Allan Kardec
Um dos nossos correspondentes de
Genebra nos transmite interessantes detalhes sobre um novo gênero de
mediunidade vidente, que consiste em ver num copo d’água magnetizado. Essa
faculdade tem muitas relações com a do vidente de Zimmerwald, do qual fizemos um
relato circunstanciado na Revista de outubro
de 1864 e outubro
de 1865. A diferença consiste em que este último se serve de um copo vazio,
sempre o mesmo e que a faculdade, de certo modo, lhe é pessoal; ao contrário, o
fenômeno que nos é assinalado se produz com o auxílio de qualquer copo que
contenha água magnetizada, e que parece vulgarizar-se. Se assim é, a
mediunidade vidente poderia tornar-se tão comum quanto a pela escrita. Eis as
informações que nos são dadas, segundo as quais cada um poderá experimentar,
desde que se coloque em condições favoráveis. Entre nós num certo número de
pessoas. Em um mês temos quinze médiuns videntes deste gênero, tendo cada um a
sua especialidade. Um dos melhores é uma jovem senhora, que não sabe ler nem
escrever; é mais particularmente apta para as doenças, e eis como nossos
Espíritos bons procedem, para nos mostrar o mal e o remédio. Tomo um exemplo ao
acaso:
Uma pobre mulher,
que se achava na reunião, havia recebido um golpe certeiro no peito; apareceu
no copo absolutamente como uma fotografia; levou a mão sobre a parte lesada. A
Sra. V... (o médium) viu em seguida o peito se abrir e notou que havia sangue
coagulado no lugar onde se dera o golpe; depois tudo desapareceu para dar lugar
à imagem dos remédios, que consistiam num emplastro de resina branca e um copo
contendo benjoim. Esta mulher ficou perfeitamente curada depois de ter seguido
o tratamento.
Quando se trata de um obsedado,
o médium vê os Espíritos maus que o atormentam; a seguir aparecem, como
remédio, o Espírito simbolizando a prece, e duas mãos que magnetizam.
Temos um outro médium, cuja
especialidade é ver os Espíritos. Pobres Espíritos sofredores muitas vezes nos
têm apresentado, por seu intermédio, cenas comovedoras, para nos fazer
compreender as suas angústias.
Um dia evocamos o Espírito de um
indivíduo que se afogara voluntariamente; apareceu na água turva; não se lhe
via senão a parte posterior da cabeça e os cabelos semimergulhados na água.
Durante duas sessões foi-nos impossível ver-lhe o rosto. Fizemos a prece pelos
suicidas; no dia seguinte o médium viu a cabeça fora d’água, sendo possível
reconhecer os traços de um parente de uma das pessoas da Sociedade. Continuamos
nossas preces e, embora o rosto ainda exibisse uma expressão de sofrimento,
parecia retomar a vida.
Desde algum tempo vinham-se
produzindo ruídos semelhantes aos de Poitiers, em casa de uma senhora que
reside nos subúrbios de Genebra, e que causavam grande agitação em toda a casa.
Essa senhora, que não conhecia absolutamente o Espiritismo, dele tendo ouvido
falar, veio nos ver com seu irmão,
pedindo para assistir às nossas sessões. Nenhum dos nossos médiuns os conhecia.
Um deles viu em seu copo uma casa, no interior
da qual um Espírito mau punha tudo em desordem, remexia os móveis e quebrava as
louças. Pela descrição feita, aquela senhora reconheceu a mulher de seu
jardineiro, muito má em vida, e que lhe tinha prejudicado bastante. Dirigimos
ao Espírito algumas palavras benevolentes, para o trazer a melhores sentimentos,
e à medida que lhe falávamos, seu rosto adquiria uma expressão mais doce. No
dia seguinte, fomos à casa daquela dama e à noite foi completado o trabalho da
véspera. Os ruídos cessaram quase completamente, desde a partida da cozinheira
que, parece, servia de médium inconsciente àquele Espírito.
