segunda-feira, 11 de julho de 2022

FRANCISCO THIESEN[1]

 

 

Em 6 de agosto de 1990 desencarnou Francisco Thiesen que, durante 15 anos sucessivos, exerceu a Presidência da Federação Espirita Brasileira e conseguintemente também a direção de "Reformador".

Esta revista − como órgão oficial da FEB − deu de imediato a notícia do fato, registrando-o no seu Editorial da edição de setembro último, acompanhada de fidelíssima fotografia do seu inesquecível Diretor. Esse Editorial é uma síntese perfeita dos principais serviços prestados por Francisco Thiesen à Instituição Febiana que, durante três lustros completos, ele sabiamente dirigiu. A admiração e o afeto que todos dedicamos a tão caro companheiro induzem-nos a fazer mais amplo registro, falando também agora de toda a sua vida como cidadão e como espírita.

Francisco Thiesen nasceu em 28 de março de 1927, na cidade de Cruz Alta, no Estado do Rio Grande do Sul. Foram seus pais José Francisco Thiesen, brasileiro, mas de ascendência suíço-alemã, e D. Filomena Berao, de nacionalidade espanhola. O casal teve dois filhos, dos quais Francisco era o mais velho. Nascido em Cruz Alta, viveu, porém, mais tempo em Porto Alegre, para onde a família teve de transferir-se.

Thiesen conheceu desde cedo a dureza da vida, pois se viu órfão de pai em tenra idade. Sua mãe, D. Filomena, muito lutou a fim de conseguir sustento e educação para os dois filhos. Thiesen, por isso, começou muito cedo a trabalhar, razão pela qual teve de contentar-se em realizar somente seus estudos primários, porque os secundários não os pode completar. Mas nisto exatamente já começa a grandeza da sua vida, pois, toda a sua cultura intelectual e seu talento profissional foram o resultado de um extraordinário esforço autodidático, seguramente com base em considerável patrimônio espiritual inato. Trabalhou, inicialmente como "boy", na Companhia de Seguros "Mauá", onde fez carreira rápida, galgando sucessivamente todos os cargos, para atingir finalmente o mais alto posto da administração da Empresa.

Tornou-se, pelo esforço próprio, estudando muito e praticando a profissão escolhida, um administrador seguro, de ampla visão e clara previsão, ordem e sabedoria no planejamento e firmeza admirável na execução, tendo notória capacidade de comando e liderança.

Estas qualidades iriam refletir-se mais tarde na sua vida de espírita, possibilitando-lhe oferecer ao Espiritismo um extraordinário potencial de trabalho, como adepto da doutrina que ele extremadamente amou e como administrador, desde cedo, das Instituições Espíritas às quais se dedicou, tudo culminando nos serviços que finalmente veio a prestar, com inigualável dedicação, à Federação Espírita Brasileira e ao Movimento Espírita no Brasil e no Mundo ; ele tinha uma missão a cumprir - e como a cumpriu! Isto é, já encarnara com os conhecimentos e as disposições que, ao primeiro toque de chamamento, despertaram em sua alma, onde apenas dormitavam, mas tudo culminando nos serviços que finalmente veio aprestar, com Inigualável dedicação, à Federação Espírita Brasileira e ao Movimento Espírita no Brasil e no Mundo.

Mas − cabe perguntar a esta altura −, espírita que foi, de tal envergadura, como veio ele a tomar-se espírita? Como veio para o Espiritismo? Nasceu espírita? Eram espíritas os de sua família? Ou foi pelos caminhos da dor, do sofrimento, da provação? A bem dizer, nem de uma maneira, nem de outra. Sua família era católica e sua mãe, embora tivesse encontrado em leituras de livros espíritas consolações e forças para bem enfrentar as suas lutas, parece que deu aos filhos a educação cristã nos moldes das tradições católicas da família. Também, e apesar das árduas lutas enfrentadas para o sustento e a educação, não havia a rigor maiores sofrimentos, enfermidades desesperantes ou terríveis privações, havendo outrossim a bênção do trabalho honrado e da boa formação moral. Como veio, então, Thiesen para o Espiritismo?

