segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

JEAN BAPTISTE MASSILLON[1]




Sacerdote católico, nasceu em Hyères a 24 de junho de 1663.
Inicialmente foi encaminhado para a área do direito, revelando-se, contudo, sua vocação para o sacerdócio. Ordenou-se padre e como excelente orador, ensinou retórica em colégios do sul da França.
Foi em 1691 que se tornou famoso, após proceder a oração fúnebre do arcebispo de Vienne e dois anos depois do arcebispo de Lyon.
Foi para um mosteiro, objetivando ali viver. Mas, em 1696 foi chamado a Paris para dirigir o Seminário de Saint Magloire.
Foi pregador do Advento na corte em 1699 e das Quaresmas de 1701 e 1704, consolidando ainda mais sua fama de orador.
Em 1709 ele profere a oração fúnebre do príncipe de Conti, em 1711 a do Grande Delfim. Em 1714, a de Luís XIV.
Nomeado bispo de Clermont, em Auvergne, três anos depois, haveria de proferir célebres sermões perante Luís XV. Posteriormente, tais sermões seriam reunidos para compor a obra Pequena Quaresma.
Em 1719 a Academia Francesa o recebe. Daí, até o dia da sua morte, em Beauregard a 18 de setembro de 1742 ele não mais sairia de sua diocese.
Representante clássico do moralismo, seus sermões foram muito apreciados por Voltaire e outros iluministas, como modelos de estilo e pela ausência de religiosidade dogmática.
Em O Livro dos Médiuns, 2ª parte, cap. XXXI, item XXV, o Codificador inseriu uma comunicação de Massillon, assinalando-a como de caráter instrutivo e verdadeiramente sério.



À todos que me acompanharam durante este ano que está terminando,os meus sinceros votos de um ano de 2019  repleto de Amor, Paz, Fraternidade e Realizações.



sábado, 29 de dezembro de 2018

MORTE FÍSICA E DESENCARNE NÃO OCORREM SIMULTANEAMENTE[1]



Richard Simonetti

Basicamente o Espírito permanece ligado ao corpo enquanto são muito fortes nele as impressões da existência física.
Indivíduos materialistas, que fazem da jornada humana um fim em si, que não cogitam de objetivos superiores, que cultivam vícios e paixões, ficam retidos por mais tempo, até que a impregnação fluídica animalizada de que se revestem seja reduzida a níveis compatíveis com o desligamento.
Certamente os benfeitores espirituais podem fazê-lo de imediato, tão logo se dê o colapso do corpo. No entanto, não é aconselhável, porquanto o desencarnante teria dificuldades maiores para ajustar-se às realidades espirituais.
O que aparentemente sugere um castigo para o indivíduo que não viveu existência condizente com os princípios da moral e da virtude, é apenas manifestação de misericórdia. Não obstante o constrangimento e as sensações desagradáveis que venha a enfrentar, na contemplação de seus despojes carnais em decomposição, tal circunstância é menos traumatizante do que o desligamento extemporâneo.
Há, a respeito da morte, concepções totalmente distanciadas da realidade. Quando alguém morre fulminado por um enfarte violento, costuma-se dizer:
“Que morte maravilhosa! Não sofreu nada!”
No entanto, é uma morte indesejável.
Falecendo em plena vitalidade, salvo se altamente espiritualizado, ele terá problemas de desligamento e adaptação, pois serão muito fortes nele as impressões e interesses relacionados com a existência física.
Se a causa da morte é o câncer, após prolongados sofrimentos, em dores atrozes, com o paciente definhando lentamente, decompondo-se em vida, fala-se:
“Que morte horrível! Quanto sofrimento!”
Paradoxalmente, é uma boa morte.
Doença prolongada é tratamento de beleza para o Espírito
As dores físicas atuam como inestimável recurso terapêutico, ajudando-o a superar as ilusões do Mundo, além de depurá-lo como válvulas de escoamento das impurezas morais.
Destaque-se que o progressivo agravamento de sua condição torna o doente mais receptivo aos apelos da religião, aos benefícios da prece, às meditações sobre o destino humano.
Por isso, quando a morte chega, ele está preparado e até a espera, sem apegos, sem temores.
Algo semelhante ocorre com as pessoas que desencarnam em idade avançada, cumpridos os prazos concedidos pela Providência Divina, e que mantiveram um comportamento disciplinado e virtuoso. Nelas a vida física extingue-se mansamente, como uma vela que bruxuleia e apaga, inteiramente gasta, proporcionando-lhes um retomo tranquilo, sem maiores percalços.




[1] Quem tem medo da Morte – Richard Simonetti

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

NO CAMINHO DAS MUDANÇAS[1]





Freitas Nobre[2]

Tudo, naturalmente, possui seu início e um dia chega ao seu fim. Esta é a lei que vigora no Universo para as coisas que são temporárias. A eternidade, representada em Deus, ou a imortalidade expressada na vontade do espírito fazem parte desta lei maior, apenas é efêmero aquilo que não possui consistência, beleza, pureza, autenticidade, virtude.
No mundo da política, na organização da sociedade, nos fatos da vida, bem sabemos, tudo é regido pela temporalidade. Há início, crescimento e fim. Esta é a lei. O que fica é o conhecimento dos fatos, a expressão de sabedoria pelo aprendizado, a argúcia em evitar escolhas infelizes, o ciclo do ensino para o espírito.
A vivência de muitas eras na política, nesta última vida na terra e em outras mais, fez-me consciente que nem tudo está perdido quando se está num limite de tolerância no embate das forças.
Já vi governos fracassados darem a volta por cima e ganharem novamente o respeito popular. Já observei governos honrados se despedaçarem ao longo tempo pela perda de credibilidade. Já presenciei homens bem intencionados não conseguirem materializar as suas promessas. Já vi de tudo um pouco.
A atual crise brasileira, apesar das suas proporções gigantescas, haverá de passar, é natural. Pode demorar um ano, dois ou até mais, sucumbirá um dia, no entanto.
As lições do caminho é que serão importantes de serem tiradas porque um embate de forças deixa marcas e consequências. A irresponsabilidade de quem por ventura exerça o poder será, cedo ou tarde, descoberta e eliminada. Quando, porém, se está no olho do furacão imagina-se que aquilo dure uma “eternidade”.
Pois bem, vi outras crises no Brasil.
Vi golpes de Estado na era Vargas.
Vi golpes sucessivos da retomada democrática de 1946 até o último deles em 1964.
Todos eles trouxeram traumas. Sequelas que até hoje se ressentem em alguns aspectos da vida política e social brasileira.
A crise que aí está possui contornos diferentes. A hegemonia de um partido que se intitulava popular não poderia ser ancorada na descoberta generalizada de um ambiente de corrupção. Logo aquele partido que exigia o exemplo se transforma no principal protagonista do mal lavado.
O povo, com isso, sofre, porque representa a parte mais frágil do processo social e econômico. É logo ele que é chamado para pagar as contas do prejuízo causado em nome do Estado.
Ele que nada teve a ver passa a ser o objeto das consequências dos desmandos. Sim, é claro, ele votou nos que estão no poder, mas logicamente todos eles pensam no melhor. Desta vez, porém, errou.
O que fazer? Como sair da crise? Como estancar esta sangria?
Algo já está sendo feito: deixar que as instituições livres possam encontrar a razão de ser dos fatos e que, depois de apurados, encontradas provas de mau uso do dinheiro público seja feita a devida punição dos envolvidos.
Por outro lado, vê-se a falta de liderança onde se esperava o árbitro do desenvolvimento e da paz social.
Oportunistas, como de costume, ficam de plantão tentando obter vantagens do desgaste dos atores em questão.
O povo continua a sofrer neste ínterim.
Vou dizer algo que pode chocar, apesar das consequências desta minha opinião, optando do lado de cá da vida. É melhor tudo continuar como está.
Alguém, ou em coro, poderia afirmar: de onde vem este espírito governista? Que depoimento é este que nada ajuda? É mais uma invenção deste médium que não tem o que fazer?
Ora, o que defendo, aliás, o que se defende do lado de cá da vida é que não se deve retirar do povo a sua oportunidade de aprendizado. É neste momento de confusão, de sobrevivência política para muitos, que conhecemos a verdadeira face dos políticos de plantão. Conhece-se quem realmente cada um é.
Bem mais do que isso.
A indignação generalizada exigirá da classe política tomada de posições que, em dias de calmaria, jamais ocorreriam.
As mudanças institucionais ocorrerão pela pressão popular.
Tudo será repensado para que não haja convulsão social.
Tudo, portanto, representará sinal de ganho e aprendizado coletivo.
É lógico que há perdas neste processo, mas onde estará a lei da destruição aprendida pelos espíritas em seus compêndios? Para que serve ela? Por ventura, desejam um parto sem dor?
Tudo isto é necessário para que o conjunto social reflita e tome as decisões de mudança para se alcançar um patamar melhor na política, na economia, e na questão social.
Sejamos práticos. Por acaso, alguém acha que o mundo se transformará num estalar de dedos do Criador e que trauma algum haverá? Claro que não! É importante passar pela dor para não mais suportá-la. É assim que se aprende, todos sabem, no nível individual como no geral. É assim que os brasileiros aprenderão com tudo que aí está. Com perdas e ganhos, mas no final, certamente, com saldo positivo de mudanças.
Que cada um faça a sua parte.
Que cada comunidade promova os seus gestos de indignação e mudança.
Que sejamos construtores coletivos desta nova realidade.
É assim que o Brasil avançará no conjunto das nações.
Pagará seu preço, alto até, mas avançará. Mais firme e mais forte. Mais determinado e mais unido.
Que venham as mudanças e que Jesus nos abençoe nesta caminhada de encontro com o nosso destino de ser referência para o novo momento que passa a humanidade terrestre.

