durante a provação, devem estar reunidos na vida de expiação.
Por que sua inteligência a princípio se manifestou, ao contrário do que geralmente acontece em casos semelhantes? Do ponto de vista da intenção providencial, é uma das mil nuanças da expiação, que tem sua razão de ser para o indivíduo, mas cujo motivo muitas vezes seria difícil de sondar, por isso mesmo que é individual. É preciso aí ver, também, um desses fatos que diariamente vêm confirmar, pela observação atenta, as bases da Doutrina Espírita, e sancionar, pela evidência, os princípios da reencarnação.
Não vos esqueçais, também, de que os pais têm sua parte no que aqui se passa. Sua ternura para com esses seres, que não lhes oferecem nenhuma compensação, é uma grande prova.
Devem ser felicitados por não haverem falido, porque essa compensação que não encontram no mundo, encontrá-la-ão mais tarde. Dizei a vós mesmos que os cuidados e a afeição que prodigalizam a esses dois pobres seres bem poderiam ser uma reparação em relação a eles, reparação que o estado de necessidade da família torna ainda mais meritório.
Moki




[1] Revista Espírita – Agosto/1865 – Allan Kardec
[2] N. do T.: No original, por engano, consta o nº 66, em vez do 6. (Em O Evangelho segundo o Espiritismo consta apenas o subtítulo: “Causas anteriores das aflições”).

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

JOÃO BATISTA PEREIRA[1]




O Dr. João Batista Pereira foi notável advogado, nascido na cidade de Cachoeiro do Itapemirim, Estado do Espírito Santo.
Exercendo a advocacia no foro de S. Paulo, ali desenvolveu intensa tarefa em favor da divulgação do Espiritismo, principalmente nos idos de 1935 a 1940, quando se salientou como figura de projeção em quase todas as realizações do movimento espírita.
Tribuno eloquente e dotado de elevado conhecimento dos assuntos doutrinários, conseguiu empolgar grandes auditórios, o que fez com que seu nome se tornasse conhecido de todos os espíritas, principalmente no Estado de São Paulo.
Foi presidente do Conselho Deliberativo da extinta Sociedade Metapsíquica de S. Paulo (S.M.S.P.) e um dos mais assíduos colaboradores da famosa revista "Metapsíquica", que durante muitos anos circulou no Brasil. Em março de 1936, foi um dos animadores da realização da Semana Metapsíquica, que culminou com a sessão solene de encerramento, no Teatro Municipal de S. Paulo, com o comparecimento de representações dos Estados do Paraná, Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e do antigo Distrito Federal. O seu esforço não se limitou à tribuna e imprensa espíritas, fez também publicar longos artigos de propaganda dos ideais espíritas na imprensa leiga. Na edição de 3 de outubro de 1936, do tradicional órgão da imprensa paulista "Correio Paulistano", fez publicar substancioso trabalho sobre a personalidade de Allan Kardec, o qual ocupou duas páginas.
O trabalho de divulgação do Espiritismo, encetado por João Batista Pereira foi dos mais relevantes. Várias cidades do Estado de S. Paulo e de outros Estados do Brasil foram percorridas por ele, em autênticas tarefas doutrinárias.
No dia 30 de janeiro de 1937, inaugurou uma série de conferências na sede da União Espírita Mineira, sediada em Belo Horizonte.
Em 11 de dezembro de 1938, teve posição de destaque na realização da Grande Concentração Espírita, levada a efeito no Teatro Municipal de Araraquara, Estado de S. Paulo, conclave inteiramente transmitido pela PRD-4 Rádio Cultura de Araraquara, emissora que até poucos meses antes vinha sendo invariavelmente utilizada por Cairbar Schutel, na difusão de suas memoráveis conferências.
Quando, na presidência do Conselho Deliberativo da Sociedade Metapsíquica de S. Paulo, se concretizou a integração dessa sociedade e da Associação Espírita S. Pedro e S. Paulo na Federação Espírita do Estado de S.Paulo, extinguindo-se as duas primeiras e permanecendo somente a última.
No dia 20 de novembro de 1938, com a renúncia do então presidente e de outros diretores dessa Federação, numa chapa da qual constava o nome do Prof. Américo Montagnini, para vice-presidente e Flávio Antônio Paciello para segundo tesoureiro, o Dr. João Batista Pereira foi eleito presidente, cargo que desempenhou com apreciável descortino até o dia 10 de dezembro de 1939, quando resignou, passando a elevada investidura ao seu substituto legal.
À frente da Federação Espírita do Estado de S. Paulo, desenvolveu ingente tarefa, dinamizando seus trabalhos, devendo-se a ele a ampliação da sede própria dessa instituição, na Rua Maria Paula, 158, cuja inauguração oficial ocorreu no dia 31 de maio de 1939. Sob a sua presidência, a Federação inaugurou nova fase de atividades, projetando-se como um dos mais laboriosos núcleos de ação em favor do movimento espírita.
Pouco sabemos da vida pública do Dr. João Batista Pereira. Entretanto, teve grande repercussão em S. Paulo, a sua nomeação, pelo governo federal, em outubro de 1939, para o elevado cargo de membro do Conselho Administrativo da Caixa Econômica Federal em S. Paulo, função que exerceu com eficiência e dedicação.