Para nós é mais um caso de predestinação;  mente já existiam, ele tinha uma missão a cumprir − e como a cumpriu! -, Isto é, já encarnara com os conhecimentos e as disposições que, ao primeiro toque de chamamento, despertaram em sua alma, onde apenas dormitavam, mas efetivamente já existiam. É o que claramente se depreende do que disse o próprio Thiesen, em depoimento por ele concedido, quando ainda muito maço, à excelente revista portuguesa "Estudos Psíquicos" e publicado no seu número de fevereiro de 1948, às páginas 59 e 60. Sobre ele já escrevêramos um artigo sob o título Depoimento Edificante, publicado no número de dezembro de 1980 e para aqui agora o transcrevemos, por julgá-lo, neste momento, oportuno. Eis o depoimento de 1948:

 

Foi num domingo do ano de 1944 que comecei os meus estudos espíritas. A circunstância que me levou a esses estudos é uma das que a maioria das criaturas chama de acaso, mas que uma minoria mais sensata diz ser providencial.

Como disse, a minha iniciação iniciou num domingo; tinha na ocasião apenas 17 anos de idade. Pelo balanço que fiz do conteúdo da algibeira, verifiquei a escassez de dinheiro para a entrada do cinema e tive de me resignar, ficando em casa. Sem nenhuma ocupação, agarrei, desinteressado, um exemplar de "O Evangelho segundo o Espiritismo", de Allan Kardec, sentando-me para folheá-lo; esse livro era de minha mãe e nunca, sequer, me despertara a curiosidade. Comecei a leitura de suas páginas, recebendo surpresas frequentes e fortes, porque tudo quanto lia era verdadeiramente racional e lógico, grandioso mesmo. Tomei conhecimento do que lá se achava sobre as doutrinas de Sócrates e outros luminares, li os textos evangélicos (e muito me intrigava com a designação dos Evangelistas, números de capítulos e versículos, pois não sabia que referências eram aquelas); somente algum tempo depois é que conclui serem citações do Novo Testamento, que também desconhecia, e seus comentários pelo Codificador da Doutrina Espírita, bem como as Instruções dos Espíritos; enfim, no domingo que marcou a minha entrada para o Espiritismo, devorei a metade do livro.

Para mim, bastava a lógica e o bom senso da Filosofia Espírita; não me era necessário ver os fenômenos mediúnicos, para crer. Em suma, eu tinha a impressão nítida de que nada daquilo constituíra novidade para o meu espírito, não obstante ter sido a primeira vez que se me deparara leitura tão agradável. No dia seguinte, segunda-feira, no intervalo do almoço e no fim da tarde, prossegui a leitura do livro, chegando à última página. As derradeiras folhas da obra traziam propaganda de outras, e as que mais me impressionaram foram as de Humberto de Campos, recebidas mediunicamente por Francisco Cândido Xavier. Sem perda de tempo, fui a uma livraria e comprei diversos livros do referido escritor desencarnado, assim como alguns de Emmanuel. Lidos esses livros, adquiri os demais de Allan Kardec, os de Gabriel Delanne, Camllle Flammarion, Léon Denis, J.B. Roustaing e alguns de outros autores. A minha vida teve uma mudança radical, e o estudo, após o trabalho, era a minha única ocupação, porque havia divisado horizontes mais largos, tinha conseguido a explicação fundamental da existência; os problemas do ser, do destino e da dor, para mim, deixavam de ser problemas porque os havia equacionado. Sabedor de que existia, aos domingos, um programa radiofônico de palestras espíritas, locomovia-me sempre à casa de um tio, pois não possuía aparelho receptor.

Através desses programas, cientifiquei-me da existência de um curso de estudos profundos da Doutrina, sob o patrocínio da Federação Espírita do Rio Grande do Sul: inscrevi-me, passando a frequenta-la três vezes por semana. Lá conheci um grupo de jovens, com os quais me relacionei, para, juntos, fundarmos a Liga da Juventude Espírita do Rio Grande do Sul, em 15/9/45.

Por intermédio da "Liga", da qual fui Presidente, travei relações com outros setores doutrinários e com diversos confrades, dos quais me honro de ser amigo. Continuo estudando, porque a Doutrina Espírita é inesgotável, tem sempre algo para nos oferecer.

