Christiano Torchi - christiano.torchi@gmail.com
Uma vez que os Espíritos
simpáticos são levados a unir-se, como é que, entre os encarnados, muitas vezes
a afeição existe apenas de um dos lados e o amor mais sincero seja acolhido com
indiferença e até com repulsa? Como é, além disso, que a mais viva afeição
entre dois seres pode transformar-se em antipatia e mesmo em ódio?
Com essa questão, Kardec inicia
o tópico “Uniões antipáticas”, tratado nas questões 939 a 940-a de O livro dos Espíritos, Livro Quarto –
Esperanças e Consolações, exclusivamente sob o prisma do amor entre homem e
mulher, contudo, o tema é bem mais abrangente, tanto que também foi abordado
sob outros ângulos no Livro Segundo – Mundo espiritual ou dos Espíritos, da
mesma obra básica, com os títulos “Relações de simpatia e de antipatia entre os
Espíritos. Metades Eternas” (questões 291 a 303-a) e “Simpatias e antipatias
terrenas” (questões 386 a 391).
Em se tratando das relações
conjugais, há pessoas que amam sem ser amadas, o que lhes pode trazer grande
sofrimento.
E por que exatamente isso
ocorre? Este é um assunto importantíssimo, porque diz respeito ao
relacionamento interpessoal, que começa na família e se reflete em todos os
demais setores da humanidade.
O progresso, a construção e o
funcionamento de uma sociedade justa e feliz dependem, essencialmente, da união
e do entendimento entre as pessoas, sendo o lar um ótimo campo de exercício
desse amor fraternal.
Jesus legou-nos o ensinamento de
que não há como amar a Deus sem amar ao próximo. O Espiritismo, corroborando
este ensinamento, afirma que os laços da fraternidade se constroem pela prática
da caridade.
Mas, afinal, qual o significado
da palavra “antipatia”?
Para entender melhor a
antipatia, convém iniciar estudando o seu antônimo, a “simpatia”, cuja
definição, de acordo com o dicionário, é semelhante ao conceito espírita: “afinidade
moral, similitude no sentir e no pensar que aproxima duas ou mais pessoas” [2].
A antipatia, portanto, é o
oposto da simpatia, podendo ser resumida, também no sentido trivial, como a
aversão espontânea ou gratuita por alguém ou algo, malquerença, repulsão,
conhecida popularmente, quando se trata de relacionamento entre os casais, de
“incompatibilidade de gênios”.
Antes de aprofundar esta questão,
é preciso recordar, ainda que brevemente, a lei das afinidades estudada pelo
Espiritismo. A afinidade é o laço de simpatia que une os seres vivos entre si.
É pela afinidade que se formam os grupos de amigos em ambos os planos da vida:
– A simpatia ou a antipatia têm
as suas raízes profundas no Espírito, na sutilíssima entrosagem dos fluidos
peculiares a cada um e, quase sem sensações experimentadas pela criatura, desde
o pretérito delituoso, em iguais circunstâncias.
Devemos, porém, considerar que toda
antipatia, aparentemente a mais justa, deve morrer para dar lugar à simpatia
que edifica o coração para o trabalho construtivo e legítimo da fraternidade [3].
Encampando a proposta do
benfeitor espiritual acima reproduzida, perguntamo-nos: como transformar a
antipatia em simpatia, sobretudo no relacionamento a dois? Para chegar a essa
resposta, é preciso entender que, em muitos casos, a atração ou repulsão
existente entre os Espíritos explica-se pela reencarnação, em que dois seres se
reencontram, desatando os nós dos sentimentos adormecidos no imo do ser.
Todavia, nem sempre a simpatia
ou a antipatia que nutrem um pelo outro tem por princípio um conhecimento
anterior entre eles.
Entre os seres pensantes há
ligações que ainda não conheceis. O magnetismo é o piloto dessa ciência, que
mais tarde compreendereis melhor [4].
Não sem razão, Léon Denis assevera que “a lei das atrações e correspondências
rege todas as coisas…” [5],
donde se conclui que a afinidade pode ser de natureza moral ou fluídica, o que
remete a outra questão da primeira obra básica:
[…] Há duas espécies de afeição:
a do corpo e a da alma, tomando-se muitas vezes uma pela outra. A afeição da
alma, quando pura e simpática, é durável; a do corpo é perecível. Eis por que,
com muita frequência, os que julgavam amar-se eternamente acabam por odiar-se,
desde que a ilusão se desfaça [6].
Por exemplo, a circunstância de
duas pessoas não se simpatizarem, de não se entrosarem nos gostos e
preferências, não significa que sejam más. Este é um aspecto interessante da
relação entre o casal que nem sempre é levado em conta.
