Em 6 de agosto de 1990
desencarnou Francisco Thiesen que, durante 15 anos
sucessivos, exerceu a Presidência da Federação Espirita Brasileira e conseguintemente
também a direção de "Reformador".
Esta revista − como órgão oficial
da FEB − deu de imediato a notícia do fato, registrando-o no seu Editorial da
edição de setembro último, acompanhada de fidelíssima fotografia do seu inesquecível
Diretor. Esse Editorial é uma síntese perfeita dos principais serviços
prestados por Francisco Thiesen à Instituição Febiana que, durante três lustros
completos, ele sabiamente dirigiu. A admiração e o afeto que todos dedicamos a
tão caro companheiro induzem-nos a fazer mais amplo registro, falando também
agora de toda a sua vida como cidadão e como espírita.
Francisco Thiesen nasceu em 28
de março de 1927, na cidade de Cruz Alta, no Estado do Rio Grande do Sul. Foram
seus pais José Francisco Thiesen, brasileiro, mas de ascendência suíço-alemã, e
D. Filomena Berao, de nacionalidade espanhola. O casal teve dois filhos, dos quais
Francisco era o mais velho. Nascido em Cruz Alta, viveu, porém, mais tempo em
Porto Alegre, para onde a família teve de transferir-se.
Thiesen conheceu desde cedo a
dureza da vida, pois se viu órfão de pai em tenra idade. Sua mãe, D. Filomena,
muito lutou a fim de conseguir sustento e educação para os dois filhos. Thiesen,
por isso, começou muito cedo a trabalhar, razão pela qual teve de contentar-se
em realizar somente seus estudos primários, porque os secundários não os pode
completar. Mas nisto exatamente já começa a grandeza da sua vida, pois, toda a
sua cultura intelectual e seu talento profissional foram o resultado de um
extraordinário esforço autodidático, seguramente com base em considerável patrimônio
espiritual inato. Trabalhou, inicialmente como "boy", na Companhia de
Seguros "Mauá", onde fez carreira rápida, galgando sucessivamente
todos os cargos, para atingir finalmente o mais alto posto da administração da
Empresa.
Tornou-se, pelo esforço próprio,
estudando muito e praticando a profissão escolhida, um administrador seguro, de
ampla visão e clara previsão, ordem e sabedoria no planejamento e firmeza admirável
na execução, tendo notória capacidade de comando e liderança.
Estas qualidades iriam refletir-se
mais tarde na sua vida de espírita, possibilitando-lhe oferecer ao Espiritismo
um extraordinário potencial de trabalho, como adepto da doutrina que ele
extremadamente amou e como administrador, desde cedo, das Instituições Espíritas
às quais se dedicou, tudo culminando nos serviços que finalmente veio a
prestar, com inigualável dedicação, à Federação Espírita Brasileira e ao
Movimento Espírita no Brasil e no Mundo ; ele tinha uma missão a cumprir - e
como a cumpriu! Isto é, já encarnara com os conhecimentos e as disposições que,
ao primeiro toque de chamamento, despertaram em sua alma, onde apenas dormitavam,
mas tudo culminando nos serviços que finalmente veio aprestar, com Inigualável dedicação,
à Federação Espírita Brasileira e ao Movimento Espírita no Brasil e no Mundo.
Mas − cabe perguntar a esta
altura −, espírita que foi, de tal envergadura, como veio ele a tomar-se espírita?
Como veio para o Espiritismo? Nasceu espírita? Eram espíritas os de sua família?
Ou foi pelos caminhos da dor, do sofrimento, da provação? A bem dizer, nem de
uma maneira, nem de outra. Sua família era católica e sua mãe, embora tivesse
encontrado em leituras de livros espíritas consolações e forças para bem
enfrentar as suas lutas, parece que deu aos filhos a educação cristã nos moldes
das tradições católicas da família. Também, e apesar das árduas lutas
enfrentadas para o sustento e a educação, não havia a rigor maiores sofrimentos,
enfermidades desesperantes ou terríveis privações, havendo outrossim a bênção
do trabalho honrado e da boa formação moral. Como veio, então, Thiesen para o Espiritismo?
