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dezembro de 1863 [publicado neste blog em 13/11/2018]
Em nosso artigo anterior,
descrevemos a triste situação dessa moça (Júlia) e as circunstâncias que nela
provavam uma verdadeira possessão. Sentimo-nos feliz ao confirmar o que
dissemos de sua cura, hoje completa. Depois de liberta de seu Espírito
obsessor, os violentos abalos que tinha sofrido durante mais de seis meses haviam
provocado grave perturbação em sua saúde. Agora está completamente recuperada,
mas não saiu do estado sonambúlico, o que não a impede de consagrar-se aos seus
trabalhos habituais.
Vamos expor as circunstâncias
dessa cura.
Várias pessoas haviam tentado
magnetizá-la, mas sem muito sucesso, salvo uma leve e passageira melhora no seu
estado patológico. Quanto ao Espírito, era cada vez mais tenaz, e as crises haviam
atingido um grau de violência dos mais inquietadores. Teria sido necessário um
magnetizador nas condições que indicamos no artigo precedente para os médiuns
curadores, isto é, penetrando a doente com um fluido bastante puro para
eliminar o fluido do Espírito mau. Se há um gênero de mediunidade que exige superioridade
moral é, seguramente, o caso das obsessões, pois é preciso ter o direito de
impor sua autoridade ao Espírito. Os casos de possessão, segundo o que é
anunciado, devem multiplicar-se com grande energia daqui a algum tempo, a fim
de que fique bem demonstrada a impotência dos meios empregados até agora para combatê-los.
Até uma circunstância, da qual não podemos ainda falar, mas que tem certa
analogia com o que se passou ao tempo do Cristo, contribuirá para desenvolver
essa espécie de epidemia demoníaca. Não é duvidoso que surjam médiuns especiais
com o poder de expulsar os Espíritos maus, como os apóstolos tinham o de
expulsar os demônios, seja porque Deus sempre põe o remédio ao lado do mal,
seja para dar aos incrédulos uma nova prova da existência dos Espíritos.
Para a senhorita Júlia, o magnetismo
simples, como em todos os casos análogos, por mais enérgico que fosse, era insuficiente.
Dever-se-ia agir simultaneamente sobre o Espírito obsessor, para dominá-lo, e
sobre o moral da doente, perturbada por todos esses abalos; o mal físico era
apenas consecutivo; era efeito, e não causa. Devia-se, pois, tratar a causa
antes do efeito.
Destruído o mal moral, o mal
físico desapareceria por si mesmo.
Mas para isto é preciso
identificar-se com a causa; estudar com o maior cuidado e em todos os seus
matizes o curso das ideias, para lhe imprimir tal ou qual direção mais
favorável, porque os sintomas variam conforme o grau de inteligência do
paciente, o caráter do Espírito e os motivos da obsessão, motivos cuja origem
remonta quase sempre a existências anteriores.
O insucesso do magnetismo com a
senhorita Júlia levou várias pessoas a tentar; neste número estava um jovem dotado
de grande força fluídica, mas que, infelizmente, não tinha qualquer experiência
e, sobretudo, os conhecimentos necessários em casos semelhantes. Ele se
atribuía um poder absoluto sobre os Espíritos inferiores que, em sua opinião,
não podiam resistir à sua vontade. Tal pretensão, levada ao excesso e baseada
em sua força pessoal e não na assistência dos Espíritos bons, deveria provocar-lhe
mais uma decepção. Só isto deveria ter bastado para mostrar aos amigos da
mocinha que faltava a primeira das qualidades requeridas para que o socorro lhe
fosse eficaz. Mas o que, acima de tudo, deveria tê-los esclarecido, é que ele
professava, sobre os Espíritos em geral, uma opinião completamente falsa.
Segundo ele, os Espíritos superiores são de natureza muito etérea para poderem vir
à Terra comunicar-se com os homens e os assistir; isto só é possível aos
Espíritos inferiores, em razão de sua natureza mais grosseira. Esta opinião,
que não passa da doutrina da comunicação exclusiva dos demônios, cometia ele o
grave erro de sustentá-la diante da enferma, mesmo nos momentos de crise. Com
esta maneira de ver, só devia contar consigo mesmo, e não podia invocar a única
assistência capaz de ajudá-lo, assistência que, é verdade, julgava poder
dispensar. A consequência mais deplorável era para a doente, que ele
desencorajava, tirando-lhe a esperança da assistência dos Espíritos bons. No
estado de debilidade em que se achava o seu cérebro, tal crença, que dava todo
poder ao Espírito obsessor, poderia tornar-se fatal para sua razão, e mesmo
matá-la.
