Allan Kardec
Estando na ordem do dia a
faculdade curadora, não é de admirar que a ela tenhamos consagrado a maior
parte deste número e, seguramente, estamos longe de ter esgotado o assunto.
Por isso a ele voltaremos.
Logo de saída, para fixar as ideias
de muitas pessoas interessadas na questão relativa ao Sr. Jacob, as quais nos
escreveram ou poderiam escrever-nos a respeito, dizemos:
1.
Que as sessões do Sr. Jacob estão suspensas.
Assim, seria inútil apresentar-se no lugar onde se realizavam (Rue de la
Roquette, 80) e que, até o presente, não as retomou em parte alguma. O motivo
foi a excessiva aglomeração de pessoas, que dificultava a circulação numa rua
muito frequentada, e um beco sem saída, ocupado por grande número de
industriais, que se viam impedidos em seus negócios, não podendo receber os
clientes, nem expedir as suas mercadorias. Neste momento o Sr. Jacob não dá
sessões públicas, nem particulares.
2.
Dada a afluência, e devendo cada um esperar
muito tempo a sua vez, aos que nos perguntaram, ou no futuro nos perguntarem
se, conhecendo pessoalmente o Sr. Jacob, poderiam, com uma recomendação nossa,
conseguir atendimento preferencial, diremos que nunca pedimos e jamais o
pediríamos, sabendo que seria inútil. Se ingressos preferenciais tivessem sido
concedidos, teria sido em prejuízo dos que esperam e não deixariam de provocar
justas reclamações. O Sr. Jacob não fez exceções para ninguém; o rico devia
esperar como o infeliz, porque, em última análise, o infeliz sofre tanto quanto
o rico; como este, não tem o conforto por compensação e, além disso, muitas
vezes espera a saúde para ter de que viver. Por isso felicitamos o Sr. Jacob; e
se ele não tivesse agido assim, ao solicitarmos um favor apenas teríamos feito
uma coisa que nele haveríamos de censurar.
3.
Aos doentes que nos perguntaram, ou poderiam
perguntar, se lhes aconselhamos fazer a viagem de Paris, dizemos: O Sr. Jacob
não cura todo o mundo, como ele mesmo declara; nunca sabe por antecipação se
curará ou não um doente; é somente quando está em sua presença que julga da
ação fluídica e vê o resultado; é por isso que nunca promete nada e jamais
responde. Aconselhar alguém a fazer a viagem de Paris, seria assumir uma
responsabilidade sem certeza de sucesso. É, pois, um risco que se corre, e se
não se obtiver resultado, a gente está livre das despesas de viagem, ao passo
que se gastam, muitas vezes, somas enormes em consultas, sem maiores vantagens.
Se não se fica curado, não se pode dizer que se pagou cuidados inutilmente.
4.
Aos que nos perguntam se, indenizando o Sr.
Jacob de suas despesas de viagem, já que não aceita honorários, ele concordasse
em vir a tal ou qual localidade para cuidar de um doente, respondemos: O Sr.
Jacob não atende a convites desse gênero, pelas razões desenvolvidas acima. Não
podendo responder previamente pelos resultados, consideraria uma indelicadeza
induzir gastos sem certeza de êxito; e em caso de insucesso, seria dar ensejo à
crítica.
Aos que escrevem ao Sr. Jacob,
ou nos enviam cartas para fazê-las chegar até ele, dizemos: O Sr. Jacob tem em
sua casa um armário cheio de cartas, que ele não lê, e não responde a ninguém.
Com efeito, que poderia dizer? Aliás, ele não cura por correspondência. Falar
com afetação? Não é o seu gênero; dizer se tal doença é curável por ele? Ele
não o sabe. Pelo fato de ter curado uma pessoa de tal doença, não se segue que
cure a mesma doença em outras pessoas, porque as condições fluídicas não são as
mesmas; indicar um tratamento? Ele não é médico e se absteria de fornecer esta
arma contra si.
Assim, escrever a ele é trabalho
inútil. A única coisa a fazer, caso ele retomasse as sessões, classificadas por
engano como consultas, já que não o consultam, é apresentar-se tão logo chegue,
entrar na fila, esperar pacientemente e arriscar a chance. Se não se ficar
curado, não se pode queixar de ter sido enganado, desde que ele nada promete.
Há fontes que têm a propriedade
de curar certas doenças. Vão lá; uns se sentem bem, outros são apenas
aliviados; outros, enfim, não experimentam absolutamente nada. Deve-se
considerar o Sr. Jacob como uma fonte de fluidos salutares, a cuja influência
vão submeter-se, mas que, não sendo uma panaceia universal, não cura todos os
males e pode ser mais ou menos eficaz, conforme as condições do doente.
