Allan Kardec
De todos os fenômenos espíritas,
um dos mais extraordinários é, sem contradita, o das curas instantâneas.
Compreende-se as curas
produzidas pela ação continuada de um bom fluido; mas se pergunta como esse
fluido pode operar uma transformação súbita no organismo e, sobretudo, por que
o indivíduo que possui essa faculdade não tem acesso sobre todos os que são
atingidos pela mesma doença, admitindo que haja especialidades. A simpatia dos fluidos
é uma razão, sem dúvida, mas que não satisfaz completamente, porque nada tem de
positivo, nem de científico. Entretanto, as curas instantâneas são um fato, que
não poderia ser posto em dúvida. Se não se tivesse em apoio senão exemplos dos
tempos recuados, poder-se-ia, com alguma aparência de fundamento, considerá-los
como lendários, ou, pelo menos, como amplificados pela credulidade; mas quando
os mesmos fenômenos se reproduzem aos nossos olhos, no século mais céptico, a
respeito das coisas sobrenaturais, a negação já não é possível, e se é forçado
a neles ver, não um efeito miraculoso, mas um fenômeno que deve ter sua causa
nas leis da Natureza, ainda desconhecidas.
A explicação seguinte, deduzida
das indicações fornecidas por um médium em estado de sonambulismo espontâneo,
está baseada em considerações fisiológicas, que nos parecem projetar luz nova
sobre a questão. Ela foi dada por ocasião de uma pessoa atingida por graves
enfermidades, e que perguntava se um tratamento fluídico lhe poderia ser salutar.
Por mais racional que nos pareça
esta explicação, não a damos como absoluta, mas a título de hipótese e como
tema de estudo, até que tenha recebido a dupla sanção da lógica e da opinião
geral dos Espíritos, único controle válido das doutrinas espíritas, e que pode
assegurar a sua perpetuidade.
Na medicação terapêutica são
necessários remédios apropriados ao mal. Não podendo o mesmo remédio ter
virtudes contrárias: ser, ao mesmo tempo, estimulante e calmante, muito picante
e refrescante, não pode convir a todos os casos. É por isto que não existe um
remédio universal.
Dá-se o mesmo com o fluido
curador, verdadeiro agente terapêutico, cujas qualidades variam conforme o temperamento
físico e moral dos indivíduos que o transmitem. Há fluidos que superexcitam e
outros que acalmam, fluidos duros e outros suaves e de muitas outras nuanças.
Segundo as suas qualidades, o mesmo fluido, como o mesmo remédio, poderá ser salutar
em certos casos, ineficaz e mesmo nocivo em outros; de onde se segue que a cura
depende, em princípio, da apropriação das qualidades do fluido à natureza e à
causa do mal. Eis o que muitas pessoas não compreendem e porque se admiram que
um curador não cure todos os males. Quanto às circunstâncias que influem sobre
as qualidades intrínsecas dos fluidos, foram suficientemente desenvolvidas no
capítulo XIV de A Gênese, sendo supérfluo aqui as relembrar.
A esta causa inteiramente física
das não-curas, deve-se acrescentar uma, toda moral, que o Espiritismo nos dá a
conhecer.
É que a maioria das doenças,
como todas as misérias humanas, são expiações do presente ou do passado, ou
provas para o futuro; são dívidas contraídas, cujas consequências devem ser
sofridas, até que tenham sido saldadas. Aquele, pois, que deve suportar sua provação
até o fim não pode ser curado. Este princípio é um motivo de resignação para o
doente, mas não deve ser uma desculpa para o médico que procurasse, na
necessidade da provação, um meio cômodo para abrigar a sua ignorância.
Consideradas unicamente do ponto
de vista fisiológico, as doenças têm duas causas, que até hoje não foram
distinguidas, e que não podiam ser apreciadas antes dos novos conhecimentos trazidos
pelo Espiritismo. É da diferença destas duas causas que ressalta a
possibilidade das curas instantâneas, em casos especiais, e não em todos.
Certas moléstias têm sua causa
original na própria alteração dos tecidos orgânicos; é a única que a Ciência
admite até hoje. E como, para a remediar, não conhece senão as substâncias medicamentosas
tangíveis, não compreende a ação de um fluido impalpável, tendo a vontade
como propulsor. Entretanto, aí estão os curadores magnéticos para provar que
não é uma ilusão.
Na cura das doenças desta
natureza, pelo influxo fluídico, há substituição das moléculas orgânicas
mórbidas por moléculas sadias. É a história de uma velha casa, cujas pedras carcomidas
são substituídas por boas pedras; tem-se sempre a mesma casa, mas restaurada e
consolidada. A torre Saint-Jacques e Notre-Dame de Paris acabam de sofrer um
tratamento deste gênero.