Dou graças a Deus por não ter tido dinheiro para o cinema naquele domingo de tanta significação para o meu destino. Considerando quanto de útil tenho angariado para o meu aprendizado, dentro do Espiritismo, procuro contribuir, em toda parte, de acordo com as minhas possibilidades, para o esclarecimento dos que, como eu, anteriormente, tanto necessitam de esclarecimento. Não se pode guardar a luz; por isso, e já que a recebi, tenho a obrigação de difundi-la, a fim de pagar a dívida que tenho com a lei Divina, em razão do que ela me concedeu.

E foi assim que eu ingressei no Espiritismo, abandonando a máscara da indiferença e do materialismo para o qual marchava a passos largos após haver-me desligado do catolicismo romano.

 

Quando prestou este depoimento, Thiesen tinha 22 anos de idade e já apresentava, como bem se pode ver, grande maturidade espiritual.

Após a sua conversão através das leituras, iniciou sua caminhada de predestinado nas lides espíritas. Aos 17 anos aproximou-se da Sociedade Espírita "Paz e Amor", casa que – de acordo com o que revelaram seus mentores espirituais − aguardava a chegada de um jovem que seria o dirigente da Juventude Espírita em formação na época (o destaque é nosso). Trabalhou depois em outras Instituições e principalmente na Federação Espirita do Rio Grande do Sul, de cuja Diretoria participou. Foi na Sociedade "Paz e Amor" que conheceu uma moça, de nome Ruth (Ruth Goldat), com quem se casou em 2 de julho de 1947, com ela constituindo bela e digníssima família. Tinha então 20 anos de Idade.

Do seu matrimonio nasceram quatro filhos: Emmanuel, Lívia, Icléa e Sérgio, os quais lhes deram oito netos. Todos foram educados ao influxo dos princípios espíritas-cristãos, sendo que o último, Sérgio, recentemente casado com Sônia Maria Trindade Thiesen, é membro do Conselho Superior da FEB e um dos componentes do Grupo Ismael, tendo ainda funções junto ao atual Presidente Juvanir Borges de Souza, como um de seus assessores.

Thiesen foi convidado pela Companhia de Seguros "Mauá", em que trabalhava, a fundar Agências em diversos Estados do Brasil, fixando-se finalmente, com a família, no Rio de Janeiro.

Foi então que, a partir do ano de 1955, representou a Federação Espírita do Rio Grande do Sul no Conselho Federativo Nacional e o fez com grande dedicação e operosidade até 4 de julho de 1970. Nesta data,

"(...) o Presidente da FEB, Dr. Armando de Oliveira Assis, comunica ao Conselho Federativo Nacional a substituição de Francisco Thiesen, como Representante do Rio Grande do Sul, pelo confrade Adolpho R. Amorim, tendo em vista que Francisco Thiesen passaria a ocupar novas funções na FEB. Foram 15 anos de relevantes serviços prestados à causa da Unificação, 'representando com admirável equilibro a dinâmica Federação Gaúcha' - disse, então, o Dr. Armando de Assis. Em reunião ordinária de 22 de agosto de 1970 o Conselho Superior da FEB elegeu Francisco Thiesen para Tesoureiro e na Tesouraria ele ficou até sua eleição para Presidente, em 1975.

 

Francisco Thiesen foi, entre todas as personalidades que conheci – e permita-me falar agora na primeira pessoa do singular −, a que mais fortemente me impressionou pela grandeza do caráter, nobreza de sentimentos e, sobretudo, pela coragem das atitudes, mesmo quando estas lhes fossem acarretar dissabores, desde que em sua consciência julgasse acertadas.

Para mim, esta é virtude rara, muito difícil de ser praticada, porque exige inteiro desprendimento e capacidade total de sacrifício pessoal. Eis por que Thiesen granjeou admiração sincera e o maior respeito de todos que o conheceram, mesmo daqueles que, certa ou erradamente, não puderam sempre e em tudo concordar com ele. Foi de fato uma figura desprendida, que deu tudo de si para servir, bem acima de seus Interesses, mesmo os mais legítimos, à grande causa a que dedicou a melhor parte de sua vida. Absoluta sinceridade e franqueza foram traços marcantes do seu caráter, que não excluíram, entretanto, lhaneza de trato e fidalguia, dentro de uma dignidade e nobreza a toda prova. Ninguém podia enganar-se com Thiesen. Era autêntico, leal, sempre igual a si mesmo.

