sexta-feira, 10 de outubro de 2025

O PERÍODO RELIGIOSO DO ESPIRITISMO[1]

 


Marco Milani

 

Na edição de dezembro de 1863 da Revista Espírita, Allan Kardec apontou seis períodos que marcariam a marcha evolutiva do Espiritismo. Iniciando-se pela curiosidade despertada pelos fenômenos físicos, o desenvolvimento das ideias espíritas na sociedade passaria, ainda, pelas fases filosófica, de luta, religiosa, intermediária e, finalmente, de regeneração social.

Sob uma perspectiva otimista, Kardec acreditava que no raiar do século 20 o Espiritismo já estaria plenamente disseminado no mundo a tal ponto de, efetivamente, promover relações solidárias e fraternas entre os indivíduos com reflexos diretos no aperfeiçoamento das interações sociais.

O otimismo de Kardec não se realizou no tempo predito. Isso não significa que o desenvolvimento das ideias espíritas não continue em marcha. Apenas a noção cronológica terrena não foi expressa adequadamente.

Por sinal, quando Kardec desencarnou, em 1869, o Espiritismo encontrava-se no período de luta e, ainda hoje, pode-se situá-lo nesse mesmo período[2].   A transição para o período subsequente depende, portanto, da superação de elementos contrários à propagação das ideias espíritas em sua essência e integralidade.

O quarto período exige uma compreensão contextual de como o próprio Kardec caracterizava o Espiritismo e o confrontava com os conceitos adotados de religião.

Por premissa pessoal, Kardec zelava pela objetividade e clareza, pautando-se pelo pensamento lógico. Nesse sentido, qualquer predição sobre a marcha do Espiritismo espelharia o que ele e os Espíritos indicavam como consequência natural do avanço das ideias doutrinárias sem qualquer manifestação de inconsistência lógica. Assim, ao denominar o quarto período de religioso, obviamente ele não se referiu ao conceito tradicional de religião, ao qual ele terminantemente negava haver semelhança com o Espiritismo.

Conforme explicitado em seu discurso proferido na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, no dia 1º de novembro de 1868 e publicado na edição de novembro de 1868 da Revista Espírita, o Espiritismo pode ser entendido como religião exclusivamente no sentido filosófico, fortalecendo os elos da fraternidade e da comunhão de pensamentos, tendo como base as leis da natureza.

Nesse mesmo discurso, Kardec rejeitava a classificação de religião ao Espiritismo sob a ótica tipicamente aceita e vinculada às práticas de culto e todas as outras já manifestas nas chamadas religiões constituídas.

Logo, não se deve associar a denominação usada por Kardec ao período religioso sob a ótica tradicional, mas sob a perspectiva filosófica de laço que une seus adeptos em torno de um mesmo ideal doutrinário e da promoção da caridade como prática comum.

Atualmente, o conceito popular de religião permanece atrelado a culto e práticas exteriores, o que distorce a compreensão do quarto período previsto por Kardec, se assim considerado.

Para reflexão: uma contradição lógica é uma situação em que duas afirmações ou proposições se opõem de tal forma que ambas não podem ser verdadeiras simultaneamente no mesmo contexto. Em termos lógicos, a relação entre duas declarações que são mutuamente exclusivas não podem coexistir devido à sua incompatibilidade direta. Sendo o Espiritismo uma religião no sentido filosófico, e não no sentido tradicional, comete uma contradição lógica quem supõe que o período religioso proposto por Kardec vincule-se ao conceito tradicional de religião.

Em síntese, o período religioso será assim reconhecido quando for marcado pelos laços de afeição entre os seus adeptos, pela fé raciocinada que fortalece sua unidade doutrinária e pela prática da caridade em sua essência[3].