Assim, ela repetia sem cessar,
nos momentos de crise: “Louca... louca...,
ele me põe louca... completamente louca... eu ainda não o sou, mas ficarei”.
Falando de seu magnetizador, ela descrevia perfeitamente sua ação, dizendo: “Ele me dá a força do corpo, mas não a força
do espírito”. Tal expressão era profundamente significativa e, no entanto,
ninguém lhe dava importância.
Quando vimos a senhorita Júlia,
o mal estava no seu apogeu e a crise que testemunhamos foi uma das mais
violentas.
Foi no próprio momento em que
nos dedicávamos a levantar-lhe o moral e inculcar-lhe o pensamento de que ela
podia dominar esse Espírito mau, com a assistência dos bons e de seu
anjo-da-guarda, cujo apoio devia invocar. Foi nesse momento, dizíamos, que o jovem
magnetizador, que se achava presente, por uma circunstância sem dúvida providencial,
veio, sem qualquer provocação, afirmar e desenvolver sua teoria, destruindo por
um lado o que fazíamos por outro. Tivemos de lhe expor com energia que
praticava uma má ação e assumia a terrível responsabilidade da razão e da vida daquela
infeliz mocinha.
Um fato dos mais singulares, que
todos tinham observado, mas cujas consequências ninguém havia deduzido, produzia-se
na magnetização. Quando se dava durante a luta com o Espírito mau, só este
último absorvia todo o fluido, que lhe conferia mais força, enquanto a doente
enfraquecia e sucumbia à sua ação nefasta. Devemos nos lembrar de que ela
estava sempre em estado sonambúlico; consequentemente, via o que se passava, e foi
ela mesma quem deu a explicação. Não viram no fato senão uma malícia do
Espírito e contentavam-se em se absterem de magnetizar em tais momentos e
ficarem como espectadores da luta.
Com o conhecimento da natureza
dos fluidos, é possível dar-se conta facilmente desse fenômeno. Antes de mais,
é evidente que, absorvendo o fluido para aumentar a força em detrimento da doente,
o Espírito queria convencer o magnetizador da inutilidade de sua pretensão. Se
havia malícia de sua parte, era contra o magnetizador, pois se servia da mesma
arma com a qual este último pretendia vencê-lo. Pode dizer-se que lhe tomava o
bastão das mãos. Não menos evidente era a sua facilidade de se apropriar do fluido
do magnetizador, denotando uma afinidade entre esse fluido e o seu próprio, ao
passo que fluidos de natureza contrária se teriam repelido, como água e óleo.
Só este fato bastaria para demonstrar que havia outras condições a preencher.
É, pois, um erro dos mais graves e, podemos dizer, dos mais funestos, não ver na
ação magnética senão uma simples emissão fluídica, sem levar em conta a
qualidade íntima dos fluidos. Na maioria dos casos, o sucesso repousa
inteiramente nestas qualidades, como o êxito depende, na terapêutica, da
qualidade do medicamento. Não seria demais chamar a atenção para este ponto
capital, demonstrado, ao mesmo tempo, pela lógica e pela experiência.
Para combater a influência da doutrina do magnetizador, que
já havia influenciado as ideias da doente, dissemos a esta:
‒ Minha filha, tende
confiança em Deus; olhai em volta. Não vede Espíritos bons?
– É verdade, diz
ela; vejo luminosos, que Fredegunda não
ousa encarar.
– Pois bem! são os que
vos protegem e não permitirão que o Espírito mau triunfe; implorai sua
assistência; orai com fervor; orai sobretudo por Fredegunda.
– Oh! Por ela jamais
o poderei.
