Allan Kardec
Há criaturas que perguntam quais
são as conquistas novas que devemos ao Espiritismo. Em razão de não haver
dotado o mundo com uma nova indústria produtiva, como o vapor, concluem que
nada produziu. A maior parte dos que fazem tal pergunta, por não se terem dado
ao trabalho de estudá-lo, só conhecem o Espiritismo de fantasia, criado para as
necessidades da crítica, e que nada tem de comum com o Espiritismo sério. Não
é, pois, de admirar que perguntem qual pode ser o seu lado útil e prático.
Tê-lo-iam descoberto se o tivessem ido buscar em sua fonte, e não nas
caricaturas que dele fizeram os que têm interesse em denegri-lo.
Numa outra ordem de ideias, ao
contrário, alguns impacientes acham a marcha do Espiritismo muito lenta para o
seu gosto. Admiram-se de que ainda não tenha sondado todos os mistérios da
Natureza, nem abordado todas as questões que parecem ser de sua alçada;
gostariam de vê-lo diariamente ensinar coisas novas, ou enriquecer-se com
alguma descoberta recente. E, porque ainda não resolveu a questão da origem dos
seres, do princípio e do fim de todas as coisas, da essência divina e de algumas
outras da mesma importância, concluem que não saiu do á-bê-cê, que não entrou
na verdadeira via filosófica e que se arrasta em lugares-comuns, já que prega
incessantemente a humildade e a caridade.
Até hoje, dizem, o Espiritismo nada nos ensinou de novo,
porque a reencarnação, a negação das penas eternas, a imortalidade da alma, a
gradação através de períodos da vitalidade intelectual, o perispírito não são
descobertas espíritas propriamente ditas; então é preciso marchar para
descobertas mais verdadeiras e mais sólidas.
A propósito, julgamos por bem
apresentar algumas observações, que também não serão novidades, pois há coisas
que é útil repetir sob diversas formas.
É verdade que o Espiritismo nada
inventou de tudo isto, porque somente as verdades verdadeiras são eternas e,
por isto mesmo, devem ter germinado em todas as épocas. Mas não é alguma coisa
havê-las tirado, se não do nada, ao menos do esquecimento? De um germe ter
feito uma planta vivaz? De uma ideia individual, perdida na noite dos tempos,
ou abafada sob os preconceitos, ter feito uma crença geral? Ter provado o que
estava no campo das hipóteses? Ter demonstrado a existência de uma lei naquilo
que parecia excepcional e fortuito? De uma teoria vaga ter feito uma coisa
prática? De uma ideia improdutiva ter tirado aplicações úteis? Nada é mais
verdadeiro que o provérbio: “Nada existe de novo debaixo do sol”. E até esta
verdade não é nova.
Assim, não há uma só descoberta
cujos vestígios e o princípio não se encontrem nalguma parte. À vista disso,
Copérnico não teria o mérito de seu sistema, porque o movimento da Terra tinha
sido suspeitado antes da era cristã. Se a coisa era tão simples, dever-se-ia encontrá-la.
A história do ovo de Cristóvão Colombo será sempre uma eterna verdade.
Além disso, é incontestável que
o Espiritismo ainda tem muito a nos ensinar. É o que não temos cessado de
repetir, pois jamais pretendemos que ele tenha dito a última palavra. Mas do
que ainda resta fazer, segue-se que não tenha ainda saído do á-bê-cê? As mesas
girantes foram o seu alfabeto; e, depois, ao que nos parece, tem dado alguns
passos; parece mesmo que deu passos bem grandes em alguns anos, se o
compararmos às outras ciências, que levaram séculos para chegar ao ponto em que
estão. Nenhuma chegou ao apogeu de um salto só; elas avançam, não pela vontade dos
homens, mas à medida que as circunstâncias apontam novas descobertas. Ora,
ninguém tem o poder de comandar essas circunstâncias, e a prova disto é que,
todas as vezes que uma ideia é prematura, aborta, para reaparecer mais tarde,
em tempo oportuno.