[1][1] Os Grandes Vultos do Espiritismo – Paulo Alves Godoy

sábado, 25 de janeiro de 2020

OS DOIS LADOS[1]



Paulo Roberto Gaefke

Pedro parou seu carrão na calçada imunda daquela rua ao perceber que um homem de tão bêbado que estava, havia caído e batido a cabeça no poste.
Desmaiado e com a cabeça ensanguentada, o pobre não teria chance nenhuma de vida, não fosse a pronta intervenção do Pedro, que do seu celular acionou o sistema de resgate, e rasgando um pedaço de sua camisa de puro linho, enfaixou a cabeça daquele homem na tentativa de estancar o sangue.
Já havia uma considerável multidão em volta deles, mas como sempre, só comentários e murmúrios, não havia uma só pessoa que se aproximasse para acudir o homem.
O que chamava a atenção mesmo era aquele jovem bem vestido, com a camisa rasgada amparando aquele "bebum"...
Uns diziam que o rico havia atropelado o pobre, por isso estava ali, e boatos e histórias se formavam com velocidade, até que a ambulância chegou e foi abrindo espaço para o médico e enfermeiros fazerem o trabalho de resgate.
Pedro entregou seu cartão para o enfermeiro e pediu que ligasse para dar notícias do pobre infeliz.
Dias depois, Pedro recebeu um telefonema do Hospital Central, era o enfermeiro Márcio que atendeu o indigente na rua, dizendo que o mesmo já estava bom e receberia alta naquele dia.
Descobriram que o nome dele era José Carlos, mas não tinha familiares na cidade.
Pedro ainda não sabia por que, mas dirigiu-se para o Hospital Central, e procurou pelo homem que havia socorrido, mas nem conhecia.
Ao entrar no quarto onde haviam mais quatro camas, foi direto para aquela cama do canto onde um homem ainda jovem, mas muito magro e com expressão vazia olhava pela janela para o dia lá fora.
- José Carlos?
O jovem se virou e estranhou aquela pessoa bem vestida chamando-o pelo seu nome.
Nas ruas ele era conhecido como "zé podre", pela ausência de higiene que impera nos moradores de rua, ele causava repulsa nas pessoas pelo cheiro que exalava.
- Sim, sou eu, e o senhor, quem é?
- Meu nome é Pedro, e eu o socorri no dia em que o senhor caiu na rua após bater a cabeça no poste.
- Puxa! Muito obrigado, eu senti a ajuda, mas não consegui identificar quem me ajudou.
Deus lhe pague...
Mal terminou de falar, as lágrimas tomaram conta dos seus olhos.
Começaram devagar e foram aumentando e se transformando em um choro convulsivo.
Pedro ficou ali parado, esperando aquele ser humano dar vazão a toda aquela dor que deveria estar reprimida dentro dele.
Depois de alguns minutos, José Carlos pediu desculpas pelo ocorrido e silenciou-se.
Pedro então pediu para ele contar a sua história, se assim desejasse.
José Carlos falou da vida miserável da infância, do pai alcoólatra que só batia nele e no irmão, que apanhavam até pelo que não fizeram.
Lembrava da mãe que cansada das surras, abandonou a família, deixando ele e o irmão nas mãos do pai, que nunca trabalhou, vivia de bicos para pagar o vício.
Passara muita fome e lembrava-se de várias vezes ter roubado uma fruta na feira, e lembrando do irmão em casa, que era menorzinho, levava a fruta mesmo tendo a maior vontade de comê-la, para que o irmãozinho não passasse tanta fome.
- Um dia, após uma surra violenta do pai, que parecia mais atormentado naquele dia, eu sai de casa arrastando meu irmãozinho pela mão, decidido a nunca mais voltar.
Depois de muito andar, meu irmãozinho estava muito cansado, com marcas do chinelo pelas perninhas e com muita fome, pediu para eu parar para que ele descansasse.
Olhei para suas condições e achei que ele não iria resistir e morreria ali mesmo.
Eu tinha 11 anos seu doutor, e bati palmas numa casa bonita e uma mulher de cabelos brancos muito bonita me atendeu e vendo o sofrimento nos meus olhos, me atendeu e recebeu meu irmãozinho na sua casa.
Deu-nos comida e roupas dos seus filhos que já haviam crescido e ela guardava como recordação.
Nunca havia estado num lugar tão lindo, nem comido uma comida tão gostosa, e aquela senhora bondosa, além de tudo o que nos fez, permitiu que dormíssemos na sua casa naquela noite.
Sabe o que é sentir uma cama com lençóis limpos, cobertores para aquecer e uma coisa que eu nunca esqueci, aquela senhora nos cobriu carinhosamente e fez uma oração com a gente, falava de uma mãe que era bendita entre todas as mulheres.
Para mim, naquela noite, aquela mulher era essa mãe...
José Carlos chorou mais um pouco, as lembranças pareciam-lhe vivas na memória, nem percebeu as lágrimas do Pedro...
- Pois bem seu doutor, no meio da noite, ao ver meu irmãozinho dormindo naquela cama boa, aquecido e protegido, eu pensei que no dia seguinte ela nos mandaria embora, e eu não saberia para onde ir com ele, mas se eu fosse embora antes, talvez ela ficasse com ele, pois seria apenas uma criança, uma despesa menor.
Assim, levantei-me no meio da noite abri a janela do quarto e sai pela noite fria, levando comigo apenas um pé da meia do meu irmãozinho, que serviria de lembrança para minha vida e que carrego até hoje nas minhas poucas coisas...
Durante o dia passei pela casa, para ver se o meu irmãozinho seria expulso, mas nada aconteceu.
Pela tarde, escondido atrás de um muro, vi aquela senhora levar meu irmãozinho até um parque que havia na esquina e brincou com ele.
Por alguns dias voltei lá e vi que ele estava sendo bem cuidado, então me afastei, e durante anos, vivi apenas da miséria das ruas.
Um dia voltei ao velho endereço, e soube que a família havia se mudado e nunca mais soube nada do meu irmãozinho, mas sei que ele deve estar bem.
Foi ai, que entre lágrimas, José Carlos olhou para o Pedro que também chorava e em suas mãos, numa carteira de couro ele reconheceu o pé de meia do seu irmão, aquele que fazia par com aquele que ele carregava até hoje, como lembrança do seu irmãozinho...
Sem falar nada, se abraçaram, e todos que ali passavam, se emocionaram, e quando souberam da história, choravam de alegria e naquele hospital, ainda hoje se fala da história de amor de um irmão que renunciou a tudo pela vida do irmãozinho.
Hoje, os dois dirigem um orfanato que abriga mais de 100 crianças, que hoje tem a oportunidade de receber o carinho que faltou na infância deles.
O orfanato funciona naquela casa bonita, onde um dia José Carlos deixou seu irmão Pedro, na esperança de que pelo menos ele pudesse ter o que ele nunca teve: amor de mãe, bem maior que qualquer tesouro na vida de qualquer pessoa.
Se você tem uma família, lute por ela, se não tem, construa a sua e dedique-se a ela como quem recebeu uma missão divina, assim, construiremos na Terra, o paraíso que Jesus prometeu no céu.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