A substância fluídica produz um
efeito análogo ao da substância medicamentosa, com esta diferença: sendo maior
a sua penetração, em razão da tenuidade de seus princípios constituintes, age
mais diretamente sobre as moléculas primeiras do organismo do que o podem fazer
as moléculas mais grosseiras das substâncias materiais. Em segundo lugar, sua
eficácia é mais geral, sem ser universal, porque suas qualidades são modificáveis
pelo pensamento, enquanto as da matéria são fixas e invariáveis e não podem
aplicar-se senão em determinados casos.
Tal é, em tese geral, o
princípio sobre o qual repousam os tratamentos magnéticos. Acrescentemos
sumariamente, e de memória, já que não podemos aprofundar aqui o assunto, que a
ação dos remédios homeopáticos em doses infinitesimais, é baseada no mesmo
princípio; a substância medicamentosa, levada pela divisão ao estado atômico,
até certo ponto adquire as propriedades dos fluidos, menos, todavia, o
princípio anímico, que existe nos fluidos animalizados e lhes dá qualidades especiais.
Em resumo, trata-se de reparar
uma desordem orgânica pela introdução, na economia, de materiais sãos,
substituindo materiais deteriorados. Esses materiais sãos podem ser fornecidos pelos
medicamentos ordinários in natura; por esses mesmos medicamentos em
estado de divisão homeopática; enfim, pelo fluido magnético, que não é senão
matéria espiritualizada. São três modos de reparação, ou melhor, de introdução
e de assimilação dos elementos reparadores; todos os três estão igualmente na
Natureza, e têm sua utilidade, conforme os casos especiais, o que explica por que
um tem êxito onde outro fracassa, porquanto seria parcialidade negar os
serviços prestados pela medicina ordinária. Em nossa opinião, são três ramos da
arte de curar, destinados a se suplementarem e a se completarem, conforme as
circunstâncias, mas dos quais nenhum tem lastro para se julgar a panaceia
universal do gênero humano.
Cada um desses meios poderá,
pois, ser eficaz, se empregado a propósito e adequado à especialidade do mal;
mas, seja qual for, compreende-se que a substituição molecular, necessária ao
restabelecimento do equilíbrio, não pode operar-se senão gradualmente, e não
por encanto e por um golpe de batuta; se possível, a cura só pode ser o
resultado de uma ação contínua e perseverante, mais ou menos longa, conforme a
gravidade dos casos.
Entretanto, as curas
instantâneas são um fato, e como não podem ser mais miraculosas que as outras,
é preciso que se realizem em circunstâncias especiais. O que o prova é que não se
dão indistintamente para todas as doenças, nem para todos os indivíduos. É,
pois, um fenômeno natural, cuja lei deve ser buscada.
Ora, eis a explicação que se lhe
dá; para a compreender, era preciso ter o ponto de comparação que acabamos de
estabelecer.
Certas afecções, mesmo muito
graves e passadas ao estado crônico, não têm como causa primeira a alteração
das moléculas orgânicas, mas a presença de um mau fluido que, a bem dizer, as
desagrega, perturbando a sua economia.
Sucede aqui como num relógio, em
que todas as peças estão em bom estado, mas cujo movimento é parado ou desregulado
pela poeira; nenhuma peça deve ser substituída e, contudo, ele não funciona;
para restabelecer a regularidade do movimento basta expurgar o relógio do
obstáculo que o impedia de funcionar.
Tal é o caso de grande número de
doenças, cuja origem é devida aos fluidos perniciosos de que é penetrado o
organismo.
Para obter a cura, não são
moléculas deterioradas que devem ser substituídas, mas um corpo estranho que se
deve expulsar; desaparecida a causa do mal, o equilíbrio se restabelece e as
funções retomam seu curso.
Concebe-se que em semelhantes
casos os medicamentos terapêuticos, destinados, por sua natureza, a agir sobre
a matéria, não tenham eficácia sobre um agente fluídico; por isso a medicina
ordinária é impotente em todas as moléstias causadas por fluidos viciados, e
elas são numerosas. À matéria pode-se opor a matéria, mas a um fluido mau é
preciso opor um fluido melhor e mais poderoso. A medicina terapêutica
naturalmente falha contra os agentes fluídicos; pela mesma razão, a medicina
fluídica falha onde é preciso opor a matéria à matéria; a medicina
homeopática nos parece ser o intermediário, o traço de união entre esses
dois extremos, e deve particularmente triunfar nas afecções que poderiam
chamar-se mistas.
Seja qual for a pretensão de
cada um destes sistemas à supremacia, o que há de positivo é que, cada um de
seu lado, obtém incontestáveis sucessos, mas que, até o presente, nenhum justificou
estar na posse exclusiva da verdade; donde se deve concluir que todos têm sua
utilidade, e que o essencial é os aplicar adequadamente.
Não temos que nos ocupar aqui
dos casos em que o tratamento fluídico é aplicável, mas da causa pela qual esse
tratamento pode, por vezes, ser instantâneo, ao passo que em outros casos exige
uma ação continuada.