 

Texto publicado na Revista Digital Candeia Espírita, nº 27, dez/2023, p.6-7



[2] Ver o artigo “O período de luta do Espiritismo”, de minha autoria, publicado na Revista Dirigente Espírita, ed. 197, set/out 2023, p. 18-19. Link: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2023/10/reDE-197.pdf

[3] Ver questão 886 de O Livro dos Espíritos.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

ABERRAÇÃO DAS FACULDADES[1]

 


Miramez

 

Livre-arbítrio

Da aberração das faculdades tira ao homem o livre-arbítrio?

Já não é senhor do seu pensamento aquele cuja inteligência se ache turbada por uma causa qualquer e, desde então, já não tem liberdade. Essa aberração constitui muitas vezes uma punição para o Espírito que, porventura, tenha sido, noutra existência, fútil e orgulhoso, ou tenha feito mau uso de suas faculdades. Pode esse Espírito, em tal caso, renascer no corpo de um idiota, como o déspota no de um escravo e o mau rico no de um mendigo. O Espírito, porém, sofre por efeito desse constrangimento, de que tem perfeita consciência. Está aí a ação da matéria. (371 e seguintes)

Questão 847 / O Livro dos Espíritos

 

As aberrações das faculdades de uma criatura certamente que perturbam seus sentimentos mais profundos. Notoriamente constitui posicionamento de que essa pessoa, em outras existências, se deixou dominar pelo orgulho e o egoísmo, e o condicionamento foi tão forte que atravessou o túmulo; e voltando do mundo espiritual para a Terra, continua com o seu criador, gerando embaraços em sua vida.

Os desvios das qualidades oriundas do Espírito, que se fazem sentir pelas leis espirituais, fazem-no sofrer as suas consequências por muito tempo. O Espírito recolhe aos seus celeiros o produto das suas atividades, tanto como Espírito livre, quanto como encarnado, sendo responsável por esse trabalho, de recolher e semear, ou semear e colher. A anomalia da alma causa-lhe distúrbios de difícil reparação, contudo, são lições, que em todo o seu curso poderão trazer muita iluminação.

Jesus veio nos ensinar, Espíritos encarnados e desencarnados, como sair das extravagâncias e percorrer os caminhos que nos dão paz ao coração. Ele não somente ensinou, como viveu as lições ministradas. Foi por isso que Seus discípulos assimilaram rapidamente todos os conceitos que Ele expunha. Vamos buscar em João, no capítulo dez, versículo sete, o seguinte, para nos ilustrar melhor a palavra de Jesus:

  Jesus, pois, lhes ensinou de novo:

Em verdade, em verdade, vos digo: Eu sou a porta das ovelhas.

 

Sendo o Mestre a porta das ovelhas, é por essa porta que devemos passar para conseguir a libertação de que carecemos, e a porta simboliza as instruções dadas por Ele. O Evangelho é rico em conceitos espirituais para nos educar e instruir. Eis porque apresentamos o Espiritismo como sendo continuação da obra do Cristo de Deus, porque ele vem ensinando as mesmas coisas, enriquecendo, aqui e ali, de conformidade com a capacidade de cada um.

De fato, o Mestre é a porta da vida; quem não passar por Ele, não conseguirá conhecer a verdade, porque Ele é a verdade, o caminho e a vida. Felicidade nossa, por termos despertado em Seus braços.

As excentricidades apresentadas no modo pelo qual pensamos, são efeitos das nossas ações do passado e, por vezes, os nossos pensamentos presentes não nos obedecem. A correção que devemos fazer é com muito esforço e dedicação. É por isso que para uns é mais difícil se educar, enquanto para outros torna-se mais fácil. O espiritualista entende o que significa facilidade e dificuldade. Não é que uns foram favorecidos e a outros dificultados; a própria reencarnação é motivo para o entendimento da justiça.