POR QUE NOS SENTIMOS MAL EM DETERMINADOS AMBIENTES?[1]



Wellington Balbo

Você já esteve em ambientes em que se sentiu mal, constrangido, pouco à vontade?
Ao comentar essas coisas com alguém pode ser que tenham dito que é coisa de sua cabeça, ou, então, má vontade de sua parte para com aquela "turma".
Até pode ser, mas... nem sempre é má vontade de nossa parte.
Ocorre que nossa alma sente, por intermédio da expansão do perispírito, se aquele ambiente ou aquelas pessoas têm fluidos simpáticos aos nossos.
O corpo engana, os gestos podem ser perfeitamente traçados e planejados para agradarmos os outros, mas o mesmo não ocorre com os fluidos que não podem ser manipulados por algo que não seja o pensamento.
Os fluidos não se corrompem com as aparências e os sorrisos falsos, eis porque podemos sentir uma estranha sensação de mal querer mesmo com todos nos tratando de forma simpática.
Nossos fluidos, pois, conforme ensina Kardec, interpenetram-se com os de outros Espíritos e sentimos bem ou mal estar, a depender dos Espíritos encarnados ou desencarnados que estejam ao nosso redor.
Eis a razão pela qual buscamos, até de forma inconsciente, estar ao lado de pessoas que possuem valores semelhantes aos nossos. É que nossa alma anseia a calmaria e busca ficar longe dos embates, principalmente os embates psíquicos, internos, que ocorrem longe da vista de todos.
Em nossa relação com as pessoas, ou com os Espíritos, há muito mais do que atração dos corpos, há, sobretudo, uma busca da alma, da essência que existe em nós por fluidos que se combinem com os nossos.
Nosso ser almeja a felicidade mesmo que relativa, e impossível é ser feliz num ambiente de constante intriga, mal querer, inveja, portanto, de fluidos que não se combinam.
Não é sem razão que os Espíritos informam ser uma das maiores felicidades da Terra estar ao lado de almas amigas, que têm valores muito próximos aos que temos.
Entretanto, vale salientar que, conforme crescemos, levaremos em nós somente o amor e a simpatia, de tal modo que teremos poucas antipatias e muitas afeições.
Mas isto é fruto de um intenso labor do Espírito por conquistar a capacidade de amor incondicional.
Um dia chegaremos lá e teremos apenas afetos, amores, pessoas pelas quais simpatizamos, pois pouco importará o fluido que emana do outro, porquanto o fundamental será o fluido que nós emanamos, e este será, tão somente, salpicado de amor e bem querer.