Mas em falta de novas
descobertas, os homens de ciência nada terão a fazer? A Química não será mais a
Química se diariamente não descobrir novos corpos? Os astrônomos serão condenados
a cruzar os braços por não encontrarem novos planetas? E assim em todos os
outros ramos das ciências e da indústria. Antes de procurar coisas novas, não
se deve fazer a aplicação daquilo que se sabe? É precisamente para dar aos
homens tempo de assimilar, de aplicar e de vulgarizar o que sabem, que a Providência
põe um freio na marcha para frente. Aí está a História para nos mostrar que as
ciências não seguem uma marcha ascendente contínua, ao menos ostensivamente. Os
grandes movimentos que revolucionam uma ideia não se operam senão em intervalos
mais ou menos distanciados. Assim, não há estagnação, mas elaboração, aplicação
e frutificação daquilo que se sabe, o que é sempre progresso. Poderia o
Espírito humano absorver incessantemente novas ideias? A própria terra não precisa
de um tempo de repouso antes de reproduzir? Que diriam de um professor que
diariamente ensinasse novas regras aos seus alunos, sem lhes dar tempo para se
exercitarem nas que aprenderam, de com elas se identificarem e de as aplicarem?
Então Deus seria menos previdente e menos hábil que um professor? Em todas as coisas
as ideias novas devem apoiar-se nas ideias adquiridas; se estas não forem
suficientemente elaboradas e consolidadas no cérebro, se o espírito não as
assimilou, as que aí se querem implantar não criam raízes: semeia-se no vazio.
Acontece a mesma coisa com o
Espiritismo. Os adeptos aproveitaram de tal modo o que ele até hoje ensinou,
que nada mais tenham a fazer? São mais caridosos, desprovidos de orgulho,
desinteressados e benevolentes para com os seus semelhantes? Terão moderado as
paixões, abjurado o ódio, a inveja e o ciúme? Enfim, são tão perfeitos que de
agora em diante seja supérfluo pregar-lhes a caridade, a humildade, a abnegação,
numa palavra, a moral? Essa pretensão, por si só, provaria quanto ainda necessitam
dessas lições elementares, que alguns consideram fastidiosas e pueris.
Entretanto, somente com o auxílio dessas instruções, se as aproveitarem, é que
poderão elevar-se bastante para se tornarem dignos de receber um ensinamento
superior.
O Espiritismo contribui para a
regeneração da Humanidade: isto é um fato constatado. Ora, não podendo essa regeneração
operar-se senão pelo progresso moral, resulta que seu objetivo essencial,
providencial, é o melhoramento de cada um; os mistérios que pode nos revelar
são a parte acessória, porquanto, ao nos abrir o santuário de todos os
conhecimentos só estaremos mais adiantados para o nosso estado futuro se formos
melhores. Para nos admitir no banquete da suprema felicidade, Deus não pergunta
o que sabemos, nem o que possuímos, mas o que valemos e o bem que fizemos.
Portanto, é acima de tudo pelo seu melhoramento individual que todo espírita
sincero deve trabalhar. Só aquele que dominou suas más tendências aproveitou
realmente o Espiritismo e receberá a sua recompensa. É por isto que os
Espíritos bons, por ordem de Deus, multiplicam suas instruções e as repetem até
à saciedade; só um orgulho insensato pode dizer: não preciso de mais. Só Deus
sabe quando serão inúteis, e só a ele cabe dirigir o ensino de suas mensagens e
de proporcioná-lo ao nosso adiantamento.
Contudo, vejamos se, fora do
ensinamento puramente moral, os resultados do Espiritismo são tão estéreis quanto
pretendem alguns.
1º – Antes de mais ele dá, como
todos sabem, a prova patente da existência e da imortalidade da alma. Não é uma
descoberta, é verdade, mas é por falta de provas sobre este ponto que há tantos
incrédulos ou indiferentes quanto ao futuro; é provando o que não passava de
teoria que ele triunfa sobre o materialismo e previne suas funestas consequências
para a sociedade. Tendo mudado em certeza a dúvida quanto ao futuro, o Espiritismo
opera toda uma revolução nas ideias, cujos resultados são incalculáveis. Se aí
se limitasse exclusivamente o resultado das manifestações, quão imensos seriam
esses resultados!