Mas, enfim, houve curas? Um fato
responde a esta pergunta: Se ninguém tivesse sido curado, a multidão não teria
ido para lá, como fez.
Mas a multidão crédula não pode
ter sido enganada por falsas aparências e para lá se dirigir confiando numa
reputação usurpada? Comparsas não podem ter simulado doenças para parecerem ter
sido curados?
Sem dúvida, isto se viu e se vê
todos os dias, quando cúmplices têm interesse em representar a comédia. Ora,
aqui, que proveito teriam tirado? Quem os teria pago? Certamente não foi o Sr.
Jacob, com o seu soldo de músico dos zuavos; nem a concessão de um desconto
sobre as consultas, já que ele nada recebia.
Compreende-se que aquele que
quer fazer uma clientela a qualquer preço empregue semelhantes meios; mas o Sr.
Jacob não tinha o menor interesse em atrair a si a multidão; não a chamou: foi
ela que veio a ele e, pode dizer-se, à sua revelia. Se não tivesse havido os fatos,
ninguém teria vindo, pois ele não chamava ninguém. Sem dúvida os jornais
contribuíram para aumentar o número de visitantes, mas só falaram do caso
porque já existia a multidão, sem o que nada teriam dito, pois o Sr. Jacob não
lhes tinha pedido que falasse dele, nem pago para fazer propaganda. Deve-se,
pois, afastar toda ideia de subterfúgios, que não teriam nenhuma razão de ser
na circunstância de que se trata.
Para apreciar os atos de um
indivíduo, é preciso buscar o interesse que o pode solicitar na sua maneira de
agir. Ora, está comprovado que não havia nenhum da parte do Sr. Jacob; que também
não o havia para o Sr. Dufayet, que cedia seu local gratuitamente, e punha seus
operários a serviço dos doentes, para carregar os enfermos, e isto com prejuízo
de seus próprios interesses; enfim, que comparsas nada tinham a ganhar.
Como as curas operadas pelo Sr.
Jacob, nestes últimos tempos, são do mesmo gênero das obtidas o ano passado no campo
de Châlons, e tendo-se passado os fatos mais ou menos da mesma maneira, apenas
em maior escala, remetemos nossos leitores aos relatos e apreciações que demos
na Revista de outubro
e novembro
de 1866. Quanto aos incidentes particulares deste ano, não poderíamos senão
repetir o que todos souberam pelos jornais.
Limitar-nos-emos, pois, quanto
ao presente, a algumas considerações gerais sobre o fato em si mesmo.
Há cerca de dois anos, os
Espíritos nos haviam anunciado que a mediunidade curadora tomaria grandes desenvolvimentos,
e seria um poderoso meio de propagação para o Espiritismo. Até então só havia
curadores que operavam, por assim dizer, na intimidade e sem alarido. Dissemos
aos Espíritos que, a fim de que a propagação fosse mais rápida, era preciso que
surgissem outros mais poderosos, para que as curas tivessem repercussão no
público. Isto acontecerá, foi a resposta, e haverá mais de um.
Essa previsão teve um começo de
realização o ano passado, no campo de Châlons, e Deus sabe se este ano faltou repercussão
às curas da Rua de la Roquette, não só na França, mas no estrangeiro.
A comoção geral que estes fatos
causaram é justificada pela gravidade das questões que eles levantam. Não há
por que se equivocar: aqui não está um desses acontecimentos de mera curiosidade,
que por um momento apaixonam a multidão ávida de novidades e distrações. A
gente não se distrai com o espetáculo das misérias humanas; a visão desses
milhares de doentes, correndo em busca da saúde, que não puderam encontrar nos
recursos da Ciência, nada tem de prazeroso e leva a sérias reflexões.
Sim, há aqui algo mais que um
fenômeno vulgar. Sem dúvida admiram-se das curas obtidas em condições tão excepcionais
que parecem raiar o prodígio; mas o que impressiona mais ainda que o fato
material, é que aí pressentem a revelação de um princípio novo, cujas consequências
são incalculáveis, de uma dessas leis por tanto tempo ocultas no santuário da
Natureza, que, à sua aparição, mudam o curso das ideias e modificam as crenças profundamente.
Diz uma secreta intuição que se
os fatos em questão são reais, é mais que uma mudança nos hábitos: é um
elemento novo introduzido na sociedade, uma nova ordem de ideias que se estabelece.
Embora os acontecimentos do
campo de Châlons tenham preparado para o que acaba de se passar, em consequência
da inatividade do Sr. Jacob durante um ano, eles quase tinham sido esquecidos;
a emoção se havia acalmado, quando, de repente, os mesmos fatos explodem no
seio da capital e de súbito tomam proporções inauditas. É, por assim dizer,
como se tivéssemos despertado no dia seguinte a uma revolução, e só nos abordássemos
perguntando: Sabeis o que se passa na Rua de la Roquette? Tendes notícias?