Fonte: Rede Amigo Espírita

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

LEMBRANÇA DAS FALTAS[1]



Miramez

A recordação das faltas que a alma tenha cometido quando ainda imperfeita não perturba a sua felicidade, mesmo depois que ela se depurou?
‒ Não, porque ela resgatou as suas faltas e saiu vitoriosa das provas a que se submeteu com esse fim.
Questão 978/O Livro dos Espíritos

Mesmo depois que o Espírito culpado limpa as suas faltas da consciência, elas deixam alguns liames espirituais para o futuro? Essa é sempre a pergunta de muitos, que desejam conhecer na profundidade o ser, nas suas jornadas de ascensão.
Verdadeiramente, as faltas cometidas, ou o processo de despertamento da alma para a vida maior, causa transtorno, reveses de todos os tipos, dos quais conheces alguns nos caminhos do mundo. No entanto, Deus não é carrasco, a fazer sofrer uns mais que os outros.
A consciência, depois de limpa pelas bênçãos do arrependimento, juntamente com o reparo, torna à sua limpidez como foi criada, sem existir desarmonia na sua engrenagem divina. Por que a mente haverá de perturbar uma obra de Deus com sua simples ignorância? Quem paga uma conta não mais deve, principalmente quando os juros são contados, como nos processos de elevação das almas.
Deus é pureza espiritual, e a Inteligência Divina não iria criar almas, como o fez, sujeitas ao desequilíbrio eterno. É bom que se lembre de novo que aquilo que os homens acham impossível, é possível a Deus. Deus é amor, e somente isso basta para a nossa paz de consciência. Jesus nos fala que devemos amá-Lo acima de tudo e ao nosso próximo como a nós mesmos. O Espírito deve e pode amar a Deus em tudo que existe. Assim, a resposta virá ao nosso encontro, vertendo-se do amor universal.
As faltas que cometemos e que religiões classificam como pecado de variadas categorias, podem se comparar com a lama que venha a sujar: depois de um banho, deixa de existir.
Assim, os chamados erros, depois de um "banho" que o tempo oferece, vão para o esquecimento e a limpidez da consciência torna-se como o sol que dá vida e que nos faz amar mais aos que sofrem e a tudo o que existe em torno de nós. Então, dotados de harmonia mental, passamos a procurar a verdade, porque ela nos libertará.
Quem pratica a verdade aproxima-se da luz a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque feitas em Deus. (João, 3:21)
Ao alcançarmos a verdade, as faltas tornam-se brumas diante do sol espiritual expresso pela consciência. Essas faltas, sistema indispensável para acordar a alma, transformam-se em virtudes pelas bênçãos do Criador e Transformador de todas as coisas.
A vida é movimento, e esse Deus operando em todos os rumos. Se ainda te lembras do mal que praticaste em alguma parte, a alguma pessoa, e te sentes infeliz, é porque não limpaste da consciência esse magnetismo turvado das ações más. Continua fazendo o bem e amando a todos sem distinção, que logo a consciência dará sinal de liberdade. Não esmoreças, pois os próprios Espíritos angélicos que assistem o Cristo nas suas esferas de luz, passaram por todos esses transes, qual o que por ora passas. Não perturbes o coração pelos processos que deves passar para o teu próprio bem. Não deves procurar o mal, nem incentivá-lo, mas, se a dor bater à tua porta, não blasfemes: procura livrar-te dela com paciência, no mesmo ritmo de paz que Jesus te ensinou. Enfrenta os problemas com coragem, sem procurá-los igualmente. Não compliques a tua vida; ela, mais natural, é bem melhor.
O objetivo primordial da Doutrina Espírita é o mesmo do Cristianismo: modificar o homem, fazer nascer o homem novo dentro do homem velho e iluminar os corações pelo processo do amor universal. O dia em que Jesus abrir Seus braços divinos dentro do coração humano, será o sinal de salvação da criatura para sempre.




[1] Filosofia Espírita – Volume 20 – João Nunes Maia

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

COMO O FÓSFORO QUE ACENDE A VIDA MIGROU DAS ESTRELAS PARA A TERRA[1]


Este infográfico mostra os resultados principais do estudo que revelou a linha interestelar do fósforo, um dos blocos constituintes da vida.