2º – Pela firme crença que
desenvolve, exerce poderosa ação sobre o moral do homem; impele-o ao bem,
consola-o nas aflições, dá-lhe força e coragem nas provações da vida e lhe
desvia do pensamento o suicídio.
3º – Retifica todas as ideias
falsas que se tivessem sobre o futuro da alma, sobre o céu, o inferno, as penas
e recompensas; destrói radicalmente, pela irresistível lógica dos fatos, os
dogmas das penas eternas e dos demônios; numa palavra, descobre-nos a vida
futura e no-la mostra racional e conforme a justiça de Deus. É ainda uma coisa
que tem muito valor.
4º – Dá a conhecer o que se
passa no momento da morte; este fenômeno, até hoje insondável, não mais tem
mistérios; as menores particularidades dessa passagem tão temível são hoje conhecidas.
Ora, como todos morrem, este conhecimento interessa a todo o mundo.
5º – Pela lei da pluralidade das
existências, abre um novo campo à filosofia; o homem sabe de onde vem, para
onde vai e com que objetivo está na Terra. Explica a causa de todas as misérias
humanas, de todas as desigualdades sociais; dá as próprias leis da Natureza
como base dos princípios de solidariedade universal, de fraternidade, de
igualdade e de liberdade, que só se assentavam na teoria. Enfim, projeta luz
sobre as mais árduas questões da metafísica, da psicologia e da moral.
6º – Pela teoria dos fluidos
perispirituais, torna conhecido o mecanismo das sensações e das percepções da
alma; explica os fenômenos da dupla vista, da vista a distância, do sonambulismo,
do êxtase, dos sonhos, das visões, das aparições etc.; abre novo campo à
Fisiologia e à Patologia.
7º – Provando as relações
existentes entre o mundo corporal e o mundo espiritual, mostra neste último uma
das forças ativas da Natureza, um poder inteligente e dá a razão de uma porção
de efeitos atribuídos a causas sobrenaturais, e que alimentaram a maior parte
das ideias supersticiosas.
8º – Revelando o fato das
obsessões, faz conhecer a causa, até aqui desconhecida, das numerosas afecções,
sobre as quais a Ciência se havia enganado em prejuízo dos doentes, e dá os meios
de curá-los.
9º – Dando-nos a conhecer as
verdadeiras condições da prece e seu modo de ação; revelando-nos a influência
recíproca dos Espíritos encarnados e desencarnados, ensina-nos o poder do homem
sobre os Espíritos imperfeitos para moralizá-los e os arrancar aos sofrimentos
inerentes à sua inferioridade.
10º – Tornando conhecida a
magnetização espiritual, que era desconhecida, abre novo caminho ao magnetismo
e lhe traz um novo e poderoso elemento de cura.
O mérito de uma invenção não
está na descoberta de um princípio, quase sempre conhecido anteriormente, mas
na aplicação desse princípio. Sem dúvida a reencarnação não é uma ideia nova,
como o perispírito descrito por São Paulo sob o nome de corpo espiritual também
não o é, e nem mesmo a comunicação com os Espíritos. O Espiritismo, que não se
gaba de ter descoberto a Natureza, procura cuidadosamente todos os traços que
pode encontrar da anterioridade de suas ideias e, quando os encontra, apressa-se
em proclamá-lo, como prova em apoio ao que avança.
Aqueles, pois, que invocam essa
anterioridade visando depreciar o que ele faz, vão contra o seu objetivo e agem
desastradamente, porque isto levaria à suspeição de uma ideia preconcebida.
