Allan Kardec
A evocação seguinte não desperta
menor interesse, embora sob um outro ponto de vista.
Um senhor, que designaremos sob
o nome de Georges, farmacêutico numa cidade do sul, havia perdido o pai há
pouco tempo, objeto de toda a sua ternura e de uma profunda veneração.
O pai do Sr. Georges aliava a
uma instrução muito vasta todas as qualidades que distinguem o homem de bem,
embora professasse opiniões muito materialistas. A esse respeito o filho
partilhava e até mesmo excedia as ideias do pai; duvidava de tudo, de Deus, da
alma, da vida futura. O Espiritismo não poderia reconhecer como verdadeiros
tais pensamentos. Todavia, a leitura de O Livro dos Espíritos produziu
nele uma certa reação, corroborada por uma entrevista direta que tivemos com
ele. Se meu pai – disse – pudesse responder-me, não duvidaria mais.
Foi então que ocorreu a evocação que iremos relatar e na qual encontraremos
mais de um ensinamento.
– Em nome do Todo-Poderoso, peço se manifeste o Espírito
de meu pai. Estais perto de mim? Sim.
– Por que não vos manifestastes diretamente a mim, quando
tanto nos amamos? Mais tarde.
– Poderemos nos reencontrar um dia? Sim, breve.
– Haveremos de nos amar, como nesta vida? Mais.
– Em que meio estais? Sou feliz.
– Estais reencarnado ou errante? Errante por pouco
tempo.
– Que sensação experimentastes quando deixastes vosso
invólucro corporal? Perturbação.
– Quanto tempo durou essa perturbação? Pouco para mim;
bastante para ti.
– Podeis avaliar a duração dessa perturbação conforme
nossa maneira de contar? Dez anos para ti, dez minutos para mim.
– Mas, não se passou esse tempo todo desde que vos perdi;
não há somente quatro meses? Se estivesses em meu lugar, terias sentido esse
tempo.
– Acreditais agora em um Deus justo e bom? Sim.
– Acreditáveis nele quando estáveis na Terra? Eu tinha
a presciência, mas não acreditava nele.
– Deus é Todo-Poderoso? Não me elevei até Ele para
avaliar a sua força; somente Ele conhece os limites de seu poder, porque só Ele
é seu igual.
– Ocupa-se Ele dos homens? Sim.
– Seremos punidos ou recompensados conforme nossos atos? Se
fazes o mal, sofrer-lhe-ás as consequências.
– Serei recompensado se fizer o bem? Avançarás na tua
rota.
– Estou no caminho certo? Faze o bem e nele estarás.
– Acredito ser bom, mas estaria melhor se um dia, como
recompensa, vos encontrasse. Que esse pensamento te sustente e te encoraje!
– Meu filho será bom como seu avô? Desenvolve suas
virtudes, abafa seus vícios.
– Custo a crer que estamos nos comunicando, tão
maravilhoso me parece este momento. De onde provém tua dúvida?
– De que, partilhando vossas opiniões filosóficas, fui
levado a tudo atribuir à matéria. Vês de noite o que vês de dia?
– Estou, pois, nas trevas, meu pai? Sim.
– Que vedes de mais maravilhoso? Explica-te melhor.
– Reencontrastes minha mãe, minha irmã e Ana, a boa Ana? Eu
as revi.
- Vede-as quando quiserdes? Sim.
– Achais penoso ou agradável que me comunique convosco? Para
mim é uma felicidade, se posso te conduzir ao bem.
– Voltando para casa, o que poderia fazer para
comunicar-me convosco, o que me faz tão feliz? Isso serviria para conduzir-me
melhor e me ajudaria a melhor educar os meus filhos. Cada vez que um impulso
te conduzir ao bem, sou eu; serei eu a inspirar-te.
– Calo-me, com receio de importunar-vos. Se queres
ainda, fala.
– Visto que permitis, dirigir-vos-ei ainda algumas
perguntas. De que afecção morrestes? Minha prova havia alcançado seu termo.
– Onde contraístes o abscesso pulmonar que se manifestou? Pouco
importa; o corpo nada é; o Espírito é tudo.
– Qual a natureza da doença que me desperta tão
frequentemente, à noite? Sabê-lo-ás mais tarde.
– Considero grave minha afecção, e queria viver ainda para
os meus filhos. Ela não o é; o coração do homem é uma máquina de vida; deixa
a natureza agir.
– Visto que estais presente aqui, sob que forma vos
apresentais? Sob a aparência de minha forma corpórea.
– Estais em um local determinado? Sim, atrás de Ermance
(a médium).
– Poderíeis tornar-vos visível a nós? Para quê? Teríeis
medo.
– Vede-nos todos, aqui reunidos? Sim.
– Tendes uma opinião de cada um de nós? Sim.
– Poderíeis dizer-nos alguma coisa? Em que sentido me
fazes essa pergunta?
– Do ponto de vista moral. De outra vez; por hoje é
bastante.
O efeito produzido no Sr. Georges
por essa comunicação foi imenso; uma luz inteiramente nova já parecia
clarear-lhe as ideias; uma sessão que houve no dia seguinte, na casa da Sra.
Roger, sonâmbula, terminou por dissipar as poucas dúvidas que lhe restavam. Eis
um resumo da carta que, a respeito, nos escreveu:
Essa senhora entrou espontaneamente em detalhes comigo,
tão precisos, com respeito a meu pai, minha mãe, meus filhos, minha saúde;
descreveu todas as circunstâncias de minha vida com tal precisão, relembrando
mesmo certos fatos que há longo tempo se me haviam apagado da memória; numa
palavra, deu-me provas tão patentes dessa faculdade maravilhosa da qual são
dotados os sonâmbulos lúcidos, que a reação das ideias foi completa em mim
desde esse momento. Na evocação, meu pai havia revelado a sua presença; na
sessão sonambúlica eu era, a bem dizer, testemunha ocular da vida
extracorpórea, da vida da alma. Para descrever com tanta minúcia e exatidão, e
a duas centenas de léguas de distância, o que de mim somente era conhecido, era
preciso ver; ora, uma vez que isso não era possível com os olhos do corpo,
haveria, portanto, um laço misterioso, invisível, que ligava a sonâmbula às
pessoas e às coisas ausentes, e que ela jamais tinha visto; havia, pois, algo
fora da matéria; o que poderia ser esse algo, senão aquilo que se chama alma, o
ser inteligente, do qual o corpo é apenas o invólucro, mas cuja ação se estende
muito além de nossa esfera de ação?
Hoje, não somente o Sr. Georges
deixou de ser materialista, como é um dos mais fervorosos e zelosos adeptos do
Espiritismo, o que o faz duplamente feliz, pela confiança que o futuro agora
lhe inspira e pelo prazer que experimenta em praticar o bem.
Essa evocação, bem simples à
primeira vista, não é menos notável em muitos aspectos. O caráter do Sr.
Georges, pai, reflete-se nas respostas breves e sentenciosas que estavam em
seus hábitos; falava pouco, jamais dizia uma palavra inútil; não é mais o
céptico que fala: reconhece seu erro; seu Espírito é mais livre, mais
clarividente, retratando a unidade e o poder de Deus por estas admiráveis
palavras: “Só Ele é seu igual”; aquele que em vida referia tudo à matéria, diz
agora: “O corpo nada é, o Espírito é tudo”; e esta outra frase sublime: “Vês à
noite o que vês de dia”? Para o observador atento tudo tem uma importância, e é
assim que a cada passo encontra a confirmação das grandes verdades ensinadas
pelos Espíritos.
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