Firme com Jesus!


Texto recebido por Carlos Pereira em 15 de agosto de 2015.




[2]José de Freitas Nobre (Fortaleza, 24 de março de 1921 - São Paulo, 19 de novembro de 1990) foi um advogado, jornalista, professor e político brasileiro. Na década de 1970, foi eleito deputado federal pelo Movimento Democrático Brasileiro, pelo Estado de São Paulo. Tornou-se líder do partido na Câmara de Deputados e foi um dos políticos que, da tribuna, mais se opôs à ditadura militar. Foi também líder espírita, diretor do Folha Espírita. Era casado com Marlene Nobre.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

POMPAS DOS FUNERAIS[1]


Funeral de Nelson Mandela


Reprovais de maneira absoluta a pompa dos funerais?
Não; quando honra a memória de um homem de bem, é justa e um bom exemplo.
Questão 824 – Livro dos Espíritos

É de bom exemplo, quando a pompa do funeral visa a honrar a memória de um homem de bem. Quanto mais se vibra para a difusão do amor, mais a luz acende na Terra, em se fazendo fonte no coração humano. Entrementes, o homem de bem recomenda sempre que não deseja gastos sem importância para a alma, em seu funeral, indicando outra direção para os gastos, como seja com alimentos para os pobres, roupas para os nus e casa para os desabrigados.
As pompas devem se transformar em caridade onde a luz da beneficência é capaz de enxugar lágrimas e lembrar aos corações que existe a esperança. O próprio Evangelho nos diz que devemos deixar os mortos enterrarem os seus mortos.
O legado que o homem de bem deve deixar, é o de sua vida exemplar. O orgulho e o egoísmo fazem a separação das criaturas, mas o túmulo os reúne como sendo todos da mesma massa que a Terra dissolve e transforma em elementos indispensáveis à vida.
Jesus foi o enviado de Deus para mostrar à sociedade de todo o mundo que todos somos irmãos, filhos do mesmo Deus de Amor, deixando Seu Evangelho e nele os preceitos de modo a educar as criaturas, na certeza de que o céu se encontra nos corações, bastando às almas encontrá-lo.
Enquanto houver a disputa pelas coisas perecíveis e ilusórias do mundo, a cegueira se acentuará cada vez mais no que se refere aos valores espirituais. Porém, o tempo traz a maturidade pelos canais da dor, levando os Espíritos a acordarem para a realidade dos seus destinos.
Por enquanto, fora da dor não há entendimento. O homem, no estágio em que se encontra, cria dificuldades inúmeras para os pobres, que já carregam em seus ombros um peso muito grande. Mas Jesus, sabendo disso, fala aos seus corações, chamando-os bem-aventurados.
Entretanto, o Mestre não se esqueceu de advertir aos legisladores humanos, conforme registrado no Evangelho por Lucas, no capítulo três, versículo treze:
Respondeu-lhes: Não cobreis mais do que o estipulado.
Todavia, esses homens se fazem surdos pela força do egoísmo, mas os sofredores avançam, apesar de todo o peso dos chamados impostos e dízimos, com o Cristo de lado a animá-los na subida do calvário da vida, com a cruz das provações, porque Ele mesmo trilhou o caminho da dor, como exemplo de humildade, e ainda perdoou a todos os Seus ofensores. "Não cobreis mais do que o estipulado" pela consciência. Dizemos aos pobres, aos sofredores, que os tempos da seleção espiritual estão chegando e que somente terão a Terra como herança os escolhidos, que podem ser igualmente os ricos, dependendo do modo pelo qual procedem ante a sociedade.
As distinções humanas terminam no "campo santo", onde o Espírito sente e compreende que nem mesmo o corpo de carne lhe pertence. A bagagem de bens perecíveis fica com a Terra para que outros a usem e dela façam bom uso, para não acontecerem coisas piores no seu roteiro espiritual.
A natureza, que foi feita pelas mãos do Criador, não vai ouvir pedido dos homens. Ela arregimenta toda a sua força para cumprir leis estabelecidas por Deus, no empenho de mostrar a justiça se igualando em todas as criaturas. A reencarnação é lei divina em todos os mundos, pois é ela que educa o Espírito, destruindo igualmente o egoísmo e o orgulho de raça e de casta.
Bem-aventuradas as leis que transformam tudo, porque é na transformação que o amor domina e dirige os corações para a verdadeira fraternidade. O que esperamos é que as pompas dos funerais de todo o mundo se transformem, sob a inspiração do Cristo, em caridade ajustada no amor e na justiça.




[1] Filosofia Espírita – Volume 17 – João Nunes Maia

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Casos nos quais as aparições dos mortos são percebidas unicamente pelo moribundo e se referem a pessoas cujo falecimento era por ele conhecido[1]




São estes os modos de manifestação mais frequentes na casuística em questão; concebe-se que sejam também os menos interessantes, sob o ponto de vista científico.
Dado o estado muito vivo de excitação no qual se encontra, provavelmente, um moribundo que conserva a consciência de si próprio; dado, por consequência, o estado de hiperestesia dos centros corticais de ideação e as condições mais ou menos mórbidas de seu funcionamento; dada, enfim, a orientação inevitável do pensamento de um moribundo, que não pode deixar de voltar-se, com angústia suprema, para as pessoas caras e afastadas e para aqueles que o precederam no túmulo, facilmente se conceberá que tudo isso deva determinar, muito frequentemente, fenômenos de alucinação subjetiva.
Não obstante, porém, impõem-nos os métodos de pesquisas científicas notar que, nos casos de aparição de mortos nos leitos de agonizantes, encontramos uma circunstância que não pode ser facilmente esclarecida pela hipótese alucinatória: é que, se o pensamento, ardentemente voltado para as pessoas caras, fosse a causa determinante dos fenômenos, o moribundo, em lugar de experimentar exclusivamente formas alucinatórias representando defuntos – por vezes, mesmo, defuntos esquecidos pelo doente – deveria ser sujeito, as mais das vezes, a formas alucinatórias representando pessoas vivas às quais fosse vivamente ligado – o que não se produz.
Verifica-se, ao contrário, que não há exemplo de moribundos que percebam supostos fantasmas de vivos ou lhes dirijam a palavra da mesma maneira que às visões dos mortos. Só com estes se produzem os diálogos.
São bem conhecidos os casos de agonizantes que têm tido visões de fantasmas que se crê sejam de pessoas vivas; mas, nesses casos, verifica-se invariavelmente, em seguida, que essas pessoas tinham morrido pouco antes, posto que nenhum dos assistentes nem o próprio doente o soubessem.
É preciso reconhecer que essas considerações se revestem de alto valor indutivo, no sentido da interpretação espírita dos fatos, ainda que a demonstração experimental da legitimidade dessa explicação seja muito difícil, por causa da própria natureza dos fatos de que se trata. De qualquer modo, essas considerações contribuem para fazer melhor sobressair a oportunidade de uma nova análise mais atenta dos casos de que nos ocupamos.
Passo agora a expor um exemplo...:

Na vida do Rev. Dwight L. Moody, ardente propagandista evangélico, nos Estados Unidos, escrita por seu filho, encontra-se o seguinte relato dos seus últimos momentos:
“Ouviram-no, de repente, murmurar:
– A Terra se afasta, o céu se abre diante de mim; já lhe ultrapassei os limites; Deus me espera; Não me chamem; tudo isso é belo; dir-se-ia uma visão de êxtase. Se tal é a morte, como é doce!...
Reavivou-se-lhe o rosto e com alegre expressão de arrebatamento exclamou:
– Dwight! Irene! Vejo as crianças. (ele fazia alusão a dois de seus netos que estavam mortos)
Em seguida, voltando-se para a consorte, lhe disse:
– Tu foste sempre uma boa companheira para mim.
Depois destas palavras perdeu a consciência.




[1] Fenômenos Psíquicos no momento da Morte – Ernesto Bozzano

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

BILHETE A JESUS[1]





Espírito: IRMÃO X.

Senhor Jesus, enquanto a alegria do Natal acende luzes novas nos lares festivos, torno à velha Palestina, revendo, com os olhos da imaginação, a paisagem de tua vinda...
Roma estendiam fronteiras no Nilo, no Eufrates, no Reno, no Tamisa, no Danúbio, no Mar Morto, no Lago de Genezaré, nas areias do Saara. César “sossegava e protegia” os habitantes das zonas mais remotas, aliciando a simpatia dos príncipes regionais. Todos os deuses indígenas cediam a Júpiter, o dono do Olímpio, de que as águias dominadoras se faziam emissárias, tremulando no topo das galeras, cheias de senhores e de escravos.
Lembras-te, Senhor, de que se fazia uma grande estatística, por ordem de Augusto, o Divino? Otávio, cercado de assessores inteligentes, intensificava a centralização no mundo romano, reorganizando a administração na esfera dos serviços públicos. As circunscrições censitárias na Judéia enchiam-se de funcionários exigentes.
Cadastravam-se famílias, propriedades, indústrias. E José e Maria também se locomoveram, com os demais, para atender as determinações. A sensibilidade israelita poderia manter-se a distância do culto de César, resistindo ao incenso com que se marcava a passagem dos triunfadores, em púrpura sanguinolenta, mas a experiência judaica, estruturada em suor e lágrimas, não se esquivaria à obediência, perante os regulamentos políticos. As estalagens, no entanto, estavam repletas e não conseguiram lugar.
Em razão disso, a estrela gloriosa, que te assinalou a chegada não brilhou sobre templos ou residências de relevo. Apenas a manjedoura singela ofereceu-te conforto e guarida. Homens e mulheres faziam estatísticas minuciosas de haveres e interesses.
Se o governo imperial decretava o recenseamento para reajustar observações e tributos, os governados da província alinhavam medidas, imprimindo modificações aos quadros da vida comum, para se subtraírem, de alguma sorte, às exigências.
Permutavam-se cabras e camelos, terras e casas, reduzidos parques agrícolas e pequenas indústrias. Havia espaço mental para a meditação nas profecias? Para cumprir o dever religioso, não bastava comparecer ao Templo de Jerusalém, nos dias solenes, oferecer os sacrifícios prescritos e prosternar-se ante a oferenda sagrada, ao ressoar das trombetas? Razoável, portanto, examinar os melhores recursos e burlar as requisições do romano dominador. A fração do povo eleito, que se aglomerava na cidade de David, lia os textos sagrados, recitava salmos e tomava apressado conselho aos livros da sabedoria; entretanto, não considerava pecado matar o tempo em disputas e conversações infindáveis ou enganar o próximo com elegância possível.
Por essa razão, Senhor, quem gastaria alguns minutos para advogar proteção a Maria e José? Eles traziam a sinceridade dos que andam contigo, falavam de visitas de anjos, de vozes do céu, e o mundo palestinense estava absorvido no apego fanático aos bens imediatos. Comentavam-se, apaixonadamente, as listas e informações alusivas a rebanhos e fazendas. Às narrações do sonho de José ou da experiência de Zacarias, prefeririam noticiário referente à produção de farinha ou ao rendimento de pomares...
Todavia, para entregar à Humanidade a divina mensagem de que te fizeste o Depositário Fiel, não te feriste ao choque da indiferença. Começaste assim mesmo na manjedoura humilde; o apostolado de bênçãos eternas. O Evangelho iniciou a primeira página viva da revelação nova na estrebaria singela. A Natureza foi o primeiro marco de tua batalha, multissecular da luz contra as trevas.
E enquanto prossegues, conquistando, palmo a palmo, o espírito do mundo, os homens continuam fazendo estatísticas inumeráveis...
Aos censos de Otávio, seguiram-se os de Tibério, aos Tibério sucederam-se arrolamentos de outros dominadores. Depois do poderio romano fragmentado, outras organizações autoritárias apareceram não menos tirânicas. Dilataram-se os serviços censitários, em toda a parte.
As nações modernas não fazem outra coisa além da extensão do poder, melhorando a estatística que lhes diz respeito.
Inventariavam-se, na antiga Judéia, ovelhas e jumentos, camelos e bois. Hoje, porém, Jesus, o arrolamento é muito mais importante. Com o aperfeiçoamento da guerra, o censo é vital nas decisões administrativas. Antes da carnificina, arregimentam-se estatísticas de canhões, tanques e navios, aviões, metralhadoras e fuzis. Enumeram-se homens por cabeça, no serviço preparatório dos massacres e, em seguida, anotam-se feridos e mutilados. Isso, nas vanguardas de sangue, porque na retaguarda, o inventário dos grandes e pequenos negócios é talvez mais ativo. Há corridas de armamentos e bancos, valorização e desvalorização de bens móveis e imóveis, câmbio claro e câmbio escuro, concorrência leal e desleal, mercado honesto e clandestino, tudo de acordo com as estatísticas prévias que autorizam providências administrativas e regem o mecanismo da troca.
Nós sabemos que não condenas o ato de contar. Aconselhaste-nos nesse sentido, recomendando que ninguém deve abalançar-se a qualquer construção, antes de contas rigorosas, a fim de que a obra não permaneça inacabada. Entretanto, estamos entediados de tanto recenseamento para a morte, porque, em verdade, nunca esteve a casa dos homens tão rica e tão pobre, tão faiscante de esplendores e tão mergulhada nas trevas, tão venturosa e tão infeliz, como agora.
Desejávamos, Mestre, arrolar as edificações da fé, os serviços da esperança, os valores da caridade; contudo, somos ainda muito poucos no setor de interesse pelos sonhos reveladores e pelas vozes do céu. Apesar disso, sabemos que os homens, fanatizados pela estatística das formas perecíveis, examinam os gráficos, de olhos preocupados, mas erguem corações ao alto, amargurados e tristes, movimentam-se entre tabelas e números, mas torturados pela sede de infinito...
Quem sabe, Senhor, poderias voltar, consolidando a tua glória, como fizeste há quase vinte séculos? Entretanto, não nos atrevemos ao convite direto. As estalagens do mundo estão ainda repletas de gente negociando bens transitórios e melhorando o inventário das posses exteriores. Os governos estão empenhados em orçamentos e tributos. Os crentes pousam olhos apressados em teu Evangelho de Redenção e repetem fórmulas verbais, como os judeus de outro tempo, que mastigavam a Lei sem digeri-la. Quase certo que não encontrarias lugar, entre as criaturas. E não desejamos que regresses, de novo, para nascer num estábulo, trabalhar à beira das águas, ministrar a revelação em casas e barcas de empréstimo e morrer flagelado na cruz.
Trabalharemos para que a tua glória brilhe entre os homens, para que a tua luz se faça nas consciências, porque, em verdade, Senhor, que adiantaria o teu retorno se a estatística das coisas santas não oferece a menor garantia de vitória próxima? Como insistir pela tua volta pessoal e direta se na esfera dos homens ainda não existe lugar onde possas nascer, trabalhar e morrer?