Como tudo tem sua razão de ser e
sua utilidade, penso que tais ruídos tinham por objetivo levar aquela família
ao conhecimento do Espiritismo.
Eis agora o que nossas
observações nos ensinaram quanto à maneira de operar:
É preciso um copo liso, bem uniforme no fundo;
enchem-no de água até a metade, magnetizando-a pelos processos ordinários, isto
é, pela imposição das mãos e, sobretudo, pela extremidade dos dedos, na boca do
copo, auxiliada pela ação contínua do olhar e do pensamento. A duração da
magnetização é de cerca de dez minutos na primeira vez; mais tarde bastam cinco
minutos. A mesma pessoa pode magnetizar vários copos ao mesmo tempo.
O médium vidente, ou aquele que quer experimentar, não
deve magnetizar o seu próprio copo, pois consumiria o fluido que lhe é
necessário para ver. Para a magnetização é preciso um médium especial, havendo,
para isto, os dotados de um poder mais ou menos grande. A ação magnética não
produz na água qualquer fenômeno que indique a sua saturação.
Feito isto, cada experimentador coloca o copo à sua frente
e o olha durante vinte ou trinta minutos no máximo, algumas vezes menos,
conforme a aptidão. Esse tempo só é necessário nas primeiras tentativas; quando
a faculdade está desenvolvida, bastam alguns minutos. Durante esse tempo, uma
pessoa faz a prece para chamar o concurso dos Espíritos bons.
Os que são aptos a ver distinguem, de início, no fundo
do copo, uma espécie de pequena nuvem; é um indício certo de que verão. Pouco a
pouco essa nuvem toma uma forma mais acentuada, e a imagem se desenha à vista
do médium. Entre si os médiuns podem ver nos copos uns dos outros, mas não as
pessoas que não sejam dotadas desta faculdade. Algumas vezes parte do assunto
aparece num copo e a outra parte em outro; para as doenças, por exemplo, um
verá o mal e o outro o remédio. Outras vezes dois médiuns verão
simultaneamente, cada um em seu copo, a imagem da mesma pessoa, mas geralmente
em condições diferentes.
Muitas vezes a imagem se transforma, muda de aspecto,
depois desaparece. Em geral ela é bastante espontânea; o médium deve esperar e
dizer o que vê. Mas também pode ser provocada por uma evocação.
Ultimamente fui ver uma senhora que tem uma jovem operária de dezoito
anos e que jamais ouvira falar do Espiritismo. A senhora pediu-me que lhe
magnetizasse um copo d’água. A moça o olhou cerca de um quarto de hora, e
disse: Vejo um braço; dir-se-ia que é o de minha mãe; vejo a manga de seu
vestido, levantada, como era seu costume.
Essa mãe, que conhecia a sensibilidade da filha, sem dúvida não quis
mostrar-se subitamente para lhe evitar uma impressão muito grande. Então pedi
àquele Espírito, se fosse o da mãe do médium, que se desse a conhecer. O braço
desapareceu e o Espírito se apresentou do tamanho de uma fotografia, mas virado
de costas. Era ainda uma precaução para preparar a filha para a ver. Esta
reconheceu o seu gorro, um fichu[2],
as cores e os desenhos de seu vestido. Vivamente emocionada, dirigiu-lhe as
mais ternas palavras, pedindo-lhe que deixasse ver o seu rosto. Eu mesmo lhe
pedi que atendesse ao desejo de sua filha. Então ela se apagou, deu-se a
perturbação e o rosto apareceu. A jovem chorou de reconhecimento, agradecendo a
Deus a dádiva que ele acabava de lhe conceder.
A própria senhora desejava muito ver. No dia seguinte fizemos uma
sessão em sua casa, que foi cheia de bons ensinamentos. Depois de ter olhado
inutilmente no copo cerca de meia-hora, disse ela: Meu Deus! Se ao menos eu
pudesse ver o diabo no copo, ficaria contente! Mas Deus não lhe concedeu
esta satisfação.
