segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

REFORMA NA AUTO REFORMA[1]


 

Eurípedes Kühl - Grandes Pontos em Pequenos Contos
 

Espíritas, na maioria, são contendores natos.
Guardados nas gavetas do Tempo, registros amarelecidos pelos Séculos testemunham o quanto cada um evoluiu.
No período compreendido entre o primitivismo do troglodita ao desconhecimento das Leis Morais, enquanto selvagem, o ser humano ficou inimputável. Mas, nas dobras do tempo, as vagas cíclicas da Vida trouxeram para a superfície terrestre a era da Razão, e com ela, o raciocínio. Aí, tristemente, o livre-arbítrio, a bordo da inteligência, substituiu a ignorância para a sobrevivência pela crueldade para dominar, vencendo sempre. Novamente os séculos se sobrepuseram, uns aos outros.
Deus, na sua inalcançável e insondável Sabedoria, encaminhou espíritos diletos para iluminar a mente humana e pacificar seu comportamento. Pontificando em Jesus, o recado do Pai não poderia ser mais claro, pelo que tornou-se eterno: "Amai-vos uns aos outros".
A partir de então, a Era Cristã agitou beneficamente todo o planeta. Muitos ouviram o recado. Sobre assimilação, aduziram exemplificação.
Degrau a degrau, no avançar das reencarnações, vamos encontrar hoje, nos Centros Espíritas, criaturas muito bem intencionadas, frequentando-os e participando de suas atividades materiais e espirituais.
Se o lar e a família são inspirações divinas, em boa hora apropriadas pelos homens, os Centros Espíritas seguramente estão em patamar próximo delas. Ali, médiuns reunidos sob a lâmpada do Evangelho, agrupam-se para a incomparável tarefa caridosa tanto com encarnados quanto com desencarnados.
Pouquíssimos institutos, em todo o universo, podem se comparar ao lar, à família e ao Centro Espírita! Se nos dois primeiros é inescapável a apara de dissensões, arestas e diferenças, reajuste imperando vinte e quatro horas diárias, por longos dias, meses e anos, no Centro Espírita ocorre outro enredo.
Com parentes reajustamos inimizades e resgatamos passado delituoso. No Centro Espírita não há débito de médium para médium, em escala individual, e sim, compromisso coletivo de união, para consecução de ideal comum.
Podemos desertar quantas vezes quisermos dos laços consanguíneos. A necessidade do reequilíbrio, cedo ou tarde, nos reconduzirá, ainda pelo parentesco próximo, a reencontros e convivência inevitáveis...
Já no Centro Espírita, quando invigilantes, os médiuns cedem ao império do atavismo, apagam o farol cristão e revivem lampejos da ancestralidade.
Sabemos todos, que no Bem ou no Mal, momentos podem ser transformar em séculos.
Os momentos do Bem se eternizarão.
Os do Mal, um dia se diluirão.
Assim, prudente será o médium testificar seu aprendizado, praticando aquilo mesmo que, amiúde, sugere aos visitantes invisíveis, nas reuniões mediúnicas...
Se o médium, buscando mais paz, transferir-se de uma para outra organização espírita, não deixará rastros de reajustes. Estará, certamente, apenas mudando o endereço do seu programa reencarnatório. Pois, para onde for, encontrará outros jornadeiros, que dia menos dia apresentarão o mesmo quadro psíquico que se intentou evitar.
Quando a desunião visitar o Centro Espírita, convidada que tenha sido tão somente pela intolerância de uma ou mais partes, é preciso que os corações assumam o comando: ninguém melhor que o coração ouve o som divino, transformado em palavra por Jesus, cujo eco, permanentemente, reverbera nos tímpanos da alma cristã, a respeito do imortal "setenta vezes sete vezes”...
O espírito mais humilde não precisa perdoar, porque jamais se ofende.
Se ao adentrar no Espiritismo o médium empolga-se com as benditas luzes da chamada "Terceira Revelação", impondo a si mesmo radical transformação, sob a meta da auto reforma, imperioso verificar que aqueles primórdios não bastam. Assim como na natureza, onde tudo se renova para progredir, o espírita de hoje necessita reformar algo do espírita de ontem. Sempre!
Não há programa ou equação definidos para a reforma da auto reforma. Ela é incumbência individual, intransferível, realizável periodicamente, a título de valiosa reavaliação. Para correção de rota.
Crises em Centros Espíritas podem ser comparáveis às manchas solares, que de onze em onze anos liberam fantásticas porções de energia, com repercussão em todo o sistema solar, interferindo em todos os fenômenos naturais.
À tempestade solar segue-se a ionização benéfica da atmosfera.
À tempestade terrena segue-se a bonança e purificação do ar.
À erupção vulcânica segue-se renovação dos compostos nas terras a plantar.
No Centro Espírita - filial do amor universal -, quando sob interferências, de um ou outro plano, unam-se dirigentes, médiuns e frequentadores e chamem Jesus, perdão na mente, Evangelho no coração, suavidade na língua...
Essa a equação da Paz para qualquer Centro Espírita: numerador, a soma das heterogêneas pessoas que os compõem e denominador, comum, o Amor!
Maria é mãe, toda Amor. Que Sua Bênção seja nossa,


Dulce

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Quando a mente fabrica a doença[1]