[1] Antologia Mediúnica do Natal – “Bilhete a Jesus” – Francisco C. Xavier

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

JEAN-BAPTISTE-HENRI LACORDAIRE[1]





Em junho de 1853, quando as mesas girantes e falantes agitavam os salões da Europa, depois de terem assombrado a América, em missiva a Mme. Swetchine, datada de Flavigny, ele escreveu:
Vistes girar e ouvistes falar das mesas? - Desdenhei vê-las girar, como uma coisa muito simples, mas ouvi e fiz falar.
Elas me disseram coisas muito admiráveis sobre o passado e o presente. Por mais extraordinário que isto seja, é para um cristão que acredita nos Espíritos um fenômeno muito vulgar e muito pobre. Em todos os tempos houve modos mais ou menos bizarros para se comunicar com os Espíritos; apenas outrora se fazia mistério desses processos, como se fazia mistério da química; a justiça por meio de execuções terríveis, enterrava essas estranhas práticas na sombra.
Hoje, graças à liberdade dos cultos e à publicidade universal, o que era um segredo tornou-se uma fórmula popular. Talvez, também, por essa divulgação Deus queira proporcionar o desenvolvimento das forças espirituais ao desenvolvimento das forças materiais, para que o homem não esqueça, em presença das maravilhas da mecânica, que há dois mundos incluídos um no outro: o mundo dos corpos e o mundo dos espíritos.

O missivista era Jean-Baptiste-Henri Lacordaire, nascido em 12 de maio de 1802, numa cidade francesa perto de Dijon.
A despeito de seus pais serem religiosos fervorosos, o jovem Lacordaire permaneceu ateu até que uma profunda experiência religiosa o levou a abraçar a carreira de advogado, na Teologia.
Completando os estudos no Seminário, na qualidade de professor pôde constatar o relativo descaso dos seus estudantes pela religião. No intuito de despertar a afeição pública para a Igreja, como colaborador do jornal L'Avenir, passou a lutar pela liberdade daquela da assistência e proteção do Estado.
Vigário da famosa Catedral de Notre-Dame, em Paris, a força da sua oratória atraía milhares de leigos para o culto.
Em 1839 entrou para a Ordem Dominicana na França, trabalhando pela sua restauração, desde que a Revolução Francesa a tinha largamente subvertido.
Discípulo de Lamennais, preocupou-se em afirmar que a união da liberdade e do Cristianismo seria a única possibilidade de salvação do futuro. Cristianismo, por poder dar à liberdade a sua real dimensão e a liberdade, por poder dar ao Cristianismo os meios de influência necessários para isto. Insistia que o Estado devia cercear seu controle sobre a educação, a imprensa, e trabalho de maneira a permitir ao Cristianismo florescer efetivamente dentro dessas áreas.
Foi Membro da Academia Francesa e o Codificador inseriu artigo a seu respeito na Revista Espírita de fevereiro de 1867, seis anos após a sua desencarnação, que se deu em 21 de novembro de 1861. Nele, reproduz extrato da correspondência que inicia o presente artigo, comentando:
Sua opinião sobre a existência e a manifestação dos Espíritos é categórica. Ora, como ele é tido, geralmente, por todo o mundo, como uma das altas inteligências do século, parece difícil colocá-lo entre os loucos, depois de o haver aplaudido como homem de grande senso e progresso. Pode, pois, ter-se senso comum e crer nos Espíritos.

Em sessão realizada na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas em 18 de janeiro daquele ano, o médium "escrevente habitual" Morin, descreveu a presença do espírito do padre Lacordaire, como "um Espírito de grande reputação terrena, elevado na escala intelectual dos mundos (...) Espírita antes do Espiritismo (...)" e concluiu:
Ele pede uma coisa, não por orgulho, por um interesse pessoal qualquer, mas no interesse de todos e para o bem da doutrina: a inserção na Revista do que escreveu há treze anos. Diz que se pede tal inserção é por dois motivos: o primeiro porque mostrareis ao mundo, como dizeis, que se pode não ser tolo e crer nos Espíritos. O segundo é que a publicação dessa primeira citação fará descobrir em seus escritos outras passagens que serão assinaladas, como concordes com os princípios do Espiritismo.

Mas ele mesmo, Lacordaire, retornou de Além-Túmulo, para emprestar à obra da Codificação a sua inestimável e talentosa contribuição.
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo encontramos 3 mensagens, ditadas no Havre e Constantina, todas datadas do ano de 1863, discorrendo sobre "O bem e mal sofrer" - cap. V, item 18; "O orgulho e a humildade" - cap. VII, item 11 e "Desprendimento dos bens terrenos" - cap. XVI, item 14.

sábado, 22 de dezembro de 2018

CRUELDADE HUMANA[1]


Fome na África

O famoso escritor francês Voltaire disse, certa vez, que são necessários vinte anos para levar o homem do estado de planta em que se encontra no ventre de sua mãe e do estado de puro animal, que é a condição de sua primeira infância, até o estado em que começa a se manifestar com a maturidade da razão.
Disse ainda que foram necessários trinta séculos para conhecer um pouco a sua estrutura e que seria necessária à própria eternidade, para conhecer algo de sua alma. No entanto, não é preciso senão um instante para matá-lo.
Naturalmente, Voltaire se referia à morte do corpo.
Sempre com maior intensidade se tem notado o desprezo à preciosa vida humana.
Todos os dias nos chegam as notícias de guerras, de massacres, de barbáries.
Em nome do poder, da posse de riquezas, que se pode usufruir somente nesse curto período de tempo em que nos encontramos sobre o planeta, as pessoas matam umas às outras.
No século XIX, quando o Codificador da Doutrina Espírita trabalhava para a produção da obra O livro dos Espíritos, indagou às vozes celestes o porquê da crueldade ser o caráter dominante de alguns povos.
A resposta dos luminares foi que entre os povos primitivos a matéria sobrepuja o Espírito.
Eles se entregam aos instintos animais e como não têm outras necessidades além das corpóreas cuidam apenas da sua conservação pessoal.
É isso que geralmente os torna cruéis. Além disso, os povos de desenvolvimento imperfeito estão sob a influência de Espíritos igualmente imperfeitos que lhes são simpáticos.
Consequentemente, agem sob o comando deles.
Tomando ciência disso, nos analisamos e concluímos que muitos nos enquadramos nessas descrições. Ainda temos ditadores no mundo, que subjugam o povo e o maltratam, exigindo dele uma quase adoração.
E mostram sua crueldade para todos aqueles que não os homenageiam quando passam pelas ruas, ou ousam dizer uma mínima palavra contra o que fazem ou o que pregam.
Mesmo em civilizações mais adiantadas, existem criaturas tão cruéis como os selvagens, da mesma maneira que numa árvore carregada de bons frutos existem os temporãos. São lobos extraviados em meio a cordeiros.
Como a lei é de progresso, guardamos a certeza de que a Humanidade progride. Essas criaturas, dominadas pelo instinto do mal, que se encontram entre os homens de bem, desaparecerão pouco a pouco como o mau grão é separado do bom quando joeirado.
Necessitarão retornar e retornar, em novos corpos, para o exercício do aperfeiçoamento, para que adquiram qualidades novas.
A todos nós, educadores, pais e professores cabe o dever inadiável de estimular os sentimentos nobres nas gerações, através de exemplos dignificantes, onde a vida seja considerada bem precioso demais para ser desprezado ou destruído, em nome de qualquer bandeira política, religiosa ou de caráter particular.
* * *
Todas as faculdades existem no homem em estado latente.
Elas se desenvolvem de acordo com as circunstâncias mais ou menos favoráveis.
Assim, o senso moral existe no selvagem, no que hoje se apresenta como mau e cruel, como o princípio do aroma no botão de uma flor que ainda não se abriu.
Trabalhemos para que ele desabroche o quanto antes, em nós, em cada ser humano.