Os incrédulos não deixarão de creditar esses fenômenos à conta da
imaginação. Mas os fatos aí estão para provar que, numa porção de casos, a
imaginação aí não entra absolutamente. Primeiro, nem todo mundo vê, por mais
desejo que tenha. Eu mesmo muitas vezes fiquei com o espírito superexcitado
com este objetivo, sem jamais obter o menor resultado. A senhora de quem acabo
de falar, malgrado seu desejo de ver o diabo, após meia hora de espera e de
concentração, nada viu. A jovem não pensava em sua mãe quando esta lhe
apareceu; e, depois, todas essas precauções para não se mostrar senão
gradualmente atestam uma combinação, uma vontade estranha, nas quais a
imaginação do médium não podia de modo algum participar.
Para ter uma prova ainda mais positiva, fiz a seguinte experiência.
Tendo ido passar alguns dias no campo, a algumas léguas de Genebra, havia, na
família onde me encontrava, várias crianças. Como fizessem muito barulho,
propus-lhe, para as ocupar, um jogo mais tranquilo. Tomei um copo d’água e o
magnetizei, sem que ninguém percebesse, e lhes disse: Qual dentre vós terá a
paciência de olhar este copo durante vinte minutos, sem desviar os olhos?
Abstive-me de acrescentar que eles poderiam nele ver alguma coisa; era a título
de simples passatempo. Vários perderam a paciência antes do fim da prova; uma
menina de onze anos foi mais perseverante; ao cabo de doze minutos, soltou um
grito de alegria, dizendo que via uma magnífica paisagem, cuja descrição nos
fez. Uma outra menina de sete anos, por sua vez tendo querido olhar, adormeceu
instantaneamente. Com medo de a fatigar, logo a despertei. Onde está aqui o
efeito da imaginação?
Esta faculdade pode, pois, ser ensaiada numa reunião de pessoas, mas
aconselho que, nas primeiras reuniões, não sejam admitidas pessoas hostis.
Sendo necessários a calma e o recolhimento, a faculdade não se desenvolverá
senão mais facilmente; quando formada, é menos susceptível de ser perturbada.
O médium só vê com os olhos abertos; quando os fecha, está na
escuridão. Pelo menos é o que notamos, e isto denota uma variedade na
mediunidade vidente. O médium não fecha os olhos senão para repousar, o que lhe
acontece duas ou três vezes por sessão. Vê tão bem de dia quanto de noite, mas à
noite é preciso luz.
A imagem das pessoas vivas se apresenta no copo tão facilmente quanto a
das pessoas mortas. Tendo perguntado a razão disto ao meu Espírito familiar,
ele me respondeu: São suas imagens que vos apresentamos; os Espíritos são
tão hábeis para pintar quanto para viajar. Entretanto, os médiuns
distinguem sem esforço o Espírito de uma pessoa viva; há qualquer coisa de
menos material.
O médium do copo d’água difere do sonâmbulo pelo fato de o Espírito
deste último se destacar; é-lhe necessário um fio condutor para ir procurar a
pessoa ausente, enquanto o primeiro tem a sua imagem sob os olhos, que é o
reflexo de sua alma e de seus pensamentos. Fatiga-se menos que o sonâmbulo, e
está também menos exposto a se deixar intimidar pela visão dos Espíritos maus
que podem apresentar-se. Esses Espíritos podem bem o fatigar, porque procuram
magnetizá-lo, mas ele pode, à vontade, subtrair-se ao seu olhar, deles
recebendo, aliás, uma impressão menos direta.
Dá-se nesta mediunidade como em todas as outras: o médium atrai a si os
Espíritos que lhe são simpáticos; ao médium impuro apresentam-se de bom grado
Espíritos impuros. O meio de atrair os Espíritos bons é estar animado de bons
sentimentos, só perguntar coisas justas e razoáveis, não se servir desta faculdade
senão para o bem, e não para coisas fúteis. Se dela fizermos um objeto de
distração, de curiosidade ou de tráfico ilegal, cairemos inevitavelmente na
turba de Espíritos levianos e enganadores, que se divertem em apresentar
imagens ridículas e falaciosas.