O mau uso das faculdades espirituais tem sua resposta em outras vidas. Quantos médiuns - e eles são sem conta - que usam suas faculdades para motivo de aberrações? Os Espíritos que os acompanham por misericórdia, inspiram seus tutelados, mas esses se encontram motivados por outras ideias e não escutam os chamados. Em muitos casos, voltam apressados aos lugares de origem, para serem chamados às contas frente a frente, livres da matéria. Então, choram e rangem os dentes, arrependidos, pedindo novas oportunidades, para que possam se reerguer. Muitos deles se desviam de novo. Muitos dos grandes medianeiros do passado, de tanto insistirem nos desvios das suas faculdades, tornaram a apelar para voltar. Eles voltaram em reencarnações dolorosas e estão no mundo rastejando em corpos deformados, envolvidos pela idiotice, para que despertem nos corações o interesse exclusivo de servir sem exigências. Muitos venderam tanto os dons espirituais, que vieram com eles atrofiados...

Esse comércio, companheiro, começa com simples interesse, que vai crescendo de maneira que os dotados dessas faculdades não percebam, por causa da cegueira, e o médium ainda defende os abusos que pratica, dando mau exemplo aos seus companheiros de ideal!



[1] FILOSOFIA ESPÍRITA – Volume 17 - João Nunes Maia

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

ESTUDOS PSICOLÓGICOS DE CRIANÇAS QUE REIVIDICAM MEMÓRIAS DE VIDAS PASSADAS[1]

 


James G. Matlock e Erlendur Haraldsson

 

Crianças com memórias de vidas passadas diferem psicologicamente de crianças sem tais memórias? Erlendur Haraldsson examinou essa possibilidade sistematicamente, aplicando testes psicológicos a crianças e suas mães, e a professores que as conheciam bem, no Sri Lanka e no Líbano. Estudos semelhantes foram conduzidos na Índia e nos Estados Unidos. Esses estudos descobriram que crianças com memórias de vidas passadas diferem de seus pares em vários aspectos.

 

Introdução

Muitas crianças pequenas ao redor do mundo afirmam se lembrar de terem sido outras pessoas em vidas passadas. Essas alegações são relatadas há séculos, mas o estudo sistemático delas como evidência da reencarnação começou apenas na década de 1960, com as investigações de Ian Stevenson.

O pesquisador de reencarnação James G. Matlock demonstrou que a memória de vidas passadas possui muitas características da memória de vidas presentes: assim como as memórias de vidas presentes, as memórias de vidas passadas são frequentemente acionadas por coisas vistas, ouvidas ou cheiradas; as memórias de vidas passadas tendem a se agrupar nos últimos anos, meses ou dias da vida anterior, revelando um " efeito de recência"; e podem estar relacionadas aos melhores anos da vida, demonstrando um " aumento de reminiscência[2]". As memórias de vidas passadas não são exclusivamente episódicas, mas também podem ser semânticas, emocionais e comportamentais; não raramente, também existem memórias de reconhecimento[3].

Dados de casos sugerem que crianças que se recordam de vidas passadas podem ser diferentes de seus pares em alguns aspectos – mas como, exatamente? O presente artigo descreve estudos realizados no Sri Lanka, Índia e Líbano – locais que contribuíram com um número substancial de casos para o banco de dados de reencarnação – bem como nos Estados Unidos, comparando crianças com memórias de vidas passadas com seus pares sem memórias de vidas passadas. Também são considerados aqui estudos sobre a retenção de memórias de vidas passadas da infância até a idade adulta e sobre os efeitos a longo prazo das lembranças da infância[4]. Questões mais gerais sobre lembranças de vidas passadas e amnésia são tratadas em um artigo separado na Enciclopédia Psi. 

 

Crianças com memórias de vidas passadas são diferentes?

Estudos no Sri Lanka, Índia, Líbano e EUA

Erlendur Haraldsson foi o primeiro pesquisador a comparar crianças com memórias de vidas passadas e seus pares, no Sri Lanka[5] e no Líbano[6]. Antonia Mills conduziu um estudo na Índia[7] e Jim B. Tucker, juntamente com F. Don Nidiffer, um nos Estados Unidos[8].

