Allan Kardec
Ligando-se o fenômeno da
fotografia do pensamento ao das criações fluídicas, descrito em nosso livro A
Gênese, no capítulo dos Fluidos, reproduzimos, para maior clareza, a
passagem desse capítulo onde o assunto é tratado, e o completamos por novas
observações.
Os fluidos espirituais, que constituem um dos estados
do fluido cósmico universal, são, a bem dizer, a atmosfera dos seres
espirituais; o elemento donde eles tiram os materiais sobre que operam; o meio
onde ocorrem os fenômenos especiais, perceptíveis à visão e à audição do
Espírito, mas que escapam aos sentidos carnais, impressionáveis somente à
matéria tangível; o meio onde se forma a luz peculiar ao mundo espiritual,
diferente, pela causa e pelos efeitos da luz ordinária; finalmente, o veículo
do pensamento, como o ar o é o do som.
Os Espíritos atuam sobre os fluidos espirituais, não os
manipulando como os homens manipulam os gases, mas empregando o pensamento e a
vontade. Para os Espíritos, o pensamento e a vontade são o que é a mão para o
homem.
Pelo pensamento, eles imprimem àqueles fluidos tal ou
qual direção, os aglomeram, combinam ou dispersam, organizam com eles conjuntos
que apresentam uma aparência, uma forma, uma coloração determinadas; mudam-lhes
as propriedades, como um químico muda a dos gases ou de outros corpos,
combinando-os segundo certas leis. É a grande oficina ou laboratório da vida
espiritual.
Algumas vezes, essas transformações resultam de uma
intenção; doutras, são produto de um pensamento inconsciente.
Basta que o Espírito pense uma coisa, para que esta se
produza, como basta que modele uma ária, para que esta repercuta na atmosfera.
É assim, por exemplo, que um Espírito se faz visível a
um encarnado que possua a vista psíquica, sob as aparências que tinha quando
vivo na época em que o segundo o conheceu, embora haja ele tido, depois dessa
época, muitas encarnações. Apresenta-se com o vestuário, os sinais exteriores –
enfermidades, cicatrizes, membros amputados etc. – que tinha então. Um
decapitado se apresentará sem a cabeça. Não quer isso dizer que haja conservado
essas aparências, certo que não, porquanto, como Espírito, ele não é coxo, nem
maneta, nem zarolho, nem decapitado; o que se dá é que, retrocedendo o seu
pensamento à época em que tinha tais defeitos, seu perispírito lhes toma
instantaneamente as aparências, que deixam de existir logo que o mesmo
pensamento cessa de agir naquele sentido. Se, pois, de uma vez ele foi negro e
branco de outra, apresentar-se-á como branco ou negro, conforme a encarnação a
que se refira a sua evocação e à que se transporte o seu pensamento.
Por análogo efeito, o pensamento do Espírito cria
fluidicamente os objetos que ele esteja habituado a usar. Um avarento manuseará
ouro, um militar trará suas armas e seu uniforme, um fumante o seu cachimbo, um
lavrador a sua charrua e seus bois, uma mulher velha a sua roca. Para o
Espírito, que é, também ele, fluídico, esses objetos fluídicos são tão reais,
como o eram, no estado material, para o homem vivo; mas, pela razão de serem
criações do pensamento, a existência deles é tão fugitiva quanto a deste.
Sendo os fluidos o veículo do pensamento, este atua
sobre os fluidos como o som sobre o ar; eles nos trazem o pensamento, como o ar
nos traz o som. Pode-se pois dizer, sem receio de errar, que há, nesses
fluidos, ondas e raios de pensamentos, que se cruzam sem se confundirem, como
há no ar ondas e raios sonoros.
Como se vê, é uma ordem de fatos inteiramente novos,
que se passam fora do mundo tangível, e constituem, se assim nos podemos
exprimir, a física e a química especiais do mundo invisível. Mas como, durante
a encarnação, o princípio espiritual está unido ao princípio material, daí
resulta que certos fenômenos do mundo espiritual se produzem conjuntamente com
os do mundo material e são inexplicáveis por quem quer que não conheça as suas
leis. Assim, o conhecimento dessas leis é tão útil aos encarnados quanto aos
desencarnados, pois só ele pode explicar certos fatos da vida material.
Criando imagens fluídicas, o pensamento se reflete no
envoltório perispirítico, como num espelho, ou
ainda como essas imagens de objetos terrestres que se refletem nos
vapores do ar; toma nele corpo e aí de certo modo se fotografa. Tenha um homem,
por exemplo, a ideia de matar a outro: embora o corpo material se lhe conserve
impassível, seu corpo fluídico é posto em ação pelo pensamento e reproduz todos
os matizes deste último; executa fluidicamente o gesto, o ato que intentou
praticar. O pensamento cria a imagem da vítima e a cena inteira é pintada, como
num quadro, tal qual se lhe desenrola no espírito.
Desse modo é que os mais secretos movimentos da alma
repercutem no envoltório fluídico; que uma alma pode ler noutra alma como num
livro e ver o que não é perceptível aos olhos do corpo. Os olhos do corpo veem
as impressões interiores que se refletem nos traços do rosto: a cólera, a
alegria, a tristeza; mas a alma vê nos traços da alma os pensamentos que não se
traduzem no exterior.
Contudo, vendo a intenção, o vidente bem pode
pressentir a execução do ato que lhe será a consequência, mas não pode
determinar o instante em que o mesmo ato será executado, nem lhe assinalar os
pormenores, nem, ainda, afirmar que ele se dê, porque circunstâncias ulteriores
poderão modificar os planos assentados e mudar as disposições. Ele não pode ver
o que ainda não esteja no pensamento do outro; o que vê é a preocupação
habitual do indivíduo, seus desejos, seus projetos, seus desígnios bons ou
maus. Daí os erros nas previsões de certos videntes, quando um acontecimento
está subordinado ao livre-arbítrio do homem; não podem senão pressentir a sua probabilidade,
conforme o pensamento que veem, mas não podem afirmar que ocorrerá de tal
maneira e em tal momento. Além disso, a maior ou menor exatidão nas previsões
depende da extensão e da clareza da visão psíquica; em certos indivíduos,
Espíritos ou encarnados, ela é difusa ou limitada a um ponto, enquanto noutros
é clara e abarca o conjunto dos pensamentos e das vontades que devem concorrer
para a realização[3]
de um fato; mas, acima de tudo, há sempre a vontade superior, que pode, na sua
sabedoria, permitir uma revelação ou impedi-la. Neste último caso, um véu
impenetrável é lançado sobre a visão psíquica mais perspicaz. (Vide em A
Gênese o capítulo da “Presciência”).
A teoria das criações fluídicas
e, por consequência, da fotografia do pensamento, é uma conquista do
Espiritismo moderno e, doravante, pode ser considerada como demonstrada em
princípio, salvo as aplicações de detalhe, que resultam da observação. Esse
fenômeno é, incontestavelmente, a fonte das visões fantásticas, e deve representar
um grande papel em certos sonhos.
Pensamos que aí se pode
encontrar a explicação da mediunidade pelo copo d’água (Vide
o artigo precedente). Desde que o objeto que se vê não pode estar no copo,
a água deve fazer o papel de um espelho, que reflete a imagem criada pelo
pensamento do Espírito. Essa imagem pode ser a reprodução de uma coisa real,
como a de uma criação de fantasia. Em todo o caso, o copo d’água não é senão um
meio de a reproduzir, mas não é o único, como o prova a diversidade dos
processos empregados por alguns videntes. Este talvez convenha melhor a certas
organizações.
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