 Mª Victoria S. Nadal  -  Madri    -   21/02/2016


Quase todos nós aceitamos sem problemas que o coração bata com mais força quando nos aproximamos da pessoa por quem estamos apaixonados, ou que as nossas pernas tremam quando é preciso falar em público. São emoções que provocam sintomas físicos reais. Entretanto, custa aceitar que os mesmos pensamentos que causam um frio na barriga cheguem a desencadear doenças graves, como cegueira, convulsões ou paralisias. E, no entanto, é justamente isso que descreve a neurologista Suzanne O’Sullivan no livro “It’s All in Your Head” (está tudo na sua cabeça, na tradução literal, ainda inédito no Brasil), no qual revê alguns dos casos mais impactantes de doenças psicossomáticas com os quais se deparou ao longo da carreira.
Certa vez, O’Sullivan teve uma paciente, chamada Linda, que percebeu um pequeno inchaço no lado direito da cabeça. Era só um cisto sebáceo, mas ela não parava de fazer exames e consultas. Pouco depois, perdeu a sensibilidade do braço e da perna direitos; a paciente tinha certeza de que o inchaço havia atingido o cérebro. Quando O’Sullivan a examinou, todo o lado direito do corpo – o mesmo onde estava o caroço – já havia perdido o movimento e a sensibilidade. Só que Linda não sabia que o lado direito do cérebro na verdade controla os movimentos do lado esquerdo do corpo, e por isso sua mente se enganou ao criar os sintomas. Linda, na verdade, sofria de um transtorno psicossomático – seus pensamentos desencadeavam sintomas de uma doença inexistente.
Quando O’Sullivan estava se especializando em neurologia, foi ensinada a distinguir os doentes que tinham sintomas físicos causados por conflitos mentais. “Todos os meus pacientes tinham convulsões, mas em 70% dos casos não sofriam de epilepsia: por mais que fossem examinados, não encontrávamos nenhuma lesão ou causa neurológica que explicasse seus sintomas. Tinha de ser algo psicológico.” Mas mandar os pacientes para casa com o diagnóstico que não eram epiléticos não servia de consolo, de modo que a médica se sentiu obrigada a encontrar uma maneira de ajudá-los.
Em 2004 ela começou a agir, e desde então, quando encontra um paciente com sintomas, mas sem lesões neurológicas, tenta lhe explicar que a origem dos seus males é um problema psicológico mal resolvido. Geralmente, porém, os pacientes se negam a aceitar esse diagnóstico. “Eles têm um estresse mental do qual não estão conscientes, e alguém está obrigando-os a encará-lo”, diz a médica. “Esses sintomas são uma manifestação do organismo: seu organismo está lhe dizendo que algo não vai bem dentro de você, e que você não está percebendo.”
Ninguém está a salvo dessas doenças, e há centenas de causas que as originam. Segundo O’Sullivan, os casos muito extremos, como as convulsões ou paralisias, costumam nascer de traumas psicológicos severos; os menos graves podem surgir de um amontoado de pequenos esgotamentos que os pacientes não sabem administrar. “Depende da atenção que a pessoa presta às dores. Se ficarem obcecadas e buscarem repetidamente uma explicação médica que não existe, é possível que acabem desenvolvendo a doença psicossomática”, explica O’Sullivan.
Para se curar, o acompanhamento psicológico é indispensável. Segundo O’Sullivan, a primeira coisa a fazer é abandonar a ideia de que há uma enfermidade orgânica. A seguinte etapa é ver como a mente afeta o corpo: se você sente palpitações e nota que está ansioso, elas começarão a parecer muito menos graves, já que você conhece as causas. Mas, se associa essas palpitações a problemas cardíacos, e os exames médicos não comprovam isso, você provavelmente ficará obcecado, e as palpitações irão piorar.
“Às vezes, os pacientes desejam desesperadamente que você encontre um resultado ruim nos exames, que dê um nome para sua doença e receite alguns comprimidos que justifiquem suas dores”, conta a neurologista. Esse problema é muito mais comum do que se imagina. Cerca de 30% das pessoas sofrem disso, e a imensa maioria nem sequer fica sabendo.
Após mais de dez anos de dedicação às enfermidades psicossomáticas, Suzanne O’Sullivan continua sem saber apontar o caso mais grave que viu. “Os casos mais duros são os de pessoas que adoeceram quando tinham 16 anos e, aos 50, continuam indo a médicos. Estão cegos ou em cadeira de rodas e continuam se submetendo a operações. Conheço pessoas que comem por um tubo, mas não têm nenhuma doença orgânica. Todas as partes do seu organismo foram afetadas por sua mente”, relata. Nada mais surpreende essa neurologista. “As incapacidades que criamos com nossa mente são tão infinitas que já deixei de acreditar nos limites”, diz.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Atendimento Fraterno