Embora existam diferenças metodológicas importantes entre os estudos, Haraldsson, Mills e Tucker submeteram seus participantes e seus pais a testes psicológicos padrão. Os estudos de Haraldsson incluíram também os professores das crianças. O estudo de Mills fez parte de um estudo mais amplo com participantes indianos que se lembravam de pertencer a uma religião diferente, hinduísmo ou islamismo sunita. Haraldsson e Mills compararam seus participantes com memórias de vidas passadas (grupo-alvo) com colegas sem tais memórias (grupo de controle), mas Tucker comparou as pontuações das crianças a normas estatísticas.

Um dos instrumentos básicos foi a Lista de Verificação do Comportamento Infantil, uma lista padronizada de problemas que as crianças podem ter e de características ou traços que às vezes levam a dificuldades para as crianças e suas famílias. Haraldsson e Tucker empregaram a Lista de Verificação do Comportamento Infantil. Outros testes incluíram a  Escala de Absorção de Tellegen, o Teste de Vocabulário de Imagens Peabody, as Matrizes Progressivas Coloridas de Raven, a Escala de Sugestionabilidade de Gudjonsson, o Teste de Apercepção Infantil, a Lista de Verificação Dissociativa Infantil e o Questionário Familiar.

Em seu estudo inicial no Sri Lanka, Haraldsson comparou trinta crianças cujos casos haviam sido estudados anteriormente por ele ou por Stevenson com crianças que não haviam alegado memórias de vidas passadas, pareadas por sexo, idade e bairro. Os sujeitos (doze pares de meninos e dezoito pares de meninas) tinham entre sete e treze anos, com média de idade de nove anos e cinco meses[9]. O segundo estudo de Haraldsson no Sri Lanka incluiu 27 pares de crianças (quatorze pares de meninos e treze pares de meninas) com idades entre cinco e dez anos, com média de idade de sete anos e dez meses[10].

Em seu estudo no Líbano, Haraldsson incluiu trinta pares de crianças drusas (dezenove pares de meninos e onze pares de meninas) com idades entre seis e quatorze anos (com média de idade de dez anos e sete meses)[11]. Mills teve 31 pares de jovens adultos em seu estudo indiano, entre eles 25 homens e seis mulheres[12]. Tucker e F. Don Nidiffer examinaram quinze pré-escolares americanos (oito meninos e sete meninas), com idades entre três e seis anos, que haviam falado ou estavam falando sobre vidas passadas na época[13].

Todos os estudos incluíram tanto indivíduos cujas memórias de vidas passadas foram verificadas (casos "resolvidos") quanto indivíduos para os quais nenhuma pessoa correspondente às memórias foi encontrada (casos "não resolvidos"). Estudos anteriores demonstraram que casos resolvidos e não resolvidos eram bastante semelhantes[14], portanto, foram combinados para estes estudos psicológicos. Os indivíduos, em sua maioria, não tinham parentesco com as pessoas anteriores nas amostras do Sri Lanka, Líbano e Índia, mas, no estudo americano, havia relações familiares em todos os quatro casos resolvidos[15].

 

Diferenças Comportamentais

Haraldsson descobriu que crianças com memórias de vidas passadas, tanto no Sri Lanka quanto no Líbano, apresentaram mais problemas psicológicos e sociais do que as crianças dos grupos de controle. Crianças com memórias de vidas passadas:

§  eram argumentativos e mais propensos a brigar

§  eram perfeccionistas; tudo tinha que ser exato e correto, e eles queriam discutir os assuntos detalhadamente

§  eram neuróticos, tinham mais oscilações de humor e eram mais propensos a pesadelos

§  gostava de ficar sozinho e não se envolvia tanto com os outros como as crianças geralmente fazem

§  às vezes parecia confuso

§  tendiam a se preocupar excessivamente com limpeza e asseio

§  tendia a falar muito

§  eram mais medrosas e ansiosas do que outras crianças e muitas vezes eram provocadas