Outra virtude, porém, ele tinha e que poderia aqui parecer contraditória: é que, sendo também justo, se porventura se surpreendia em algum erro, incorria em algum engano, imediata e naturalmente se retificava; altamente progressista, modificava natural e espontaneamente providências tomadas anteriormente, por ele próprio julgadas ultrapassadas.

É  difícil falar sobre esse confrade sem usar palavras de exaltação, lembro-me de que uma vez − quando saíamos juntos de uma reunião na FEB, membros que éramos da mesma Diretoria, eu 3º Secretário e ele Tesoureiro − batendo-lhe nos ombros, bem-humorado, lhe disse queima-roupa: Você é um gigante, Thiesen. Fazia-o em tom de gracejo, aparentemente em face da sua altura física − ele era fisicamente quase um gigante −, mas em realidade pensando no trabalho verdadeiramente gigantesco que ele vinha realizando na Tesouraria da FEB e no Departamento Editorial. Não era, pois, torpe lisonja, mas sincera e bem-humorada explosão de entusiasmo, bem compreendida pelo confrade e amigo, mediante a qual ambos podíamos alegrar-nos com a obra que então se realizava naqueles setores. Como Tesoureiro, após medidas econômico-financeiras de grande alcance, possibilitou, em 1971, a modernização do Parque Gráfico, habilitando a FEB a adquirir novas máquinas no Exterior, introduzindo ali a Impressão "offset", que revolucionou as edições de livros, feitas daí em diante com muitíssima rapidez.

Eleito finalmente Presidente da FEB, em 16 de agosto de 1975, em substituição a Armando de Oliveira Assis, para cuja excelente administração ele tanto concorrera, nas Diretorias de 1970-1975, Francisco Thiesen veio então a realizar uma das mais profícuas e empreendedoras gestões que a FEB conheceu. Sua atuação tornou-se, porém, de maior amplitude, porque ele era profundamente humanista. Não via só a FEB, mas todas as Federativas Estaduais, todos os Centros disseminados pelo nosso imenso Brasil; e não via só o Brasil, mas também as outras nações do Continente Americano e outros Continentes. Enfim, não via no Espiritismo cristão um privilégio para o Brasil, mas um imenso benefícios para todo o Orbe.

Aqui no Brasil foi notória a sua preocupação com a infância e a juventude. Sob sua gestão foi lançada, em sessão pública da FEB, no Rio de Janeiro, em 9 de outubro de 1977, a hoje vitoriosa Campanha Nacional de Evangelização Espírita Infanto-Juvenil. Sabe-se que o êxito dessa Campanha, tornada depois campanha permanente, que continuou e continua em todo o Brasil, ultrapassou os limites de nosso País, e com as notáveis participações, primeiro de Maria Cecília Palva e, depois, de Cecília Rocha, como também de dedicadas equipes de cooperadores e cooperadoras, adultos e jovens, os seus benefícios foram levados a vários países do Continente Americano e da Europa, interessando vivamente os espíritas, a ponto de muitos terem ido a Brasília participar de Cursos e de correrem mundo as Apostilas organizadas e editadas pelo Departamento de Infância e Juventude da FEB.

Outra, também notável, foi a Campanha do Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita, que vem produzindo os melhores resultados. Outra ainda, mais recente, é a do Estudo Sistematizado do Esperanto. Para coadjuvar, em ambas foram organizadas Apostilas de grande aceitação.

Thiesen incentivou e verdadeiramente disciplinou as atividades do Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira. Com o seu maior empenho continuaram as Reuniões dos Conselhos Zonais, inauguradas com felicidade na gestão anterior, do Presidente Armando de Oliveira Assis, confraternizando os espíritas brasileiros, dando-lhes ensejos de melhor se conhecerem e entrarem a fundo nos problemas da Unificação da Doutrina e da união fraternal dos seus adeptos.

Esses Conselhos Zonais foram posteriormente transformados em Comissões Regionais, com os mesmos objetivos e resultados, mas aprimorando-se em seus métodos de ação, que tornaram mais eficientes suas já benéficas atividades informativas, de cooperação e disciplina das Entidades Espíritas.

