Allan Kardec
Bem que os espíritas se
consideravam uma escola filosófica, mas nunca lhes tinha vindo à mente se
julgar um partido. Ora, eis que um belo dia o Moniteur lhes dá
esta notícia, que os surpreendeu um pouco. E quem foi que lhes deu esta
qualificação? Foi um desses jornalistas inescrupulosos, que lançam epítetos ao
acaso, sem lhes compreender o alcance? Não; é um relatório oficial, feito ao
primeiro corpo do Estado, ao Senado. Assim, não é provável que, num documento
dessa natureza, essa palavra tenha sido pronunciada levianamente. Sem dúvida
não foi a benevolência que a ditou, mas foi dita e faz sucesso, porque os
jornais não a deixaram cair. Alguns, crendo aí encontrar um agravo a mais
contra o Espiritismo, nada tiveram de mais urgente do que estampar em suas colunas
o título de: O Partido Espírita.
Assim, esta pobre escolinha, tão
ridicularizada, tão humilhada, que caridosamente pretendiam enviar em massa ao
hospício; sobre a qual diziam que bastava soprar para que ela desaparecesse;
que vinte vezes a declararam morta e para sempre enterrada; à qual não há mais
fino escritor hostil que não se tenha gabado de lhe haver dado o golpe de
misericórdia, mas concordando, com estupefação, que ela invadia o mundo e todas
as classes da sociedade; da qual quiseram, a todo custo, fazer uma religião,
gratificando-a com templos e sacerdotes, grandes e pequenos, que ela jamais
viu, ei-la de repente transformada em partido. Por esta qualificação, o Sr.
Genteur, o relator do Senado, não lhe deu o seu verdadeiro caráter, mas a exaltou;
deu-lhe uma posição, um lugar, pondo-a em evidência. Porque a ideia de partido
implica a de uma certa força, de uma opinião bastante importante, bastante
ativa e bastante espalhada para representar um papel, e com a qual é preciso
contar.
Por sua natureza e por seus
princípios, o Espiritismo é essencialmente pacífico; é uma ideia que se
infiltra sem ruído, e se encontra numerosos aderentes, é que agrada; jamais fez
propaganda nem exibições quaisquer; forte pelas leis naturais, nas quais se apoia,
vendo-se crescer sem esforços nem abalos, não vai ao encontro de ninguém, não
violenta nenhuma consciência; diz o que é e espera que a ele venham. Todo o
ruído que se fez a sua volta é obra de seus adversários; atacaram-no, ele teve
que se defender, mas sempre o fez com calma, moderação e só pelo raciocínio;
jamais se afastou da dignidade que é própria de toda causa que tem consciência
de sua força moral; jamais usou de represálias, pagando injúria por injúria,
maus procedimentos por maus procedimentos. Hão de convir que não é este o
caráter ordinário dos partidos, turbulentos por natureza, fomentando a agitação
e a quem tudo é bom para chegar aos fins. Mas, já que lhe dão este nome, ele o
aceita, certo de que não o desonrará por qualquer excesso, pois repudiaria quem
quer que dele se prevalecesse para suscitar a menor perturbação.
O Espiritismo seguia sua rota
sem provocar qualquer manifestação pública, mas aproveitando a publicidade que
lhe faziam os seus adversários; quanto mais a sua crítica era zombeteira, acerba
e virulenta, tanto mais excitava a curiosidade dos que não o conheciam e que,
para saberem como proceder diante dessa assim chamada nova excentricidade, iam
simplesmente informar-se na fonte, isto é, nas obras especiais; estudavam-no e
encontravam outra coisa do que tinham ouvido dizer. É um fato notório que as
declamações furibundas, os anátemas e as perseguições ajudaram poderosamente a
sua propagação, porque, em vez de lhe desviar a atenção, provocaram o seu
exame, ainda que fosse pela atração do fruto proibido. As massas têm sua
lógica; elas se dizem que se uma coisa nada fosse, dela não falariam, e medem a
sua importância precisamente pela violência dos ataques de que é objeto e pelo
pavor que causa aos seus antagonistas.