[1] Redação do Momento Espírita, com base nas pergs. 752 a 756 de O livro dos Espíritos, de Allan Kardec, ed. FEB e em pensamentos de Voltaire, colhidos no livro “Um presente especial”, de Roger Patrón Luján, ed. Aquariana

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

DOS EQUÍVOCOS E DAS DISTORÇÕES DOUTRINÁRIAS[1]




Orson Peter Carrara

A falta de estudo da Doutrina Espírita, a ausência do uso da razão e do bom senso e também o isolamento dos grupos (fechando-se em si mesmos) são os responsáveis pelos absurdos que se cometem em nome da Doutrina e seu movimento. E isto fica por conta de quem pratica, pois o Espiritismo não pode ser responsabilizado por aqueles que não raciocinam no que fazem.
São muitos os exemplos, alguns citados em livros, jornais e revistas, por articulistas e autores diversos, todos respeitáveis e conhecidos na atividade espírita, os quais permito-me citar uns ou outros (os exemplos) para desenvolvimento do presente artigo.
Enquadram-se nesses equívocos:

a.      Obrigatoriedade de passe em todo e qualquer comparecimento ao Centro Espírita;
b.      Toda pessoa que chega perturbada ao Centro Espírita é médium;
c.       Os médiuns são seres elevados e extraordinários;
d.      Os oradores e expositores são seres infalíveis – “falou tá falado”;
e.       Médium experiente não precisa estudar;
f.        Não se deve bater palmas ao final de palestras para não dispersar fluidos;
g.      Casamento, batizado, uso de gestos e imagens, roupas especiais, cromoterapia, cristais, tvp, pirâmides etc., no Centro Espírita;
h.      As mãos dadas formam correntes de proteção;
i.        Comemoração de Páscoa e Semana Santa no Centro Espírita;
j.        Para recarregar energias, o aplicador de passes deve encostar a cabeça na parede após a tarefa;
k.      Mulheres não devem entrar de saia no centro;
l.        Homens e mulheres devem sentar-se em fileiras separadas no ambiente do centro;
m.    Reencarnação serve para pagar dívidas;
n.      Os espíritos comunicantes sabem tudo;
o.      Determinado Centro Espírita é forte, o outro é fraco;
p.      Uso de expressões, como mesa branca, baixo espiritismo, encosto e muitos outros absurdos como aqueles das correntes no chão e das garrafas em prateleiras, para prender os espíritos obsessores ou da mesa de concreto que suporte os murros dos médiuns indisciplinados.

Ora, o Espiritismo é profundamente racional. O espírita precisa sempre saber por que faz determinada prática. Pensar no que faz e analisar se está dentro do bom senso, da razão e, principalmente, se há coerência no que se pratica e o que a Doutrina ensina.
Com objetivos tão elevados e fundamentos tão racionais, como poderia o Espiritismo ver em casas que se dizem espíritas, práticas tão distantes de sua orientação? Só a falta do estudo doutrinário pode responder por esses absurdos que comportariam, em muitos casos, diversas argumentações e comentários sobre sua nulidade e incoerência. E também se caracterizam como prática distante do dinamismo da Doutrina, o espírita desanimado, o Centro distante e isolado do estudo e da divulgação – preocupado apenas com a prática mediúnica; a Casa Espírita isolada do movimento – que traz o entusiasmo e renova; também o expositor que transmite aos ouvintes a ideia de um Espiritismo de tristeza, dor ou sofrimento, e finalmente o espírita que não estuda. Como aceitar também aquelas reuniões sem nenhuma motivação, onde um lê e todos ouvem – ou dormem, criando a figura do “espírita de banco” (aquele que entra, senta, ouve e vai embora)? Ou a presença no Centro como se fosse uma obrigação penosa, sem alegria?
Espiritismo é alegria, é vida! É trabalho vibrante, com harmonia, coerência, união... Daí a necessidade do estudo individual, estudo em grupo, união de forças entre os trabalhadores da mesma casa e entre as casas da cidade e região. Isto traz entusiasmo, revitaliza o movimento e afasta os equívocos. A troca de experiências é algo muito positivo, que não devemos temer. O espírita esclarecido é dedicado à causa, sempre estuda, melhora-se gradualmente e trabalha sempre, confiando em Deus – mas usando sua própria razão.
Essas questões precisam ser discutidas para aparelharmos melhor nossas casas, tornando-as colmeias de trabalho, união e amor, para que não se distanciem dos objetivos que nortearam sua fundação.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

ÚLTIMO ATO DE ORGULHO[1]


Túmulos de traficantes mexicanos têm sala de estar, ar condicionado e até vidro à prova de balas. 

Miramez


‒ De onde vem o desejo de se perpetuar a memória pelos monumentos fúnebres?
Último ato de orgulho.
‒ Mas a suntuosidade dos monumentos fúnebres, frequentemente, não é determinada pelos parentes que desejam honrar a memória do falecido e não pelo próprio falecido?
Orgulho dos parentes que querem se glorificar a si mesmos. Oh! Sim, não é sempre pelo morto que se fazem todas essas demonstrações: é por amor-próprio e pelo mundo, e para ostentar sua riqueza. Crês que a lembrança de um ser querido seja menos durável no coração do pobre porque ele não pode colocar senão uma flor sobre sua tumba? Crês que o mármore salva do esquecimento aquele que foi inútil sobre a Terra?
Questão 823 ‒ Livro dos Espíritos

Os monumentos erigidos nas sepulturas dos poderosos da Terra são impulsionados pelo orgulho e pela vaidade, para mostrar à sociedade que a família do morto é poderosa no domínio do ouro.
O homem, muitas vezes, ainda a caminho da morte, já sente a desilusão dos bens materiais, não se interessando por essa ostentação.
O pobre, neste sentido, é bem mais ajustado, por não sofrer essa perturbação dos que ficaram.
Nós temos a dizer que somente levamos para o mundo espiritual o que somos. Felizes daqueles que começaram na Terra a sua reforma de sentimentos, que despertaram para Jesus, nos caminhos do amor e da caridade, os valores do Espírito. Não é preciso ser rico para encher o celeiro do coração; é ter somente boa vontade. O Mestre não tinha onde reclinar a cabeça, entretanto, foi o mais rico de todos os homens, na condição de Filho de Deus, igual a todos os homens.
Os grandes monumentos de pedra erigidos nos "campos santos", poderiam ser transformados pelas famílias ricas, antes da sua feitura, em casas para os que se encontram ao relento. Feito em nome do morto, esse gesto seria um alívio para a sua consciência, como também para os que ficaram. O custo de um túmulo corresponde à alimentação que poderia ser oferecida a muitos famintos, assim como muitos outros gastos inconvenientes que se fazem na Terra, por orgulho e vaidade, por ignorância e prepotência. O orgulho dos parentes atinge o desejo de glorificar a si mesmos, pouco pensando no bem-estar de quem já foi para o outro mundo.
O homem de bem não precisa buscar a sua própria glória; ela vem, por lei, em busca dele.
Vejamos o que João anotou no capítulo oito, versículo cinquenta: Eu não procuro a minha própria glória; há quem a busque e julgue.
Os poderosos da Terra não desconfiaram de que as glórias do mundo são incômodas e passageiras, que não correspondem às necessidades do coração. O sábio nunca procura se mostrar, mesmo fazendo o bem à sociedade, por saber que todos os feitos, bons e maus, serão revelados pela própria natureza por ordem da lei, que nada deixa em segredo que não venha a ser revelado. O orgulho e o egoísmo são tão fortes e poderosos que acompanham quem os possui mesmo depois do túmulo, envolvendo o Espírito nas suas sugestões inferiores e levando-o a sofrer todos os tipos de torturas que eles possam imprimir em sua consciência.
É por isso que a reencarnação é uma bênção de Deus, pois ela nos dá oportunidade de nos desfazermos destes dois monstros que devoram as oportunidades dos seres humanos e prendem os Espíritos, mesmo no mundo espiritual, em situações difíceis de se libertarem.
Sabemos que nem sempre é pelo morto que os familiares fazem essas demonstrações para que a sociedade veja e, sim, para alimentar o orgulho de família na posição em que se encontram. Infelizes desses homens que ignoram seus destinos. Entretanto, o tempo os educará. Eles morrerão e também ficarão conhecendo a verdade que os libertará dessa ignorância.
Os tempos estão chegando, para o bem da humanidade. Que seja por meios violentos, porém a natureza fará as criaturas despertarem para os valores da alma, tendo o Evangelho de Jesus como fonte da vida, por ordem de Deus.