No âmbito exterior, Thiesen exerceu influência admirável na difusão do espiritismo cristão, como se verifica no Brasil. Sem pretensão de intromissão nos Movimentos de outras nações, apresentou, entretanto, aos olhos do Mundo, a realidade espírita brasileira, fazendo-se presente em visitas a Países vários e em diversos Congressos Internacionais, realizando um Intercâmbio Intenso com os Países da América e da Europa, sendo notáveis as relações mantidas especialmente com a Argentina, o Uruguai  e a Colômbia, os Estados Unidos da América do Norte, bem como, na Europa, com Portugal, Espanha e França.

Através de edições de livros em Esperanto, muito intensificadas, essa influência chegou a vários outros  países da Europa e mesmo da Ásia, como a Polônia, a Checoslováquia, a Alemanha e o Japão. Mas o coroamento dessa obra em nível mundial foi a realização corajosa do Congresso Internacional de Espiritismo/89, realizado em Brasília, em outubro de 1989, do qual já se colheram excelentes frutos.

Ali Thiesen obteve, com abnegados colaboradores, uma verdadeira palma de vitória, relativamente aos objetivos espíritas-cristãos e humanísticos do Congresso, que foram totalmente alcançados.

Mas há um fato a mais na vida de Francisco Thiesen que não pode ser ignorado e que sobremodo o enaltece; está ligado à circunstância adversa de grave enfermidade orgânica que ele teve de suportar durante muitos anos, uma cardite de origem reumática que lhe lesou gravemente as válvulas endocárdicas, acarretando-lhe insuficiência aórtica e estenose mitral. São condições patológicas que trazem grande sofrimento fisco e incapacitam o enfermo para certos trabalhos que exijam algum esforço maior. Thiesen suportou seus sintomas estoicamente. Manteve-se em tratamento clinico-medicamentoso por muitos anos, o que não evitou crises frequentes de cansaço, falta de ar e dores acerbas. Submeteu-se ao tratamento cirúrgico com determinação e coragem, em 14/7/80, no Instituto de Cardiologia de Porto Alegre, tendo-se lhe implantado duas válvulas artificiais em posição mitral e aórtica, e em seguida, apesar de todos os sacrifícios, continuou cumprindo a sua tarefa, que considerava como um compromisso seu com a Doutrina e com o Evangelho do Mestre. Por essa determinação firme seguramente teve todo o amparo do Alto, que lhe multiplicara as forças, mas de qualquer forma deixou um exemplo vivo e edificante de fé e realizou uma extraordinária vitória do Espírito sobre a matéria. No que tange a isso, porém, é altamente significativo o seguinte depoimento sobre o Presidente Thiesen, que foi escrito e nos foi entregue pessoalmente por Juvanir Borges de Souza, que o substituiu e se acha atualmente na Presidência da FEB:

 

Poucos meses após ter sido eleito para a Presidência da Federação, em agosto de 1975, realizamos, eu e Thiesen, uma viagem à cidade de Caratinga, em Minas Gerais. Íamos em busca de tratamento de saúde, em consulta ao médium Antônio Sales. A demorada viagem de ida e de volta e a estada na cidade, durante três dias, proporcionou-nos ocasião para longas conversas e mútuas confidências, consolidando uma amizade que já se vinha firmando desde que me chamara para fazer parte da equipe de Diretores da FEB, apesar de pouco nos conhecermos antes de sua primeira eleição. Foi então que tomei conhecimento de um fato impressionante a respeito da personalidade do Presidente, da sua coragem e capacidade de decisão. Informou-me ele que, muito próximo ao dia de sua eleição, havia consultado mais de um médico e constatara que sua saúde não era boa. Os médicos haviam-lhe informado que era portador de uma cardiopatia grave.

O prognóstico não era nada animador: davam-lhe apenas seis meses de vida.

Esboçara-se em sua mente, diante de tão sombrio e desanimador parecer médico, a ideia inicial de relatar o fato aos companheiros com os quais se comprometera a realizar a administração da FEB, pedindo-lhes que o eximissem do compromisso assumido. Nesse caso, dedicaria os poucos meses de vida que lhe restavam a colocar em ordem seus negócios, prevenir a família, cuidar da doença da melhor forma e aguardar o desenlace.

A outra alternativa seria silenciar sobre o fato, guardando toda discrição, e continuar normalmente em suas atividades, como se nada de extraordinário estivesse ocorrendo.

Optou pela segunda solução.

Multo poucas pessoas tomaram conhecimento do drama Interior vivido pelo Presidente Thiesen.

