terça-feira, 23 de maio de 2023

PERÍODO PSICOLÓGICO[1]

 


Allan Kardec

 

Se bem que as manifestações espíritas tenham ocorrido em todas as épocas, é incontestável que hoje se produzem de maneira excepcional. Interrogados sobre esse fato, os Espíritos foram unânimes em sua resposta:

Os tempos – dizem eles – marcados pela Providência para uma manifestação universal são chegados. Estão encarregados de dissipar as trevas da ignorância e dos preconceitos; é uma era nova que começa e prepara a regeneração da Humanidade.

Esse pensamento acha-se desenvolvido de maneira notável numa carta que recebemos de um de nossos assinantes, da qual extraímos a seguinte passagem:

Cada coisa tem seu tempo; o período que acaba de escoar-se parece ter sido especialmente destinado pelo Todo-Poderoso ao progresso das ciências matemáticas e físicas e, provavelmente, foi tendo em vista dispor os homens aos conhecimentos exatos que ele se opôs, durante muito tempo, à manifestação dos Espíritos, como se tal manifestação pudesse ser prejudicial ao positivismo, que requer o estudo da Ciência; numa palavra, quis habituar o homem a procurar, nas ciências de observação, a explicação de todos os fenômenos que deviam produzir-se a seus olhos.

Hoje, o período científico parece ter chegado a seu termo. Depois dos imensos progressos realizados, não seria impossível que o novo período que deve suceder-lhe fosse consagrado pelo Criador às iniciações de ordem psicológica. Na imutável lei de perfectibilidade que estabeleceu para os seres humanos, o que poderá fazer depois de havê-los iniciado nas leis físicas do movimento e ter-lhes revelado os motores com os quais muda a face do globo? O homem sondou as profundezas mais longínquas do espaço; a marcha dos astros e o movimento geral do Universo não têm mais segredos para ele; lê nas camadas geológicas a história da formação do globo; à sua vontade, a luz se transforma em imagens duráveis; domina o raio; com o vapor e a eletricidade suprime as distâncias e o pensamento transpõe o espaço com a rapidez do relâmpago. Chegado a esse ponto culminante, do qual a história da Humanidade não oferece nenhum exemplo, qualquer que tenha sido o seu grau de avanço nos séculos recuados, parece-me racional pensar que a ordem psicológica lhe abre um novo caminho na via do progresso. É, pelo menos, o que se poderia deduzir dos fatos que se produzem em nossos dias e se multiplicam por todos os lados. Esperemos, pois, que se aproxime o momento, se é que ainda não chegou, em que o Todo-Poderoso venha iniciar-nos em novas, grandes e sublimes verdades. Cabe a nós compreendê-lo e secundá-lo na obra da regeneração.

 

Essa carta é do Sr. Georges, do qual havíamos falado em nosso primeiro número. Não podemos senão felicitá-lo pelos seus progressos na Doutrina; os elevados pontos de vista que desenvolve demonstram que a compreende em seu verdadeiro sentido; para ele a Doutrina não se resume na crença nos Espíritos e em suas manifestações: é toda uma filosofia. Como ele, admitimos que entramos no período psicológico e achamos perfeitamente racionais os motivos que nos apresenta, sem crer, todavia, que o período científico tenha dito sua última palavra; ao contrário, acreditamos que ainda nos reserva muitos outros prodígios. Estamos numa época de transição, em que os caracteres dos dois períodos se confundem.

Os conhecimentos que os Antigos possuíam sobre a manifestação dos Espíritos não serviriam de argumento contra a ideia do período psicológico que se prepara. Com efeito, notamos que na Antiguidade esses conhecimentos estavam circunscritos ao estreito círculo dos homens de elite; sobre eles o povo possuía somente ideias falseadas pelos preconceitos e desfiguradas pelo charlatanismo dos sacerdotes, que delas se serviam como meio de dominação. Como já o dissemos alhures, jamais esses conhecimentos se perderam e as manifestações sempre se produziram; mas ficaram como fatos isolados, certamente porque o tempo de os compreender não havia ainda chegado. O que se passa hoje tem um caráter bem diverso; as manifestações são gerais; impressionam a sociedade desde a base até o cume. Os Espíritos não mais ensinam nos recintos fechados e misteriosos de um templo inacessível ao vulgo. Esses fatos se passam à luz do dia; falam a todos uma linguagem inteligível por todos. Tudo, pois, anuncia, do ponto de vista moral, uma nova fase para a Humanidade.



[1] Revista Espírita – Abril/1858 – Allan Kardec

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