§  tendiam a ser teimosos, às vezes se recusavam a falar e geralmente tinham temperamentos mais fortes do que as crianças dos grupos de comparação

Haraldsson observou que muitas dessas características são sinais de transtorno de estresse pós-traumático. O TEPT geralmente só é encontrado em crianças que foram maltratadas ou negligenciadas. Ele não viu nenhuma indicação de tal tratamento inadequado. No entanto, a maioria das crianças se lembrava de ter sofrido uma morte violenta na vida anterior, como por acidente, em guerra ou assassinato: isso se aplicava a 76% de suas amostras combinadas do Sri Lanka e a 77% de sua amostra do Líbano. As crianças estavam preocupadas com suas memórias, falavam muito sobre elas e pareciam ensaiá-las repetidamente em suas mentes. Haraldsson concluiu que os sintomas de estresse estavam conectados a memórias de mortes violentas[16].

Esta foi uma descoberta importante. Ian Stevenson havia notado sintomas desse tipo em sua vasta coleção de casos e havia escrito um artigo de revisão sobre fobias relacionadas a memórias de vidas passadas[17], mas não havia realizado um estudo sistemático de seus sujeitos em comparação com seus pares. Muitas das crianças-alvo nas amostras de Haraldsson apresentavam fobias, mas não havia indícios em nenhuma de suas amostras de que crianças com memórias de vidas passadas fossem mais sugestionáveis ​​do que as crianças em geral, nem que vivessem em isolamento social ou que suas famílias fossem conflituosas.

Por outro lado, os estudos de Haraldsson constataram que crianças com memórias de vidas passadas foram relatadas como mais bem ajustadas socialmente do que seus pares da mesma idade, especialmente pelos professores. As crianças geralmente param de falar sobre suas memórias por volta da época em que começam a frequentar a escola, portanto, parte da diferença na avaliação de pais e professores na Lista de Verificação do Comportamento Infantil pode ser atribuída à idade da criança no momento da avaliação. Em um estudo[18], professores foram entrevistados quase dezoito meses após as famílias. Pode ser que, embora algumas crianças com memórias de vidas passadas apresentem desafios comportamentais, estes diminuam à medida que suas memórias se desvanecem ou passam a ser melhor administradas, deixando benefícios a longo prazo[19].

Nos Estados Unidos, os sintomas semelhantes aos do TEPT não foram tão pronunciados, talvez porque a incidência de morte violenta em casos americanos tenha sido muito menor do que nos casos do Sri Lanka ou do Líbano. Mortes violentas foram relatadas em um número considerável de casos de reencarnação na Índia, mas os fatores apropriados não foram investigados na Índia. No entanto, Mills descobriu que os indivíduos-alvo indianos obtiveram pontuações significativamente (p < 0,05) mais altas do que os indivíduos do grupo controle na Escala de Absorção de Tellegen[20], indicando uma maior capacidade de imersão em suas imagens mentais, semelhante às descobertas de Haraldsson no Sri Lanka e no Líbano[21].

O primeiro estudo de Haraldsson no Sri Lanka não continha nenhuma medida adequada de dissociação. Em seu segundo estudo no Sri Lanka, ele descobriu que crianças que afirmavam memórias de vidas passadas apresentavam maiores tendências dissociativas (por exemplo, mudanças rápidas de personalidade e devaneios frequentes) do que seus pares, mas não obtiveram pontuações mais altas em isolamento social, sugestionabilidade ou busca de atenção[22]. Nos Estados Unidos, por outro lado, todos os filhos de Tucker e Nidiffer, exceto dois, obtiveram pontuações baixas na Lista de Verificação Dissociativa Infantil, o que significa que não revelaram tendências à dissociação[23].

 

Diferenças cognitivas

Crianças com memórias do passado são mais talentosas do que outras crianças? Isso se mostrou verdadeiro para as crianças-alvo no Sri Lanka, que possuíam um vocabulário mais amplo do que outras crianças, eram melhores alunas, se esforçavam mais na escola e obtinham notas substancialmente mais altas. As crianças eram particularmente boas em sua língua nativa, em religião e em matemática. Algumas delas estavam entre as melhores de suas turmas academicamente[24].