[Imagem: ALMA (ESO/NAOJ/NRAO), Rivilla et al.; ESO/L. Calçada; ESA/Rosetta/NAVCAM; Mario Weigand]



Redação do Site Inovação Tecnológica - 21/01/2020

Fósforo e vida
O fósforo, presente no nosso DNA e nas membranas das nossas células, é um elemento essencial à vida tal como a conhecemos.
No entanto, o modo como este elemento chegou à Terra primordial ainda é um mistério, já que, segundo as teorias atuais, um planeta não apresenta as condições para sua síntese em nenhum momento de sua vida.
Esse caminho, da fonte de origem até sua chegada a um planeta, começou agora a ser mapeado. Astrônomos combinaram os dados do radiotelescópio ALMA e da sonda Rosetta para traçar a viagem do fósforo, desde as regiões de formação estelar até os cometas.
É a primeira vez que as várias peças do quebra-cabeças são encaixadas: Onde as moléculas que contêm fósforo se formam, como é que esse elemento é transportado nos cometas e como é que uma molécula específica pode ter desempenhado um papel crucial no início da vida no nosso planeta.

Origem do fósforo
As observações do ALMA mostraram que as moléculas que contêm fósforo são criadas quando estrelas massivas se formam. Correntes de gás emitidas por essas enormes estrelas abrem cavidades nas nuvens interestelares, e moléculas que contêm fósforo formam-se nas paredes dessas cavidades por meio da ação combinada de choques e radiação da estrela nascente.
O monóxido de fósforo foi a molécula com fósforo mais abundante nas paredes das cavidades observadas na região de formação estelar AFGL 5142.
A seguir, a equipe concentrou-se no famoso cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, visitado pela sonda Rosetta em 2014.
A hipótese era que, se as paredes da cavidade colapsam para formar estrelas, em particular nas menos massivas como o nosso Sol, o monóxido de fósforo poderia congelar e ficar preso nos grãos de poeira que permanecem em torno da nova estrela. Se isso realmente acontece, então estes grãos de poeira ricos em fósforo participariam da formação de rochas e eventualmente cometas, estes últimos tornando-se os transportadores do monóxido de fósforo.

Fósforo no cometa
E foi justamente o monóxido de fósforo que foi detectado no cometa 67P pelo instrumento Rosina, permitindo aos astrônomos estabelecer uma ligação entre as regiões de formação estelar, onde o fósforo é criado, e a Terra.
"O fósforo é essencial à vida tal como a conhecemos. Como muito provavelmente os cometas transportaram enormes quantidades de compostos orgânicos para a Terra, o monóxido de fósforo encontrado no cometa 67P poderá fortalecer a ligação entre cometas e a vida na Terra," disse a astrônoma Kathrin Altwegg.
Até a missão Rosetta, os astrônomos também acreditavam que a água da Terra poderia ter sido trazida por cometas.

Bibliografia:
Artigo: ALMA and ROSINA detections of phosphorus-bearing molecules: the interstellar thread between star-forming regions and comets
Autores: V. M. Rivilla, M. N. Drozdovskaya, K. Altwegg, P. Caselli, M. T. Beltrán, F. Fontani, F. F. S. van der Tak, R. Cesaroni, A. Vasyunin, M. Rubin, F. Lique, S. Marinakis, L. Testi, ROSINA Team
Revista: Monthly Notices of the Royal Astronomical Society
Vol.: 492, Issue 1, Pages 1180-1198
DOI: 10.1093/mnras/stz3336

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

O QUE ENSINA O ESPIRITISMO[1]



Allan Kardec

Há criaturas que perguntam quais são as conquistas novas que devemos ao Espiritismo. Em razão de não haver dotado o mundo com uma nova indústria produtiva, como o vapor, concluem que nada produziu. A maior parte dos que fazem tal pergunta, por não se terem dado ao trabalho de estudá-lo, só conhecem o Espiritismo de fantasia, criado para as necessidades da crítica, e que nada tem de comum com o Espiritismo sério. Não é, pois, de admirar que perguntem qual pode ser o seu lado útil e prático. Tê-lo-iam descoberto se o tivessem ido buscar em sua fonte, e não nas caricaturas que dele fizeram os que têm interesse em denegri-lo.
Numa outra ordem de ideias, ao contrário, alguns impacientes acham a marcha do Espiritismo muito lenta para o seu gosto. Admiram-se de que ainda não tenha sondado todos os mistérios da Natureza, nem abordado todas as questões que parecem ser de sua alçada; gostariam de vê-lo diariamente ensinar coisas novas, ou enriquecer-se com alguma descoberta recente. E, porque ainda não resolveu a questão da origem dos seres, do princípio e do fim de todas as coisas, da essência divina e de algumas outras da mesma importância, concluem que não saiu do á-bê-cê, que não entrou na verdadeira via filosófica e que se arrasta em lugares-comuns, já que prega incessantemente a humildade e a caridade.

