terça-feira, 8 de novembro de 2022

FOTOGRAFIA DO PENSAMENTO[1], [2]

 

Allan Kardec

 

Ligando-se o fenômeno da fotografia do pensamento ao das criações fluídicas, descrito em nosso livro A Gênese, no capítulo dos Fluidos, reproduzimos, para maior clareza, a passagem desse capítulo onde o assunto é tratado, e o completamos por novas observações.

Os fluidos espirituais, que constituem um dos estados do fluido cósmico universal, são, a bem dizer, a atmosfera dos seres espirituais; o elemento donde eles tiram os materiais sobre que operam; o meio onde ocorrem os fenômenos especiais, perceptíveis à visão e à audição do Espírito, mas que escapam aos sentidos carnais, impressionáveis somente à matéria tangível; o meio onde se forma a luz peculiar ao mundo espiritual, diferente, pela causa e pelos efeitos da luz ordinária; finalmente, o veículo do pensamento, como o ar o é o do som.

Os Espíritos atuam sobre os fluidos espirituais, não os manipulando como os homens manipulam os gases, mas empregando o pensamento e a vontade. Para os Espíritos, o pensamento e a vontade são o que é a mão para o homem.

Pelo pensamento, eles imprimem àqueles fluidos tal ou qual direção, os aglomeram, combinam ou dispersam, organizam com eles conjuntos que apresentam uma aparência, uma forma, uma coloração determinadas; mudam-lhes as propriedades, como um químico muda a dos gases ou de outros corpos, combinando-os segundo certas leis. É a grande oficina ou laboratório da vida espiritual.

Algumas vezes, essas transformações resultam de uma intenção; doutras, são produto de um pensamento inconsciente.

Basta que o Espírito pense uma coisa, para que esta se produza, como basta que modele uma ária, para que esta repercuta na atmosfera.

É assim, por exemplo, que um Espírito se faz visível a um encarnado que possua a vista psíquica, sob as aparências que tinha quando vivo na época em que o segundo o conheceu, embora haja ele tido, depois dessa época, muitas encarnações. Apresenta-se com o vestuário, os sinais exteriores – enfermidades, cicatrizes, membros amputados etc. – que tinha então. Um decapitado se apresentará sem a cabeça. Não quer isso dizer que haja conservado essas aparências, certo que não, porquanto, como Espírito, ele não é coxo, nem maneta, nem zarolho, nem decapitado; o que se dá é que, retrocedendo o seu pensamento à época em que tinha tais defeitos, seu perispírito lhes toma instantaneamente as aparências, que deixam de existir logo que o mesmo pensamento cessa de agir naquele sentido. Se, pois, de uma vez ele foi negro e branco de outra, apresentar-se-á como branco ou negro, conforme a encarnação a que se refira a sua evocação e à que se transporte o seu pensamento.

Por análogo efeito, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos que ele esteja habituado a usar. Um avarento manuseará ouro, um militar trará suas armas e seu uniforme, um fumante o seu cachimbo, um lavrador a sua charrua e seus bois, uma mulher velha a sua roca. Para o Espírito, que é, também ele, fluídico, esses objetos fluídicos são tão reais, como o eram, no estado material, para o homem vivo; mas, pela razão de serem criações do pensamento, a existência deles é tão fugitiva quanto a deste.

Sendo os fluidos o veículo do pensamento, este atua sobre os fluidos como o som sobre o ar; eles nos trazem o pensamento, como o ar nos traz o som. Pode-se pois dizer, sem receio de errar, que há, nesses fluidos, ondas e raios de pensamentos, que se cruzam sem se confundirem, como há no ar ondas e raios sonoros.

Como se vê, é uma ordem de fatos inteiramente novos, que se passam fora do mundo tangível, e constituem, se assim nos podemos exprimir, a física e a química especiais do mundo invisível. Mas como, durante a encarnação, o princípio espiritual está unido ao princípio material, daí resulta que certos fenômenos do mundo espiritual se produzem conjuntamente com os do mundo material e são inexplicáveis por quem quer que não conheça as suas leis. Assim, o conhecimento dessas leis é tão útil aos encarnados quanto aos desencarnados, pois só ele pode explicar certos fatos da vida material.

Criando imagens fluídicas, o pensamento se reflete no envoltório perispirítico, como num espelho, ou  ainda como essas imagens de objetos terrestres que se refletem nos vapores do ar; toma nele corpo e aí de certo modo se fotografa. Tenha um homem, por exemplo, a ideia de matar a outro: embora o corpo material se lhe conserve impassível, seu corpo fluídico é posto em ação pelo pensamento e reproduz todos os matizes deste último; executa fluidicamente o gesto, o ato que intentou praticar. O pensamento cria a imagem da vítima e a cena inteira é pintada, como num quadro, tal qual se lhe desenrola no espírito.

Desse modo é que os mais secretos movimentos da alma repercutem no envoltório fluídico; que uma alma pode ler noutra alma como num livro e ver o que não é perceptível aos olhos do corpo. Os olhos do corpo veem as impressões interiores que se refletem nos traços do rosto: a cólera, a alegria, a tristeza; mas a alma vê nos traços da alma os pensamentos que não se traduzem no exterior.

Contudo, vendo a intenção, o vidente bem pode pressentir a execução do ato que lhe será a consequência, mas não pode determinar o instante em que o mesmo ato será executado, nem lhe assinalar os pormenores, nem, ainda, afirmar que ele se dê, porque circunstâncias ulteriores poderão modificar os planos assentados e mudar as disposições. Ele não pode ver o que ainda não esteja no pensamento do outro; o que vê é a preocupação habitual do indivíduo, seus desejos, seus projetos, seus desígnios bons ou maus. Daí os erros nas previsões de certos videntes, quando um acontecimento está subordinado ao livre-arbítrio do homem; não podem senão pressentir a sua probabilidade, conforme o pensamento que veem, mas não podem afirmar que ocorrerá de tal maneira e em tal momento. Além disso, a maior ou menor exatidão nas previsões depende da extensão e da clareza da visão psíquica; em certos indivíduos, Espíritos ou encarnados, ela é difusa ou limitada a um ponto, enquanto noutros é clara e abarca o conjunto dos pensamentos e das vontades que devem concorrer para a realização[3] de um fato; mas, acima de tudo, há sempre a vontade superior, que pode, na sua sabedoria, permitir uma revelação ou impedi-la. Neste último caso, um véu impenetrável é lançado sobre a visão psíquica mais perspicaz. (Vide em A Gênese o capítulo da “Presciência”).

A teoria das criações fluídicas e, por consequência, da fotografia do pensamento, é uma conquista do Espiritismo moderno e, doravante, pode ser considerada como demonstrada em princípio, salvo as aplicações de detalhe, que resultam da observação. Esse fenômeno é, incontestavelmente, a fonte das visões fantásticas, e deve representar um grande papel em certos sonhos.

Pensamos que aí se pode encontrar a explicação da mediunidade pelo copo d’água (Vide o artigo precedente). Desde que o objeto que se vê não pode estar no copo, a água deve fazer o papel de um espelho, que reflete a imagem criada pelo pensamento do Espírito. Essa imagem pode ser a reprodução de uma coisa real, como a de uma criação de fantasia. Em todo o caso, o copo d’água não é senão um meio de a reproduzir, mas não é o único, como o prova a diversidade dos processos empregados por alguns videntes. Este talvez convenha melhor a certas organizações.



[1] Revista Espírita – Junho/1868 – Allan Kardec

[2] N. do T.: Vide A Gênese, de Allan Kardec, capítulo XIV, itens 13 a 15.

[3]

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