Crianças americanas com memórias de vidas passadas também obtiveram pontuações mais altas do que seus pares em variáveis ​​cognitivas e tiveram melhor desempenho escolar[25]. No entanto, isso não ocorreu no Líbano[26] ou na Índia[27]. Alguns dos participantes de Mills disseram a ela que sentiam que suas memórias de vidas passadas haviam interferido em sua educação. O desempenho escolar relativamente baixo registrado em seu estudo pode, portanto, ser devido à influência das memórias de vidas passadas[28].

 

Quanto tempo duram as memórias de vidas passadas?

Stevenson observou que crianças que falam sobre vidas passadas quase sempre começam a fazê-lo entre dois e cinco anos de idade. As crianças variam na quantidade de informações que falam sobre a vida passada e na persistência com que falam sobre suas memórias, mas a maioria para de falar sobre elas entre cinco e oito anos. Stevenson relacionou esse aparente desaparecimento ao início da vida escolar, quando a criança saía do ambiente doméstico pela primeira vez e se deparava com muitas novas preocupações e impressões[29].

Haraldsson entrevistou novamente indivíduos drusos do Sri Lanka e do Líbano, cujos casos ele ou Stevenson haviam estudado anteriormente, para verificar o quanto de suas memórias, se alguma, eles haviam retido. No Sri Lanka, ele entrevistou 42 indivíduos, com idades entre 19 e 49 anos. Trinta foram entrevistados por Stevenson no final dos anos 1960 e 1970, e doze por Haraldsson entre 1988 e 1990. Embora bem mais da metade não se lembrasse mais de nada do que havia dito antes, 38% afirmaram que ainda retinham algumas memórias, embora não todas; em média, retinham cerca de 20% de suas memórias originais. As memórias retidas tendiam a se concentrar em pessoas conhecidas em vidas passadas e nas circunstâncias que levaram às mortes[30].

No Líbano, Haraldsson e seu colega Majd Abu-Izzeddin entrevistaram novamente 28 indivíduos com idades entre 28 e 56 anos, cujos casos haviam sido estudados por Stevenson e seus associados nas décadas de 1970 e 1980. Apenas quatro dos 28 disseram que suas memórias haviam desaparecido completamente; 24, ou 86%, acreditavam que ainda tinham algumas memórias de vidas passadas. Metade deles sentia que suas memórias ainda eram tão nítidas quanto eram quando eram mais jovens. Os mesmos indivíduos se lembravam pouco de suas infâncias atuais; suas memórias de vidas passadas eram mais nítidas do que suas memórias de infância da vida presente. Alguns relataram novas memórias que os pesquisadores não haviam registrado anteriormente[31].

As descobertas de Haraldsson sobre a retenção de memórias de vidas passadas no Sri Lanka e no Líbano foram concordantes com as descobertas de Mills na Índia. Dos seus 28 participantes, dezesseis (57%) se lembravam de algo sobre o que haviam falado na infância; dez disseram que ainda se lembravam vividamente da vida passada e seis disseram que se lembravam dela com alguma perda de memória[32].

 

Memórias de vidas passadas são benéficas?

Memórias de vidas passadas são preocupantes para muitas crianças, que comumente sofrem de sintomas semelhantes aos do TEPT e fobias relacionadas à maneira como se lembram de terem morrido. Em alguns casos, as memórias interferem no desempenho escolar, mas também há indícios de que podem ter um efeito positivo à medida que os indivíduos envelhecem. Haraldsson investigou esses efeitos em seus estudos sobre retenção de memória no Sri Lanka e no Líbano, e Mills os abordou na Índia[33].