Até hoje, dizem, o Espiritismo nada nos ensinou de novo, porque a reencarnação, a negação das penas eternas, a imortalidade da alma, a gradação através de períodos da vitalidade intelectual, o perispírito não são descobertas espíritas propriamente ditas; então é preciso marchar para descobertas mais verdadeiras e mais sólidas.

A propósito, julgamos por bem apresentar algumas observações, que também não serão novidades, pois há coisas que é útil repetir sob diversas formas.
É verdade que o Espiritismo nada inventou de tudo isto, porque somente as verdades verdadeiras são eternas e, por isto mesmo, devem ter germinado em todas as épocas. Mas não é alguma coisa havê-las tirado, se não do nada, ao menos do esquecimento? De um germe ter feito uma planta vivaz? De uma ideia individual, perdida na noite dos tempos, ou abafada sob os preconceitos, ter feito uma crença geral? Ter provado o que estava no campo das hipóteses? Ter demonstrado a existência de uma lei naquilo que parecia excepcional e fortuito? De uma teoria vaga ter feito uma coisa prática? De uma ideia improdutiva ter tirado aplicações úteis? Nada é mais verdadeiro que o provérbio: “Nada existe de novo debaixo do sol”. E até esta verdade não é nova.
Assim, não há uma só descoberta cujos vestígios e o princípio não se encontrem nalguma parte. À vista disso, Copérnico não teria o mérito de seu sistema, porque o movimento da Terra tinha sido suspeitado antes da era cristã. Se a coisa era tão simples, dever-se-ia encontrá-la. A história do ovo de Cristóvão Colombo será sempre uma eterna verdade.
Além disso, é incontestável que o Espiritismo ainda tem muito a nos ensinar. É o que não temos cessado de repetir, pois jamais pretendemos que ele tenha dito a última palavra. Mas do que ainda resta fazer, segue-se que não tenha ainda saído do á-bê-cê? As mesas girantes foram o seu alfabeto; e, depois, ao que nos parece, tem dado alguns passos; parece mesmo que deu passos bem grandes em alguns anos, se o compararmos às outras ciências, que levaram séculos para chegar ao ponto em que estão. Nenhuma chegou ao apogeu de um salto só; elas avançam, não pela vontade dos homens, mas à medida que as circunstâncias apontam novas descobertas. Ora, ninguém tem o poder de comandar essas circunstâncias, e a prova disto é que, todas as vezes que uma ideia é prematura, aborta, para reaparecer mais tarde, em tempo oportuno.
Mas em falta de novas descobertas, os homens de ciência nada terão a fazer? A Química não será mais a Química se diariamente não descobrir novos corpos? Os astrônomos serão condenados a cruzar os braços por não encontrarem novos planetas? E assim em todos os outros ramos das ciências e da indústria. Antes de procurar coisas novas, não se deve fazer a aplicação daquilo que se sabe? É precisamente para dar aos homens tempo de assimilar, de aplicar e de vulgarizar o que sabem, que a Providência põe um freio na marcha para frente. Aí está a História para nos mostrar que as ciências não seguem uma marcha ascendente contínua, ao menos ostensivamente. Os grandes movimentos que revolucionam uma ideia não se operam senão em intervalos mais ou menos distanciados. Assim, não há estagnação, mas elaboração, aplicação e frutificação daquilo que se sabe, o que é sempre progresso. Poderia o Espírito humano absorver incessantemente novas ideias? A própria terra não precisa de um tempo de repouso antes de reproduzir? Que diriam de um professor que diariamente ensinasse novas regras aos seus alunos, sem lhes dar tempo para se exercitarem nas que aprenderam, de com elas se identificarem e de as aplicarem? Então Deus seria menos previdente e menos hábil que um professor? Em todas as coisas as ideias novas devem apoiar-se nas ideias adquiridas; se estas não forem suficientemente elaboradas e consolidadas no cérebro, se o espírito não as assimilou, as que aí se querem implantar não criam raízes: semeia-se no vazio.
Acontece a mesma coisa com o Espiritismo. Os adeptos aproveitaram de tal modo o que ele até hoje ensinou, que nada mais tenham a fazer? São mais caridosos, desprovidos de orgulho, desinteressados e benevolentes para com os seus semelhantes? Terão moderado as paixões, abjurado o ódio, a inveja e o ciúme? Enfim, são tão perfeitos que de agora em diante seja supérfluo pregar-lhes a caridade, a humildade, a abnegação, numa palavra, a moral? Essa pretensão, por si só, provaria quanto ainda necessitam dessas lições elementares, que alguns consideram fastidiosas e pueris. Entretanto, somente com o auxílio dessas instruções, se as aproveitarem, é que poderão elevar-se bastante para se tornarem dignos de receber um ensinamento superior.