José Passini - Jose.passini@gmail.com


O Atendimento Fraterno que hoje se faz nos centros espíritas já era praticado há muitas décadas, mas dedicado apenas a Espíritos desencarnados, nas reuniões mediúnicas, chamadas de desobsessão ou de doutrinação.
Àquele tempo, o exercício mediúnico era também voltado aos trabalhos de materialização, em que se corporificavam Espíritos e eram movimentados objetos, transportadas flores etc. Havia também a prática mediúnica voltada a curas físicas e, em menor escala, à psicografia.
A doutrinação de Espíritos situava-se mais no campo filosófico, sectário, com vigorosa argumentação doutrinária, distante da pregação dos chamamentos do Evangelho. Praticava-se um esforço de convencimento pela razão que, muitas vezes, não tocava o coração, embora fossem citados pontos do Evangelho. Às vezes, o diálogo chegava às raias de verdadeiro debate acalorado, como se fosse uma disputa política ou uma discussão acadêmica.
Mas, com o passar do tempo, o entendimento dos trabalhadores da seara mediúnica evoluiu muito, principalmente depois da obra de Chico Xavier, na qual se sobressai a literatura de André Luiz e de Emmanuel.
Em verdade, a obra de André Luiz ainda não foi suficientemente avaliada, porque não tem sido estudada em profundidade, a não ser em grupos que promovem seminários, encontros etc. Em toda a série de seus livros, tem-se esclarecimentos quanto à prática mediúnica e à necessidade do esforço pessoal do trabalhador, no sentido de capacitar-se a levar as verdades do Evangelho ao Espírito necessitado, não só através de citações dos ensinamentos de Jesus, mas da exemplificação do esforço de vivência do médium e do doutrinador.
Nas reuniões mediúnicas, aquele que antigamente era abordado como obsessor, perseguidor, hoje é visto como um irmão necessitado de esclarecimento, de ser beneficiado com as luzes dos ensinamentos de Jesus.
Hoje, o doutrinador desceu da cátedra de onde ensinava o caminho do bem através de arrazoados filosóficos e de citações evangélicas, para falar ao irmão equivocado, carente de compreensão, de amparo, de carinho, embora este se mostre, muitas vezes, rebelde, imprudente, atrevido. O entendimento de hoje leva-nos a olhar o obsessor não como um perseguidor implacável, um criminoso, mas como um irmão equivocado e doente, a requerer atenção, respeito, bondade e carinho.
Perseguidor e perseguido não mais são vistos como algoz e vítima, mas como irmãos que se desavieram no passado, os quais deverão ser beneficiados pelas luzes do Evangelho.
            Essa compreensão mais avançada deve também iluminar aqueles que se dedicam à atividade de atendimento fraterno a encarnados, prática que se tem tornado comum nas casas espíritas. É imprescindível um esforço constante no Bem, da parte daquele que se propõe a ajudar: conscientização de que, embora não seja um santo acabado, deve manter um contato íntimo com a oração, deve promover esforços no campo do auto-aprimoramento, da disciplina, da obediência. Aquele que se propõe a ouvir e ajudar um irmão necessitado deve esforçar-se continuamente na busca do desenvolvimento da bondade, da tolerância, da benevolência, da humildade e da compaixão.
Essa conscientização permanente fará com que o atendente tenha a palavra carregada de energia positiva, aquela emanada da convicção profunda e do coração voltado ao Bem, pois assim suas palavras serão revestidas de uma energia que tocará fundo o entendimento do interlocutor, não representando apenas posição intelectual, mas vibração sincera de Amor.
 Essa condição essencial para o trabalho de evangelização é colocada em relevo pelo Instrutor Alexandre: O companheiro que ensina a virtude, vivendo-lhe as grandezas em si mesmo, tem o verbo carregado de magnetismo positivo, estabelecendo edificações espirituais nas almas que o ouvem. Sem essa característica, a doutrinação, quase sempre, é vã. (Missionários da Luz, cap. 18)
A força da convicção, do equilíbrio e do amor daquele que fala, que doutrina, foi sentida por Mateus, que a registra no último versículo das suas anotações de O Sermão da Montanha:
E sucedeu que, concluindo Jesus este discurso, as turbas estavam maravilhadas com seu ensino, pois estava ensinando a eles como quem tem autoridade e não como os escribas deles. (Mt, 7: 28 e 29)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

ABORTO DELITUOSO[1]


 

Joanna de Ângelis[2]

 

Nada que o justifique.

Infanticídio execrável, o aborto delituoso é cobarde processo de que se utilizam os espíritos fracos para desfazer-se da responsabilidade, incidindo em grave delito de que não poderão exonerar com facilidade.

Não obstante, em alguns países, na atualidade, o aborto sem causa justa - e como causa justa devemos considerar o aborto terapêutico, mediante cuja interferência médica se objetiva a salvação da vida orgânica da gestante - se encontre legalizado, produzindo inesperada estatística de alto índice, perante as leis naturais que regem a vida, continua a ser atentado criminoso contra um ser que se não pode defender, constituindo, por isso mesmo, dos mais nefandos atos de agressão à criatura humana...

Defensores insensatos do aborto delituoso, costumam alegar que nos primeiros meses nada existe, olvidando, que, em verdade, o tempo da fecundação é de somenos importância... A vida humana, em processo de crescimento, merece o mais alto respeito, desde que, com a sucessão dos dias, o feto estará transformado no homem ou na mulher, que tem direito à oportunidade da experiência carnal, por impositivo divino.

A ninguém é concedida a faculdade de interromper o fenômeno da vida, sem assumir penoso compromisso de que não se libertará sem pesado ônus...

Nenhum processo reencarnatório resulta da incidência casual de fatores que impelem os gametas à fecundação extemporânea. Se assim fora, resultaria permissível ao homem aceitar ou não a conjuntura.

Alega-se, também, que é medida salutar a legalização do aborto, em considerando que a sua prática criminosa é tão relevante, que a medida tornada aceita evita a morte de muitas mulheres temerosas que, em se negando à maternidade, se entregam a mãos inescrupulosas e caracteres sórdidos, que agem sem os cuidados necessários à preservação da saúde e da vida...