Instruídos pela experiência,
certos órgãos de publicidade se abstinham de falar dele, bem ou mal, evitando
mesmo pronunciar o seu nome, para não lhe dar repercussão, limitando-se, de vez
em quando, a lhe lançar alguns ataques violentos às escondidas, quando uma
circunstância o punha forçosamente em evidência. Alguns também guardaram
silêncio, porque a ideia tinha penetrado em suas fileiras e, com ela, se não
talvez a convicção, pelo menos a hesitação.
Então a imprensa em geral se
calava sobre o Espiritismo, quando uma circunstância, que não poderia ser obra
do acaso, a obrigou a falar dele. E quem provocou o incidente? Sempre os
adversários da ideia que, ainda dessa vez, se equivocaram, produzindo um efeito
totalmente contrário ao que esperavam. Para dar mais repercussão ao seu ataque,
conduzem-no com pouca habilidade, não no terreno de uma folha sem caráter
oficial e cujo número de leitores é limitado, mas por via de petições à própria
tribuna do Senado, onde ela é objeto de discussão e de onde saiu a expressão de
partido espírita. Ora, graças aos jornais de todas as colorações,
obrigados a notificar o debate, a existência desse pequeno partido foi revelada
instantaneamente a toda a Europa e além.
É verdade que um membro da
ilustre assembleia disse que não havia senão patetas que fossem
espíritas, ao que o presidente respondeu que os tolos também podiam formar um
partido. Ninguém ignora que hoje os espíritas se contam por milhões, e que
altas notabilidades simpatizam com suas crenças; é, pois, de admirar que um
epíteto tão pouco cortês e tão generalizado tenha saído daquele recinto,
dirigido a notável parte da população, sem que o autor tenha refletido até onde
ele atingia.
De resto, os próprios jornais se
encarregaram de desmentir tal qualificação, certamente não por benevolência,
mas, que importa! O jornal Liberté, entre outros, que aparentemente não
quer que se seja livre de ser espírita, como se o é de ser judeu, protestante,
são-simonista ou livre-pensador, publicou, em seu número de 13 de junho, um
artigo assinado por Liévin, do qual eis um extrato:
O Sr. Genteur, comissário do governo, revelou ao Senado
a existência de um partido que não conhecíamos, e que, como os outros, parece
contribuir, no limite de suas forças, para abalar as instituições do império.
Sua influência já se fizera sentir o ano passado, e o partido
espírita – nome que lhe deu o Sr. Genteur – tinha obtido do Senado, sem
dúvida graças à sutileza dos meios de que dispõe, a remessa ao governo da
famosa petição de Saint-Etienne, na qual eram denunciadas, como se lembram, não
as tendências materialistas da Escola de Medicina, mas as tendências
filosóficas da biblioteca da comuna. Até aqui tínhamos atribuído ao partido da
intolerância a honra desse sucesso, e o considerávamos por si como uma consolação
por seu último revés; mas parece que nos tínhamos enganado e que a petição de
Saint-Etienne não passava de uma manobra desse partido espírita, cujo
poder oculto parece querer exercer-se mais particularmente em detrimento das
bibliotecas.
Assim, segunda-feira o Senado ocupava-se de uma nova
petição, na qual o partido espírita, levantando ainda a cabeça,
denunciava as tendências da biblioteca de Oullins (Rhône). Mas desta vez a
venerável assembleia, posta em guarda pelas revelações do Sr. Genteur, frustrou
os cálculos dos espíritas, por uma unânime ordem do dia. Apenas o Sr. Nisard se
deixou apanhar mais ou menos por esta astúcia de guerra, e de boa-fé estendeu a
mão a esses pérfidos inimigos. Deu-lhes o apoio de um parecer em que, por sua vez,
assinalava os perigos dos maus livros. Felizmente o equívoco do honrado senador
não foi partilhado e os espíritas, arrependidos e confusos, foram reconduzidos
como mereciam.
