Martins Peralva
Não
peço que os tires do mundo
Não se pode conceber, ante as
palavras do Senhor na oração pelos discípulos”, tenham os homens de isolar-se a
pretexto de melhor servirem a Deus.
É de supor-se, todavia, que aos
cenobitas[2]
modernos não tivesse ocorrido, ainda, a ideia de examinarem a referência acima,
que o evangelista anotou.
Se na atualidade tal conduta
surpreende, encontramos uma certa justificativa na conduta dos eremitas do
passado, veneráveis e santas figuras que buscavam o insulamento em grutas
desertas.
Os anacoretas, cujos nomes são
ainda hoje reverenciados, fugiam do mundo, adotavam vida de inteira renúncia
com o propósito de despertarem o homem para os problemas da alma, cuja
excelsitude, cuja valia já podiam sentir.
Tudo, no entanto, tem o seu
tempo, a sua época.
Na atualidade, o isolamento em
mosteiros ou cavernas, sem finalidade prática, sem proveito para os
semelhantes, expressaria egoísmo, acomodação à boa-vida.
Significaria fuga ao trabalho.
Quando alguém foge, hoje, do
turbilhão das metrópoles, via de regra é para exercitar a confraternização,
para edificar escolas que instruam e eduquem a infância e a juventude, para
construir hospitais que acolham enfermos pobres, ou para erguer abrigos que
assegurem aos velhos uma existência mais tranquila, no pôr de sol de suas
experiências terrenas.
As palavras do Mestre, na
chamada “oração sacerdotal”, exprimem cautela, revelam prudência.
O pensamento de Jesus — Não
peço que os tires do mundo, e, sim, que os guardes do mal — era o de
impedir que os discípulos viessem a empanar o fulgor da Boa Nova, o
universalismo da Doutrina Cristã, com um possível retraimento das lutas
mundanas.
A fuga ao trabalho, aos deveres
imediatos, poderia criar um precedente perigoso para as futuras realizações do
Evangelho.
Os discípulos, àquela época,
tanto quanto nós outros na atualidade, não prescindiam do clima ardoroso das
lutas terrestres — porque as lutas corrigem, aperfeiçoam, iluminam.
A oração do Senhor, proferida em
voz alta, haveria de causar-lhes duradoura impressão.
Repercutiria, profundamente, nos
séculos que se avizinhavam.
Assim é que, na hora da partida,
quando se preparava para o retorno às Esferas de Luz de Ignotas Regiões, fixou-lhes,
em definitivo, o procedimento no mundo, de maneira que, permanecendo eles no
mundo, dessem ao mundo testemunhos de luta e trabalho, compreensão e amor.
É por isso que os companheiros
do Mestre fundaram a “Casa do Caminho”, onde o faminto recebia alimento, onde o
esfarrapado encontrava vestuário, onde o doente alcançava amparo.
Ninguém pode dar testemunho de
valor espiritual, se não viveu provas difíceis, dramas intensos, complicados
problemas, se não viajou em águas procelosas.
Ninguém pode dar testemunho de
resistência moral, se não sentiu o impacto de fortes tentações, sobrepondo-se,
no entanto, a todas elas, pela inabalável determinação de vencer, pelo desejo
de realizar-se.
Num convento, numa caverna, na
solidão, tais oportunidades dificilmente se verificarão.
Viver no mundo — sem aderir ao
mundo.
Viver no mundo — sem
partilhar-lhe as paixões.
Viver no mundo — sem entregar-se
ao mundo.
Viver no mundo — mas livrar-se
do mal.
Transitar pela Terra — sem
chafurdar-se na lama dos vícios, é prova difícil, porém não impossível.
Pede decisão, esforço,
persistência.
Conhecendo o anseio de
crescimento espiritual, que era uma constante na vida dos discípulos, porém,
identificando-lhes igualmente a fragilidade humana, rogava Jesus ao Pai:
Não
peço que os tires do mundo, e, sim, que os guardes do mal
No pedido do Mestre nota-se,
amorosa, uma exortação à vigilância, para que não viessem eles a sucumbir ante
o mal, nas suas diversas manifestações.
O mundo, com seus conflitos e
suas tentações, era-lhes, sem dúvida, clima propício às experiências
renovadoras.
Fortalecidos, contudo, pelas
imortais lições de Jesus, haveriam de se converter, como de fato se
converteram, em exemplos vivos e atuantes de amor e trabalho.
O heroísmo dos primeiros
cristãos regou a árvore do Cristianismo.
A abnegação e o sacrifício dos
homens da “Casa do Caminho”, nas adjacências de Jerusalém, adubaram, para todos
os séculos e milênios, a sementeira do Evangelho.
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