Marco Milani
A busca pelo conhecimento, em qualquer campo
legítimo do saber, deve ser pautada por critérios racionais, éticos e
metodológicos que possibilitem distinguir entre o que possui valor universal e
o que expressa apenas opiniões particulares. No contexto do Espiritismo,
codificado por Allan Kardec, esse princípio se manifesta de forma
particularmente clara no chamado "controle
universal do ensino dos Espíritos".
Longe de ser uma limitação
dogmática ou uma recusa ao progresso das ideias, esse critério se apresenta
como um filtro de segurança doutrinária frente ao caráter subjetivo e por vezes
contraditório das comunicações mediúnicas presentes em mensagens e romances de
fonte única. Kardec, lúcido quanto à natureza falível dos médiuns e à
diversidade moral e intelectual dos Espíritos comunicantes, concebeu esse
método como forma de garantir que apenas os ensinamentos oriundos de múltiplas
fontes concordantes e independentes, obtidos em diferentes lugares e por
médiuns diversos, fossem incorporados à estrutura doutrinária.
É, portanto, um erro
epistemológico grave interpretar tal critério como uma negação da evolução ou
uma espécie de conservadorismo religioso. Pelo contrário, trata-se de uma
exigência de maturidade crítica, um exercício de vigilância racional frente à
exaltação e ao entusiasmo acrítico com qualquer novidade que se diga “revelação
espiritual” advinda de médiuns e Espíritos de estimação.
Kardec reconhecia plenamente o
caráter progressivo do conhecimento, inclusive declarando que o Espiritismo
caminharia ao lado da Ciência, ajustando seus postulados caso fossem
contrariados por descobertas sólidas e bem comprovadas. No entanto, esse progresso
não se dá por meio de afirmações isoladas ou visões pessoais, mas por meio da
convergência de inteligências e da crítica livre e metódica, exatamente como
ocorre no progresso científico legítimo.
Na história do movimento espírita, não é raro
encontrar adeptos mais exaltados que, em nome de um suposto "Espiritismo
ampliado" ou “pós-kardecismo”, promovem a aceitação cega e apaixonada de
mensagens mediúnicas oriundas de fonte única, calcados no apelo à autoridade de
quem assina ou de quem as intermediam. Trata-se de um desvio metodológico que
ignora os fundamentos racionais, substituindo o rigor do controle universal por
uma fé cega e personalista, que tende a instaurar novos dogmatismos sob a
aparência de atualização doutrinária.
A crítica a esse tipo de prática
não configura uma recusa ao novo, mas sim a exigência legítima de critérios
confiáveis para que qualquer novo ensinamento se mostre compatível com os
princípios do Espiritismo.
Aceitar indiscriminadamente
qualquer mensagem apenas por seu conteúdo emotivo ou pela fama atribuída ao
Espírito comunicante, sem que ela seja confrontada com a razão, com o bom senso
e com a concordância universal, é retornar ao obscurantismo religioso que o
Espiritismo veio justamente superar. Não se trata de um conflito entre tradição
e inovação, mas entre responsabilidade epistemológica e credulidade.
A Doutrina Espírita, por sua
própria natureza, convida ao exame, à reflexão e à constante depuração de seus
conteúdos, desde que o método adotado respeite a postura analítica que está na
base de sua construção.
Portanto, reconhecer o valor do
controle universal do ensino dos Espíritos não é apegar-se a um passado
imutável, mas preservar a coerência e a legitimidade do processo evolutivo do
conhecimento espírita. Negar esse princípio é abrir as portas à desorganização
doutrinária, ao personalismo místico e ao enfraquecimento da autoridade
racional que diferencia o Espiritismo das crenças baseadas na fé cega.
Certamente é possível e esperado
que novas informações venham enriquecer o patrimônio do Espiritismo, desde que
se submetam a critérios metodológicos de validação objetiva. A razão e a
comprovação pelos fatos, e não a autoridade isolada, devem ser sempre o maior
critério para julgar o que merece ou não ser incorporado ao edifício
doutrinário.
[1] https://educadorespirita1.blogspot.com/2025/06/o-progresso-do-espiritismo-requer-metodo.html?fbclid=IwY2xjawKroPNleHRuA2FlbQIxMQBicmlkETFHTllGcVF2RU9nUnJEZ0l5AR5zfgcGXEVXo5sUUkcHvVebji4eszBTnvpa-F_Ym-pmRPBokrcs1q25UTFVfQ_aem_l2RVcQke6Y1yqCI73utvlg
[2] Texto publicado na Revista Candeia Espírita, nº 45,
junho/2025, p. 8-9
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