Dois Espíritos não são
necessariamente maus por não simpatizarem um com o outro. Essa antipatia pode
resultar da diversidade no modo de pensar. Mas, à medida que se forem elevando,
as diferenças se apagam e a antipatia desaparece [7].
Paradoxalmente, as diferenças
existentes entre os pares, na convivência conjugal, servem mais para unir do
que para separá-los. Tudo depende de como se comportam diante das inumeráveis
situações da vida, que apresentam grandes oportunidades de aprendizado, de
exercício da tolerância e do combate ao egoísmo, despertando a centelha do fogo
sagrado do amor que dormita no coração de todos [8].
Nas lições do Espiritismo, sobre
o combate ao egoísmo, está a chave para fazer morrer a antipatia, dando lugar à
simpatia.
O egoísmo, esta chaga da
humanidade, tem que desaparecer da Terra, porque impede o seu progresso moral.
É ao Espiritismo que está reservada a tarefa de fazê-la elevar-se na hierarquia
dos mundos. O egoísmo é, pois, o alvo para o qual todos os verdadeiros crentes
devem apontar suas armas, sua força, sua coragem. Digo: coragem, porque é
preciso mais coragem para vencer a si mesmo, do que para vencer os outros. Que
cada um, portanto, empregue todos os esforços a combatê-lo em si, certo de que
esse monstro devorador de todas as inteligências, esse filho do orgulho é a
fonte de todas as misérias terrenas. É a negação da caridade e, por
conseguinte, o maior obstáculo à felicidade dos homens 8.
Não se desconsidere, porém, que,
na pauta da lei de causa e efeito, muitos casais se reencontram para o
necessário ajuste de contas. O encantamento dos primeiros encontros, com o
tempo e a convivência, cede lugar à decepção, à amargura. Esse é um momento
crítico, no qual entra o esforço de cada um em procurar vencer essas naturais
resistências, que tendem a desaparecer com o cultivo da prece, do perdão, da
compreensão:
[…] quantos não são os que
acreditam amar perdidamente, porque julgam apenas pelas aparências, mas que,
quando obrigados a viver com as pessoas, não tardam a reconhecer que não
passava de um entusiasmo material! Não basta uma pessoa estar enamorada de
outra que lhe agrada e em quem supõe belas qualidades; é vivendo realmente com
ela que poderá apreciá-la. Por outro lado, quantas uniões, que a princípio
parecem destinadas à antipatia, acabam se transformando em amor terno e
duradouro, porque baseado na estima, depois que o casal passa a conhecer-se
melhor e analisar-se mais de perto! Cumpre não esquecer que é o Espírito quem
ama, e não o corpo, de modo que, dissipada a ilusão material, o Espírito vê a
realidade 6.
Ressalve-se, porém, que ninguém
está condenado a viver infeliz ao lado de quem lhe desagrada. Nem mesmo Jesus
consagrou a indissolubilidade absoluta do casamento, tanto que afirmou: “Foi
por causa da dureza dos vossos corações que Moisés permitiu que despedísseis as
vossas mulheres” [9]:
[…] Isso significa que, desde o
tempo de Moisés, não sendo a afeição mútua a única finalidade do casamento, a
separação podia tornar-se necessária.
Acrescenta, porém: “no princípio
não foi assim”, isto é, na origem da humanidade, quando os homens ainda não
estavam pervertidos pelo egoísmo e pelo orgulho e viviam segundo a lei de Deus,
as uniões, baseadas na simpatia, e não na vaidade e na ambição, não davam
motivo ao repúdio 9.
Estas conclusões não devem
servir de pretexto ao desfazimento das uniões conjugais, ante a primeira
dificuldade. Pelo contrário. Devem estimular a busca de soluções, todas elas
encontradas no Evangelho de Jesus, para que a antipatia morra, dando lugar à
simpatia.
Portanto, seja no relacionamento
em família, seja no relacionamento em sociedade, a cada um de nós compete uma
cota de esforço diário para melhorar a convivência com o nosso próximo mais
próximo.
[2] DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA.
versão 3.0.
[3] XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito
Emmanuel. 29ª ed. 1ª imp. Brasília: FEB, 2013. pag. 173.
[4] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 4ª ed. 2ª imp. Brasília: FEB, 2014. pag. 388.
[5] BORGES, A. Merci Spada. Doutrina espírita no tempo e no
espaço. 800 verbetes especializados. 2ª ed. São Paulo: Panorama Comunicações,
2001. Verbete sintonia, pag. 333.
[6] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 4ª ed. 2ª imp. Brasília: FEB, 2014. pag. 939.
[7] ____. ____. pag. 390.
[8] ____. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 2ª ed. 3ª imp. Brasília: FEB, 2015. cap. 11, it. 9 e 11,
respectivamente.
[9] ____. ____. cap. 22, it. 5.
Nenhum comentário:
Postar um comentário