Para nós é mais um caso de predestinação;
mente já existiam, ele tinha uma missão
a cumprir − e como a cumpriu! -, Isto é, já encarnara com os conhecimentos e as
disposições que, ao primeiro toque de chamamento, despertaram em sua alma, onde
apenas dormitavam, mas efetivamente já existiam. É o que claramente se
depreende do que disse o próprio Thiesen, em depoimento por ele concedido,
quando ainda muito maço, à excelente revista portuguesa "Estudos Psíquicos"
e publicado no seu número de fevereiro de 1948, às páginas 59 e 60. Sobre ele
já escrevêramos um artigo sob o título Depoimento Edificante, publicado
no número de dezembro de 1980 e para aqui agora o transcrevemos, por julgá-lo,
neste momento, oportuno. Eis o depoimento de 1948:
Foi num domingo do ano de 1944 que comecei os meus
estudos espíritas. A circunstância que me levou a esses estudos é uma das que a
maioria das criaturas chama de acaso, mas que uma minoria mais sensata diz ser
providencial.
Como disse, a minha iniciação iniciou num domingo; tinha
na ocasião apenas 17 anos de idade. Pelo balanço que fiz do conteúdo da algibeira,
verifiquei a escassez de dinheiro para a entrada do cinema e tive de me resignar,
ficando em casa. Sem nenhuma ocupação, agarrei, desinteressado, um exemplar de
"O Evangelho segundo o Espiritismo", de Allan Kardec, sentando-me
para folheá-lo; esse livro era de minha mãe e nunca, sequer, me despertara a
curiosidade. Comecei a leitura de suas páginas, recebendo surpresas frequentes
e fortes, porque tudo quanto lia era verdadeiramente racional e lógico, grandioso
mesmo. Tomei conhecimento do que lá se achava sobre as doutrinas de Sócrates e
outros luminares, li os textos evangélicos (e muito me intrigava com a designação
dos Evangelistas, números de capítulos e versículos, pois não sabia que referências
eram aquelas); somente algum tempo depois é que conclui serem citações do Novo
Testamento, que também desconhecia, e seus comentários pelo Codificador da
Doutrina Espírita, bem como as Instruções dos Espíritos; enfim, no domingo que marcou
a minha entrada para o Espiritismo, devorei a metade do livro.
Para mim, bastava a lógica e o bom senso da Filosofia Espírita;
não me era necessário ver os fenômenos mediúnicos, para crer. Em suma, eu tinha
a impressão nítida de que nada daquilo constituíra novidade para o meu espírito,
não obstante ter sido a primeira vez que se me deparara leitura tão agradável.
No dia seguinte, segunda-feira, no intervalo do almoço e no fim da tarde,
prossegui a leitura do livro, chegando à última página. As derradeiras folhas
da obra traziam propaganda de outras, e as que mais me impressionaram foram as de
Humberto de Campos, recebidas mediunicamente por Francisco Cândido Xavier.
Sem perda de tempo, fui a uma livraria e comprei diversos livros do referido
escritor desencarnado, assim como alguns de Emmanuel. Lidos esses livros, adquiri
os demais de Allan Kardec, os de Gabriel Delanne,
Camllle Flammarion,
Léon Denis,
J.B. Roustaing e alguns de outros autores. A minha vida teve uma mudança radical,
e o estudo, após o trabalho, era a minha única ocupação, porque havia divisado
horizontes mais largos, tinha conseguido a explicação fundamental da existência;
os problemas do ser, do destino e da dor, para mim, deixavam de ser problemas porque
os havia equacionado. Sabedor de que existia, aos domingos, um programa radiofônico
de palestras espíritas, locomovia-me sempre à casa de um tio, pois não possuía
aparelho receptor.
Através desses programas, cientifiquei-me da existência
de um curso de estudos profundos da Doutrina, sob o patrocínio da Federação Espírita
do Rio Grande do Sul: inscrevi-me, passando a frequenta-la três vezes por
semana. Lá conheci um grupo de jovens, com os quais me relacionei, para,
juntos, fundarmos a Liga da Juventude Espírita do Rio Grande do Sul, em 15/9/45.
Por intermédio da "Liga", da qual fui Presidente,
travei relações com outros setores doutrinários e com diversos confrades, dos quais
me honro de ser amigo. Continuo estudando, porque a Doutrina Espírita é inesgotável,
tem sempre algo para nos oferecer.
Dou graças a Deus por não ter tido dinheiro para o cinema
naquele domingo de tanta significação para o meu destino. Considerando quanto de
útil tenho angariado para o meu aprendizado, dentro do Espiritismo, procuro
contribuir, em toda parte, de acordo com as minhas possibilidades, para o
esclarecimento dos que, como eu, anteriormente, tanto necessitam de esclarecimento.
