Quase todos nós aceitamos sem
problemas que o coração bata com mais força quando nos aproximamos da pessoa
por quem estamos apaixonados, ou que as nossas pernas tremam quando é preciso
falar em público. São emoções que provocam sintomas físicos reais. Entretanto,
custa aceitar que os mesmos pensamentos que causam um frio na barriga cheguem a
desencadear doenças graves, como cegueira, convulsões ou paralisias. E, no entanto,
é justamente isso que descreve a neurologista Suzanne O’Sullivan no livro “It’s
All in Your Head” (está tudo na sua cabeça, na tradução literal, ainda inédito
no Brasil), no qual revê alguns dos casos mais impactantes de doenças
psicossomáticas com os quais se deparou ao longo da carreira.
Certa vez, O’Sullivan teve uma
paciente, chamada Linda, que percebeu um pequeno inchaço no lado direito da
cabeça. Era só um cisto sebáceo, mas ela não parava de fazer exames e
consultas. Pouco depois, perdeu a sensibilidade do braço e da perna direitos; a
paciente tinha certeza de que o inchaço havia atingido o cérebro. Quando
O’Sullivan a examinou, todo o lado direito do corpo – o mesmo onde estava o
caroço – já havia perdido o movimento e a sensibilidade. Só que Linda não sabia
que o lado direito do cérebro na verdade controla os movimentos do lado
esquerdo do corpo, e por isso sua mente se enganou ao criar os sintomas. Linda,
na verdade, sofria de um transtorno psicossomático – seus pensamentos
desencadeavam sintomas de uma doença inexistente.
Quando O’Sullivan estava se
especializando em neurologia, foi ensinada a distinguir os doentes que tinham
sintomas físicos causados por conflitos mentais. “Todos os meus pacientes
tinham convulsões, mas em 70% dos casos não sofriam de epilepsia: por mais que
fossem examinados, não encontrávamos nenhuma lesão ou causa neurológica que
explicasse seus sintomas. Tinha de ser algo psicológico.” Mas mandar os
pacientes para casa com o diagnóstico que não eram epiléticos não servia de consolo,
de modo que a médica se sentiu obrigada a encontrar uma maneira de ajudá-los.
Em 2004 ela começou a agir, e
desde então, quando encontra um paciente com sintomas, mas sem lesões
neurológicas, tenta lhe explicar que a origem dos seus males é um problema
psicológico mal resolvido. Geralmente, porém, os pacientes se negam a aceitar
esse diagnóstico. “Eles têm um estresse mental do qual não estão conscientes, e
alguém está obrigando-os a encará-lo”, diz a médica. “Esses sintomas são uma
manifestação do organismo: seu organismo está lhe dizendo que algo não vai bem
dentro de você, e que você não está percebendo.”
Ninguém está a salvo dessas
doenças, e há centenas de causas que as originam. Segundo O’Sullivan, os casos
muito extremos, como as convulsões ou paralisias, costumam nascer de traumas
psicológicos severos; os menos graves podem surgir de um amontoado de pequenos
esgotamentos que os pacientes não sabem administrar. “Depende da atenção que a
pessoa presta às dores. Se ficarem obcecadas e buscarem repetidamente uma
explicação médica que não existe, é possível que acabem desenvolvendo a doença
psicossomática”, explica O’Sullivan.
Para se curar, o acompanhamento
psicológico é indispensável. Segundo O’Sullivan, a primeira coisa a fazer é
abandonar a ideia de que há uma enfermidade orgânica. A seguinte etapa é ver
como a mente afeta o corpo: se você sente palpitações e nota que está ansioso,
elas começarão a parecer muito menos graves, já que você conhece as causas.
Mas, se associa essas palpitações a problemas cardíacos, e os exames médicos
não comprovam isso, você provavelmente ficará obcecado, e as palpitações irão
piorar.
“Às vezes, os pacientes desejam
desesperadamente que você encontre um resultado ruim nos exames, que dê um nome
para sua doença e receite alguns comprimidos que justifiquem suas dores”, conta
a neurologista. Esse problema é muito mais comum do que se imagina. Cerca de
30% das pessoas sofrem disso, e a imensa maioria nem sequer fica sabendo.
Após mais de dez anos de
dedicação às enfermidades psicossomáticas, Suzanne O’Sullivan continua sem
saber apontar o caso mais grave que viu. “Os casos mais duros são os de pessoas
que adoeceram quando tinham 16 anos e, aos 50, continuam indo a médicos. Estão
cegos ou em cadeira de rodas e continuam se submetendo a operações. Conheço
pessoas que comem por um tubo, mas não têm nenhuma doença orgânica. Todas as
partes do seu organismo foram afetadas por sua mente”, relata. Nada mais
surpreende essa neurologista. “As incapacidades que criamos com nossa mente são
tão infinitas que já deixei de acreditar nos limites”, diz.
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