Um crime, todavia, de maneira alguma justifica a sua legalização fazendo que desapareçam as razões do que o tornava prática ilícita.

A vida é patrimônio divino que não pode ser levianamente malbaratado.

Desde que os homens se permitem a comunhão carnal é justo que se submetam ao tributo da responsabilidade do ato livremente aceito.

Toda ação que se pratica gera naturais reações que gravitam em torno do seu autor.

Examinando-se ainda a problemática do aborto legal, as leis são benignas quando a fecundação decorre da violência pelo estupro... Mesmo em tal caso, a expulsão do feto, pelo processo abortivo, de maneira nenhuma repara os danos já ocorridos...

Não raro, o Espírito que chega ao dorido regaço materno, através de circunstância tão ingrata, se transforma em floração de bênção sobre a cruz de agonias em que o coração feminil se esfacelou...

A renúncia a si mesmo pela salvação de outra vida concede incomparáveis recursos de redenção para quem se tornou vítima da insidiosa trama do destino...

Sucede, porém, que o sofredor inocente de agora está ressarcindo dívida, ascendendo pela rota da abnegação e do sacrifício aos páramos da felicidade.

Não ocorrem incidentes que estabeleçam nos quadros das Leis Divinas injustiça em relação a uns e exceção para com outros...

O aborto, portanto, mesmo quando aceito e tornado legal nos estatutos humanos fere, violentamente, as Leis Divinas, continuando crime para quem o pratica ou a ele se permite submeter.

Legalizado, torna-se aceito, embora continue não moral.

*

Retornará à tentativa de recomeço na Terra o Espírito que foi impedido de renascer.

Talvez em circunstâncias mais grave para a abortista se dê o reencontro com aquele de quem gostaria de se libertar.

Vinculados por compromissos de inadiável regularização, imantam-se reciprocamente, dando início, quando o amor não os felicita, a longos processos de alienações cruéis e enfermidades outras de etiologia mui complexa.

Atende, assim, a vida, sob qualquer modalidade que se te manifeste.

No que diz respeito à porta libertadora da reencarnação, eleva-te, mediante a concessão da oportunidade dos Espíritos que te buscam, confiando em Deus, o Autor da Criação, mantendo a certeza de que se as aves dos céus e as flores do campo recebem carinhoso cuidado, mais valem os homens, não estando, portanto, à mercê do abandono ou da ausência dos socorros divinos.

Nada que abone ou escuse o homem pela prática do aborto delituoso, apesar do desvario moral que avassala a Terra e desnorteia as criaturas.

Todo filho é empréstimo sagrado que deve ser valorizado e melhorado pelo cinzel do amor dos pais, para oportuna devolução ao Genitor Celeste.

Não adies a tua elevação espiritual através da criminosa ação do aborto, mesmo que as dificuldades e aflições sejam o piso por onde seguem os teus pés...

Toda ascensão impõe o encargo do sacrifício. O topo da subida, porém, responde com paz e beleza aos empecilhos que se sucedem na jornada. Chegarás à honra da paz, após a consciência liberada dos débitos e das culpas.

 

Matar, nunca!



[2] FRANCO, Divaldo Pereira. Após a Tempestade. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. LEAL. Capítulo 12.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Uniões antipáticas[1]