Não se pode guardar a luz; por isso, e já que a recebi, tenho a obrigação de difundi-la,
a fim de pagar a dívida que tenho com a lei Divina, em razão do que ela me
concedeu.
E foi assim que eu ingressei no Espiritismo,
abandonando a máscara da indiferença e do materialismo para o qual marchava a
passos largos após haver-me desligado do catolicismo romano.
Quando prestou este depoimento, Thiesen
tinha 22 anos de idade e já apresentava, como bem se pode ver, grande maturidade
espiritual.
Após a sua conversão através das
leituras, iniciou sua caminhada de predestinado nas lides espíritas. Aos 17 anos
aproximou-se da Sociedade Espírita "Paz e Amor", casa que – de acordo
com o que revelaram seus mentores espirituais − aguardava a chegada de um
jovem que seria o dirigente da Juventude Espírita em formação na época (o
destaque é nosso). Trabalhou depois em outras Instituições e principalmente na
Federação Espirita do Rio Grande do Sul, de cuja Diretoria participou. Foi na
Sociedade "Paz e Amor" que conheceu uma moça, de nome Ruth (Ruth Goldat),
com quem se casou em 2 de julho de 1947, com ela constituindo bela e digníssima
família. Tinha então 20 anos de Idade.
Do seu matrimonio nasceram
quatro filhos: Emmanuel, Lívia, Icléa e Sérgio, os quais lhes deram oito netos.
Todos foram educados ao influxo dos princípios espíritas-cristãos, sendo que o
último, Sérgio, recentemente casado com Sônia Maria Trindade Thiesen, é membro
do Conselho Superior da FEB e um dos componentes do Grupo Ismael, tendo ainda
funções junto ao atual Presidente Juvanir Borges de Souza, como um de seus
assessores.
Thiesen foi convidado pela
Companhia de Seguros "Mauá", em que trabalhava, a fundar Agências em
diversos Estados do Brasil, fixando-se finalmente, com a família, no Rio de
Janeiro.
Foi então que, a partir do ano
de 1955, representou a Federação Espírita do Rio Grande do Sul no Conselho Federativo
Nacional e o fez com grande dedicação e operosidade até 4 de julho de 1970. Nesta
data,
"(...) o Presidente da FEB, Dr. Armando de Oliveira Assis,
comunica ao Conselho Federativo Nacional a substituição de Francisco Thiesen, como
Representante do Rio Grande do Sul, pelo confrade Adolpho R. Amorim, tendo em vista
que Francisco Thiesen passaria a ocupar novas funções na FEB. Foram 15 anos de
relevantes serviços prestados à causa da Unificação, 'representando com admirável
equilibro a dinâmica Federação Gaúcha' - disse, então, o Dr. Armando de Assis.
Em reunião ordinária de 22 de agosto de 1970 o Conselho Superior da FEB elegeu
Francisco Thiesen para Tesoureiro e na Tesouraria ele ficou até sua eleição
para Presidente, em 1975.
Francisco Thiesen foi, entre
todas as personalidades que conheci – e permita-me falar agora na primeira pessoa
do singular −, a que mais fortemente me impressionou pela grandeza do caráter,
nobreza de sentimentos e, sobretudo, pela coragem das atitudes, mesmo quando
estas lhes fossem acarretar dissabores, desde que em sua consciência julgasse
acertadas.
Para mim, esta é virtude rara,
muito difícil de ser praticada, porque exige inteiro desprendimento e capacidade
total de sacrifício pessoal. Eis por que Thiesen granjeou admiração sincera e o
maior respeito de todos que o conheceram, mesmo daqueles que, certa ou erradamente,
não puderam sempre e em tudo concordar com ele. Foi de fato uma figura desprendida,
que deu tudo de si para servir, bem acima de seus Interesses, mesmo os mais legítimos,
à grande causa a que dedicou a melhor parte de sua vida. Absoluta sinceridade e
franqueza foram traços marcantes do seu caráter, que não excluíram, entretanto,
lhaneza de trato e fidalguia, dentro de uma dignidade e nobreza a toda prova. Ninguém
podia enganar-se com Thiesen. Era autêntico, leal, sempre igual a si mesmo.
