terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

OS TALISMÃS – Medalha Cabalística[1]

 


Allan Kardec

 

O Sr. M... havia comprado em segunda mão uma medalha que lhe pareceu notável por sua singularidade. Era do tamanho de um escudo de seis libras; tinha o aspecto da prata, embora um pouco acinzentada. Sobre ambas as faces estão gravadas, em baixo-relevo, uma porção de sinais, entre os quais se nota planetas, círculos entrelaçados, um triângulo, palavras ininteligíveis e iniciais em caracteres vulgares; depois, outros em caracteres bizarros, lembrando o árabe, tudo disposto de modo cabalístico, conforme o gênero utilizado pelos mágicos.

Tendo o Sr. M... interrogado a senhorita J..., médium sonâmbula, a respeito dessa medalha, foi-lhe respondido que era composta de sete metais, havia pertencido a Cazotte e tinha o poder especial de atrair os Espíritos e facilitar as evocações. O Sr. De Caudemberg, autor de uma série de comunicações que, como médium, dizia ter recebido da Virgem Maria, disse-lhe que era uma coisa maléfica, destinada a atrair os demônios. A senhorita Guldenstubé, médium, irmã do barão de Guldenstubé, autor de uma obra sobre pneumatografia, ou escrita direta, garantiu que a medalha possuía uma virtude magnética e poderia provocar o sonambulismo.

Pouco satisfeito com essas respostas contraditórias, o Sr. M... apresentou-nos a medalha, pedindo nossa opinião pessoal a respeito e, ao mesmo tempo, solicitando interrogássemos um Espírito superior a propósito de seu real valor, do ponto de vista da influência que pudesse ter. Eis a nossa resposta:

Os Espíritos são atraídos ou repelidos pelo pensamento, e não pelos objetos materiais, que nenhum poder exercem sobre eles. Em todos os tempos os Espíritos superiores têm condenado o emprego de sinais e de formas cabalísticas, de modo que todo Espírito que lhes atribuir uma virtude qualquer, ou que pretender oferecer talismãs como objeto de magia, por isso mesmo revelará a sua inferioridade, quer quando age de boa-fé e por ignorância, em consequência de antigos preconceitos terrestres de que ainda se acha imbuído, quer quando, como Espírito zombeteiro, se diverte conscientemente com a credulidade alheia. Quando não traduzem pura fantasia, os sinais cabalísticos são símbolos que lembram crenças supersticiosas na virtude de certas coisas, como os números, os planetas e sua concordância com os metais, crenças que foram geradas nos tempos da ignorância e que repousam sobre erros manifestos, aos quais a Ciência fez justiça, ao revelar o que existe sobre os pretensos sete planetas, os sete metais etc. A forma mística e ininteligível desses emblemas tinha por objetivo a sua imposição ao vulgo, sempre inclinado a considerar maravilhoso tudo aquilo que é incapaz de compreender. Quem quer que tenha estudado racionalmente a natureza dos Espíritos não poderá admitir que, sobre eles, se exerça a influência de formas convencionais, nem de substâncias misturadas em certas proporções; seria renovar as práticas do caldeirão das feiticeiras, dos gatos negros, das galinhas pretas e de outros sortilégios. Não podemos dizer a mesma coisa de um objeto magnetizado que, como se sabe, tem o poder de provocar o sonambulismo ou certos fenômenos nervosos sobre o organismo.

Nesse caso, porém, a virtude do objeto reside unicamente no fluido de que se acha momentaneamente impregnado e que assim se transmite, por via mediata, e não em sua forma, em sua cor e nem, sobretudo, nos sinais de que possa estar sobrecarregado.

Um Espírito pode dizer: “Traçai tal sinal e, à vista dele, reconhecerei que me chamais, e virei”; nesse caso, todavia, o sinal traçado é apenas a expressão do pensamento; é uma evocação traduzida de modo material. Ora, os Espíritos, seja qual for a sua natureza, não necessitam de semelhantes artifícios para se comunicarem; os Espíritos superiores jamais os empregam; os inferiores podem fazê-lo visando fascinar a imaginação das pessoas crédulas que querem manter sob dependência. Regra geral: para os Espíritos superiores a forma nada é; o pensamento é tudo. Todo Espírito que liga mais importância à forma do que ao fundo, é inferior e não merece nenhuma confiança, mesmo quando, vez por outra, diga algumas coisas boas, porquanto essas boas coisas frequentemente são um meio de sedução.

Tal era, de maneira geral, nosso pensamento a respeito dos talismãs, como meio de entrar em relação com os Espíritos.

Evidentemente que se aplica também àqueles que a superstição emprega como preservativos de moléstias ou acidentes.

Entretanto, para edificação do proprietário da medalha, e para um melhor aprofundamento da questão, na sessão de 17 de julho de 1858 pedimos a São Luís, que conosco se comunica de bom grado sempre que se trata de nossa instrução, que nos desse sua opinião a respeito. Interrogado sobre o valor da medalha, eis qual foi sua resposta:

Fazeis bem em não admitir que objetos materiais possam exercer qualquer influência sobre as manifestações, quer para as provocar, quer para as impedir. Temos dito com bastante frequência que as manifestações são espontâneas e que, além disso, jamais nos recusamos a atender ao vosso apelo. Por que pensais que sejamos obrigados a obedecer a uma coisa fabricada pelos seres humanos?

– Com que finalidade foi feita essa medalha?

– Foi fabricada com o objetivo de chamar a atenção das pessoas que nela gostariam de crer; porém, apenas por magnetizadores poderá ter sido feita, com a intenção de magnetizar e adormecer um sensitivo. Os signos nada mais são que fantasia.

– Dizem que pertenceu a Cazotte; poderíamos evoca-lo, a fim de obtermos alguns ensinamentos a esse respeito?

– Não é necessário; ocupai-vos preferentemente de coisas mais sérias.



[1] Revista Espírita – setembro/1858 – Allan Kardec

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