 
Christiano Torchi -  christiano.torchi@gmail.com


Uma vez que os Espíritos simpáticos são levados a unir-se, como é que, entre os encarnados, muitas vezes a afeição existe apenas de um dos lados e o amor mais sincero seja acolhido com indiferença e até com repulsa? Como é, além disso, que a mais viva afeição entre dois seres pode transformar-se em antipatia e mesmo em ódio?
Com essa questão, Kardec inicia o tópico “Uniões antipáticas”, tratado nas questões 939 a 940-a de O livro dos Espíritos, Livro Quarto – Esperanças e Consolações, exclusivamente sob o prisma do amor entre homem e mulher, contudo, o tema é bem mais abrangente, tanto que também foi abordado sob outros ângulos no Livro Segundo – Mundo espiritual ou dos Espíritos, da mesma obra básica, com os títulos “Relações de simpatia e de antipatia entre os Espíritos. Metades Eternas” (questões 291 a 303-a) e “Simpatias e antipatias terrenas” (questões 386 a 391).
Em se tratando das relações conjugais, há pessoas que amam sem ser amadas, o que lhes pode trazer grande sofrimento.
E por que exatamente isso ocorre? Este é um assunto importantíssimo, porque diz respeito ao relacionamento interpessoal, que começa na família e se reflete em todos os demais setores da humanidade.
O progresso, a construção e o funcionamento de uma sociedade justa e feliz dependem, essencialmente, da união e do entendimento entre as pessoas, sendo o lar um ótimo campo de exercício desse amor fraternal.
Jesus legou-nos o ensinamento de que não há como amar a Deus sem amar ao próximo. O Espiritismo, corroborando este ensinamento, afirma que os laços da fraternidade se constroem pela prática da caridade.
Mas, afinal, qual o significado da palavra “antipatia”?
Para entender melhor a antipatia, convém iniciar estudando o seu antônimo, a “simpatia”, cuja definição, de acordo com o dicionário, é semelhante ao conceito espírita: “afinidade moral, similitude no sentir e no pensar que aproxima duas ou mais pessoas” [2].
A antipatia, portanto, é o oposto da simpatia, podendo ser resumida, também no sentido trivial, como a aversão espontânea ou gratuita por alguém ou algo, malquerença, repulsão, conhecida popularmente, quando se trata de relacionamento entre os casais, de “incompatibilidade de gênios”.
Antes de aprofundar esta questão, é preciso recordar, ainda que brevemente, a lei das afinidades estudada pelo Espiritismo. A afinidade é o laço de simpatia que une os seres vivos entre si. É pela afinidade que se formam os grupos de amigos em ambos os planos da vida:
– A simpatia ou a antipatia têm as suas raízes profundas no Espírito, na sutilíssima entrosagem dos fluidos peculiares a cada um e, quase sem sensações experimentadas pela criatura, desde o pretérito delituoso, em iguais circunstâncias.
Devemos, porém, considerar que toda antipatia, aparentemente a mais justa, deve morrer para dar lugar à simpatia que edifica o coração para o trabalho construtivo e legítimo da fraternidade [3].
Encampando a proposta do benfeitor espiritual acima reproduzida, perguntamo-nos: como transformar a antipatia em simpatia, sobretudo no relacionamento a dois? Para chegar a essa resposta, é preciso entender que, em muitos casos, a atração ou repulsão existente entre os Espíritos explica-se pela reencarnação, em que dois seres se reencontram, desatando os nós dos sentimentos adormecidos no imo do ser.
Todavia, nem sempre a simpatia ou a antipatia que nutrem um pelo outro tem por princípio um conhecimento anterior entre eles.
Entre os seres pensantes há ligações que ainda não conheceis. O magnetismo é o piloto dessa ciência, que mais tarde compreendereis melhor [4]. Não sem razão, Léon Denis assevera que “a lei das atrações e correspondências rege todas as coisas…” [5], donde se conclui que a afinidade pode ser de natureza moral ou fluídica, o que remete a outra questão da primeira obra básica:
[…] Há duas espécies de afeição: a do corpo e a da alma, tomando-se muitas vezes uma pela outra. A afeição da alma, quando pura e simpática, é durável; a do corpo é perecível. Eis por que, com muita frequência, os que julgavam amar-se eternamente acabam por odiar-se, desde que a ilusão se desfaça [6].
Por exemplo, a circunstância de duas pessoas não se simpatizarem, de não se entrosarem nos gostos e preferências, não significa que sejam más. Este é um aspecto interessante da relação entre o casal que nem sempre é levado em conta.
Dois Espíritos não são necessariamente maus por não simpatizarem um com o outro. Essa antipatia pode resultar da diversidade no modo de pensar. Mas, à medida que se forem elevando, as diferenças se apagam e a antipatia desaparece [7].
Paradoxalmente, as diferenças existentes entre os pares, na convivência conjugal, servem mais para unir do que para separá-los. Tudo depende de como se comportam diante das inumeráveis situações da vida, que apresentam grandes oportunidades de aprendizado, de exercício da tolerância e do combate ao egoísmo, despertando a centelha do fogo sagrado do amor que dormita no coração de todos [8].
Nas lições do Espiritismo, sobre o combate ao egoísmo, está a chave para fazer morrer a antipatia, dando lugar à simpatia.
O egoísmo, esta chaga da humanidade, tem que desaparecer da Terra, porque impede o seu progresso moral. É ao Espiritismo que está reservada a tarefa de fazê-la elevar-se na hierarquia dos mundos. O egoísmo é, pois, o alvo para o qual todos os verdadeiros crentes devem apontar suas armas, sua força, sua coragem. Digo: coragem, porque é preciso mais coragem para vencer a si mesmo, do que para vencer os outros. Que cada um, portanto, empregue todos os esforços a combatê-lo em si, certo de que esse monstro devorador de todas as inteligências, esse filho do orgulho é a fonte de todas as misérias terrenas. É a negação da caridade e, por conseguinte, o maior obstáculo à felicidade dos homens 8.
Não se desconsidere, porém, que, na pauta da lei de causa e efeito, muitos casais se reencontram para o necessário ajuste de contas. O encantamento dos primeiros encontros, com o tempo e a convivência, cede lugar à decepção, à amargura. Esse é um momento crítico, no qual entra o esforço de cada um em procurar vencer essas naturais resistências, que tendem a desaparecer com o cultivo da prece, do perdão, da compreensão:
[…] quantos não são os que acreditam amar perdidamente, porque julgam apenas pelas aparências, mas que, quando obrigados a viver com as pessoas, não tardam a reconhecer que não passava de um entusiasmo material! Não basta uma pessoa estar enamorada de outra que lhe agrada e em quem supõe belas qualidades; é vivendo realmente com ela que poderá apreciá-la. Por outro lado, quantas uniões, que a princípio parecem destinadas à antipatia, acabam se transformando em amor terno e duradouro, porque baseado na estima, depois que o casal passa a conhecer-se melhor e analisar-se mais de perto! Cumpre não esquecer que é o Espírito quem ama, e não o corpo, de modo que, dissipada a ilusão material, o Espírito vê a realidade 6.
Ressalve-se, porém, que ninguém está condenado a viver infeliz ao lado de quem lhe desagrada. Nem mesmo Jesus consagrou a indissolubilidade absoluta do casamento, tanto que afirmou: “Foi por causa da dureza dos vossos corações que Moisés permitiu que despedísseis as vossas mulheres” [9]:
[…] Isso significa que, desde o tempo de Moisés, não sendo a afeição mútua a única finalidade do casamento, a separação podia tornar-se necessária.
Acrescenta, porém: “no princípio não foi assim”, isto é, na origem da humanidade, quando os homens ainda não estavam pervertidos pelo egoísmo e pelo orgulho e viviam segundo a lei de Deus, as uniões, baseadas na simpatia, e não na vaidade e na ambição, não davam motivo ao repúdio 9.
Estas conclusões não devem servir de pretexto ao desfazimento das uniões conjugais, ante a primeira dificuldade. Pelo contrário. Devem estimular a busca de soluções, todas elas encontradas no Evangelho de Jesus, para que a antipatia morra, dando lugar à simpatia.
Portanto, seja no relacionamento em família, seja no relacionamento em sociedade, a cada um de nós compete uma cota de esforço diário para melhorar a convivência com o nosso próximo mais próximo.