Foi depois desse relato que, sem nada lhe dizer, mas profundamente sensibilizado pela coragem daquele homem doente, cuja Imagem tanto crescia a meus olhos, tomei a resolução de ajudá-lo quanto pudesse em sua tarefa de dirigir a Barca de Ismael, no Mundo tangível.

Aquela viagem selou uma amizade sincera que perduraria pelos anos de convivência, com multa honra para mim.

O prognóstico médico não se confirmou. Em 1980 o Presidente Thiesen submeteu-se a uma operação cardíaca para mudança de válvulas. Viveu ainda dez anos após essa cirurgia.

 

Por este claro e leal depoimento podemos avaliar a têmpera desse homem que foi, durante 15 anos, o nosso caro Presidente.

Os fatos que se sucedera m durante os três lustros de sua atuação na Presidência da FEB, bem como a maior parte de sua produção Intelectual, estão em grande parte registrados em sucessivas edições de "Reformador", mas devem ser relembradas em uma síntese, enumerados cronologicamente.

Essa síntese foi feita, através de paciente trabalho de pesquisa, pelo nosso confrade Zêus Wantuil, um dos assessores de Thiesen. Como essa rememoração não cabe nos limites deste artigo, pensamos publicá-la separadamente, em próximo número de “Reformador", para conhecimento dos leitores, tendo aproveitado aqui, entretanto, alguns itens desse trabalho.

Thiesen, além de suas excepcionais qualidades de administrador, possuía as de um intelectual, com altos voos de pensamento.

Orador, sua palavra era pausada, caracterizava-se pela moderação, clareza, discrição, mas firmeza e convicção, com grande poder de comunicação. Era sempre grato ouvi-lo e com ele muito se aprendia, pois profundo era o seu conhecimento da Doutrina, e em suas exposições mostrava sempre o elevado alcance do seu Espírito. Mas, sobretudo, era excelente escritor.

Numerosíssimos e sempre substanciais foram seus artigos em "Reformador". Dessa atividade intelectual se falará noutro trabalho, em continuação deste artigo. Apenas queremos citar aqui, para salientá-la, a sua obra "Allan Kardec", em três volumes, escrita de parceria com Zêus Wantuil, obra de fôlego, que marcou época ao seu aparecimento.

Além disso, Thiesen deixou uma obra inédita − "Legado de um Administrador" −, de inestimável valor. Esse trabalho, Francisco Thiesen, em reunião da Diretoria da FEB, no Rio de Janeiro, em 1979, solicitou fosse arquivado para ser, em tempo oportuno, consultado, meditado e compreendido pelos futuros dirigentes da Casa de Ismael. O Diretor Alberto Nogueira da Gama, que, além do então Vice-presidente Juvanir Borges de Souza, leu o referido trabalho, assim se manifestou num comentário de sua lavra, publicado em "Reformador" de 1979, pág. 128:

 

Não sendo 'propriamente um livro na acepção do termo (...), nem por isso deixa de ser um tratado de filosofia de vida e trabalho, onde são analisados aspectos, nuanças de critérios administrativos adotados na vigência de sucessivos mandatos, posicionamentos no campo editorial, nos domínios que lhe são correlatos, na área da imprensa e do livro, no terreno das artes gráficas, nos setores das leis sociais, na ribalta das atitudes de cunho tipicamente espírita, que é o denominador comum para a solução honrosa e pacífica de todos os problemas - em tudo havendo a indicação do que se tem feito, do que se deve ou pode fazer e de como e porque convém que se faça.

 

Thiesen desencarnou, como dissemos no início, em 6 de agosto do ano em curso, às 17 horas, no Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, onde se havia internado para realizar nova intervenção cirúrgica, para substituição das válvulas artificiais que recebera na primeira intervenção, havia dez anos, e que já se encontravam danificadas. Não resistiu, porém, a esta segunda intervenção e, assistido por sua esposa e seus filhos e todos de sua família, que o cercaram de todo carinho e solicitude, libertou-se, enfim, dos grilhões daquele corpo que, apesar da grave enfermidade, lhe serviu de instrumento admirável para uma vida quase que totalmente dedicada ao Espiritismo.

Ao sepultamento do seu corpo estiveram presentes a maioria dos membros da Diretoria da Federação, Diretores dos diversos Departamentos e alguns funcionários de Brasília e Rio.