[1] Filosofia Espírita – Volume 17 – João Nunes Maia

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Casos nos quais os familiares do moribundo são os únicos a perceberem os fantasmas de defuntos[1]




Ernesto Bozzano

O publicista inglês muito conhecido, William Stead, diretor da Review of Reviews, em sua obra intitulada Real Ghost Stories, conta o seguinte episódio:
Termino o capítulo pela exposição de uma das manifestações de fantasmas, a mais detalhada que se produziu nos tempos modernos. É também a única manifestação aqui contada que ilustra a crença consoladora de que os Espíritos das pessoas que nos são caras vêm receber-nos no leito de morte, para servir-nos de guias na existência espiritual.
Durante o verão de 1880, 14 oficiais do 5º Regimento de Lanceiros estavam sentados, conversando na sala de refeições do quartel de cavalaria, em Aldershot.
Eram cerca de 7 horas da noite e eles tinham vindo de marchar, quando viram entrar na sala uma senhora vestida com uma roupa de seda branca, tendo longo véu de casada sobre o rosto. Ela parou, por momentos, em frente à mesa, depois dirigiu-se para a cozinha, onde entrou.
Caminhava com passo rápido, mas os cinco oficiais, colocados à cabeceira da mesa, a viram todos.
Nenhum deles duvidou um só instante que fosse uma senhora de carne e osso, aparecida ali não se sabia por que acaso.
O Capitão Norton, Ajudante-de-campo, levantou-se de salto e, correndo à cozinha, perguntou ao sargento onde estava a senhora que tinha entrado naquele momento.
– Ninguém entrou na cozinha – respondeu o sargento, asserção que o cozinheiro e ajudantes foram unânimes em apoiar.
Quando o Capitão Norton contou a seus colegas a assombrosa narrativa, travou-se entre todos animada discussão e acabaram por concluir que se devia tratar de um fantasma. Discutiram também acerca dos trajes da aparição; os que a viram foram acordes em afirmar que ela era bela, morena, exprimindo-se-lhe no rosto grande tristeza.
O Coronel Vandeleur, que não a tinha visto, ouvindo a descrição dos traços do fantasma, observou:
– Mas é a mulher do veterinário X., morta na Índia.
O oficial que ele nomeava estava nessa ocasião, ou pelo menos assim o supunham, em licença, por motivo de moléstia.
Em todo o caso, mesmo que o fantasma aparecido tivesse sido o de sua mulher, não se sabia por que razão se tinha manifestado na sala de refeições, por essa forma estranha.
Veio ter-se notícia, entretanto, que o referido oficial veterinário havia voltado da licença na tarde do mesmo dia, sem que seus colegas o soubessem, posto que tivesse ainda à sua disposição muitos dias de folga.
Também se soube que ele subira a seu quarto, situado acima da cozinha, e tocara a campainha para chamar a ordenança, acusando mal-estar e pedindo que lhe trouxessem aguardente com soda.
Na manhã seguinte, por volta de 8:30, a ordenança subiu ao quarto do oficial e o encontrou morto na cama.
O Capitão Norton, na qualidade de Ajudante-de-campo, entrou no quarto para proceder ao inventário dos bens deixados pelo defunto e apor os selos. E o primeiro objeto que lhe caiu sob as vistas foi a fotografia da senhora, que ele tinha visto na tarde precedente e com as mesmas vestes.
Eis os nomes dos oficiais que perceberam a aparição: Capitão Norton, Ajudante-de-campo. Capitão Aubrey Fife, do Clube Militar e Naval; Capitão Benion, do mesmo clube; o médico do Regimento (nome esquecido); o Lugar-Tenente Jack Russel, redator do Sporting Times, sob o pseudônimo de Brer Babbit.

O lado particularmente importante deste episódio é o do fantasma desconhecido aos percipientes e em seguida identificado por uma fotografia, lado que daria, em aparência, ao fato o valor de autêntica identificação espírita. E nada impede que o seja, com efeito.
Não se pode negar, entretanto, que do ponto de vista científico, a hipótese telepática estaria ainda em condições de explicar o fenômeno. Com efeito, se se levar em conta que, no andar superior e precisamente acima da cozinha onde entrara a aparição, achava-se o marido da defunta que os oficiais viram, é permitido supor que essa aparição pudesse ser uma alucinação telepática, causada por seu pensamento, e nesse momento elevado à morta querida.
Isso posto, é preciso notar, para a correção científica na exposição das hipóteses, que o acontecimento se realizou na iminência da morte do marido da defunta, de sorte que este acontecimento tomaria um caráter de prenúncio de morte iminente e visita de falecido no leito mortuário, duas circunstâncias muito impressivas e que não podemos deixar de ter em consideração. Se a aparição se tivesse produzido na proximidade do marido da defunta, mas sem a circunstância da morte deste último, a explicação puramente telepática do acontecimento seria mais verossímil; e se não propendo para ela, mesmo nestas circunstâncias, é por causa das razões seguintes (admissíveis para toda classe de manifestações das de que nos ocupamos): em 1º lugar, porque as alucinações telepáticas entre vivos se realizam geralmente entre pessoas efetivamente ligadas entre si, condição essencial para que a relação psíquica entre o agente e o percipiente possa estabelecer-se e esse laço efetivo falta no episódio exposto; em 2º lugar, porque – salvo raras exceções que não infirmam a regra –, nas manifestações telepáticas entre vivos o agente transmite ao percipiente o fantasma alucinatório de si mesmo e não o de terceiras pessoas, nas quais pense por acaso; isto é, se se tratasse de telepatia, os camaradas do moribundo deveriam ter percebido o fantasma deste último e não o de sua defunta mulher.
Tendo em conta, por conseguinte, essas circunstâncias que contradizem a explicação telepática do acontecimento, a espírita adquire grandes probabilidades de ser a explicação verdadeira e autêntica.