[2] DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA. versão 3.0.
[3] XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29ª ed. 1ª imp. Brasília: FEB, 2013. pag. 173.
[4] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4ª ed. 2ª imp. Brasília: FEB, 2014. pag. 388.
[5] BORGES, A. Merci Spada. Doutrina espírita no tempo e no espaço. 800 verbetes especializados. 2ª ed. São Paulo: Panorama Comunicações, 2001. Verbete sintonia, pag. 333.
[6] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4ª ed. 2ª imp. Brasília: FEB, 2014. pag. 939.
[7] ____. ____. pag. 390.
[8] ____. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2ª ed. 3ª imp. Brasília: FEB, 2015. cap. 11, it. 9 e 11, respectivamente.
[9] ____. ____. cap. 22, it. 5.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

AÇÃO DA PRECE. TRANSMISSÃO DO PENSAMENTO[1]

 

A prece é uma invocação: por ela nos pomos em relação mental com o ser a que nos dirigimos. Ela pode ter objeto um pedido, um agradecimento ou um louvor. Podemos orar por nós mesmos ou pelos outros, pelos vivos ou pelos mortos. As preces dirigidas a Deus são ouvidas pelos Espíritos encarregados da execução dos seus desígnios; as que são dirigidas aos Bons Espíritos vão também para Deus. Quando oramos para outros seres, e não para Deus, aqueles nos servem apenas de intermediários, de intercessores, porque nada pode ser feito sem a vontade de Deus.
O Espiritismo nos faz compreender a ação da prece, ao explicar a forma de transmissão do pensamento, seja quando o ser a quem oramos atende ao nosso apelo, seja quando o nosso pensamento eleva-se a ele. Para se compreender o que ocorre nesse caso, é necessário imaginar todos os seres, encarnados e desencarnados, mergulhados no fluido universal que preenche o espaço, assim como na Terra estamos envolvidos pela atmosfera. Esse fluido é impulsionado pela vontade, pois é o veículo do pensamento, como o ar é o veículo do som, com diferença de que as vibrações do ar são circunscritas, enquanto as do fluido universal se ampliam ao infinito. Quando, pois, o pensamento se dirige para algum ser, na Terra ou no espaço, de encarnado para desencarnado, ou vice-versa, uma corrente fluídica se estabelece de um a outro, transmitindo o pensamento, como o ar transmite o som.
A energia da corrente está na razão direta da energia do pensamento e da vontade. É assim que a prece é ouvida pelos Espíritos onde quer que eles se encontrem, assim que os Espíritos se comunicam entre si, que nos transmitem a suas inspirações, e que a relações se estabelecem à distância entre os próprios encarnados.
Esta explicação se dirige sobretudo aos que não compreendeu a utilidade da prece puramente mística. Não tem por fim materializa a prece, mas tornar compreensíveis os seus efeitos, ao mostrar que ela pode exercer a ação direta e positiva. Nem por isso está menos sujeita à vontade de Deus, juiz supremo em todas as coisas, e único que pode dar eficácia à sua ação.
Pela prece, o homem atrai o concurso dos Bons Espíritos, que o vêm sustentar nas suas boas resoluções e inspirar-lhe bons pensamentos. Ele adquire assim a força moral necessária para vencer as dificuldades e voltar ao caminho reto, quando dele se afastou; e assim também pode desviar de si aos males que atrairia pelas suas próprias faltas. Um homem, por exemplo, sente a sua saúde arruinada pelos excessos que cometeu, e arrasta, até o fim dos seus dias, uma vida de sofrimentos. Tem o direito de queixar- se, se não conseguir a cura? Não, porque poderia encontrar na prece a força para resistir às tentações.
Se dividirmos os males da vida em duas categorias, sendo uma a dos que o homem não pode evitar, e outra a das atribuições que ele mesmo provoca, por sua incúria e pelos seus excessos[2], veremos que esta última é muito mais numerosa que a primeira.
Torna-se pois evidente que o homem é o autor da maioria das suas aflições, e que poderia poupar-se, se agisse sempre com sabedoria e prudência.
É certo, também, que essas misérias resultam das nossas infrações às leis de Deus, e que, se as observássemos rigorosamente, seríamos perfeitamente felizes. Se não ultrapassássemos os limites do necessário, na satisfação das nossas exigências vitais, não sofreríamos as doenças que são provocadas pelos excessos, e as vicissitudes decorrentes dessas doenças.
Se limitássemos as nossas ambições, não temeríamos a ruína. Se não quiséssemos subir mais alto do que podemos, não recearíamos a queda. Se fossemos humildes, não sofreríamos as decepções do orgulho abatido. Se praticássemos a lei de caridade, não seríamos maledicentes, nem invejosos, nem ciumentos, e evitaríamos as querelas e as dissensões. Se não fizéssemos nenhum mal a ninguém, não teríamos de temer as vinganças, e assim por diante.
