Rogério Miguez
Allan Kardec fundou em 1 de
abril de 1858 o primeiro centro espírita da Terra, a Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE).
A SPEE contou com a colaboração
de vários membros filiados, dentre os quais destacamos o Sr. Sanson, desencarnado
em 21 de abril de 1862. Para se ter uma ideia do modo como se portou o Sr.
Sanson durante sua última existência terrena, logo após a sua desencarnação, um
Espírito de nome Georges transmitiu uma comunicação espontânea intitulada “A
morte do justo”.
O Sr. Sanson tinha plena
convicção sobre a continuidade da vida após o fenômeno da desencarnação. Para
ele a morte não passava de uma transformação, e tamanha era sua certeza, que
endereçou, ainda em vida, uma carta ao presidente da Sociedade instruindo-o
para que, tão logo desencarnasse, fosse evocado, a fim de fornecer informações,
fase por fase, sobre as circunstâncias decorrentes da morte.
E assim se fez. Allan Kardec,
para satisfazê-lo, evoca-o o mais breve possível, em 23 de abril de 1862, na
câmara mortuária em que ainda se achava o corpo, estabelecendo com o Espírito
Sanson diálogos memoráveis de vivo interesse a todos, incluindo um conjunto de
perguntas e respostas que deu origem, mais tarde, a um capítulo específico de O
céu e o inferno[2],
sob o título “Espíritos felizes”.
Mas, por qual razão o mestre de
Lyon, teria inserido esses diálogos sob o título de Espíritos felizes? A
resposta é simples: porque o Sr. Sanson estava lúcido, mesmo após a sua
recém-desencarnação, fato incomum, e mostrava-se muito feliz, justificando
plenamente a escolha por Allan Kardec do título do capítulo citado.
Vejamos, agora, por que razões o
Sr. Sanson se encontrava tão feliz quando foi evocado. O que teria feito em
vida para provocar tal estado de espírito?
O Sr. Sanson teve por guias
durante a sua existência a caridade e a abnegação. Construiu paulatinamente a
tranquilidade de consciência, preparando-se para este momento grave, que todos
atravessamos, característica daqueles que sabem se pautar regularmente, ainda
em vida, por tão nobres virtudes. Sim, os atos caridosos e as atitudes
abnegadas edificam no Espírito condições ímpares de evolução, ajudando-o na
passagem para o outro lado da vida e garantindo uma boa recepção por parte dos
Espíritos agradecidos, alcançados pelas condutas generosas e caritativas.
Certamente estas duas virtudes podem proporcionar uma desencarnação feliz,
permitindo inclusive que o Espírito se veja morrendo e renascendo, participando
lúcido do próprio desencarne, fato raro entre tantos outros processos de
desencarnação. A felicidade do guia espiritual ao nos rever, certamente será
motivo de imenso júbilo de nossa parte, quando mais uma vez nos veremos face a
face com aquele Espírito encarregado de nos guiar pelos caminhos da recém-finda
existência terrena. Reencontrá-lo, convictos de que tivemos uma vida profícua,
será garantia plena de sentimentos de pura felicidade, pouco experimentados
pela grande maioria das criaturas.
O Sr. Sanson cultivou a fé
verdadeira, inabalável, a que pode encarar a razão face a face, em todos as
épocas da Humanidade, fé que pode ser construída pelos ensinamentos e vivência
dos postulados espíritas. Quando cuidadosamente plantada em nosso íntimo, na
correção dos nossos atos, pensamentos e palavras, a fé dá ao Espírito a necessária
fortaleza, sobretudo quando ele percebe ser iminente o seu retorno à Vida
Maior. Esta fé também possui a capacidade de trazer tranquilidade mesmo nos
momentos mais difíceis, tais os que ora atravessa a Humanidade, de tantas
incertezas e inquietações, provocadas por uma estrutura ínfima,
submicroscópica, mas de elevado poder devastador: o novo coronavírus. O Sr.
Sanson, entre outros ao longo de nossa História, já naquela época detinha esta
fé, a certeza na continuidade da vida; portanto, nada temia, nada o abalava,
estava convicto de que poderia olhar serenamente todos os que o acompanharam
durante o seu anterior regresso à Terra, não havendo razão alguma para se
envergonhar da sua conduta.
O Sr. Sanson, em função do que
foi dito nos itens anteriores, não temia a morte, vendo-a apenas como uma etapa
da vida. Considerava uma felicidade morrer, desde que tivesse bem cumprido as
provações naturais da existência. Esta forma de entender o processo da vida:
nascer, morrer, renascer, está ausente em grande parte da Humanidade, mesmo
para aquelas pessoas que se dizem deístas, de todas as religiões, uma vez que,
embora creiam em Deus e na imortalidade, surpreendentemente temem a morte.
Talvez porque tragam as consciências culpadas por delitos cometidos durante a
atual existência e ainda não resgatados, seja pela justiça humana, seja pela
Justiça Divina. O temor adviria do fato de não se sentirem ajustadas com as
Leis de Deus e de que, ao morrerem, nada mais poderão esconder. Seja como for,
o medo da morte é um dos fatores infelicitadores da Humanidade. Para os
temerosos, disse Sanson: “[…] coragem e boa vontade! […]”.
Finalmente, o Sr. Sanson
emprestou aos bens materiais a atenção merecida, nem mais, nem menos. Não se
apegou a eles e ainda asseverou: “[…] Não se pode gozar muito, sem tirar o
bem-estar dos outros e sem fazer moralmente um grande, um imenso mal […]”.
Tudo indica ser esta última conduta exatamente a que falta àqueles que
desfrutam em demasia das benesses materiais que a Terra oferece, sem se
preocuparem com os deserdados, que nada possuem, marginalizados pela sociedade.
Estas sugestões do Sr. Sanson
para uma vida feliz servem, igualmente, para uma passagem tranquila rumo ao
“reino dos mortos”. Se pudermos aproveitar a experiência desse ilustre homem de
bem; se as suas lições de vida puderem nos sensibilizar de modo a seguirmos, ao
menos em parte, o que ele viveu, é possível, quando soar a nossa hora e o
barqueiro nos assinalar que chegou o momento de atravessarmos o simbólico rio
que separa os dois planos da Vida, que possamos escutar, do mais Além, a nosso
propósito, alguém que também diga: “Um justo morreu”.
[2] N.A.: Todas as citações e informes sobre o Sr. Sanson
foram retiradas da obra O céu e o inferno de Allan Kardec, trad. Evandro
Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2016, contidas na 2ª pt., cap. 2
– Espíritos felizes.
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