[1] Fenômenos Psíquicos no momento da Morte – Caso 52 - Ernesto Bozzano

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Um Caso de Possessão - 2[1]




Ver o número de dezembro de 1863 [publicado neste blog em 13/11/2018]

Em nosso artigo anterior, descrevemos a triste situação dessa moça (Júlia) e as circunstâncias que nela provavam uma verdadeira possessão. Sentimo-nos feliz ao confirmar o que dissemos de sua cura, hoje completa. Depois de liberta de seu Espírito obsessor, os violentos abalos que tinha sofrido durante mais de seis meses haviam provocado grave perturbação em sua saúde. Agora está completamente recuperada, mas não saiu do estado sonambúlico, o que não a impede de consagrar-se aos seus trabalhos habituais.
Vamos expor as circunstâncias dessa cura.
Várias pessoas haviam tentado magnetizá-la, mas sem muito sucesso, salvo uma leve e passageira melhora no seu estado patológico. Quanto ao Espírito, era cada vez mais tenaz, e as crises haviam atingido um grau de violência dos mais inquietadores. Teria sido necessário um magnetizador nas condições que indicamos no artigo precedente para os médiuns curadores, isto é, penetrando a doente com um fluido bastante puro para eliminar o fluido do Espírito mau. Se há um gênero de mediunidade que exige superioridade moral é, seguramente, o caso das obsessões, pois é preciso ter o direito de impor sua autoridade ao Espírito. Os casos de possessão, segundo o que é anunciado, devem multiplicar-se com grande energia daqui a algum tempo, a fim de que fique bem demonstrada a impotência dos meios empregados até agora para combatê-los. Até uma circunstância, da qual não podemos ainda falar, mas que tem certa analogia com o que se passou ao tempo do Cristo, contribuirá para desenvolver essa espécie de epidemia demoníaca. Não é duvidoso que surjam médiuns especiais com o poder de expulsar os Espíritos maus, como os apóstolos tinham o de expulsar os demônios, seja porque Deus sempre põe o remédio ao lado do mal, seja para dar aos incrédulos uma nova prova da existência dos Espíritos.
Para a senhorita Júlia, o magnetismo simples, como em todos os casos análogos, por mais enérgico que fosse, era insuficiente. Dever-se-ia agir simultaneamente sobre o Espírito obsessor, para dominá-lo, e sobre o moral da doente, perturbada por todos esses abalos; o mal físico era apenas consecutivo; era efeito, e não causa. Devia-se, pois, tratar a causa antes do efeito.
Destruído o mal moral, o mal físico desapareceria por si mesmo.
Mas para isto é preciso identificar-se com a causa; estudar com o maior cuidado e em todos os seus matizes o curso das ideias, para lhe imprimir tal ou qual direção mais favorável, porque os sintomas variam conforme o grau de inteligência do paciente, o caráter do Espírito e os motivos da obsessão, motivos cuja origem remonta quase sempre a existências anteriores.
O insucesso do magnetismo com a senhorita Júlia levou várias pessoas a tentar; neste número estava um jovem dotado de grande força fluídica, mas que, infelizmente, não tinha qualquer experiência e, sobretudo, os conhecimentos necessários em casos semelhantes. Ele se atribuía um poder absoluto sobre os Espíritos inferiores que, em sua opinião, não podiam resistir à sua vontade. Tal pretensão, levada ao excesso e baseada em sua força pessoal e não na assistência dos Espíritos bons, deveria provocar-lhe mais uma decepção. Só isto deveria ter bastado para mostrar aos amigos da mocinha que faltava a primeira das qualidades requeridas para que o socorro lhe fosse eficaz. Mas o que, acima de tudo, deveria tê-los esclarecido, é que ele professava, sobre os Espíritos em geral, uma opinião completamente falsa. Segundo ele, os Espíritos superiores são de natureza muito etérea para poderem vir à Terra comunicar-se com os homens e os assistir; isto só é possível aos Espíritos inferiores, em razão de sua natureza mais grosseira. Esta opinião, que não passa da doutrina da comunicação exclusiva dos demônios, cometia ele o grave erro de sustentá-la diante da enferma, mesmo nos momentos de crise. Com esta maneira de ver, só devia contar consigo mesmo, e não podia invocar a única assistência capaz de ajudá-lo, assistência que, é verdade, julgava poder dispensar. A consequência mais deplorável era para a doente, que ele desencorajava, tirando-lhe a esperança da assistência dos Espíritos bons. No estado de debilidade em que se achava o seu cérebro, tal crença, que dava todo poder ao Espírito obsessor, poderia tornar-se fatal para sua razão, e mesmo matá-la.
Assim, ela repetia sem cessar, nos momentos de crise: “Louca... louca..., ele me põe louca... completamente louca... eu ainda não o sou, mas ficarei”. Falando de seu magnetizador, ela descrevia perfeitamente sua ação, dizendo: “Ele me dá a força do corpo, mas não a força do espírito”. Tal expressão era profundamente significativa e, no entanto, ninguém lhe dava importância.
Quando vimos a senhorita Júlia, o mal estava no seu apogeu e a crise que testemunhamos foi uma das mais violentas.
Foi no próprio momento em que nos dedicávamos a levantar-lhe o moral e inculcar-lhe o pensamento de que ela podia dominar esse Espírito mau, com a assistência dos bons e de seu anjo-da-guarda, cujo apoio devia invocar. Foi nesse momento, dizíamos, que o jovem magnetizador, que se achava presente, por uma circunstância sem dúvida providencial, veio, sem qualquer provocação, afirmar e desenvolver sua teoria, destruindo por um lado o que fazíamos por outro. Tivemos de lhe expor com energia que praticava uma má ação e assumia a terrível responsabilidade da razão e da vida daquela infeliz mocinha.
Um fato dos mais singulares, que todos tinham observado, mas cujas consequências ninguém havia deduzido, produzia-se na magnetização. Quando se dava durante a luta com o Espírito mau, só este último absorvia todo o fluido, que lhe conferia mais força, enquanto a doente enfraquecia e sucumbia à sua ação nefasta. Devemos nos lembrar de que ela estava sempre em estado sonambúlico; consequentemente, via o que se passava, e foi ela mesma quem deu a explicação. Não viram no fato senão uma malícia do Espírito e contentavam-se em se absterem de magnetizar em tais momentos e ficarem como espectadores da luta.
Com o conhecimento da natureza dos fluidos, é possível dar-se conta facilmente desse fenômeno. Antes de mais, é evidente que, absorvendo o fluido para aumentar a força em detrimento da doente, o Espírito queria convencer o magnetizador da inutilidade de sua pretensão. Se havia malícia de sua parte, era contra o magnetizador, pois se servia da mesma arma com a qual este último pretendia vencê-lo. Pode dizer-se que lhe tomava o bastão das mãos. Não menos evidente era a sua facilidade de se apropriar do fluido do magnetizador, denotando uma afinidade entre esse fluido e o seu próprio, ao passo que fluidos de natureza contrária se teriam repelido, como água e óleo. Só este fato bastaria para demonstrar que havia outras condições a preencher. É, pois, um erro dos mais graves e, podemos dizer, dos mais funestos, não ver na ação magnética senão uma simples emissão fluídica, sem levar em conta a qualidade íntima dos fluidos. Na maioria dos casos, o sucesso repousa inteiramente nestas qualidades, como o êxito depende, na terapêutica, da qualidade do medicamento. Não seria demais chamar a atenção para este ponto capital, demonstrado, ao mesmo tempo, pela lógica e pela experiência.
Para combater a influência da doutrina do magnetizador, que já havia influenciado as ideias da doente, dissemos a esta:
‒ Minha filha, tende confiança em Deus; olhai em volta. Não vede Espíritos bons?
É verdade, diz ela; vejo luminosos, que Fredegunda não ousa encarar.
Pois bem! são os que vos protegem e não permitirão que o Espírito mau triunfe; implorai sua assistência; orai com fervor; orai sobretudo por Fredegunda.
Oh! Por ela jamais o poderei.
Cuidado! vede como se afastam os Espíritos bons a estas palavras. Se quiserdes a sua proteção, é preciso merecê-la por vossos bons sentimentos, esforçando-vos principalmente para que sejais melhor que a vossa inimiga. Como quereis que eles vos defendam, se não valeis mais que ela? Pensai que em outras existências tereis censura a vos fazer; o que vos acontece é uma expiação; se quiserdes fazê-la cessar, será preciso que melhoreis e proveis vossas boas intenções, começando por vos mostrardes boa e caridosa para com os inimigos. A própria Fredegunda será tocada e talvez faça o arrependimento entrar no seu coração. Refleti.
Eu o farei.
Fazei-o logo e dizei comigo: ‘Meu Deus, eu perdoo a Fredegunda o mal que ela me fez; aceito-o como uma prova e uma expiação que mereci. Perdoai minhas próprias faltas, como eu perdoo as dela. E vós, Espíritos bons que me cercais, abri o seu coração a melhores sentimentos e me dai a força que me falta.’ Prometeis orar por ela todos os dias?
Prometo.
Está bem. Por meu lado, cuidarei de vós e dela; tende confiança.
Oh! Obrigado! algo me diz que isto logo vai acabar.
Tendo dado conta dessa cena à Sociedade, foram transmitidas a respeito as seguintes instruções:
“O assunto de que vos ocupais comoveu os próprios Espíritos bons que, por sua vez, querem vir em auxílio desta moça com seus conselhos. Com efeito, ela apresenta um caso de obsessão muito grave; entre os que vistes e vereis ainda, pode-se pôr este no número dos mais sérios e, sobretudo, dos mais interessantes, pelas particularidades instrutivas já apresentadas e que ele vos oferecerá novamente.
Como já vos disse, esses casos de obsessão se repetem frequentemente e fornecerão dois assuntos distintos de utilidade, primeiro para vós, depois para os que as sofrerem.
Primeiro para vós, porque, assim como vários eclesiásticos contribuíram poderosamente para difundir o Espiritismo entre os que lhe eram completamente estranhos, também esses obsedados, cujo número se tornará muito importante para que deles não se ocupem de maneira superficial, mas ampla e profunda, abrirão bastante as portas da Ciência para que a filosofia espírita possa com eles nela penetrar e ocupar, entre gente de ciência e os médicos de todos os sistemas, o lugar a que tem direito.
 Depois para eles porque, no estado de Espírito, antes de encarnar-se entre vós, eles aceitaram essa luta, que lhes acarreta a possessão que sofrem, tendo em vista o seu adiantamento; e essa luta, acreditai, faz sofrer cruelmente seu próprio Espírito que, quando seu corpo, de certo modo, não é mais seu, tem a perfeita consciência do que se passa. Conforme tiverem suportado essa prova, cuja duração lhes podereis abreviar poderosamente por vossas preces, terão progredido mais ou menos. Porque, ficai certos, a despeito dessa possessão, sempre momentânea, eles guardam suficiente consciência de si mesmos para discernirem a causa e a natureza de sua obsessão.
Para esta que vos ocupa, é necessário um conselho. As magnetizações que lhe faz suportar o Espírito encarnado, de que falastes, lhe são funestas sob todos os aspectos. Aquele Espírito é sistemático. E que sistema! Quem não reporta todas as suas ações à maior glória de Deus e se envaidece das faculdades que lhe foram concedidas, será sempre confundido; os presunçosos serão rebaixados, muitas vezes neste mundo e, infalivelmente, no outro.
Cuidai, pois, meu caro Kardec, para que essas magnetizações cessem completamente, ou os mais graves inconvenientes resultarão de sua continuação, não só para a moça, mas ainda para o imprudente, que pensa ter às suas ordens todos os Espíritos das trevas e se lhes impor como chefe.
Digo que vereis esses casos de possessão e de obsessão se desenvolverem durante um certo tempo, porque são úteis ao progresso da Ciência e do Espiritismo. É por isso que os médicos e os sábios enfim abrirão os olhos e aprenderão que há doenças cujas causas não estão na matéria, não devendo, por isso, ser tratadas pela matéria. Esses casos de possessão vão igualmente abrir ao magnetismo horizontes totalmente novos e lhe fazer dar um grande passo à frente pelo estudo, até agora tão imperfeito, dos fluidos. Auxiliado por esses novos conhecimentos e por sua íntima aliança com o Espiritismo, ele obterá grandes coisas. Infelizmente, no magnetismo como na Medicina, durante muito tempo ainda haverá homens que julgarão nada ter a aprender. Essas obsessões frequentes terão, também, um lado muito bom, porque, penetrado pela prece e pela força moral, é possível fazê-las cessar e adquirir o direito de expulsar os Espíritos maus e, pelo melhoramento de sua conduta, cada um buscará adquirir o direito que o Espírito de Verdade, que dirige este globo, conferirá quando for merecido.
Tende fé e confiança em Deus, que não permite que se sofra inutilmente e sem motivo.
Hahnemann (Médium: Sr. Albert)