Haraldsson descobriu que cerca de um terço dos seus participantes cingaleses continuavam a ser perturbados por fobias que os afligiam na infância. No entanto, a maioria sentia que as memórias de vidas passadas tinham tido um impacto positivo em suas vidas. A grande maioria estava satisfeita com o desenvolvimento de suas vidas. Seu nível educacional era superior ao de outros de sua geração, já que um quarto deles havia recebido alguma formação universitária: entre eles, um matemático, um engenheiro e um cientista da computação. Apenas dois estavam desempregados, o que era baixo para o Sri Lanka[34].

No Líbano, quinze (53%) dos 28 participantes de Haraldsson avaliaram suas memórias como benéficas, embora apenas quatro tenham afirmado que gostariam que seus filhos tivessem memórias de vidas passadas[35]. A maioria dos participantes indianos de Mills sentiu que suas memórias foram "úteis" e dezoito (64%) dos 28 participantes disseram que gostariam que seus filhos se lembrassem de uma vida passada. No entanto, alguns participantes de Mills sentiram que suas memórias interferiram não apenas em sua educação, mas também no estabelecimento de relacionamentos românticos devido às conexões emocionais que continuaram a vivenciar com pessoas de vidas passadas[36].

 

Conclusões

Estudos psicológicos com grupos de controle em quatro países constataram que crianças com memórias de vidas passadas diferem de seus pares em aspectos importantes. Quando suas memórias de vidas passadas incluem lembranças de mortes violentas, as crianças podem parecer traumatizadas, expressando o tipo de reação que se esperaria das pessoas cujas vidas recordam, caso tivessem vivido em vez de morrido. Ocasionalmente, as memórias (ou repercussões psicológicas) têm um impacto negativo duradouro que interfere na educação ou nos relacionamentos amorosos.

Por outro lado, muitos indivíduos experimentam benefícios positivos com suas memórias, especialmente à medida que envelhecem. Crianças com memórias de vidas passadas são tipicamente relatadas como precoces e mais bem ajustadas socialmente do que seus pares. Muitas se destacam na escola, e estudos de acompanhamento na idade adulta mostraram que a maioria não sofreu consequências duradouras de traumas de infância. A maioria avalia suas memórias de vidas passadas como benéficas, embora não necessariamente deseje que seus filhos passem pelo que elas passaram.

Um aspecto interessante dessas descobertas é a falta de apoio que elas oferecem a conjecturas céticas sobre alegações de memórias de vidas passadas. De acordo com a visão cética padrão, crianças com memórias de vidas passadas têm relacionamentos conturbados com os pais, vivem em isolamento social de seus irmãos e colegas, são altamente sugestionáveis ​​e buscam atenção, e levam vidas ricas em fantasias[37], nenhuma dessas suposições é corroborada pelos estudos de Haraldsson, Mills e Tucker.

 

Literatura

§  Cook, E. W., Pasricha, S., Samararatne, G., Maung, W., & Stevenson, I. (1983a). A review and analysis of “unsolved” cases of the reincarnation type. I: Introduction and illustrative case reports. Journal of the American Society for Psychical Research 77, 45-62.

§  Cook, E. W., Pasricha, S., Samararatne, G., Maung, W., & Stevenson, I. (1983b). A review and analysis of “unsolved” cases of the reincarnation type. II: Comparison of features of solved and unsolved cases. Journal of the American Society for Psychical Research 77, 115-35.

§  Haraldsson, E. (1995). Personality and abilities of children claiming previous-life memories. Journal of Nervous and Mental Disease, 183, 445-551.

§  Haraldsson, E. (1997). A psychological comparison between ordinary children and those who claim previous-life memories. Journal of  Scientific Exploration 11, 323-35.

§  Haraldsson, E. (2003). Children who speak of past-life experiences: Is there a psychological explanation? Psychology and Psychotherapy: Theory Research and Practice 76/1, 55-67.

§  Haraldsson, E. (2008). Persistence of past-life memories: Study of adults who claimed in their childhood to remember a past life. Journal of Scientific Exploration 22, 385-93.