Outra virtude, porém, ele tinha
e que poderia aqui parecer contraditória: é que, sendo também justo, se
porventura se surpreendia em algum erro, incorria em algum engano, imediata e naturalmente
se retificava; altamente progressista, modificava natural e espontaneamente providências
tomadas anteriormente, por ele próprio julgadas ultrapassadas.
É difícil falar sobre esse confrade sem usar
palavras de exaltação, lembro-me de que uma vez − quando saíamos juntos de uma
reunião na FEB, membros que éramos da mesma Diretoria, eu 3º Secretário e ele Tesoureiro
− batendo-lhe nos ombros, bem-humorado, lhe disse queima-roupa: Você é um gigante,
Thiesen. Fazia-o em tom de gracejo, aparentemente em face da sua altura física
− ele era fisicamente quase um gigante −, mas em realidade pensando no trabalho
verdadeiramente gigantesco que ele vinha realizando na Tesouraria da FEB e no
Departamento Editorial. Não era, pois, torpe lisonja, mas sincera e
bem-humorada explosão de entusiasmo, bem compreendida pelo confrade e amigo,
mediante a qual ambos podíamos alegrar-nos com a obra que então se realizava
naqueles setores. Como Tesoureiro, após medidas econômico-financeiras de grande
alcance, possibilitou, em 1971, a modernização do Parque Gráfico, habilitando a
FEB a adquirir novas máquinas no Exterior, introduzindo ali a Impressão
"offset", que revolucionou as edições de livros, feitas daí em diante
com muitíssima rapidez.
Eleito finalmente Presidente da
FEB, em 16 de agosto de 1975, em substituição a Armando de Oliveira Assis, para
cuja excelente administração ele tanto concorrera, nas Diretorias de 1970-1975,
Francisco Thiesen veio então a realizar uma das mais profícuas e empreendedoras
gestões que a FEB conheceu. Sua atuação tornou-se, porém, de maior amplitude,
porque ele era profundamente humanista. Não via só a FEB, mas todas as Federativas
Estaduais, todos os Centros disseminados pelo nosso imenso Brasil; e não via só
o Brasil, mas também as outras nações do Continente Americano e outros Continentes.
Enfim, não via no Espiritismo cristão um privilégio para o Brasil, mas um imenso
benefícios para todo o Orbe.
Aqui no Brasil foi notória a sua
preocupação com a infância e a juventude. Sob sua gestão foi lançada, em sessão
pública da FEB, no Rio de Janeiro, em 9 de outubro de 1977, a hoje vitoriosa
Campanha Nacional de Evangelização Espírita Infanto-Juvenil. Sabe-se que o êxito
dessa Campanha, tornada depois campanha permanente, que continuou e continua em
todo o Brasil, ultrapassou os limites de nosso País, e com as notáveis participações,
primeiro de Maria Cecília Palva e, depois, de Cecília Rocha, como também de dedicadas
equipes de cooperadores e cooperadoras, adultos e jovens, os seus benefícios
foram levados a vários países do Continente Americano e da Europa, interessando
vivamente os espíritas, a ponto de muitos terem ido a Brasília participar de
Cursos e de correrem mundo as Apostilas organizadas e editadas pelo
Departamento de Infância e Juventude da FEB.
Outra, também notável, foi a
Campanha do Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita, que vem produzindo os melhores
resultados. Outra ainda, mais recente, é a do Estudo Sistematizado do
Esperanto. Para coadjuvar, em ambas foram organizadas Apostilas de grande aceitação.
Thiesen incentivou e verdadeiramente
disciplinou as atividades do Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita
Brasileira. Com o seu maior empenho continuaram as Reuniões dos Conselhos Zonais,
inauguradas com felicidade na gestão anterior, do Presidente Armando de Oliveira
Assis, confraternizando os espíritas brasileiros, dando-lhes ensejos de melhor
se conhecerem e entrarem a fundo nos problemas da Unificação da Doutrina e da
união fraternal dos seus adeptos.
Esses Conselhos Zonais foram
posteriormente transformados em Comissões Regionais, com os mesmos objetivos e resultados,
mas aprimorando-se em seus métodos de ação, que tornaram mais eficientes suas
já benéficas atividades informativas, de cooperação e disciplina das Entidades Espíritas.