Admitamos que o homem nada pudesse fazer contra os outros males; que todas as preces fossem inúteis para livrar-se deles; já não seria muito, poder afastar todos os que decorrem da sua própria conduta? Pois bem: neste caso concebe-se facilmente a ação da prece, que tem por fim atrair a inspiração salutar dos Bons Espíritos, pedir-lhes a força necessária para resistirmos aos maus pensamentos, cuja execução pode nos ser funesta. E, para nos atenderem nisto, não é o mal que eles afastam de nós, mas é a nós que eles afastam de pensamento que nos pode causar o mal: não embaraçam em nada os desígnios de Deus, nem suspendem o curso das leis naturais, mas é a nós que impedem de infringirmos as leis, ao orientarem o nosso livre-arbítrio. Mas o fazem sem o percebermos, de maneira oculta para não prejudicarem a nossa vontade. O homem se encontra então na posição de quem solicita bons conselhos e os segue, mas conservando a liberdade de segui-los ou não. Deus quer que assim seja para que ele tenha a responsabilidade dos seus atos e para lhe deixar o mérito da escolha entre o bem e o mal. É isso o que o homem sempre receberá, se pedir com fervor, e ao que se poderá sobretudo aplicar estas palavras: "Pedi e obtereis".
A eficácia da prece, mesmo reduzida a essas proporções, não daria imenso resultado? Estava reservado ao Espiritismo provar a sua ação, pela revelação das relações entre o mundo corpóreo e mundo espiritual. Mas não se limitam a isso os seus efeitos. A prece é recomendada por todos os Espíritos. Renunciar a ela é ignorar a bondade de Deus; é rejeitar para si mesmo a Sua assistência; e parece aos outros, o bem que se poderia fazer.
Ao atender o pedido que lhe é dirigido, Deus tem frequentemente em vista recompensar a intenção, o devotamento e a fé daquele que ora. Eis porque a prece do homem de bem tem mais merecimento aos olhos de Deus, e sempre maior eficácia. Porque o homem vicioso e mau não pode orar com o fervor e confiança que só sentimento da verdadeira piedade pode dar. Do coração do egoísta daquele que só ora com os lábios, não poderiam sair mais do que palavras, e nunca os impulsos da caridade, que dão à prece toda a sua força. Compreende-se isso tão bem que, instintivamente, preferimos recomendar-nos às preces daqueles cuja conduta nos parece que deve agradar a Deus, pois que são melhor escutados.
Se a prece exerce uma espécie de ação magnética, podemos supor que o seu efeito estivesse subordinado à potência fluídica. Entretanto, não é assim. Desde que os Espíritos exercem pela ação sobre os homens, eles suprem, quando necessário, a insuficiência daquele que ora, seja através de uma ação direta em seu nome, seja ao lhe conferirem momentaneamente uma força excepcional, quando ele for julgado digno desse benefício, ou quando isso possa ser útil. O homem que não se julga suficientemente bom para exerce uma influência salutar, não deve deixar de orar por outro, por pensa que não é digno de ser ouvido.
A consciência de sua inferioridade uma prova de humildade, sempre agradável a Deus, que leva em conta a sua intenção caridosa. Seu fervor e sua confiança em Deus constituem o primeiro passo do seu retorno ao bem, que os Bons Espíritos se sentem felizes de estimular. A prece que é repelida é a do orgulhoso, que só tem fé no seu poder e nos seus méritos, e julga poder substituir-se à vontade do Eterno.
O poder da prece está no pensamento, e não depende nem das palavras, nem do lugar, nem do momento em que é feita. Pode-se, pois, orar em qualquer lugar e a qualquer hora, a sós ou em conjunto. A influência do lugar ou do tempo depende das circunstâncias que possam favorecer o recolhimento. A prece em comum tem ação mais poderosa, quando todos os que a fazem se associam de coração num mesmo pensamento e têm a mesma finalidade, porque então é como se muitos clamassem juntos e em uníssono. Mas que importaria estarem reunidos em grande número, se cada qual agisse isoladamente e por sua própria conta? Cem pessoas reunidas podem orar como egoístas, enquanto duas ou três, ligadas por uma aspiração comum, orarão como verdadeiros irmãos em Deus, e sua prece terá mais força do que a daquelas cem[3].



[1] O Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec. Capítulo XXVII
[2] Idem, Capítulo V
[3] Idem, Capítulo XXVIII

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

MENSAGEM AOS MÉDIUNS NESTES TEMPOS DE DOR[1]


 

André Luiz[2]