Serei breve. Será muito fácil curar essa infeliz possessa.
Os meios estavam implicitamente contidos nas reflexões há pouco emitidas por Allan Kardec. Não só é necessária uma ação material e moral, mas ainda uma ação puramente espiritual. Ao Espírito encarnado que, como Júlia, se acha em estado de possessão, é preciso um magnetizador experimentado e perfeitamente convicto da verdade espírita. Além disso, é necessário que seja de uma moralidade irrepreensível e sem presunção. Mas, para agir sobre o Espírito obsessor, faz-se mister a ação não menos enérgica de um Espírito bom desencarnado. Assim, pois, dupla ação: ação terrestre, ação extraterrestre; encarnado sobre encarnado, desencarnado sobre desencarnado; eis a lei. Se até agora essa ação não foi realizada, foi justamente para vos conduzir ao estudo e à experimentação desta interessante questão. É por isto que Júlia não se livrou mais cedo: ela devia servir para os vossos estudos.
Isto vos demonstra o que, doravante, tereis de fazer, nos casos de possessão manifesta. É indispensável chamar em vosso auxílio o concurso de um Espírito elevado, desfrutando ao mesmo tempo de uma força moral e fluídica, como o excelente cura d’Ars; e sabeis que podeis contar com a assistência desse digno e santo Vianney. Quanto ao mais, nosso concurso é dado a todos os que nos chamarem em auxílio, com pureza de coração e fé verdadeira.
 Resumindo: Quando magnetizarem Júlia, será preciso proceder, inicialmente, pela fervorosa evocação do cura d’Ars e de outros Espíritos bons que se comunicam habitualmente entre vós, pedindo-lhes que atuem contra os Espíritos maus que perseguem essa jovem, e que fugirão diante de suas falanges luminosas.
Também não esquecer que a prece coletiva tem uma força muito grande, quando feita por certo número de pessoas agindo em acordo, com uma fé viva e um ardente desejo de aliviar.
Erasto (Médium: Sr. d’Ambel)

Estas instruções foram seguidas. Vários membros da Sociedade se entenderam para agir pela prece nas condições requeridas. Um ponto essencial era levar o Espírito obsessor a emendar-se, o que necessariamente deveria facilitar a cura. Foi o que se fez, evocando-o e lhe dando conselhos; ele prometeu não mais atormentar a senhorita Júlia e manteve a palavra. Um dos nossos colegas foi especialmente encarregado por seu guia espiritual de sua educação moral, com o que ficou satisfeito. Hoje esse Espírito trabalha seriamente por sua melhoria e pede uma nova encarnação para expiar e reparar suas faltas.
A importância do ensino, que decorre desse fato e das observações a que deu lugar, a ninguém escapará e cada um poderá nele haurir úteis instruções sobre a ocorrência. Uma observação essencial que o fato permitiu constatar e que se compreende sem dificuldade, é a influência do meio. É bem evidente que se o meio secunda por uma comunhão de vistas, de intenção e de ação, o doente se acha numa espécie de atmosfera homogênea de fluidos benfazejos, o que deve necessariamente facilitar e apressar o sucesso. Mas se houver desacordo, oposição; se cada um quiser agir à sua maneira, resultarão divergências, correntes contrárias que, forçosamente, paralisarão e, por vezes, anularão os esforços tentados para a cura. Os eflúvios fluídicos, que constituem a atmosfera moral, se forem maus, serão tão funestos a certos indivíduos quanto as emanações das regiões pantanosas.



[1] Revista Espírita – Janeiro/1864 – Allan Kardec