Um outro jornal – Revue
politique hebdomadaire – de 13 de junho, assim começa um artigo sobre o
mesmo assunto:
Ainda não conhecíamos todos os nossos perigos. Caso se
acredite no Constitutionnel, não eram bastantes os partidos legitimista,
orleanista, republicano, socialista, comunista e o partido vermelho, sem contar
o partido liberal, que os resume todos? Era mesmo sob o Segundo Império, cuja
pretensão é dissolver todos os partidos, que devia nascer um novo partido, crescer
e ameaçar a sociedade francesa, o partido espírita? Sim, o partido
espírita! Foi o Sr. Genteur, Conselheiro de Estado, quem o descobriu e que o
denunciou em pleno Senado.
Dificilmente se compreende que
um partido que só se componha de tolos possa fazer o Estado correr
sérios perigos; apavorar-se com isto seria fazer crer que se tem medo dos
bobos. Soltando esse grito de alarme à face do mundo, prova-se que o partido
espírita é alguma coisa. Não tendo podido abafá-lo sob o ridículo, tentam
apresentá-lo como um perigo para a tranquilidade pública. Ora, qual será o
resultado inevitável desta nova tática? Um exame tanto mais sério e mais
profundo mais terá exaltado o seu perigo; quererão conhecer as doutrinas deste
partido, seus princípios, sua palavra de ordem, suas filiações. Se o ridículo
lançado sobre o Espiritismo, como crença, despertou curiosidade, será bem outra
coisa quando for apresentado como um partido temível; cada um está interessado
em saber o que ele quer, para onde conduz: é tudo o que ele pede; agindo às
claras, não tendo nenhuma instrução secreta, fora do que é publicado
para uso de tudo o mundo, ele não teme nenhuma investigação, certo que
está, ao contrário, de ganhar por ser conhecido e que, quem quer que o
perscrute com imparcialidade, verá em seu código moral uma poderosa garantia da
ordem e da segurança. Um partido, pois é um partido, que inscreve em sua
bandeira: Fora da caridade não há salvação, indica suas tendências com
bastante clareza, para que ninguém tenha razão para o temer. Aliás, a
autoridade, cuja vigilância é conhecida, não pode ignorar os princípios de uma
doutrina que não se esconde. Não falta gente para lhe dar conta do que se diz e
se faz nas reuniões espíritas, e ela bem saberia chamar à ordem as que dela se
afastassem.
É de admirar que homens que
fazem profissão de liberalismo, que reclamam com insistência a liberdade, que a
querem absoluta para as suas ideias, seus escritos, suas reuniões, que
estigmatizam todos os atos de intolerância, queiram proscreve-la para o
Espiritismo.
Mas, vede a que inconsequências
conduz a cegueira! O debate que ocorreu no Senado foi provocado por duas petições:
uma, do ano passado, contra a biblioteca de Saint-Etienne; outra deste ano,
contra a biblioteca de Oullins, assinadas por alguns habitantes daquelas
cidades, e que reclamavam contra a introdução, naquelas bibliotecas, de certas
obras, em cujo número figuravam as obras espíritas.
Pois bem! O autor do artigo do
jornal Liberté, que sem dúvida examinou a questão um tanto levianamente,
imagina que a reclamação emana do partido espírita e conclui que este recebeu uma
pancada na cabeça pela ordem do dia pronunciada contra a petição de Ouillins.
Eis, pois, esse partido tão perigoso, tão facilmente derrubado, e que peticiona
para pedir a exclusão de suas próprias obras! Então seria
verdadeiramente o partido dos tolos. Aliás, este estranho equívoco nada tem de
surpreendente, visto que o autor declara, de início, que não conhecia esse
partido, o que não o impede de o declarar capaz de abalar as instituições
do Império.
