Robert Dale Owen
Agora pois permanecem a fé, a esperança e a caridade, essas três
virtudes das quais a caridade é a maior.
I AOS CORÍNTIOS, XIII, 13
Venha a nós o vosso reino.
MATEUS, VI, 10
"Arrependei-vos, porque vem
perto o reino de Deus". Foram estas, como já vimos, as primeiras palavras
recordadas dos ensinos públicos do Cristo.
Os fariseus lhe perguntaram: Quando chegará o reino de Deus? Ele lhes
respondeu: O reino de Deus não virá com
ostentação. Ninguém poderá dizer: Ei-lo aqui! Ei-lo ali! Vede-o! O reino de
Deus está dentro de vós.
Está dentro de nós a luz, o
divino e inextinguível espírito de verdade. Quão longe vagamos, esquecidos
dessas palavras do Cristo, buscando aquilo que se acha no nosso próprio
coração!
Buscais por meio de profundos
estudos descobrir Deus, seu reino e seu Espírito. O Espírito de Deus, porém,
não está no sopro forte do Dogmatismo, devastando tudo em sua passagem; não
está no terremoto dos credos guerreiros, dilacerando e convulsionando o mundo
religioso; não está no zelo ardente que persegue e consegue; mas na voz tranquila
e débil que, sem nunca se extinguir, fala na alma de cada um de nós.
Obscurecida frequentemente, abafada muitas vezes por influências adversas e
insignificantes cuidados, desprezada, desconhecida; mas, apesar disso,
existindo seguramente no âmago da nossa alma, nos homens inteligentes e nos
selvagens, nos nômades proscritos da civilização, como no cristão que vive mais
conforme com os preceitos do seu Senhor.
Venha a nós o vosso reino.
Repetimos muitas vezes essas
palavras da prece do Cristo, sem buscarmos compreender perfeitamente seu
sentido profundo, sem nos lembrarmos de que o reino cujo advento imploramos é,
se aceitamos a interpretação do Cristo, uma soberania cuja vinda não podemos
testemunhar, à qual não podemos determinar sede num ponto designado, visto que
o trazemos dentro de nós. Pedimos, mesmo sem conhecê-lo, que o Espírito de Deus
se firme dentro de nós e nos dirija. Pedimos a soberania da consciência lúcida,
a vinda do desenvolvimento ético e espiritual e que, quando ele venha, seja o
poder diretor da nossa raça.
A consciência é o delegado de
Deus, dirigindo com justiça o coração do homem. É somente sob a sua direção que
o homem terá uma vida satisfatória. Essa é a doutrina do Cristo. Com que
simplicidade e força ele o exprimiu'' "Bem-aventurados os que têm fome e
sede de justiça, porque serão saciados".
Fome e sede, não da vitória de
um dogma ou de uma seita; não de ver triunfantes um ritual, certas cerimônias,
as longas e palavrosas preces nas sinagogas; não de prata e ouro, mas fome e
sede de justiça, que é o reino dos céus dentro de nós. Cristo manda fazer o bem
por amor do bem; praticar a justiça sem calcular a sua recompensa, pois esta
pertence a Deus. Aceitai as consequências.
Não indagueis sobre o que vos
será dado.
As coisas podem parecer ir mal,
os homens podem buscar desvirtuá-las, persegui-las e desacreditá-las: pouco
deve importar isso, quando o próprio Jesus declara abençoado o que pratica a
justiça. Que o abandonem, que mesmo lhe arranquem o pão da boca; só no fim ele
será saciado. Se buscarmos cumprir a justiça de Deus antes de tudo, tudo o
mais, diz-nos o Cristo, nos será dado de sobressalente.
Ele, porém, apresenta isso como
um fato e não como um motivo. O motivo deve ser a fome e a sede de justiça e
não a perspectiva do lucro. Conformarmo-nos com a lei humana por uma obediência
forçada, com temor ao castigo e com a esperança de uma recompensa. A lei de
Deus só deve ser cumprida por amor.
Cristo em parte alguma disse que
eram abençoados os que praticassem o bem para alcançarem o céu ou escapar do
inferno.