Esta diferença se prende à
própria natureza e à causa primeira do mal. Duas afecções que, aparentemente,
apresentam sintomas idênticos, podem ter causas diferentes; uma pode ser determinada
pela alteração das moléculas orgânicas e, neste caso, é preciso reparar,
substituir, como me disseram, as moléculas deterioradas por moléculas sadias,
operação que só pode ser feita gradualmente; a outra, por infiltração, nos
órgãos saudáveis, de um fluido mau, que lhe perturba as funções. Neste caso,
não se trata de reparar, mas de expulsar. Esses dois casos requerem, no fluido curador,
qualidades diferentes; no primeiro, é preciso um fluido mais suave que
violento, sobretudo rico em princípios reparadores; no segundo, um fluido
enérgico, mais adequado à expulsão do que à reparação; segundo a qualidade
desse fluido, a expulsão pode ser rápida e como por efeito de uma descarga elétrica.
O doente, subitamente livre da causa estranha que o fazia sofrer, sente-se
aliviado imediatamente, como acontece na extirpação de um dente estragado. Não
estando mais obliterado, o órgão volta ao seu estado normal e retoma suas
funções.
Assim podem explicar-se as curas
instantâneas, que não são, na realidade, senão uma variedade da ação magnética.
Como se vê, elas repousam sobre um princípio essencialmente fisiológico e nada
têm de mais miraculoso que os outros fenômenos espíritas.
Compreende-se desde logo por que
essas espécies de cura não são aplicáveis a todas as doenças. Sua obtenção se
deve, ao mesmo tempo, à causa primeira do mal, que não é a mesma em todos os indivíduos,
e às qualidades especiais do fluido que se lhe opõe.
Disso resulta que uma pessoa que
produz efeitos rápidos, nem sempre é adequada para um tratamento magnético
regular, e que excelentes magnetizadores são impróprios para curas
instantâneas.
Esta teoria pode assim
resumir-se:
Quando o mal exige a reparação de órgãos alterados,
necessariamente a cura é lenta e requer uma ação contínua e um fluido de
qualidade especial; quando se trata da expulsão de um mau fluido, ela pode ser
rápida e, mesmo, instantânea.
Para simplificar a questão, não
consideramos senão os dois pontos extremos; mas entre os dois há matizes
infinitos, isto é, uma multidão de casos em que as duas causas coexistem em
diferentes graus, e com mais ou menos preponderância de cada uma; em que, por consequência,
é necessário, ao mesmo tempo, expulsar e reparar. Conforme aquela das duas
causas que predomina, a cura é mais ou menos lenta; se for a do mau fluido, após
a expulsão é preciso a reparação; se for a desordem orgânica, após a reparação
é necessária a expulsão. A cura só é completa após a destruição das causas. É o
caso mais comum. Eis por que os tratamentos terapêuticos muitas vezes precisam
ser complementados por um tratamento fluídico e reciprocamente; eis, também,
por que as curas instantâneas, que ocorrem nos casos em que a predominância
fluídica é, por assim dizer, exclusiva, jamais poderão tornar-se um meio
curativo universal; conseguintemente, elas não são chamadas a suplantar nem a
Medicina, nem a Homeopatia, nem o magnetismo ordinário.
A cura instantânea, radical e
definitiva, pode ser considerada como um caso excepcional, considerando-se que
é raro:
1.
que a expulsão do mau fluido seja completa no
primeiro golpe;
2.
que a causa fluídica não seja acompanhada de
alguma alteração orgânica, o que obriga, num e noutro caso, a ele voltar várias
vezes.
Enfim, não podendo os maus
fluidos emanar senão de Espíritos maus, sua introdução na economia se liga
muitas vezes à obsessão. Daí resulta que, para obter a cura, é preciso tratar,
ao mesmo tempo, o doente e o Espírito obsessor.
Estas observações mostram
quantas coisas devem ser levadas em conta no tratamento das doenças, e quanto
ainda resta aprender a tal respeito. Além disso, vêm confirmar um fato capital,
que ressalta da obra A Gênese – a aliança do Espiritismo e da Ciência. O
Espiritismo marcha sobre o mesmo terreno que a Ciência, até os limites da
matéria tangível; mas, enquanto a Ciência se detém nesse ponto, o Espiritismo
continua seu caminho e prossegue suas investigações nos fenômenos da Natureza,
com o auxílio dos elementos que colhe no mundo extramaterial; apenas aí está a
solução das dificuldades contra as quais se choca a Ciência.
Nota – A pessoa cujo pedido motivou esta
explicação está no caso das doenças de causa complexa. Seu organismo está profundamente
alterado e, ao mesmo tempo, saturado dos fluidos mais perniciosos, que a tornam
incurável apenas pela terapêutica ordinária. Uma magnetização violenta e muito
enérgica não produziria mais que uma superexcitação momentânea, logo seguida de
maior prostração, ao ativar o trabalho da decomposição.
Ser-lhe-ia necessária uma magnetização suave, continuada por
muito tempo, um fluido reparador penetrante, e não um fluido que abala, mas que
nada repara. Consequentemente, ela é inacessível à cura instantânea.
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