Longe de se inquietarem com
esses incidentes, os espíritas devem regozijar-se; esta manifestação hostil não
podia produzir-se em circunstâncias mais favoráveis, e por certo a Doutrina
receberá um novo e salutar impulso, como tem acontecido em todos os levantes de
que ela foi objeto. Quanto mais esses ataques repercutirem, mais proveitosos
serão. Dia virá em que se transmutarão em aprovações abertas.
O jornal Siècle, de 18 de
junho, também publicou seu artigo sobre o partido espírita. Todos aí notarão um
espírito de moderação, que contrasta com os dois outros que mencionamos; nós o
reproduzimos integralmente:
Quem disse que não há nada de novo debaixo do sol? O
céptico que assim falava não suspeitava que um dia a imaginação de um
Conselheiro de Estado faria, em pleno Senado, a descoberta do partido espírita.
Já contávamos alguns partidos na França, e Deus sabe se os ministros oradores
cometem erro ao enumerar os perigos que podem causar esta divisão dos
espíritos! Há o partido legitimista, o partido orleanista, o partido
republicano, o partido socialista, o partido comunista, o partido clerical etc.
etc.
A lista não pareceu bastante longa ao Sr. Genteur. Ele acaba
de denunciar à vigilância dos veneráveis pais da política, que têm assento no
Palácio do Luxemburgo, a existência do partido espírita. A esta
revelação inesperada, um frisson percorreu a assembleia. Os defensores das duas
morais, com o Sr. Nisard à frente, estremeceram.
Quê! A despeito do zelo desses inumeráveis funcionários,
o Império francês está ameaçado por um novo partido? – Na verdade, é para
desesperar da ordem pública. Como este inimigo, invisível até agora ao próprio
Sr. Genteur, pôde ocultar-se a todas as vistas? Há nisto um mistério, que o Sr.
Conselheiro de Estado, se o penetrar, bem que nos poderá ajudar a compreender.
Pessoas oficialmente informadas afirmam que o partido espírita escondia
o exército de seus representantes – os Espíritos batedores – atrás dos livros
das bibliotecas de Saint-Etienne e de Oullins.
Eis-nos, pois, de volta aos belos tempos das histórias da
carochinha, das mesas girantes e das indiscretas mesinhas de pés-de-galo!
Embora o Espiritismo e seu primeiro apóstolo, o Sr. Delage
– o mais suave dos pregadores – não tenham ainda convencido muita gente,
contudo chegaram a constituir um partido. Isto pelo menos se diz no Senado, e
não seremos nós que alguma vez nos permitiremos suspeitar da exatidão do que se
afirma num lugar tão importante.
A influência oculta do partido recentemente assinalado
se fez sentir até na última discussão do Senado, onde o Sr. Désiré Nisard, um
dos maiorais, mostrou-se forte contra os reacionários. Um tal papel cabia de
direito ao homem que foi, desde a sua saída da escola normal, um dos agentes
mais ativos das ideias retrógradas.
Depois disto, é para admirar ouvir o honrado senador invocar
o arbítrio para justificar as medidas restritivas tomadas a propósito da
escolha dos livros da biblioteca de Oullins? ‘Esses estabelecimentos populares,
diz o Sr. Nisard, são fundados por associações; encontram-se, pois, sob o
disposto do artigo 291 do Código Penal e, por consequência, à mercê do Ministro
do Interior. Ele usou, usa e usará desta ditadura’.
Deixamos ao partido espírita e ao seu Cristóvão Colombo,
o Sr. Genteur, Conselheiro de Estado, o cuidado de interrogar os Espíritos
reveladores, a fim de que nos digam o que o Senado espera obter impedindo os
cidadãos de organizarem livremente as bibliotecas populares, como se pratica na
Inglaterra?
Anatole de la
Forge
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