– Cuidado! vede como
se afastam os Espíritos bons a estas palavras. Se quiserdes a sua proteção, é
preciso merecê-la por vossos bons sentimentos, esforçando-vos principalmente
para que sejais melhor que a vossa inimiga. Como quereis que eles vos defendam,
se não valeis mais que ela? Pensai que em outras existências tereis censura a
vos fazer; o que vos acontece é uma expiação; se quiserdes fazê-la cessar, será
preciso que melhoreis e proveis vossas boas intenções, começando por vos
mostrardes boa e caridosa para com os inimigos. A própria Fredegunda será
tocada e talvez faça o arrependimento entrar no seu coração. Refleti.
– Eu o farei.
– Fazei-o logo e
dizei comigo: ‘Meu Deus, eu perdoo a Fredegunda o mal que ela me fez; aceito-o
como uma prova e uma expiação que mereci. Perdoai minhas próprias faltas, como
eu perdoo as dela. E vós, Espíritos bons que me cercais, abri o seu coração a
melhores sentimentos e me dai a força que me falta.’ Prometeis orar por ela
todos os dias?
– Prometo.
– Está bem. Por meu
lado, cuidarei de vós e dela; tende confiança.
– Oh! Obrigado! algo
me diz que isto logo vai acabar.
Tendo dado conta dessa cena à Sociedade, foram transmitidas
a respeito as seguintes instruções:
“O assunto de que vos ocupais comoveu os próprios Espíritos
bons que, por sua vez, querem vir em auxílio desta moça com seus conselhos. Com
efeito, ela apresenta um caso de obsessão muito grave; entre os que vistes e
vereis ainda, pode-se pôr este no número dos mais sérios e, sobretudo, dos mais
interessantes, pelas particularidades instrutivas já apresentadas e que ele vos
oferecerá novamente.
Como já vos disse,
esses casos de obsessão se repetem frequentemente e fornecerão dois assuntos
distintos de utilidade, primeiro para vós, depois para os que as sofrerem.
Primeiro para vós,
porque, assim como vários eclesiásticos contribuíram poderosamente para
difundir o Espiritismo entre os que lhe eram completamente estranhos, também
esses obsedados, cujo número se tornará muito importante para que deles não se
ocupem de maneira superficial, mas ampla e profunda, abrirão bastante as portas
da Ciência para que a filosofia espírita possa com eles nela penetrar e ocupar,
entre gente de ciência e os médicos de todos os sistemas, o lugar a que tem
direito.
Depois para eles porque, no estado de
Espírito, antes de encarnar-se entre vós, eles aceitaram essa luta, que lhes
acarreta a possessão que sofrem, tendo em vista o seu adiantamento; e essa luta,
acreditai, faz sofrer cruelmente seu próprio Espírito que, quando seu corpo, de
certo modo, não é mais seu, tem a perfeita consciência do que se passa.
Conforme tiverem suportado essa prova, cuja duração lhes podereis abreviar
poderosamente por vossas preces, terão progredido mais ou menos. Porque, ficai certos,
a despeito dessa possessão, sempre momentânea, eles guardam suficiente
consciência de si mesmos para discernirem a causa e a natureza de sua obsessão.
Para esta que vos
ocupa, é necessário um conselho. As magnetizações que lhe faz suportar o
Espírito encarnado, de que falastes, lhe são funestas sob todos os aspectos.
Aquele Espírito é sistemático. E que sistema! Quem não reporta todas as suas
ações à maior glória de Deus e se envaidece das faculdades que lhe foram concedidas,
será sempre confundido; os presunçosos serão rebaixados, muitas vezes neste
mundo e, infalivelmente, no outro.
Cuidai, pois, meu
caro Kardec, para que essas magnetizações cessem completamente, ou os mais
graves inconvenientes resultarão de sua continuação, não só para a moça, mas
ainda para o imprudente, que pensa ter às suas ordens todos os Espíritos das trevas
e se lhes impor como chefe.
Digo que vereis
esses casos de possessão e de obsessão se desenvolverem durante um certo tempo,
porque são úteis ao progresso da Ciência e do Espiritismo. É por isso que os médicos
e os sábios enfim abrirão os olhos e aprenderão que há doenças cujas causas não
estão na matéria, não devendo, por isso, ser tratadas pela matéria. Esses casos
de possessão vão igualmente abrir ao magnetismo horizontes totalmente novos e
lhe fazer dar um grande passo à frente pelo estudo, até agora tão imperfeito,
dos fluidos. Auxiliado por esses novos conhecimentos e por sua íntima aliança
com o Espiritismo, ele obterá grandes coisas. Infelizmente, no magnetismo como
na Medicina, durante muito tempo ainda haverá homens que julgarão nada ter a
aprender. Essas obsessões frequentes terão, também, um lado muito bom, porque,
penetrado pela prece e pela força moral, é possível fazê-las cessar e adquirir
o direito de expulsar os Espíritos maus e, pelo melhoramento de sua conduta,
cada um buscará adquirir o direito que o Espírito de Verdade, que dirige este
globo, conferirá quando for merecido.