Observação – Como
princípio, esta mediunidade certamente não é nova. Mas aqui se desenha de
maneira mais precisa, sobretudo mais prática, e se mostra em condições particulares.
Pode-se, pois, considerá-la como uma das variedades que foram anunciadas. Do
ponto de vista da Ciência Espírita, ela nos faz penetrar mais adiante o
mistério da constituição íntima do mundo invisível, cujas leis conhecidas
confirma, ao mesmo tempo em que nos mostra suas novas aplicações. Ela ajudará a
compreender certos fenômenos ainda incompreendidos da vida diária e, por sua vulgarização,
não deixará de abrir novo caminho à propagação do Espiritismo. Quererão ver,
experimentarão; quererão compreender, estudarão, e muitos entrarão no
Espiritismo por esta porta.
Este fenômeno oferece uma particularidade notável. Até agora
se compreendia a visão direta dos Espíritos em certas condições, a visão a
distância de objetos reais: é hoje uma teoria elementar; mas aqui não são os
próprios Espíritos que são vistos, e que não podem vir alojar-se num copo
d’água, do mesmo modo que aí não se alojam casas, paisagens e pessoas vivas.
Aliás, seria erro acreditar que aí estivesse um meio melhor
que outro de saber tudo o que se deseja. Os médiuns videntes, por este processo
ou qualquer outro, não veem à vontade; não veem senão o que os Espíritos lhes
querem fazer ver, ou têm a permissão de lhes fazer ver quando a coisa é útil.
Não se pode forçar a vontade dos Espíritos, nem a faculdade dos médiuns. Para o
exercício de uma faculdade mediúnica qualquer, é preciso que o aparelho
sensitivo, se assim nos podemos exprimir, esteja em condições de funcionar.
Ora, não depende de o médium fazê-lo funcionar à sua vontade. Eis por que a mediunidade
não pode ser uma profissão, já que poderia faltar no momento em que fosse necessária
para satisfazer o cliente. Daí a incitação à fraude, para simular a ação do
Espírito.
Prova a experiência que os Espíritos, sejam quais forem,
jamais estão ao capricho dos homens, não mais do que e menos ainda, do que
quando estavam neste mundo; e, por outro lado, diz o simples bom-senso que, com
mais forte razão, os Espíritos sérios não poderiam vir ao apelo do primeiro que
viesse para coisas fúteis e representar o papel de saltimbancos e de ledores de
buena-dicha[3].
Só o charlatanismo pode pretender a possibilidade de manter aberta uma banca de
comércio com os Espíritos.
Os incrédulos riem dos espíritas, porque imaginam que estes
acreditam em Espíritos confinados numa mesa ou numa caixa, e que os manobram
como marionetes. Acham isto ridículo e estão cheios de razões; onde estão
errados é quando creem que o Espiritismo ensine semelhantes absurdos, quando
ele diz exatamente o contrário. Se, por vezes, no mundo, encontraram alguns de
uma credulidade muito fácil, não foi entre os espíritas esclarecidos. Ora,
nesse número, há necessariamente os que o são mais ou menos, como em todas as
ciências.
Os Espíritos não se alojam no copo d’água; eis o que é positivo.
Que há, pois, no copo? Uma imagem, e não outra coisa; imagem tirada da
Natureza, daí por que muitas vezes é exata. Como é produzida? Eis o problema. O
fato existe, portanto tem uma causa. Embora ainda não se lhe possa dar uma
solução completa e definitiva, o artigo seguinte, parece-nos, lança uma grande
luz sobre a questão.
[1] Revista Espírita – Junho/1868 – Allan Kardec
[2] Fichu - espécie de abrigo, de tecido leve e formato
triangular, com que as mulheres cobrem a cabeça, pescoço e ombros.
[3] Buena-dicha - sorte fausta ou infausta de um
indivíduo, supostamente inferida por algum meio ocultista (p.ex., pelas linhas
da mão); sina, fortuna.
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