O temor não entra como móvel na
sua doutrina. Ele não buscou como salmista, inculcar o medo de Deus; sua
sabedoria tinha uma origem mais elevada. Baseava-se no amor perfeito e o amor
repele o temor.
Um poeta exprimiu perfeitamente
o pensamento cristão quando disse:
Somente pelo bem, ao
bem amemos; não por temor ao inferno ou à previdência, das venturas do céu
seguir devemos os ditames da nossa consciência.
Esse assunto básico de uma
religião, é de grande importância prática. Apreciaremos mal a constituição
espiritual do Cristo, se não percebermos que ele procura reformar o mundo,
despertando no homem o adormecido amor da justiça, por amor dela mesma; e não estimulando
a sua cobiça ou fazendo jogo com o seu temor:
Se um menino, saindo
das mãos de seus mestres, tornar-se um homem honesto unicamente por julgar que
a honestidade o livra das penas da lei, ele poderá ser um negociante honrado e,
como tal, recomendável, mas não será um discípulo do Cristo. Se um professor de
religião exibir o mais ardente zelo pela sua Igreja, atuado por um motivo não
mais elevado que aquele que levou Luiz XIV a revogar o Édito de Nantes, isto é,
a salvação de sua alma do inferno, ele poderá ser útil membro da Igreja, mas
não um cristão.
Não há cristianismo sem a base
permanente do amor à justiça.
Não desesperemos de que um dia a
moralidade pública e privada será a base de civilização. Uma pequena previsão
nos animará. Quando lançamos os olhos para a nossa juventude, não nos virá o
pensamento de que não somos o que devíamos ser, de que a nossa natureza
prometia mais do que a educação nos deu? Não sentiremos muitas vezes, que havia
em nós germes de virtudes que raramente foram estudados, generosos impulsos que
não procuramos excitar, nobres aspirações que nunca tentamos pôr em prática?
Serão somente essas as convicções que nos virão? Levantar-nos-emos no templo
para agradecer a Deus por não sermos como os outros homens? Não está escrito
que o homem foi feito à imagem do seu Criador?
Não devemos desanimar pelo fato
dessa mudança implicar uma reforma radical para o egoísmo hoje dominante,
apesar de ser produzida para a nossa regeneração. O Cristo admitia. Ele via
quão cego era o mundo que o cercava, em relação às coisas do céu, e por isso
disse: "Não verá o reino de Deus senão aquele,. que nascer de novo".
Aqui se interpõe uma
consideração que se sugere por si mesma.
A consciência só, por mais ativa
que seja, não basta para reformar o mundo, se não tiver instrução e
desenvolvimento.
O mais sincero amor da justiça
só pode dar frutos segundo a luz e os conhecimentos adquiridos; mas, essa luz
pode ser fraca e esses conhecimentos escassos. Além do resultado que devemos
esperar dele para o progresso geral da civilização, não nos facultará o sistema
do Cristo os elementos que ainda nos faltam?
A resposta prende-se ao assunto
de que me ocupei no capítulo 2°., da parte primeira desta obra; Jesus, como aí
vos fiz lembrar, ao terminar sua vida terrena, declarou aos que o seguiam:
Eu tinha ainda
muitas coisas a dizer-vos, mas não o posso fazer agora. Contudo, o espírito de
verdade quando vier, vos ensinará toda a verdade, porque não falará por si
mesmo, mas só dirá o que tiver ouvido.
Se o Cristo, em virtude do seu
poder, previu isso, é porque tal entra nos planos de Deus, que em certa fase do
progresso humano permitia que as revelações espirituais ao homem viessem perenemente
de um mundo mais adiantado que este; se o autor do Cristianismo indica aí a
fonte, onde ele crê que a consciência, se pode aqui empregar a palavra, irá
beber a luz e os conhecimentos, a vós deixo o cuidado de decidir. Nas páginas
precedentes vos forneci os elementos para essa decisão.