Tende fé e confiança
em Deus, que não permite que se sofra inutilmente e sem motivo.
Hahnemann (Médium: Sr. Albert)
Serei breve. Será
muito fácil curar essa infeliz possessa.
Os meios estavam
implicitamente contidos nas reflexões há pouco emitidas por Allan Kardec. Não
só é necessária uma ação material e moral, mas ainda uma ação puramente
espiritual. Ao Espírito encarnado que, como Júlia, se acha em estado de
possessão, é preciso um magnetizador experimentado e perfeitamente convicto da
verdade espírita. Além disso, é necessário que seja de uma moralidade
irrepreensível e sem presunção. Mas, para agir sobre o Espírito obsessor,
faz-se mister a ação não menos enérgica de um Espírito bom desencarnado. Assim,
pois, dupla ação: ação terrestre, ação extraterrestre; encarnado sobre
encarnado, desencarnado sobre desencarnado; eis a lei. Se até agora essa ação
não foi realizada, foi justamente para vos conduzir ao estudo e à experimentação
desta interessante questão. É por isto que Júlia não se livrou mais cedo: ela
devia servir para os vossos estudos.
Isto vos demonstra o
que, doravante, tereis de fazer, nos casos de possessão manifesta. É
indispensável chamar em vosso auxílio o concurso de um Espírito elevado,
desfrutando ao mesmo tempo de uma força moral e fluídica, como o excelente cura
d’Ars; e sabeis que podeis contar com a assistência desse digno e santo
Vianney. Quanto ao mais, nosso concurso é dado a todos os que nos chamarem em
auxílio, com pureza de coração e fé verdadeira.
Resumindo: Quando magnetizarem Júlia, será
preciso proceder, inicialmente, pela fervorosa evocação do cura d’Ars e de outros
Espíritos bons que se comunicam habitualmente entre vós, pedindo-lhes que atuem
contra os Espíritos maus que perseguem essa jovem, e que fugirão diante de suas
falanges luminosas.
Também não esquecer
que a prece coletiva tem uma força muito grande, quando feita por certo número
de pessoas agindo em acordo, com uma fé viva e um ardente desejo de aliviar.
Erasto (Médium: Sr. d’Ambel)
Estas instruções foram seguidas.
Vários membros da Sociedade se entenderam para agir pela prece nas condições requeridas.
Um ponto essencial era levar o Espírito obsessor a emendar-se, o que
necessariamente deveria facilitar a cura. Foi o que se fez, evocando-o e lhe
dando conselhos; ele prometeu não mais atormentar a senhorita Júlia e manteve a
palavra. Um dos nossos colegas foi especialmente encarregado por seu guia espiritual
de sua educação moral, com o que ficou satisfeito. Hoje esse Espírito trabalha
seriamente por sua melhoria e pede uma nova encarnação para expiar e reparar
suas faltas.
A importância do ensino, que
decorre desse fato e das observações a que deu lugar, a ninguém escapará e cada
um poderá nele haurir úteis instruções sobre a ocorrência. Uma observação essencial
que o fato permitiu constatar e que se compreende sem dificuldade, é a
influência do meio. É bem evidente que se o meio secunda por uma comunhão de
vistas, de intenção e de ação, o doente se acha numa espécie de atmosfera
homogênea de fluidos benfazejos, o que deve necessariamente facilitar e
apressar o sucesso. Mas se houver desacordo, oposição; se cada um quiser agir à
sua maneira, resultarão divergências, correntes contrárias que, forçosamente,
paralisarão e, por vezes, anularão os esforços tentados para a cura. Os
eflúvios fluídicos, que constituem a atmosfera moral, se forem maus, serão tão
funestos a certos indivíduos quanto as emanações das regiões pantanosas.