O Espiritismo contribui para a regeneração da Humanidade: isto é um fato constatado. Ora, não podendo essa regeneração operar-se senão pelo progresso moral, resulta que seu objetivo essencial, providencial, é o melhoramento de cada um; os mistérios que pode nos revelar são a parte acessória, porquanto, ao nos abrir o santuário de todos os conhecimentos só estaremos mais adiantados para o nosso estado futuro se formos melhores. Para nos admitir no banquete da suprema felicidade, Deus não pergunta o que sabemos, nem o que possuímos, mas o que valemos e o bem que fizemos. Portanto, é acima de tudo pelo seu melhoramento individual que todo espírita sincero deve trabalhar. Só aquele que dominou suas más tendências aproveitou realmente o Espiritismo e receberá a sua recompensa. É por isto que os Espíritos bons, por ordem de Deus, multiplicam suas instruções e as repetem até à saciedade; só um orgulho insensato pode dizer: não preciso de mais. Só Deus sabe quando serão inúteis, e só a ele cabe dirigir o ensino de suas mensagens e de proporcioná-lo ao nosso adiantamento.
Contudo, vejamos se, fora do ensinamento puramente moral, os resultados do Espiritismo são tão estéreis quanto pretendem alguns.
1º – Antes de mais ele dá, como todos sabem, a prova patente da existência e da imortalidade da alma. Não é uma descoberta, é verdade, mas é por falta de provas sobre este ponto que há tantos incrédulos ou indiferentes quanto ao futuro; é provando o que não passava de teoria que ele triunfa sobre o materialismo e previne suas funestas consequências para a sociedade. Tendo mudado em certeza a dúvida quanto ao futuro, o Espiritismo opera toda uma revolução nas ideias, cujos resultados são incalculáveis. Se aí se limitasse exclusivamente o resultado das manifestações, quão imensos seriam esses resultados!
2º – Pela firme crença que desenvolve, exerce poderosa ação sobre o moral do homem; impele-o ao bem, consola-o nas aflições, dá-lhe força e coragem nas provações da vida e lhe desvia do pensamento o suicídio.
3º – Retifica todas as ideias falsas que se tivessem sobre o futuro da alma, sobre o céu, o inferno, as penas e recompensas; destrói radicalmente, pela irresistível lógica dos fatos, os dogmas das penas eternas e dos demônios; numa palavra, descobre-nos a vida futura e no-la mostra racional e conforme a justiça de Deus. É ainda uma coisa que tem muito valor.
4º – Dá a conhecer o que se passa no momento da morte; este fenômeno, até hoje insondável, não mais tem mistérios; as menores particularidades dessa passagem tão temível são hoje conhecidas. Ora, como todos morrem, este conhecimento interessa a todo o mundo.
5º – Pela lei da pluralidade das existências, abre um novo campo à filosofia; o homem sabe de onde vem, para onde vai e com que objetivo está na Terra. Explica a causa de todas as misérias humanas, de todas as desigualdades sociais; dá as próprias leis da Natureza como base dos princípios de solidariedade universal, de fraternidade, de igualdade e de liberdade, que só se assentavam na teoria. Enfim, projeta luz sobre as mais árduas questões da metafísica, da psicologia e da moral.
6º – Pela teoria dos fluidos perispirituais, torna conhecido o mecanismo das sensações e das percepções da alma; explica os fenômenos da dupla vista, da vista a distância, do sonambulismo, do êxtase, dos sonhos, das visões, das aparições etc.; abre novo campo à Fisiologia e à Patologia.
7º – Provando as relações existentes entre o mundo corporal e o mundo espiritual, mostra neste último uma das forças ativas da Natureza, um poder inteligente e dá a razão de uma porção de efeitos atribuídos a causas sobrenaturais, e que alimentaram a maior parte das ideias supersticiosas.
8º – Revelando o fato das obsessões, faz conhecer a causa, até aqui desconhecida, das numerosas afecções, sobre as quais a Ciência se havia enganado em prejuízo dos doentes, e dá os meios de curá-los.
9º – Dando-nos a conhecer as verdadeiras condições da prece e seu modo de ação; revelando-nos a influência recíproca dos Espíritos encarnados e desencarnados, ensina-nos o poder do homem sobre os Espíritos imperfeitos para moralizá-los e os arrancar aos sofrimentos inerentes à sua inferioridade.
10º – Tornando conhecida a magnetização espiritual, que era desconhecida, abre novo caminho ao magnetismo e lhe traz um novo e poderoso elemento de cura.