A descoberta da reencarnação e
do perispírito não pertence, pois, ao Espiritismo; é coisa resolvida. Mas, até
ele, que proveito a Ciência, a moral, a religião haviam tirado desses dois princípios,
ignorados pelas massas e ficados em estado de letra morta? Ele não só os expôs
à luz, os provou e faz reconhecer como leis da Natureza, mas os desenvolveu e
faz frutificar; deles já fez saírem numerosos e fecundos resultados, sem os
quais não se poderia compreender uma infinidade de coisas; diariamente ele nos faz
compreender outras novas e estamos longe de haver esgotado esta mina.
Considerando-se que esses dois princípios eram conhecidos, por que ficaram
improdutivos por tanto tempo? Por que, durante tantos séculos, todas as
filosofias se chocaram contra tantos problemas insolúveis? É que eram diamantes
brutos, que deviam ser lapidados. É o que faz o Espiritismo. Ele abriu uma nova
via à filosofia ou, melhor dizendo, criou uma nova filosofia, que diariamente
ocupa seu lugar no mundo. Então estes resultados são de tal modo nulos que
devemos apressar a marcha para descobertas mais verdadeiras e mais sólidas?
Em resumo, de um certo número de
verdades fundamentais, esboçadas por alguns cérebros de escol e conservadas, em
sua maioria, como que em estado latente, uma vez que foram estudadas,
elaboradas e provadas, de estéreis que eram tornaram-se uma mina fecunda, de
onde saíram uma multidão de princípios secundários e aplicações, e abriram um
vasto campo à exploração, novos horizontes à Ciência, à filosofia, à moral, à religião
e à economia social.
Tais são, até hoje, as
principais conquistas devidas ao Espiritismo, e não temos feito mais do que
indicar os pontos culminantes. Supondo que devessem limitar-se a isto, já nos poderíamos
dar por satisfeitos, e dizer que uma ciência nova, que dá tais resultados em
menos de dez anos, não pode ser acusada de nulidade, porque toca em todas as
questões vitais da Humanidade e traz aos conhecimentos humanos um contingente
que não é para desdenhar. Até que esses únicos pontos tenham recebido todas as aplicações
de que são susceptíveis, e que os homens os tenham aproveitado, ainda se
passará muito tempo, e os espíritas que os quiserem pôr em prática para si
próprios e para o bem de todos, não ficarão desocupados.
Esses pontos são outros tantos
focos de onde irradiarão inumeráveis verdades secundárias, que se trata de desenvolver
e aplicar, o que se faz todos os dias, porque diariamente se revelam fatos que
levantam uma nova ponta do véu.
O Espiritismo deu sucessivamente
e em alguns anos todas as bases fundamentais do novo edifício. Cabe agora aos
seus adeptos pôr em obra esses materiais, antes de pedir outros novos. Deus
saberá bem lhes fornecer, quando tiverem acabado sua tarefa.
Dizem que os espíritas só sabem
o á-bê-cê do Espiritismo. Seja. Que aprendamos, então, a silabar esse alfabeto,
o que não será o caso de um dia, porque, mesmo reduzido a estas proporções,
passará muito tempo antes de haver esgotado todas as cominações e colhido todos
os frutos. Não restam mais fatos a explicar? Aliás, os espíritas não devem
ensinar esse alfabeto aos que o ignoram? Já lançaram a semente em toda parte
onde poderiam fazê-lo? Não resta mais incrédulos a convencer, obsedados a
curar, consolações a dar, lágrimas a enxugar? Há fundamento em dizer que nada
mais se deve fazer quando não se terminou a tarefa, quando ainda restam tantas
chagas a fechar? São nobres ocupações que valem bem a vã satisfação de sabê-las
um tanto mais e um pouco mais cedo que os outros.
Saibamos, pois, soletrar o nosso
alfabeto antes de querer ler fluentemente no grande livro da Natureza. Deus
saberá bem no-lo abrir, à medida que avançarmos, mas não depende de nenhum
mortal forçar sua vontade, antecipando o tempo para cada coisa. Se a árvore da
Ciência é muito alta para que possamos atingi-la, esperemos, para sobrevoá-la,
que as nossas asas estejam crescidas e solidamente pregadas, para não virmos a
ter a sorte de Ícaro.
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