Depois de um século de mediunidade, à luz da Doutrina Espírita, com inequívocas provas da sobrevivência, nas quais a abnegação dos Mensageiros Divinos e a tolerância de muitos sensitivos foram colocadas à prova, temo-la, ainda hoje, incompreendida e ridicularizada.
Os intelectuais, vinculados ao ateísmo prático, desprezam-na até agora, enquanto os cientistas que a experimentam se recolhem, quase todos, aos palanques da Metapsíquica, observando-a com reserva. Junto deles, porém, os espíritas sustentam-lhe a bandeira de trabalho e revelação, conscientes de sua presença e significado perante a vida. Tachados, muitas vezes, de fanáticos, prosseguem eles, à feição de pioneiros, desbravando, sofrendo, ajudando e construindo, atentos aos princípios enfocados por Allan Kardec em sua codificação basilar.
Alguém disse que “os espíritas pretenderam misturar, no Espiritismo, ciência e religião, o que resultou em grande prejuízo para a sua parte científica”. E acentuou que “um historiador, ao analisar as ordenações de Carlos Magno, não pensa em Além-Túmulo; que um fisiologista, assinalando as contrações musculares de uma rã não fala em esfera ultraterrestres; e que um químico, ao dosar o azoto da lecitina, não se deixa impressionar por nenhuma fraseologia da sobrevivência humana”, acrescentando que, “em Metapsíquica, é necessário proceder de igual modo, abstendo-se o pesquisador de sonhar com mundos etéreos ou emanações anímicas, de maneira a permanecer no terra-a-terra, acima de qualquer teoria, para somente indagar, muito humildemente, se tal ou tal fenômeno é verdadeiro, sem o propósito de desvendar os mistérios de nossas vidas pregressas ou vindouras”.
Os espírita, contudo, apesar do respeito que consagram à pesquisa dos sábios, não podem abdicar do senso religioso que lhes define o trabalho. Julgam lícito reverenciá-los, aproveitando-lhes estudos e equações, qual nos conduzimos nestas páginas[3] , tanto quanto eles mesmos, os sábios, lhes homenageiam o esforço, utilizando-lhes o campo de atividade para experimentos e anotações.
Consideram os espíritas, que o historiador, o fisiologista e o químico podem não pensar em Além-Túmulo, mas não conseguem avançar desprovidos de senso moral, porquanto o historiador, sem dignidade, é veículo de imprudência; o fisiologista, sem respeito para consigo próprio, quase sempre se transforma em carrasco da vida humana, e o químico, desalmado, facilmente se converte em agente da morte.
Se caminham atentos à mensagem das Esferas Espirituais, isso não quer dizer se enquistem na visão de “mundos etéreos”, para enternecimento beatífico e esterilizante, mas para se fazerem elementos úteis na edificação do mundo melhor. Se analisam as emanações anímicas é porque desejam cooperar no aperfeiçoamento da vida espiritual no Planeta, assim como na solução dos problemas do destino e da dor, junto da Humanidade, de modo a se esvaziarem penitenciarias e hospícios, e, se algo procuram, acima do “terra-a-terra”, esse algo é a educação de si mesmos, através do bem puro aos semelhantes, com o que aspiram, sem pretensão, a orientar o fenômeno a serviço dos homens, para que o fenômeno não se reduza a simples curiosidade da inteligência.
Quanto mais investiga a Natureza, mais se convence o homem de que vive num reino de ondas transfiguradas em luz, eletricidade, calor ou matéria, segundo o padrão vibratório em que se exprimam.
Existem, no entanto, outras manifestações da luz, da eletricidade, do calor e da matéria, desconhecidas nas faixas da evolução humana, das quais, por enquanto, somente poderemos recolher informações pelas vias do espírito.
Prevenindo qualquer observação da critica construtiva, lealmente declaramos haver recorrido a diversos trabalhos de divulgação científica do mundo contemporâneo para tornar a substância espírita deste livro mais seguramente compreendida pela generalidade dos leitores, como quem se utiliza da estrada de todos para atingir a meta em vista, sem maiores dificuldades para os companheiros de excursão. Aliás, quanto aos apontamentos científicos humanos, é preciso reconhecer-lhes o caráter passageiro, no que se refere à definição e nomenclatura, atentos à circunstância de que a experimentação constante induz os cientistas de um século a considerar, muitas vezes, como superado o trabalho dos cientistas que os precederam.
Assim, as notas dessa natureza, neste volume, tomadas naturalmente ao acervo de informações e deduções dos estudiosos da atualidade terrestre, valem aqui por vestimenta necessária, mas transitória, da explicação espírita da mediunidade, que é, no presente livro, o corpo de ideias a ser apresentado.
Não podemos esquecer a obrigação de cultuar a mediunidade e acrisolá-la, aparelhando-nos com os recursos precisos ao conhecimento de nós meninos.
A Parapsicologia nas Universidades e o estudo dos mecanismos do cérebro e do sonho, do magnetismo e do pensamento nas instituições ligadas à Psiquiatria e às ciências mentais, embora dirigidos noutros rumos, chegarão igualmente à verdade, mas, antes que se integrem conscientemente no plano da redenção humana, burilemos, por nossa vez, a mediunidade, à luz da Doutrina Espírita, que revive a Doutrina de Jesus, no reconhecimento de que não basta a observação dos fatos em si, mas também que se fazem indispensáveis a disciplina e a iluminação dos ingredientes morais que os constituem, a fim de que se tornem fatores de aprimoramento e felicidade, a benefício da criatura em trânsito para a realidade maior.
 

ANDRÉ LUIZ

Uberaba, 11-8-59



[2] Mecanismos da Mediunidade – Francisco C. Xavier
[3] A convite do Espírito André Luiz, os médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira receberam os textos deste livro em noites de quintas e terças-feiras, na cidade de Uberaba, Estado de Minas Gerais. O prefácio de Emmanuel e os capítulos pares foram recebidos pelo médium Francisco Cândido Xavier, e o prefácio de André Luiz e os capítulos ímpares foram recebidos pelo médium Waldo Vieira. — (Nota dos médiuns.)