O mérito de uma invenção não está na descoberta de um princípio, quase sempre conhecido anteriormente, mas na aplicação desse princípio. Sem dúvida a reencarnação não é uma ideia nova, como o perispírito descrito por São Paulo sob o nome de corpo espiritual também não o é, e nem mesmo a comunicação com os Espíritos. O Espiritismo, que não se gaba de ter descoberto a Natureza, procura cuidadosamente todos os traços que pode encontrar da anterioridade de suas ideias e, quando os encontra, apressa-se em proclamá-lo, como prova em apoio ao que avança.
Aqueles, pois, que invocam essa anterioridade visando depreciar o que ele faz, vão contra o seu objetivo e agem desastradamente, porque isto levaria à suspeição de uma ideia preconcebida.
A descoberta da reencarnação e do perispírito não pertence, pois, ao Espiritismo; é coisa resolvida. Mas, até ele, que proveito a Ciência, a moral, a religião haviam tirado desses dois princípios, ignorados pelas massas e ficados em estado de letra morta? Ele não só os expôs à luz, os provou e faz reconhecer como leis da Natureza, mas os desenvolveu e faz frutificar; deles já fez saírem numerosos e fecundos resultados, sem os quais não se poderia compreender uma infinidade de coisas; diariamente ele nos faz compreender outras novas e estamos longe de haver esgotado esta mina. Considerando-se que esses dois princípios eram conhecidos, por que ficaram improdutivos por tanto tempo? Por que, durante tantos séculos, todas as filosofias se chocaram contra tantos problemas insolúveis? É que eram diamantes brutos, que deviam ser lapidados. É o que faz o Espiritismo. Ele abriu uma nova via à filosofia ou, melhor dizendo, criou uma nova filosofia, que diariamente ocupa seu lugar no mundo. Então estes resultados são de tal modo nulos que devemos apressar a marcha para descobertas mais verdadeiras e mais sólidas?
Em resumo, de um certo número de verdades fundamentais, esboçadas por alguns cérebros de escol e conservadas, em sua maioria, como que em estado latente, uma vez que foram estudadas, elaboradas e provadas, de estéreis que eram tornaram-se uma mina fecunda, de onde saíram uma multidão de princípios secundários e aplicações, e abriram um vasto campo à exploração, novos horizontes à Ciência, à filosofia, à moral, à religião e à economia social.
Tais são, até hoje, as principais conquistas devidas ao Espiritismo, e não temos feito mais do que indicar os pontos culminantes. Supondo que devessem limitar-se a isto, já nos poderíamos dar por satisfeitos, e dizer que uma ciência nova, que dá tais resultados em menos de dez anos, não pode ser acusada de nulidade, porque toca em todas as questões vitais da Humanidade e traz aos conhecimentos humanos um contingente que não é para desdenhar. Até que esses únicos pontos tenham recebido todas as aplicações de que são susceptíveis, e que os homens os tenham aproveitado, ainda se passará muito tempo, e os espíritas que os quiserem pôr em prática para si próprios e para o bem de todos, não ficarão desocupados.
Esses pontos são outros tantos focos de onde irradiarão inumeráveis verdades secundárias, que se trata de desenvolver e aplicar, o que se faz todos os dias, porque diariamente se revelam fatos que levantam uma nova ponta do véu.
O Espiritismo deu sucessivamente e em alguns anos todas as bases fundamentais do novo edifício. Cabe agora aos seus adeptos pôr em obra esses materiais, antes de pedir outros novos. Deus saberá bem lhes fornecer, quando tiverem acabado sua tarefa.
Dizem que os espíritas só sabem o á-bê-cê do Espiritismo. Seja. Que aprendamos, então, a silabar esse alfabeto, o que não será o caso de um dia, porque, mesmo reduzido a estas proporções, passará muito tempo antes de haver esgotado todas as cominações e colhido todos os frutos. Não restam mais fatos a explicar? Aliás, os espíritas não devem ensinar esse alfabeto aos que o ignoram? Já lançaram a semente em toda parte onde poderiam fazê-lo? Não resta mais incrédulos a convencer, obsedados a curar, consolações a dar, lágrimas a enxugar? Há fundamento em dizer que nada mais se deve fazer quando não se terminou a tarefa, quando ainda restam tantas chagas a fechar? São nobres ocupações que valem bem a vã satisfação de sabê-las um tanto mais e um pouco mais cedo que os outros.
Saibamos, pois, soletrar o nosso alfabeto antes de querer ler fluentemente no grande livro da Natureza. Deus saberá bem no-lo abrir, à medida que avançarmos, mas não depende de nenhum mortal forçar sua vontade, antecipando o tempo para cada coisa. Se a árvore da Ciência é muito alta para que possamos atingi-la, esperemos, para sobrevoá-la, que as nossas asas estejam crescidas e solidamente pregadas, para não virmos a ter a sorte de Ícaro.




[1] Revista Espírita – Agosto/1865 – Allan Kardec