Rogo-vos, contudo, observeis que
tendes de decidir, não se a massa toda das alegadas comunicações espirituais de
hoje poderá educar convenientemente à consciência, mas, se quando presidirem no
meio a prudência e reverência, um Espírito de verdade, vindo de uma esfera
ultramundana e falando, não por si mesmo, mas pelo que aprendeu na sua
celestial morada, não será o mensageiro espiritual prometido pelo Cristo para
regenerar a humanidade. Prometido condicionalmente, pois que a base de tudo, a
condição indispensável para que o fato se dê é a lealdade para com a
consciência. A promessa foi feita àqueles que têm fome e sede de justiça. É a
sua fome e a sua sede que se saciarão na fonte espiritual.
Reprimo a tentação de alargar-me
sobre isso. Uma recapitulação não quer dizer uma repetição do trabalho.
Permiti, contudo, que faça uma negação, desnecessária para as almas pensadoras,
mas precisa para evitar uma interpretação má.
Longe de mim, asseverar que em
nossos dias e nesta geração, a severidade seja sempre deslocada, que as
penalidades legais sejam inúteis; ainda menos, que não se deva ensinar às
crianças os sofrimentos que lhes advirão da prática do mal e os gozos que resultarão
para elas da prática do bem, pois que isso é a rigorosa obrigação do educador.
Digo, porém, que o Cristo
repele, no sentido que ligamos a esta palavra, a força, o medo e o lucro
egoístico, como móvel dos nossos atos.
Somente vos faço lembrar que
para a reforma do mundo o Cristo confia em influências mais elevadas, mais
nobres, num impulso tão poderoso como a fome e a sede, na caridade que não visa
o interesse, regozija-se com a verdade e prende os homens como por uma cadeia
de aço, à prática do que é justo.
Outros ensinamentos
característicos do Cristo se nos manifestam claramente:
O ensino do perdão
em grau ainda desconhecido entre nós; o perdão concedido ao irmão que nos ofende,
mesmo setenta vezes sete vezes; a promessa do perdão àqueles que perdoam, pois
que a delinquente, excomungada pela sociedade, foi mandada embora, livre e sem
condenação, apenas com o conselho de não mais pecar.
A beneficência, principalmente
em favor dos cansados e sobrecarregados, é outra feição pronunciada desses
ensinos, do mesmo modo que o auxílio ao pobre, o socorro ao estrangeiro, ao faminto,
ao nu, ao enfermo e ao encarcerado, considerando que o que fazemos a eles,
fazemos a Deus.
Somos prevenidos contra o perigo
das riquezas, contra o exagerado cuidado pelo dia de amanhã, contra a ansiosa
procura de empregos e posições. Os tesouros que a traça e a ferrugem destroem, os
assentos mais elevados nos festins, os primeiros lugares nas sinagogas, são
declarados coisas indignas de ocupar a atenção do homem.
São prescritas a mansidão, a paz
e mesmo a não resistência ao mal que nos queiram fazer; a pureza nos
pensamentos e nos atos, a resignação à vontade de Deus.
Pelo Cristo somos animados a ter
fé e esperança, baseando-nos na certeza de que o Pai conhece as nossas
necessidades e as satisfará, antes que nós lhe peçamos; mas, sobretudo e além
de tudo, como sinal e testemunho do nosso apostolado, como um perfeito cumprimento
dos preceitos de Deus, somos concitados a fazer alguma coisa maior que a fé,
maior que a esperança, e que se eleva como a lei suprema: ‒ a caridade.
Isso não é mais que um esboço,
pois o espaço não me permite dizer mais. Não merecerá esse sistema espiritual a
honra de ser considerado como inspirado? Não será ele proveitoso como doutrina,
como censura, como correção e como instrução no que se refere à retidão?
Possa esta geração prosseguir
nas doutrinas espíritas, sem nunca se afastar dos seus preceitos!
Com o auxílio dos Espíritos que
pela triunfal transformação da morte partiram antes de nós para a feliz região
sideral, com o auxílio da plácida voz que nos aconselha e do Cristo, nosso guia
principal, com segurança e proveito interrogaremos o Inexplorado. Precisamos conhecer
suas leis; precisamos da evidência que os seus fenômenos nos dão. Nas
fronteiras dos dois mundos encontramos influências muito mais necessárias,
muito mais poderosas que qualquer das terrenas: influências benévolas,
destinadas a reerguer a moral degenerada e auxiliar o progresso espiritual.