No âmbito exterior, Thiesen
exerceu influência admirável na difusão do espiritismo cristão, como se verifica
no Brasil. Sem pretensão de intromissão nos Movimentos de outras nações, apresentou,
entretanto, aos olhos do Mundo, a realidade espírita brasileira, fazendo-se
presente em visitas a Países vários e em diversos Congressos Internacionais,
realizando um Intercâmbio Intenso com os Países da América e da Europa, sendo
notáveis as relações mantidas especialmente com a Argentina, o Uruguai e a Colômbia, os Estados Unidos da América do
Norte, bem como, na Europa, com Portugal, Espanha e França.
Através de edições de livros em
Esperanto, muito intensificadas, essa influência chegou a vários outros países da Europa e mesmo da Ásia, como a Polônia,
a Checoslováquia, a Alemanha e o Japão. Mas o coroamento dessa obra em nível
mundial foi a realização corajosa do Congresso Internacional de Espiritismo/89,
realizado em Brasília, em outubro de 1989, do qual já se colheram excelentes
frutos.
Ali Thiesen obteve, com
abnegados colaboradores, uma verdadeira palma de vitória, relativamente aos
objetivos espíritas-cristãos e humanísticos do Congresso, que foram totalmente
alcançados.
Mas há um fato a mais na vida de
Francisco Thiesen que não pode ser ignorado e que sobremodo o enaltece; está ligado
à circunstância adversa de grave enfermidade orgânica que ele teve de suportar
durante muitos anos, uma cardite de origem reumática que lhe lesou
gravemente as válvulas endocárdicas, acarretando-lhe insuficiência aórtica e
estenose mitral. São condições patológicas que trazem grande sofrimento fisco e
incapacitam o enfermo para certos trabalhos que exijam algum esforço maior. Thiesen
suportou seus sintomas estoicamente. Manteve-se em tratamento clinico-medicamentoso
por muitos anos, o que não evitou crises frequentes de cansaço, falta de ar e
dores acerbas. Submeteu-se ao tratamento cirúrgico com determinação e coragem,
em 14/7/80, no Instituto de Cardiologia de Porto Alegre, tendo-se lhe implantado
duas válvulas artificiais em posição mitral e aórtica, e em seguida, apesar de
todos os sacrifícios, continuou cumprindo a sua tarefa, que considerava como um
compromisso seu com a Doutrina e com o Evangelho do Mestre. Por essa determinação
firme seguramente teve todo o amparo do Alto, que lhe multiplicara as forças,
mas de qualquer forma deixou um exemplo vivo e edificante de fé e realizou uma
extraordinária vitória do Espírito sobre a matéria. No que tange a isso, porém,
é altamente significativo o seguinte depoimento sobre o Presidente Thiesen, que
foi escrito e nos foi entregue pessoalmente por Juvanir Borges de Souza, que o substituiu
e se acha atualmente na Presidência da FEB:
Poucos meses após ter sido eleito para a Presidência da
Federação, em agosto de 1975, realizamos, eu e Thiesen, uma viagem à cidade de
Caratinga, em Minas Gerais. Íamos em busca de tratamento de saúde, em consulta
ao médium Antônio Sales. A demorada viagem de ida e de volta e a estada na cidade,
durante três dias, proporcionou-nos ocasião para longas conversas e mútuas confidências,
consolidando uma amizade que já se vinha firmando desde que me chamara para
fazer parte da equipe de Diretores da FEB, apesar de pouco nos conhecermos
antes de sua primeira eleição. Foi então que tomei conhecimento de um fato impressionante
a respeito da personalidade do Presidente, da sua coragem e capacidade de decisão.
Informou-me ele que, muito próximo ao dia de sua eleição, havia consultado mais
de um médico e constatara que sua saúde não era boa. Os médicos haviam-lhe informado
que era portador de uma cardiopatia grave.
O prognóstico não era nada animador: davam-lhe apenas
seis meses de vida.
Esboçara-se em sua mente, diante de tão sombrio e desanimador
parecer médico, a ideia inicial de relatar o fato aos companheiros com os quais
se comprometera a realizar a administração da FEB, pedindo-lhes que o eximissem
do compromisso assumido. Nesse caso, dedicaria os poucos meses de vida que lhe
restavam a colocar em ordem seus negócios, prevenir a família, cuidar da doença
da melhor forma e aguardar o desenlace.
A outra alternativa seria silenciar sobre o fato,
guardando toda discrição, e continuar normalmente em suas atividades, como se
nada de extraordinário estivesse ocorrendo.
Optou pela segunda solução.
Multo poucas pessoas tomaram conhecimento do drama Interior
vivido pelo Presidente Thiesen.
Foi depois desse relato que, sem nada lhe dizer, mas
profundamente sensibilizado pela coragem daquele homem doente, cuja Imagem
tanto crescia a meus olhos, tomei a resolução de ajudá-lo quanto pudesse em sua
tarefa de dirigir a Barca de Ismael, no Mundo tangível.
Aquela viagem selou uma amizade sincera que perduraria
pelos anos de convivência, com multa honra para mim.
O prognóstico médico não se confirmou. Em 1980 o Presidente
Thiesen submeteu-se a uma operação cardíaca para mudança de válvulas. Viveu ainda
dez anos após essa cirurgia.
Por este claro e leal depoimento
podemos avaliar a têmpera desse homem que foi, durante 15 anos, o nosso caro
Presidente.
Os fatos que se sucedera m
durante os três lustros de sua atuação na Presidência da FEB, bem como a maior parte
de sua produção Intelectual, estão em grande parte registrados em sucessivas edições
de "Reformador", mas devem ser relembradas em uma síntese, enumerados
cronologicamente.
Essa síntese foi feita, através
de paciente trabalho de pesquisa, pelo nosso confrade Zêus Wantuil, um dos assessores
de Thiesen. Como essa rememoração não cabe nos limites deste artigo, pensamos publicá-la
separadamente, em próximo número de “Reformador", para conhecimento dos leitores,
tendo aproveitado aqui, entretanto, alguns itens desse trabalho.
Thiesen, além de suas excepcionais
qualidades de administrador, possuía as de um intelectual, com altos voos de
pensamento.
Orador, sua palavra era pausada,
caracterizava-se pela moderação, clareza, discrição, mas firmeza e convicção, com
grande poder de comunicação. Era sempre grato ouvi-lo e com ele muito se aprendia,
pois profundo era o seu conhecimento da Doutrina, e em suas exposições mostrava
sempre o elevado alcance do seu Espírito. Mas, sobretudo, era excelente escritor.
Numerosíssimos e sempre substanciais
foram seus artigos em "Reformador". Dessa atividade intelectual se
falará noutro trabalho, em continuação deste artigo. Apenas queremos citar aqui,
para salientá-la, a sua obra "Allan Kardec", em três volumes, escrita
de parceria com Zêus Wantuil, obra de fôlego, que marcou época ao seu aparecimento.
Além disso, Thiesen deixou uma obra
inédita − "Legado de um Administrador" −, de inestimável valor. Esse
trabalho, Francisco Thiesen, em reunião da Diretoria da FEB, no Rio de Janeiro,
em 1979, solicitou fosse arquivado para ser, em tempo oportuno, consultado, meditado
e compreendido pelos futuros dirigentes da Casa de Ismael. O Diretor Alberto
Nogueira da Gama, que, além do então Vice-presidente Juvanir Borges de Souza,
leu o referido trabalho, assim se manifestou num comentário de sua lavra, publicado
em "Reformador" de 1979, pág. 128:
Não sendo 'propriamente um livro na acepção do termo (...),
nem por isso deixa de ser um tratado de filosofia de vida e trabalho, onde são analisados
aspectos, nuanças de critérios administrativos adotados na vigência de sucessivos
mandatos, posicionamentos no campo editorial, nos domínios que lhe são correlatos,
na área da imprensa e do livro, no terreno das artes gráficas, nos setores das
leis sociais, na ribalta das atitudes de cunho tipicamente espírita, que é o
denominador comum para a solução honrosa e pacífica de todos os problemas - em
tudo havendo a indicação do que se tem feito, do que se deve ou pode fazer e de
como e porque convém que se faça.
Thiesen desencarnou, como dissemos
no início, em 6 de agosto do ano em curso, às 17 horas, no Hospital da Lagoa,
no Rio de Janeiro, onde se havia internado para realizar nova intervenção cirúrgica,
para substituição das válvulas artificiais que recebera na primeira intervenção,
havia dez anos, e que já se encontravam danificadas. Não resistiu, porém, a
esta segunda intervenção e, assistido por sua esposa e seus filhos e todos de
sua família, que o cercaram de todo carinho e solicitude, libertou-se, enfim,
dos grilhões daquele corpo que, apesar da grave enfermidade, lhe serviu de instrumento
admirável para uma vida quase que totalmente dedicada ao Espiritismo.
Ao sepultamento do seu corpo estiveram
presentes a maioria dos membros da Diretoria da Federação, Diretores dos diversos
Departamentos e alguns funcionários de Brasília e Rio.
Na presença de sua família e de numerosíssimos
confrades e amigos, representando diversas Federativas e Instituições Espíritas
do Rio de Janeiro e de todo o Brasil, antes de fechar-se a urna mortuária o Vice-Presidente
Juvanir Borges de Souza pronunciou palavras de "despedida", após as quais
solicitou aos presentes que todos nos uníssemos em uma prece, a Deus dirigida
em intenção do Espírito, agora liberto, do querido confrade e amigo que integralmente
tinha cumprido sua missão terrena, e ao autor deste artigo incumbiu de pronunciá-la.
Foram as seguintes as palavras de Juvanir, gravadas por um dos confrades
presentes:
Meus amigos, companheiros, estamos diante de um fato da
vida; essa vida que não cessa nunca.
É multo difícil para o amigo, para o Irmão, para o filho,
este momento - que é um momento de despedida temporária -, mas que não deixa de
machucar os nossos corações.
Falar de Francisco Thiesen para vocês todos - que seguiram
a sua trajetória desde longa data - é quase desnecessário: é o chefe de família
que produziu uma bela família; é o companheiro que tornou as rédeas da
Federação Espírita Brasileira há quinze anos passados; é o amigo de todos. Esse
homem sincero, leal - e nós. faríamos aqui um parêntese, para expressar aquilo que
mais sentíamos dentre as qualidades do Thiesen: a sua lealdade, a sua franqueza
-, era o homem que não enganava ninguém.
Mas, precisamos dizer algumas palavras - quase que
desnecessárias -, especialmente para aqueles que não viram a trajetória do
nosso Presidente, desde 1975. Ele sacrificou-se, deixou a família no Rio de Janeiro
para se dedicar à obra da Federação em Brasília; particularmente, nós sabemos
quanto isto lhe custou, mas ele colocava o seu dever perante o Cristo, perante
a Doutrina Espírita, acima de tudo.
Este é um espírita que nós podemos tomar como um paradigma,
para nós, homens imperfeitos, todos nós, ele também. Mas o seu esforço nesta vida
foi muito grande desde os tempos da mocidade. Foi Diretor da Federação Espírita
do Rio Grande do Sul; depois vindo para o Rio de Janeiro, representou sua
Federativa junto ao Conselho Federativo Nacional. Anos depois, é eleito Diretor-Tesoureiro
da nossa Federação e finalmente eleito Presidente em 1975. Aí começou um intenso
trabalho de Francisco Thiesen: foram campanhas que nós mesmos, os seus companheiros,
ficávamos estarrecidos, porque o Thiesen tinha um poder de convencimento
extraordinário. Ele disse certa vez: “Vamos construir novas etapas em Brasília".
A Federação não tinha recursos para isso. Ele começou as obras, e em dois anos a
primeira etapa estava construída; mais três anos, a segunda etapa estava terminada
e agora uma nova etapa está em construção em Brasília.
Mas, ele desenvolveu trabalhos que o grande público não
conhece, porque só os companheiros de dentro da Federação puderam acompanhar.
Transformou os títulos, os livros da Federação à custa de muito trabalho,
durante doze anos, nos fotolitos que hoje nos permitem reeditar livros em três
ou quatro dias. Foi um trabalho pessoal do Presidente Thiesen. A sua
preocupação com a Infância e a Juventude - com as novas gerações - sempre foi
uma preocupação permanente, e ele procurou cercar-se de companheiros e companheiras
que o auxiliassem nesse trabalho, que se desenvolve e que nós esperamos se
desenvolva ainda por muito tempo, sugerindo a fundação, em todas as Federações Espíritas,
do Departamento de Infância e Juventude.
Poderíamos ficar por aqui falando da obra de Thiesen na
Federação por multo tempo, mas queremos mesmo nos refrear, porque o momento não
é de exaltação, mas sim de prece, e de recolhimento. Queremos, contudo, dizer
que consideramos Francisco Thiesen um vencedor. Esperamos para breve as suas notícias.
Agradecemos aos amigos das Federações desse Brasil imenso, que aqui estão
presentes. Desde o Rio Grande do Sul, temos representações de muitos Estados do
Brasil.
O nosso agradecimento em nome da família, em nosso nome
e em nome da Federação Espírita Brasileira.
- Até breve, Francisco Thiesen."
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