§  Haraldsson, E. (2021). Towards the Unknown: Memoir of a Psychical Researcher. Hove, UK: White Crow Books.

§  Haraldsson, E., & Abu-Izzeddin, M. (2012). Persistence of ‘‘past-life’’ memories in adults who, in their childhood, claimed memories of a past life. Journal of Nervous and Mental Disease 200, 985-89.

§  Haraldsson, E., Fowler, P., & Periyannanpillai, V. (2000). Psychological characteristics of children who speak of a previous life: A further field study in Sri Lanka. Transcultural Psychiatry 37, 525-44.

§  Haraldsson, E., & Matlock, J.G. (2016). I Saw a Light and Came Here: Children´s Experiences of Reincarnation. Hove, UK: White Crow Books.

§  Matlock, J.G. (2019). Signs of Reincarnation: Exploring Beliefs, Cases, and Theory. Lanham, Maryland, USA: Rowman & Littlefield.

§  Mills, A. (2004). Inferences from the case of Ajendra Singh Chauhan: The effect of parental questioning, of meeting the ‘‘previous life’’ family, an aborted attempt to quantify probabilities, and the impact on his life as a young adult. Journal of Scientific Exploration 18, 609-41.

§  Mills, A. (2008). Back from death: Young adults in northern India who as children were said to remember a previous life, with or without a shift in religion (Hindu to Muslim or vice versa). Anthropology and Humanism Quarterly 31, 141-56.

§  Stevenson, I. (1990). Phobias in children who claim to remember previous lives. Journal of Scientific Exploration 4, 243-54.

§  Stevenson, I. (2001). Children who Remember Previous Lives: A Question of Reincarnation (rev. ed.). Jefferson, North Carolina, USA: McFarland.

§  Tucker, J.B., & Nidiffer, F.D. (2014). Psychological evaluation of American children who report memories of previous lives. Journal of Scientific Exploration 28, 583-94.

 

Traduzido com Google Tradutor



[2] Qualidade do que é recente. [Psicologia] Capacidade ou facilidade de memorizar os últimos elementos de uma lista de estímulos.

[3] Matlock (2019).

[4] Memórias de vidas passadas também podem surgir pela primeira vez na idade adulta, como discutido neste artigo .

[5] Haraldsson (1995, 1997); Haraldsson, Fowler e Periyannanpillai (2000).

[6] Haraldsson (2003).

[7] Mills (2008).

[8] Tucker e Nidiffer (2014).

[9] Haraldsson (1993, 1995).

[10] Haraldsson, Fowler e Periyannanpillai (2000).

[11] Haraldsson (2003).

[12] Mills (2008).

[13] Tucker e Nidiffer (2014).

[14] Cook e outros (1983a, 1983b).

[15] Tucker e Nidiffer (2014).

[16] Haraldsson e Matlock (2016); Haraldsson (2021).

[17] Stevenson (1990).

[18] Haraldsson (1995).

[19] Matlock (2019), 193.

[20] Mills (2008).

[21] Haraldsson, 1995, 1997, 2003; Haraldsson, Fowler e Periyannanpillai (2000).

[22] Haraldsson, Fowler e Periyannanpillai (2000).

[23] Tucker e Nidiffer (2014).

[24] Haraldsson (1995, 1997); Haraldsson, Fowler e Periyannanpillai (2000).

[25] Tucker e Nidffer (2014).

[26] Haraldsson (2003).

[27] Mills (2008).

[28] Matlock (2019), 196.

[29] Stevenson (2001), 105-10.

[30] Haraldsson (2008).

[31] Haraldsson e Abu-Izzeddin (2012).

[32] Mills (2008), 143-44.

[33] Veja Matlock (2019), 189-200 e passim,  para uma discussão mais ampla dessas questões.

[34] Haraldsson (2008).

[35] Haraldsson e Abu-Izzeddin (2012).

[36] Mills (2004), 632; (2008), 144-46.

[37] Matlock (2019), 190.