Na presença de sua família e de numerosíssimos confrades e amigos, representando diversas Federativas e Instituições Espíritas do Rio de Janeiro e de todo o Brasil, antes de fechar-se a urna mortuária o Vice-Presidente Juvanir Borges de Souza pronunciou palavras de "despedida", após as quais solicitou aos presentes que todos nos uníssemos em uma prece, a Deus dirigida em intenção do Espírito, agora liberto, do querido confrade e amigo que integralmente tinha cumprido sua missão terrena, e ao autor deste artigo incumbiu de pronunciá-la. Foram as seguintes as palavras de Juvanir, gravadas por um dos confrades presentes:

 

Meus amigos, companheiros, estamos diante de um fato da vida; essa vida que não cessa nunca.

É multo difícil para o amigo, para o Irmão, para o filho, este momento - que é um momento de despedida temporária -, mas que não deixa de machucar os nossos corações.

Falar de Francisco Thiesen para vocês todos - que seguiram a sua trajetória desde longa data - é quase desnecessário: é o chefe de família que produziu uma bela família; é o companheiro que tornou as rédeas da Federação Espírita Brasileira há quinze anos passados; é o amigo de todos. Esse homem sincero, leal - e nós. faríamos aqui um parêntese, para expressar aquilo que mais sentíamos dentre as qualidades do Thiesen: a sua lealdade, a sua franqueza -, era o homem que não enganava ninguém.

Mas, precisamos dizer algumas palavras - quase que desnecessárias -, especialmente para aqueles que não viram a trajetória do nosso Presidente, desde 1975. Ele sacrificou-se, deixou a família no Rio de Janeiro para se dedicar à obra da Federação em Brasília; particularmente, nós sabemos quanto isto lhe custou, mas ele colocava o seu dever perante o Cristo, perante a Doutrina Espírita, acima de tudo.

Este é um espírita que nós podemos tomar como um paradigma, para nós, homens imperfeitos, todos nós, ele também. Mas o seu esforço nesta vida foi muito grande desde os tempos da mocidade. Foi Diretor da Federação Espírita do Rio Grande do Sul; depois vindo para o Rio de Janeiro, representou sua Federativa junto ao Conselho Federativo Nacional. Anos depois, é eleito Diretor-Tesoureiro da nossa Federação e finalmente eleito Presidente em 1975. Aí começou um intenso trabalho de Francisco Thiesen: foram campanhas que nós mesmos, os seus companheiros, ficávamos estarrecidos, porque o Thiesen tinha um poder de convencimento extraordinário. Ele disse certa vez: “Vamos construir novas etapas em Brasília". A Federação não tinha recursos para isso. Ele começou as obras, e em dois anos a primeira etapa estava construída; mais três anos, a segunda etapa estava terminada e agora uma nova etapa está em construção em Brasília.

Mas, ele desenvolveu trabalhos que o grande público não conhece, porque só os companheiros de dentro da Federação puderam acompanhar. Transformou os títulos, os livros da Federação à custa de muito trabalho, durante doze anos, nos fotolitos que hoje nos permitem reeditar livros em três ou quatro dias. Foi um trabalho pessoal do Presidente Thiesen. A sua preocupação com a Infância e a Juventude - com as novas gerações - sempre foi uma preocupação permanente, e ele procurou cercar-se de companheiros e companheiras que o auxiliassem nesse trabalho, que se desenvolve e que nós esperamos se desenvolva ainda por muito tempo, sugerindo a fundação, em todas as Federações Espíritas, do Departamento de Infância e Juventude.

Poderíamos ficar por aqui falando da obra de Thiesen na Federação por multo tempo, mas queremos mesmo nos refrear, porque o momento não é de exaltação, mas sim de prece, e de recolhimento. Queremos, contudo, dizer que consideramos Francisco Thiesen um vencedor. Esperamos para breve as suas notícias. Agradecemos aos amigos das Federações desse Brasil imenso, que aqui estão presentes. Desde o Rio Grande do Sul, temos representações de muitos Estados do Brasil.

O nosso agradecimento em nome da família, em nosso nome e em nome da Federação Espírita Brasileira.

- Até breve, Francisco Thiesen."



[1] Revista REFORMADOR, número 379, dezembro 1990

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