Allan Kardec
INSTRUÇÕES SOBRE O
FATO PRECEDENTE
(Sociedade de Paris, 10 de maio de 1867 – Médium: Sr.
Morin, em sonambulismo espontâneo)
Os fatos se mostram em toda
parte, e tudo quanto se produz parece ter uma direção especial, que leva aos
estudos espirituais. Observai bem, e a cada instante vereis coisas que, à
primeira vista, parecem anomalias na vida humana, e cuja causa procurariam
inutilmente noutro lugar que não fosse na vida espiritual. Sem dúvida, para
muita gente são apenas fatos curiosos, nos quais não pensam mais, tão logo
virada a página; mas outros pensam mais seriamente; procuram uma explicação e,
à força de ver a vida espiritual erguer-se diante deles, serão mesmo obrigados
a reconhecer que somente aí está a solução do que não podem compreender. Vós,
que conheceis a vida espiritual, examinai bem os detalhes do fato que acaba de
vos ser lido, e vede se ela não se mostra com evidência.
Não penseis que os estudos que
fazeis sobre esses assuntos de atualidade e outros sejam perdidos para as
massas, porque, até agora, eles quase só vão aos espíritas, aos que já se acham
convencidos. Não. Primeiro, ficai certos de que os escritos espíritas vão além
dos adeptos; há pessoas muito interessadas na questão para não se manterem a
par de tudo o que fazeis e da marcha da Doutrina. Sem que o pareça, a
sociedade, que é o centro onde se elaboram os trabalhos, é um ponto de mira, e
as soluções sábias e racionais que dela saem fazem refletir mais do que
pensais.
Mas dia virá em que esses mesmos
escritos serão lidos, comentados, analisados publicamente; neles colherão a
mancheias os elementos sobre os quais devem assentar-se as novas ideias, porque
aí encontrarão a verdade. Ainda uma vez, ficai convencidos de que nada do que
fazeis está perdido, mesmo para o presente, e com mais forte razão para o
futuro.
Tudo é assunto de instrução para
o homem que reflete. No fato que vos ocupa, vedes um homem possuindo suas
faculdades intelectuais, suas forças materiais, e que parece, por um momento,
completamente despojado das primeiras; pratica um ato que, à primeira vista,
parece insensato. Pois bem! Aí está um grande ensinamento.
Isto aconteceu? Perguntarão
algumas pessoas. O homem estava em estado de sonambulismo natural, ou sonhou? O
Espírito da mulher estava implicado nisto? Tais as perguntas que podem ser
feitas a este respeito. Ora! O Espírito da sra. Magnan esteve muito nesse
negócio, e muito mais do que podiam supor os próprios espíritas.
Se se seguir o homem com atenção
desde o momento da morte de sua mulher, ver-se-á que ele muda pouco a pouco;
desde as primeiras horas da partida da esposa, vê-se o seu Espírito tomar uma
direção, que se acentua cada vez mais, para chegar ao ato de loucura da
exumação do cadáver. Há neste ato outra coisa além do pesar; e, como ensina O
Livro dos Espíritos, como o ensinam todas as comunicações: não é na vida
presente, é no passado que se deve buscar a causa. Não estamos aqui senão para
realizar uma missão ou pagar uma dívida; no primeiro caso, realiza-se uma
tarefa voluntária; no segundo, fazei a contrapartida dos sofrimentos que
experimentais e tereis a causa desses sofrimentos.
Quando a mulher morreu, lá ficou
em Espírito, e como a união dos fluidos espirituais e dos do corpo era difícil
de romper, em razão da inferioridade do Espírito, foi-lhe preciso certo tempo para
retomar sua liberdade de ação, um novo trabalho para a assimilação dos fluidos;
depois, quando ela estava em condições, apoderou-se do corpo do homem e o
possuiu. Eis, pois, aqui um verdadeiro caso de possessão.
O homem não é mais ele, e
notai: não é mais ele senão quando vem a noite. Seria preciso entrar em longas explicações
para vos fazer compreender a causa desta singularidade; mas, em duas palavras:
a mistura de certos fluidos, como em química a de certos gases, não pode
suportar o brilho da luz. Daí porque certos fenômenos espontâneos ocorrem mais
vezes à noite do que de dia.
Ela possui este homem; leva-o a
fazer o que ela quer; é ela quem o conduz ao cemitério para o obrigar a fazer
um trabalho sobre-humano e fazê-lo sofrer. E, no dia seguinte, quando perguntam
ao homem o que se passou, ele fica estupefato e só se lembra de ter sonhado com
a esposa. O sonho era realidade; ela tinha prometido voltar e voltou; ela
voltará e o arrastará.
Numa outra existência, foi
cometido um crime; o que queria vingar-se deixou o primeiro encarnar-se e
escolheu uma existência que, pondo-o em relação com ele, lhe permitia realizar sua
vingança. Perguntareis por que essa permissão? Mas Deus nada concede que não
seja justo e lógico. Um quer se vingar; é preciso que tenha, como prova,
ocasião de dominar seu desejo de vingança, e o outro deve sofrer a prova e
pagar o que fez sofrer o primeiro.
Aqui o caso é o mesmo; apenas,
não estando terminados os fenômenos, não se estende mais por muito tempo: ainda
existirá outra coisa.
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