Dispensavam os jornais, como se se tratasse de um grande acontecimento. Em
quarenta e oito horas a França inteira ficou sabendo.
Há nesta instantaneidade algo de
notável e de mais importante do que se pensa.
A impressão do primeiro momento
foi de estupor: ninguém riu. A própria imprensa facciosa simplesmente
relatou os fatos e os boatos, sem fazer comentários. Diariamente ela dava o boletim,
sem se pronunciar pró, nem contra, e foi possível notar que a maioria dos
artigos não eram escritos em tom de zombaria; exprimiam a dúvida, a incerteza
quanto à realidade de fatos tão estranhos, inclinando-se, porém, mais para a
afirmação do que para a negação. É que o assunto, por si mesmo, era sério;
tratava-se do sofrimento e o sofrimento tem algo de sagrado, que impõe respeito;
em semelhante caso a pilhéria seria inconveniente e universalmente reprovada.
Jamais se viu a verve zombeteira exercitar-se diante de um hospital, mesmo de loucos,
ou de um comboio de feridos. Homens de coração e de senso não podiam deixar de
compreender que, numa coisa que diz respeito a questões de humanidade, a
zombaria teria sido indecorosa, por insultar a dor. Assim, é com um sentimento
penoso e uma espécie de desgosto que hoje se vê o espetáculo desses infelizes
doentes reproduzido grotescamente nos teatros de feira e traduzido em canções
burlescas. Admitindo de sua parte uma credulidade pueril e uma esperança mal
fundada, não é uma razão para faltar ao respeito que se deve ao sofrimento.
Em presença de tal repercussão,
a denegação absoluta era difícil; a dúvida só é permitida àquele que não sabe
ou que não viu. Entre os incrédulos de boa-fé e por ignorância, muitos compreenderam
que seria imprudência inscrever-se prematuramente em falso contra fatos que, um
dia ou outro, poderiam receber uma consagração e lhes dar um desmentido.
Assim, sem nada negar nem
afirmar, a imprensa geralmente limitou-se a registrar o estado de coisas,
deixando à experiência o cuidado de os confirmar ou desmentir e, sobretudo, de
os explicar.
Era o partido mais prudente.
Passado o primeiro momento de
surpresa, os adversários obstinados de toda coisa nova que contraria as suas ideias,
atordoados em alguns momentos pela violência da irrupção, tomaram coragem,
principalmente quando viram que o zuavo era paciente e de humor pacífico.
Começaram o ataque a todo vapor, servindo-se das armas habituais dos que não
têm boas razões para objetar: o gracejo e a calúnia excessivos. Mas a sua polêmica
acrimoniosa denuncia cólera e evidente embaraço, e seus argumentos, quase
sempre assentados em falso e sobre alegações notoriamente inexatas, não são dos
que convencem, porque se refutam por si mesmos.
Seja como for, não se trata aqui
de uma questão pessoal. Que o Sr. Jacob sucumba, ou não, na luta, é uma questão
de princípios que está em jogo, posta com imensa repercussão e que seguirá seu
curso. Traz à memória inumeráveis fatos do mesmo gênero, que a História
menciona, e que se multiplicam em nossos dias. Se é uma verdade, não está
encarnada num homem, e nada poderia abafá-la; a própria violência dos ataques
prova que temem que seja uma verdade.
Nesta circunstância, os que
testemunham menos surpresa e menos se emocionam são os espíritas, porque essas espécies
de fatos nada têm de que eles não se deem conta perfeitamente. Conhecendo a
causa, não se admiram dos efeitos.
Quanto aos que não conhecem a
causa do fenômeno, nem a lei que o rege, naturalmente se perguntam se é uma
ilusão ou uma realidade; se o Sr. Jacob é um charlatão; se realmente cura todas
as doenças; se é dotado de um poder sobrenatural e de quem o tem; se voltamos
ao tempo dos milagres. Vendo a multidão que o envolve e o segue, como outrora a
que seguia a Jesus na Galileia, alguns se perguntam mesmo se não seria o Cristo
reencarnado, enquanto outros pretendem que sua faculdade seja um presente do diabo.
Desde muito tempo todas estas
questões estão resolvidas para os espíritas, que têm a sua solução nos
princípios da doutrina. Não obstante, como daí podem sair vários ensinamentos importantes,
nós os examinaremos num próximo artigo, no qual faremos ressaltar igualmente a inconsequência
de certas críticas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário